A ingerência humanitária em África, nova forma de domínio

21-06-2005

  15:58:10, por Corral   , 701 palavras  
Categorias: Outros

A ingerência humanitária em África, nova forma de domínio

Défice Democrático (4)
por Gerardo González Calvo

Esta expressão, «défice democrático», empregou-a o actual presidente da União Africana e chefe do Estado Federal da Nigéria, Olusegun Obasanjo, referindo-se à Costa do Marfim, durante a celebração do chamado acordo de Accra III, que teve lugar na capital ganense. Mas, em rigor, poderia aplicar-se à grande maioria dos países africanos, começando pela própria Nigéria.

Se observarmos os sistemas políticos, na breve história independente africana houve quatro etapas. Na primeira afloraram os «pais da pátria», primeira geração de dirigentes eleitos democraticamente: é a era dos Kwame Nkrumah, Félix Houphouet-Boigny, Sekou Touré, Julius Nyerere, Modibo Keita, Joseph Kasabuvu, Léopold Sédar Senghor... Na segunda etapa mantêm-se muitos destes dirigentes e chefes de estado militares, que acederam ao poder mediante um golpe de estado: é a era de Joseph Ankrah no Gana, Mobutu Sese Seko no antigo Zaire, Jean Bedel Bokassa na República Centro-africana, Idi Amin Dada no Uganda... Todos eles têm uma característica comum: proíbem os partidos políticos e criam um partido único, fundado pelo próprio chefe de estado. Houve então duas excepções: Gâmbia e Botswana, que mantiveram os partidos políticos e as eleições democráticas. Mais tarde uniu-se a estes dois países o Senegal de Senghor. Na terceira etapa, tímida e pouco duradoura, surgem alguns militares dispostos a governar com honestidade: é a era de Jerry Rawlings, Thomas Sankara e a primeira fase de Samuel K. Doe. Na quarta etapa, dá-se a eclosão do pluripartidarismo, nos rescaldo da queda do Muro de Berlim e dos regimes comunistas: é a era dos convertidos ao pluripartidarismo, com mais ou menos convicção, como Omar Bongo, Mathieu Kerekou, Kenneth Kaunda, Dennis Sassou-Nguesso, Paul Biya, Teodoro Obiang... No meio desta quarta etapa produz-se um fenómeno novo: o auge do banditismo e das milícias de diversas roupagens. Começou com as lutas na Libéria e estendeu-se à Serra Leoa, dois países onde se instalou o caos e nos quais foram cometidas atrocidades inimagináveis contra a população civil. Apareceram também ali os meninos soldados e as meninas sequestradas e utilizadas como escravas sexuais. Este fenómeno
ocorreu igualmente de jeito pavoroso no Norte do Uganda, onde ainda sobrevive.

O auge do banditismo ou das milícias com direito a saque provocou um desmesurado crescimento do número de armas na África Ocidental. A partir da Libéria e da Serra Leoa, uma vez alcançada a paz, houve um crescente tráfico de armas para outras zonas «quentes» ou em processo de «aquecimento», como a República Centro-africana, o Norte dos Camarões e a Costa do Marfim. Nunca houve tantas armas em circulação fora dos controlos estatais, armas empregadas também para roubos e assaltos. Segundo dados oficiais, no Gana há mais de 40 mil armas fora do controlo do Estado.

Nos quase 14 anos que dura já a quarta etapa, apenas mudou a forma despótica de exercer a política, embora apareça revestida de formalidade democrática. Inclusivamente, em alguns países como a Guiné Equatorial, actua-se com o mesmo quadro de partido único. Em quase todos existe uma grande quebra democrática. E em alguns, como no Togo e na Guiné Equatorial, a quebra traduz-se por uma persistente bancarrota. Não é nada estranho que Jean-Paul Ngoupande, ex-primeiro-ministro da República Centro-africana, tenha criticado com dureza o laxismo dos dirigentes africanos: «Mais de 40 anos depois da vaga de independências de 1960, não podemos continuar a atribuir a responsabilidade exclusiva das nossas desgraças ao colonialismo ou ao neocolonialismo das grandes potências, aos brancos, aos comerciantes estrangeiros e a não sei quem mais. Temos de aceitar, de uma vez por todas, que somos nós os principais culpados. O haver resvalado até à violência, o laxismo na gestão do bem público, o roubo em grande escala, o não saber aceitar diferenças entre etnias e regiões, tudo isto tem causas principalmente endógenas. Admiti-lo seria o começo da tomada de consciência e, portanto da sabedoria.

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