Última entrevista de Vasco Gonçalves (2)

31-07-2005

  14:59:43, por Corral   , 784 palavras  
Categorias: Novas

Última entrevista de Vasco Gonçalves (2)

Última entrevista de Vasco Gonçalves
por Viriato Teles

VT: ? Há uma frase sua ? no livro que fez com Maria Manuela Cruzeiro ? a propósito do Programa do MFA, em cuja redacção participou: "Considerei que o Programa era muito interessante, uma vez que tinha sido elaborado por militares e estava nitidamente mais avançado do que o pensamento comum da generalidade dos militares". Quem o ouvir falar, até pode pensar que o senhor não tem grande apreço pelas qualidades intelectuais dos militares. É verdade?

VG: ? Essa dedução é errada. Do conteúdo em que se insere essa passagem da entrevista conclui-se, facilmente, que "pensamento" se refere a pensamento político, e não a pensamento tomado em sentido intelectual ou de desenvolvimento intelectual. Os militares eram sistematicamente educados e endoutrinados com o objectivo de afastar o seu pensamento das questões políticas e de os fazer aceitar como nacional e patriota a política do Estado Novo, ditatorial, da qual as Forças Armadas eram o último e decisivo sustentáculo. A Guerra Colonial foi para a grande parte dos oficiais do Quadro Permanente uma verdadeira escola de educação política, uma escola de consciencialização política, de percepção e de conhecimento das relações económico-sociais que conduziam à guerra que o governo fascista-colonialista fazia aos movimentos de libertação anti-colonialista e que arrastava o país para a grave situação em que se encontrava. Ora, o Programa reflectia essa consciencialização política, adquirida em grande parte com a guerra, pelos militares mais esclarecidos, que dirigiam o Movimento.

VT: ? Já ouvi algumas pessoas dizerem que, a princípio, desconfiaram do 25 de Abril por ser "uma coisa de militares". A verdade é que, por regra, quando os militares tomam o poder não é por boas razoes. O que é que fez a diferença em Portugal?

VG: ? O facto de as Forças Armadas terem sido o principal sustentáculo do governo fascista-colonialista, durante 48 anos, o conhecimento do mal estar generalizado existente nas Forças Armadas, provocado pela continuação da Guerra Colonial sem solução à vista, o conhecimento de que elementos da ultra-direita, entre os quais Kaúlza de Arriaga, descontentes com o governo pelo rumo que a guerra tomava, se movimentavam politicamente, terão levado a que houvesse esses temores. Mas essa movimentação política da ultra-direita foi, desde logo, contrariada e desmascarada, no seio das Forças Armadas pelo movimento de oficiais em processo de formação o qual pretendia que fosse alcançada uma solução política para a Guerra Colonial.

VT: ? Durante os seus governos, Portugal conheceu modificações extraordinárias: nacionalizaram-se os bancos e as principais indústrias, fizeram-se as campanhas de alfabetização, garantiram-se os principais direitos dos trabalhadores, avançou a reforma agrária? Pode dizer-se que o essencial das "promessas de Abril" se desenvolveu durante os seus governos. Na altura teve consciência plena da dimensão da mudança que estava a protagonizar?

VG: ? Tive. De facto, ao longo do processo histórico da Revolução de Abril foi surgindo, nas suas linhas gerais, um modelo de transição pacífica, democrático e pluralista para a democracia e o socialismo. Este modelo foi sendo elaborado, na prática, nas condições políticas, sociais, económicas e culturais do nosso país, fortemente determinadas pela aliança Povo-MFA, na dinâmica de uma acesa luta de classes, no contexto da crise económica capitalista de 1973-75 e das relações internacionais caracterizadas pela Guerra Fria. Sem dúvida que tive consciência da mudança que se estava a verificar, na qual participava, empenhadamente, como membro do Movimento das Forças Armadas, no contexto da aliança Povo-MFA.

VT: ? Depois de uma viagem a Cuba, Otelo Saraiva de Carvalho teve uma das suas declarações mais famosas, ao dizer que podia ser "o Fidel de Castro da Europa". O General Vasco Gonçalves alguma vez pensou em algo semelhante?

VG: - Nom

VT: ? Por falar em Cuba: acredita que os cubanos vão conseguir resistir aos apetites norte-americanos?

VG: ? Acredito. O êxito da resistência depende de numerosos factores objectivos e subjectivos, nacionais e internacionais, das correlações de forças que se vão verificando a nível nacional. Entre esses factores se destacam o patriotismo, a coesão, a consciência política, a vontade e a determinação do povo cubano, a construção real, apesar dos tremendos condicionalismos impostos pelo imperialismo norte-americano, de 45 anos, de uma sociedade que tem por objectivo, fundamental, a justiça social e a equidade. Cuba é um exemplo, para todos nós, de que é possível resistir ao imperialismo norte-americano.

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