Osvaldo Martínez
Director do Centro de Investigaciones da Economía Mundial (CIEM), Habana.
Portanto, a primeira conclusão é que o livre comércio de hoje não é só e nem tanto uma abertura comercial em bens e serviços mensurável na balança comercial e sim uma estratégia de política dos países desenvolvidos para impor o modelo neoliberal por ser o que melhor serve os interesses dos consórcios transnacionais que são, por sua vez, os conceptualizadores da economia mundial.
Existe um abismo entre a retórica do livre comércio e a sua prática real. Aquilo que o poder mediático difunde a mensagem linear, simplista, que reduz a racionalidade económica a um irracional e primário esquema no qual a "boa economia" é sempre e para sempre o livre comércio em luta cerrada contra o proteccionismo estreito e absurdo que pretende desviar o ditame supremo do mercado com intervenções governamentais ou tentando substituir importações ou integrar mercados de países subdesenvolvidos com critérios de preferência regional ou subregional.. Esse poder mediático não difunde realidades como a seguinte:
O livre comércio promete uma vantajosa "inserção no comércio mundial" para os países pobres que cumpram as suas regras. Mas entre 1953 e 2002 a participação dos países subdesenvolvidos nas exportações mundiais de bens diminuiu de 35,6% para 26,1% (Oxfam, 2002). Os partidários do livre comércio dizem-nos que esta diminuição está compensada pela maior participação do Terceiro Mundo nas exportações de alta tecnologia, as quais passaram a ser de 10% em 1985 para 25% cerca do ano 2.000, Isto não mais do que uma miragem estatística e está muito longe de significar um aumento da investigação científica, da educação e do conhecimento que estariam por trás dessas supostas exportaçoes de alta tecnologia.
Não se trata mais do que comércio "intra-firma e intra-produto", ou seja, intercâmbios no interior das cadeias de empresas transnacionais que dentro delas e aproveitando a mobilidade planetária do capital, "compram" e "vendem" para si mesmas numa caricatura de comércio internacional que contudo aparece nas estatísticas como exportações de países em desenvolvimento. Este comércio dentro das transnacionais estima-se actualmente nuns 2/3 do comércio mundial. Este comércio "intra-firma" e "intra-produto", no qual uma transnacional compõe um produto final como resultado da montagem de partes produzidas nos países que menores custos ofereçam, especialmente custo laboral, modificou o significado da chamada ?inserçom no comércio mundial?.
Essa inserção não é a expressão do esforços nacional para abrir caminho na suposta "livre competição" e sim que a inserção é o acesso aos mercados corporativos internos, nos quais os países pobres nada decidem e em que só recebem passivamente as decisões tomadas pelas corporações. Quase toda a retórica que despeja a OMC, o FMI, o Banco Mundial, louvando o avanço de alguns países do Sul no comércio de bens de alta tecnologia, não significa em termos reais senão processos corporativos nos quais a Wal-Mart, Toyota, Nestlé ou outras corporações decidiram dispersar partes de produções nos países que melhores concessões lhe dêem.
Esse processo não é outra coisa senão o domínio corporativo numa nova escala na qual a submissão é mais refinada mas não deixa de ser submissão. Houve, sim, "uma inserção no comércio", mas não foi além de uma inserção subordinada dentro de uma cadeia corporativa.