O império barranco abaixo (2)

24-07-2005

  20:25:30, por Corral   , 926 palavras  
Categorias: Outros, Ensaio

O império barranco abaixo (2)

O império barranco abaixo (2)

Jorge Beinstein

Irão

A segunda má notícia também chegou do Médio Oriente. Uma peça decisiva da estratégia de ocupação do Iraque foi a manipulação de rivalidades étnicas (seguindo o modelo iuguslavo), sendo um dos objectivo centrais obter a cumplicidade de uma porção importante do xiitas pondo-os em choque com os sunitas, considerados a base principal da resistência. Mas os xiitas iraquianos têm a sua retaguarda cultural no Irão onde o xiismo protagoniza um processo revolucionário há um quarto de século. Além disso, em 2003 os falcões de Washington aspiravam replicar no Irão a sua vitória militar no Iraque, mas com o correr do tempo essas ilusões foram-se esfriando à medida que se afundavam no pântano iraquiano. Entretanto continuaram a hostilizar o Irão acreditando que assim acabariam por dobrar o governo moderado do presidente Khatami, representante da alta burguesia local, especialmente na sua política energética, mas obrigando-o também a pressionar os xiitas iraquianos a que se submetessem à estratégia do ocupante. Mas o prolongamento do massacre colonial no Iraque somado às fanfarronadas imperiais contra o Irão contribuíram de maneira decisiva não para amedrontar os iranianos, como supunham certos estrategas da Casa Branca, e sim para enfurecê-los contra o Império. A vitória eleitoral do futuro presidente Mahmud Ahmadineiad, expressão da radicalização dos sectores mais pobres, do país profundo, arvorando as bandeiras originais da revolução islâmica, de Khomeini, claramente anti-norteamericanas, significa um duro revés para os Estados Unidos, não só na sua política para o Golfo Pérsico como também na sua estratégia petrolífera global. Não é casual que uma das primeiras felicitações recebidas por Ahmadinejad tenha sido a enviada por Hugo Chávez.

Afganistão

A terceira má notícia chegou do longinquo Afeganistão, quase "esquecido" pelos meios internacionais de comunicação. Ali, segundo nos explicavam certos avaliadores ocidentais, a colonização tendia a estabilizar-se, a resistência (em especial aquela conduzida pelos talibans) estava a caminho da extinção. Mas essas análises eram falsas. Ao longo do segundo trimestre deste ano o Afeganistão reapareceu nas grandes publicações e écrans de televisão do Ocidente com frequência cada vez maior. À multiplicação das operações da resistência, crescentemente mortíferas, as forças de ocupação tentam, sem grande êxito, contrapor-se com abundância de massacres de população civil (os famosos "danos colaterais" ). Alguns peritos no tema não têm dúvida em falar da "iraquização" da guerra afegã [4] , ou seja: a emergência de uma guerrilha tecnicamente eficaz e descentralizada, contando com apoio activo da população e o desconcerto dos invasores e do seu governo títere local.

Com a chegada de Bush à Casa Branca foi elaborada a teoria de que a superpoderosa potência militar norte-americana era capaz de ganhar duas guerras importantes ao mesmo tempo. A experiência iraquiana demonstra que o império não pode enfrentar nem uma só guerra prolongada na periferia. Se a esse fracasso somar-se uma segunda frente de grande envergadura (e as notícias provenientes do Afeganistão assinalam que isso poderia vir a suceder) é muito provável que num futuro não muito distante vejamos os falcons em sérios apuros.

O fim da impunidade colonial

As três más notícias foram mais que completadas por uma quarta: o 7 de Julho de 2005. O atentado de Londres, pouco mais de um ano depois do acontecido em Madrid, está a marcar um facto novo: o fim da impunidade colonial. Nas guerra coloniais do passado (desde a conquista da América até a guerra do Vietnam) as metrópoles podiam continuar com sua vida pacífica normal enquanto as suas tropas massacravam os povos periféricos. Mas o século XX não transcorreu em vão: os processos de independência e recuperação ou recriação de identidades culturais na periferia, a interpenetração global (comunicacional, industrial, financeira, comercial, migratória, etc) e logo a marginalização e o esmagamento dos povos pobres do planeta (ainda que submetidos a uma modernização intensa) foram criando uma realidade diferente onde os mais oprimidos ao mesmo tempo que vêm agravada a sua situação percebem que podem rebelar-se e estender sua mão até o centro imperial do mundo. Através de redes humanas complexas os "danos colaterais" e outras humilhações coloniais ocorridas num rincão remoto do Iraque, do Afeganistão ou da Palestina podem agora ser respondidos no coração do território imperial, desapareceram as inibições culturais e os bloqueios técnicos que o impediam no passado. Ao ocorrer isto as populações dos países ricos descobrem que a guerra colonial produze uma espécie de "efeito boomerang" que leva a violência até a sua própria casa, por outras palavras, a guerra colonial vai deixando de ser o que era, uma guerra no "outro mundo", subdesenvolvido, ou seja, uma subguerra assimétrica, para converter-se em guerra integral onde ambos os espaços, o imperial e o colonizado, constituem teatros de operações militares.

Os espanhóis tiraram as suas conclusões acerca disto de modo imediato quando, logo após os atentados de Madrid, acabaram com o governo de Aznar e impuseram a retirada das suas tropas do Iraque. A paz foi a sua resposta.

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