A Esmorga Blogue.- A terceira das nossas entrevistas é com David Cortom, um homem que muito recentemente decidiu apoiar o projecto esmorgano. David é psicopedagogo em exercício no liceu Outeiro Pedraio de Ourense e leva desde os 16 anos a participar activamente em todo o tipo de movimentos sociais, quer de tipo vicinal quer em sindicatos de ensino ou projectos de dinamização social, cultural e política.
Actualmente é um dos pilares da associação «Amigos da República» de Ourense e impulsionador dos encontros Galiza-Norte de Portugal «Raia Viva», além de ser um activo militante do BNG-Ourense. Estivemos com ele no nosso Centro Social para sabermos um bocadinho mais acerca da sua pessoa e das suas inquietações bem como conhecermos qual a sua visão da Esmorga sendo como é, por enquanto, a pessoa associada mais velha, embora nem tanto.
David, seria muito pretensioso pedir-te que nos faças uma breve análise a respeito da sociedade galega em geral, nomeadamente no tocante ao activismo social?
A nível de país este é um país em construção com muitas eivas de situações históricas que herdamos e que ainda é preciso superarmos. Por outra parte, neste momento o chamado movimento globalizador, quer pela potência dos meios de comunicação quanto pela própria dinâmica económica e social a nível mundial, faz com que as modas nas formas de agir, viver... se transladem rapidamente de umas sociedades para outras.
Falando na sociedade galega ela tem uns níveis de desenvolvimento económico que não teve nunca, por primeira vez somos receptores importantes de emigrantes, de mão de obra, de pessoas procedentes de novas culturas e com outras visões o que configura um panorama cheio de esperança mas também com diversos problemas e dificuldades.
E os agentes sociais e políticos...
A nível geral os partidos políticos, por seu lado, tendem a tornar-se instrumentos de apropriação da acção política, entendida esta como a participação da cidadania. Os partidos políticos, em termos gerais, tendem a monopolizar essa participação e destarte as demandas sociais tornam-se menores do que em épocas anteriores, também porque a «opulência económica» faz com que nos dias de hoje aqui na Galiza pareça que não existem grandes reivindicações sócio-económicas.
A respeito dos movimentos sindicais, que em seu dia ajudaram a conseguir avanços sociais importantes, também neste momento estão totalmente inseridos dentro da dinâmica de poder, cumprem a sua função no sistema político mas também não são uma grande alternativa como movimentos sociais.
Podemos falar, portanto, em «doenças sociais»? Quais os instrumentos para combatê-las?
É claro que perante esta situação é preciso agir, despertar a consciência crítica perante as instituições, tomar consciência de quais as realidades do país...
Curiosamente a globalização fez com que hoje estejam a surgir movimentos que defendem a identidade, a diversidade e a volta às fontes, reagindo perante esse pensamento e modo de agir únicos, perante as normas impostas de fora... Por exemplo, destaco a reacção na Europa à chamada Constituição Europeia, que partiu de alguma dessas concepções.
Falando no movimento social, do associacionismo, qual é neste momento para ti a sua importância na sociedade galega, em particular na ourensana, ou também se tornou em mais um elo sistémico?
Bom, sistémicos tornamo-nos todos e todas, e isso não é bom nem mau. O que devemos saber é em que campo estamos a jogar em cada momento. Por exemplo, quando nós criamos «Amig@s da República» tínhamos a ideia de impulsionar uma diversidade de pensamento que achávamos não existia, um pensamento mais crítico, anti-sistema, com um espaço para se manifestar.
O problema dos movimentos sociais é que vivemos numa sociedade muito complexa, multifacetada, não é fácil analisar todos os factores e considerá-los todos. Por vezes o associacionismo, quer juvenil quer cultural, tem a tentação de situar-se tão frente ao sistema que não aproveita as próprias debilidades do mesmo sistema para crescer. Temos de saber que há umas normas sociais de jogo mas elas podem ser mudadas e temos de trabalhar para mudar as formas, também.
É certo que o movimento social tem menos influência social do que devesse ter, mas também não é certo que esteja morto. O associacionismo também é a esfera desportiva, por exemplo, onde há inúmeras entidades. O cultural está mais controlado, mas existe em actuações pontuais de grande destaque que fazem com que o indivíduo reflicta, e cada vez essas actuações se prolongam mais no tempo, isto é, o pessoal está mais anos a participar, com o qual há muita mais continuidade.
Falando para já de trabalhos concretos, tu, além de participares activamente em «Amig©s da República», também participas como impulsionador do projecto «Raia Viva»...
O projecto «Raia Viva» nasce como uma maneira de situar as relações Galiza-Norte de Portugal no campo da realidade, pois há como uma mitificação a respeito, quer de uma beira como da outra. Em Portugal há uma grande mitificação da Galiza, nomeadamente no desenvolvimento económico, com pessoas a falarem mesmo da necessidade de integrar a dinâmica económica do Norte de Portugal com a dinâmica galega.
Na Galiza também há muita mitificação do que é Portugal, uma sociedade que está nos dias de hoje a viver uma transformação económica muito forte, com uma acentuação dos vícios próprios das sociedades ocidentais capitalistas que está a rachar com uma sociedade rural, tal e qual aconteceu há uns anos na Galiza, sem uma alternativa para construir uma identidade nova, um futuro novo.
Enfim, todo o trabalho vai encaminhado para chegarmo-nos a entender, designadamente passando pela constituição verdadeira da Euro-Região Galiza-Norte de Portugal. Para isso, previamente, o que devemos é conhecermos mutuamente as realidades em que estamos a viver numa e noutra parte, pois com os mitos é difícil a construção de uma identidade própria forte e verdadeira.
Precisamente agora em Março decorre na nossa cidade a segunda parte do Congresso «Raia Viva»... Como vai ser focalizada?
A primeira parte, que decorreu em Chaves, era uma visão da raia do ponto de vista mais antropológico, centrada naquilo que é a memória, assunto este bastante trabalhado hoje na Galiza mas muito menos em Portugal onde ainda é difícil falar do que aconteceu na guerra colonial ou, então, durante a ditadura salazarista.
Estes trabalhos que impulsionamos no Congresso «Ria Viva» têm provocado reacções contrárias, quer num lado quer noutro, o que significa que é um assunto do presente e claramente para resgatá-lo do esquecimento. Tanto a Universidade Nova de Lisboa quanto as universidades galegas estão já a fomentar muitos trabalhos sobre a raia, quando até a pouco apenas tínhamos os trabalhos, magníficos por outro lado, da Prof. Paula Godinho.
Aqui em Ourense o que pretendemos é fazermos um Congresso mais com base para fomentar o trabalho dos historiadores e tencionamos realmente revitalizar uma recuperação cultural do mundo associativo de um lado e doutro, das mais do cento de associações que temos contactado, muitas delas quase esmorecidas.
Podes avançar-nos alguma coisa do programa concreto?
Será divulgado de aqui a pouco. Decorrerá nos dias 28, 29 e 30 de Março com participação importante de professores de história de Lisboa, do Porto, Trás-os-Montes, de investigadores alemães, catalães, de Aragão... Acho que vamos colocar o problema da «raia nossa» dentro do trabalho da investigação histórica europeia.
Voltando-nos agora para a Esmorga, há pouco tempo decidiste associar-te. Qual os motivos que influíram para apoiares uma associação como esta, composta por pessoal muito mais novo em idade do que tu?
É claro que o meu é apenas um pequeno apoio, eu já sou muito idoso... Bom, eu quando tinha 20-22 anos e participava em associações com dinâmicas parecidas a esta agradecia muito o apoio das pessoas mais velhas. Tudo aquilo que seja trabalho e criar dinâmicas e discursos alternativos aos oficiais é muito interessante, importa pouco o nome e mesmo a idade.
Gosto também muito da pluralidade que vou vendo na Esmorga, isso dá pé a que haja mais discursos e mais debate e isso é bom.
Olha, falando da juventude. Achas que a juventude dos dias de hoje é pior ou é melhor do que a juventude que te tocou viver?
Bom, para os mais idosos a lembrança da sua juventude sempre é melhor. Portanto é claro que a sua visão não pode ser real; o pessoal mais novo nunca se faz essa pergunta. Eu acho que hoje estamos perante a juventude melhor preparada que nunca teve este país, tanto em formação geral quanto em atitudes cívicas, em todos os âmbitos da vida.
Na minha época algumas pessoas reagimos perante o sistema, mas também nem fomos tantos, sinceramente acho que vivemos uma juventude bastante cinzenta, também pela situação em que estávamos - em comparação com a dos dias de hoje, o que se passa é que aquela luta está também mitificada por ser e realizar-se na época em que se realizou.
Hoje fala-se com normalidade de feminismo, ambientalismo, de língua, de cultura, de soberanismo... Além disso fala-se com conhecimento de causa, com um debate muito mais fundo. É certo que a situação económica é muito melhor e permite fazer melhor e mais profundamente todo este tipo de reflexões e agir a respeito.
Há, portanto, muitas coisas pelas quais lutar e A Esmorga pode contribuir dando mais no cravo do que na ferradura. Qual o projecto esmorgano que gostarias de ver consolidado de aqui a um tempo?
Eu gostaria de ver uma Esmorga em cada bairro da cidade, isso significaria que o país tem um modelo associacionista e um dinamismo cultural muito forte. Não sou partidário de marcar linhas de trabalho, antes exactamente acho que na medida em que se vão fazendo coisas também se vai agindo e dinamizando o projecto.
Penso que fazer propostas musicais, culturais, de todo o tipo, mesmo polémicas, significa que o país está vivo e a medrar, que há mais gente envolvida e portanto que a água está a correr e não encorada.
Escrito ?s 00:23:09 nas castegorias: Associaçom, Entrevistas
|
|
Gran entrevista. Gostei muito da tua análise e compartilho grandissima parte dela. Eu também gostaria de ver uma Esmorga em cada bairro, trabalho dificil, mas não impossível.
Gostei da entrevista, mas vejo uma diferença de conteúdos muito marcada a respeito das anteriores. Por uma banda, nem a Antom nem a Belém se lhe pediram reflexoes sócio-políticas como as que fez David, nem que falassem das suas militáncias em outras organizaçoes (nem se pugeram ligaçoes a essas organizaçoes!); por outra, nao se nos informa sobre o trabalho de David Cortom no seio da Esmorga, que se supoe que é o que nos interessa nesta web.
Acho que todas as entrevistas desta série deveriam têr as mesmas perguntas. E que nao se deveria ligar para nenhuma outra organizaçao, e menos para um partido político como é o BNG.
Amigo(a) um, agradeço em nome da Esmorga Blogue o teu comentário e, de alguma maneira, tento agora explicar alguma das questões que apresentas.
O David Cortom foi escolhido por ser um associado com importante trabalho noutras organizações do âmbito associativo ourensano, nomeadamente Amig@s da República, e também por ser uma das pessoas impulsionadores do Congresso «Raia Viva». O seu trabalho na Esmorga limita-se à militância, por isso nem se podia voltar a entrevista para esse lado. Lembro que o objectivo desta série é dar a conhecer o corpo social da Esmorga, não exclusivamente o trabalho que se faz na Esmorga, e ligado a isso a introdução social em cada sector o campo de trabalho.
É por isso pelo qual não é possível fazer sempre as mesmas perguntas ?coisa que por outro lado, com alguma excepção, eu nunca faria como entrevistador, pois acharia a série monótona, mas, reconheço, que isto é discutível. De todas as maneiras, a última pergunta da série sempre gira por volta da mesma questão (poder verificar com as anteriores duas entrevistas).
Por outro lado, a entrevista reproduz, com alguma licência jornalística no respeitante à língua ?advertida sempre à pessoa entrevista, as manifestações que essa pessoa diz na altura, sendo lógico que quando nomeia uma determinada organização, se ela tiver web, seja ligada (prática habitual na net). As outras pessoas entrevistadas não referiram explicitamente nenhuma organização, e se a referiram -estará na entevista, e não tem ligação é porque eu não peguei no web da mesma ou simplesmente não têm web.
Portanto, é claro que seguindo este roteiro de trabalho eu não vou colocar na boca de ninguém, nem tão sequer na apresentação, dado nenhum que não tenha sido referido pela pessoa em questão, pois esses dados são os que o(a) entrevistada(o) diz. Em seu caso a pessoa sempre há de ser informada e as coisas fazer-se-ám com a sua autorização.
De resto, acho desafortunado o último parágrafo respeitante ao BNG. Podes discordar dessa e de qualquer ?mesmo todas, as organizações políticas, sociais ou sindicais, mas não acho muito acertada a expressão «e menos para um partido político como é o BNG», pois repara que há muito pessoal esmorgano, com o cartão de sócia(o), que milita também nessa organização e imagino que pode julgar um bocadinho desrespeitosa essa afirmação.
Um abraço esmorgano,
Vítor Manuel Lourenço Peres
Co-responsável A Esmorga Blogue
Primeiro, voltar a dar os parabéns ao Vitor pelo trabalho tão bom que está a realizar desde este blogue.
Segundo, dizer que gostei imenso da entrevista, quer pelo interesse dos conteúdos quer pelo facto de ser realizada a uma das pessoas que mais está a fazer hoje pela Esmorga e o movimento associativo em geral na comarca de Ourense, embora o afirmado nalgum comentário.
Dizer que A Esmorga está a conseguir nestes últimos meses superar um dos problemas mais enraizados nas associações deste caracter, que é a tendência à endogamia, à marginalide e à auto-complacência, pois está-se a ser capaz de trabalhar com multidão de colectivos e instituiçoes políticas que não têm de partilhar necesariamente os nossos princípios integramente. Trata-se de aproveitar sinergias que pulam na mesma direcção.
Além disso, a pluralidade do colectivo está a ficar manifesta nesta série de entrevistas, o qual acho uma riqueza e não um “passo atrás", como algúns querem ver.
Com certeza, é mais fácil e cómodo predicar desde o cadeirão os “dogmas de fé” e o purismo ideológico dos “bons galegos", mas para quem temos a vontade de agir na sociedade para dinamizá-la e transformá-la, de nada serve predicar no ar maximalismos que quase ninguém escuta.
Cada qual, é livre de escolher o seu caminho, mas n’A Esmorga somos uma grande maioria as pessoas que queremos uma Esmorga plural e dinamizadora do movimento social, e com certeza, não vamos recuar nesta direcção.
Caro Vítor: agradeço a tua amabilidade na resposta, ainda que continuo a discordar. A ligaçao às organizaçoes nao aparece na resposta de David a nenhuma pergunta, mas na introduçao que o entrevistador faz. Se essa introduçao foi feita a partir de outras perguntas nao o sei, mas em todo caso suponho que uma delas teria sido algo do estilo “Em que organizaçoes militas?", o qual -insisto- nao vi nos anteriores entrevistados. Digo que discordo especialmente com ligar à web do BNG porque é um partido político, e A Esmorga acho que nao faz propaganda de partidos políticos, ainda que os seus membros pertencerem a eles.
Com respeito ao teu comentário, Alexandre, nao sou capaz de entender o teu tom agressivo. Discordo também com algumas análises que fazes (por exemplo as ladaínhas típicas que levais dizendo no BNG desde há 20 anos, do tipo: “para quem temos a vontade de agir na sociedade para dinamizá-la e transformá-la, de nada serve predicar no ar maximalismos que quase ninguém escuta"), mas principalmente surpreende-me a genreira das tuas palavras.
O meu comentário inicial só pretendia alertar sobre um tópico que (voluntariamente ou nao) se desprende de uma leitura das três entrevistas: do moço e da poeta apenas nos pode interessar o trabalho cultural que fazem ou a sua biografia na associaçao, enquanto só o homem maduro, histórico militante e membro dum partido, é que tem sentido que fale de coisas como o papel dos agentes sociais e políticos no nosso país, as suas “doenças sociais", o papel da juventude… Pessoalmente, também gostaria de saber a opiniao a respeito destes temas da rapariga que, sem militáncia nenhuma, vem de ingressar na Esmorga há dois meses (por pôr um exemplo).
Em definitivo, chamo a atençao sobre o facto de que nas entrevistas é possivel perceber um maior “respeito político” cara o último dos três entrevistados, e que possivelmente isto seja uma expressao involuntária de preconceitos latentes nos ou nas entrevistadoras.
Um saúdo.
Simplesmente reafirmar o meu apoio ao companheiro Vitor (embora o que ele possa pensar, eu acho, de largo, a pessoa mais válida hoje n’A Esmorga para gerir o blogue e realizar esta série de entrevistas) e encorajá-lo a continuar na mesma linha.
A respeito dos comentários de “um", dizer que não era intenção minha mostrar um tom agressivo (se é que assim o percebeu), e dizer também que gostaria de falar nestes casos cuma identidade real.
Aliás, aconselhar a “um” tirar muitos dos preconceitos que não entendo porque insiste neles, pois eu não sou militante do BNG (embora eu não tenha essa visão negativa que “um” parece ter a respeito desse partido), e eu não o “acuso” a ele de ser militante de nenhum colectivo político pelas opiniões que manifesta, como faz ele comigo.
Como disse, cada qual é livre de escolher o seu caminho e agir a vontade, sempre que se respeitem as pessoas.
Abraços a tod@s, avante com A Esmorga!
As pessoas entrevistadas tenhem direito a falar livremente e o entrevistador a demandar delas o que considere. O que diz o David é bastante mais interessante que a ligaçom ou nom a umha web. beijo