Última entrevista de Vasco Gonçalves (3)

02-08-2005

  22:48:36, por Corral   , 926 palavras  
Categorias: Novas

Última entrevista de Vasco Gonçalves (3)

Última entrevista de Vasco Gonçalves
Viriato Teles

VT: ? A meu ver, a sobrevivência até aos nossos dias do regime cubano deve-se não apenas às condições geopolíticas ? já que Cuba conhece como ninguém o significado da palavra imperialismo ? mas também ao facto de ali se ter desenvolvido um "socialismo latino", de características próprias. Nós, em 74-75, também pensávamos que era possível uma "via original" para o socialismo. Hoje, ainda acredita nisso?

VG: ? A Revolução de Abril instaurou um regime de amplas liberdades, garantias e direitos políticos, cívicos, culturais, sindicais e laborais; destruiu as bases do capitalismo monopolista de estado e dos grupos económicos monopolistas; nacionalizou a banca e as companhias de seguros, os sectores básicos da produção, as principais empresas de transportes e comunicações, criando um sector público de peso determinante na nossa economia, na regulação do mercado e no comércio externo; realizou a Reforma Agrária com a supressão do latifúndio, dando origem à constituição de unidades colectivas de produção constituídas e dirigidas por trabalhadores assalariados rurais, trabalhadores sem terra e pequenos e médios proprietários rurais; aprovou uma nova lei de arrendamento rural, e devolveu aos povos os terrenos baldios; melhorou e dignificou substancialmente as condições de vida dos trabalhadores em geral e das mais vastas camadas da população; promoveu transformações progressistas no ensino, e um extraordinário aumento da frequência escolar; aprovou a criação do Serviço Nacional de Saúde, e desenvolveu a cultura e o desporto populares.

As conquistas democráticas alcançadas, nomeadamente no período mais criativo da Revolução, entre o 11 de Março e a queda do V Governo Provisório, foram todas consagradas na Constituição da República de 1976. A Constituição é filha da Revolução. As conquistas de Abril eram o caminho para o futuro de Portugal. Elas continuam, hoje, a ser devidamente analisadas, ponderadas, adaptadas e ajustadas, um objectivo para esse futuro, face às novas realidades do nosso país e do mundo. Uma missão da OCDE que esteve entre nós de 15 a 20 de Dezembro de 1975, composta por três professores do Departamento de Economia do Instituto de Tecnologia de Massachussets afirmou no seu relatório que "no princípio de 1976 a economia portuguesa está surpreendentemente saudável". A política económica que foi posta em prática, numa situação com as características da situação revolucionária que vivemos, naturalmente agitada e de grandes contradições sociais, no contexto da crise capitalista de 1973-75, a maior do pós-guerra, mostrou-se, pois, adequada. Penso que, nas suas linhas estruturais, definidoras, o ordenamento económico-social constitucional, de 1976, era correcto. Foram, precisamente, as mudanças estruturais, as nacionalizações, a reforma agrária, a participação dos trabalhadores, os aumentos salariais, a intervenção do Estado nas empresas em dificuldades que salvaram a nossa economia do colapso. Foi a falta do cumprimento, do ordenamento económico-social constitucional, foi a política neoliberal globalizadora, deliberadamente destrutiva desse ordenamento (privatizações, destruição da reforma agrária, cerceamento dos direitos dos trabalhadores, submissão às directivas da União Europeia, mercantilização da saúde, do ensino, da segurança social, etc.) que conduziram á presente situação. A mudança da correlação de forças políticas e sociais, civis e militares fez que não fossem consolidadas as conquistas da Revolução, e foi a origem dum processo contra-revolucionário que decorre há cerca de 28 anos. A mudança da correlação de forças teve múltiplas causas, entre as quais são de salientar: o agravamento da luta de classes; as divisões profundas dentro da esquerda do MFA; a persistência da ideologia burguesa e pequeno-burguesa entre a maioria dos militares e dos trabalhadores; os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte. A Revolução de Abril terá sido, na Europa Ocidental, e depois da Comuna de Paris, a maior ofensiva contra o capitalismo. Penso que os sectores revolucionários da nossa população, civis e militares fizeram o que lhes foi possível fazer, dentro dos objectivos do Programa das Forças Armadas, e tendo em vista a correlação de forças existente no momento.

VT: ? Na altura em que foi primeiro-ministro, teve a noção das movimentações de bastidores da diplomacia internacional no sentido de, de algum modo, traçar um rumo para a revolução portuguesa que fosse ao encontro dos vários interesses mundiais?

VG: - Sim

VT: ? Pergunto isto porque fui amigo do Francisco Costa Gomes Jr. ? o filho, já falecido, do Marechal Costa Gomes ? que uma vez me contou alguns pormenores muito curiosos da visita do pai, enquanto Presidente da República, a Moscovo. Ao que parece, terá havido uma pressão clara de Brejnev no sentido de Portugal abandonar a via socialista, que seria um projecto contrário à política de "coexistência pacífica" acordada tacitamente entre as duas super-potências. Soube disso?.

VG: - Soube, sim, da opiniom dos soviéticos

VT: - E qual foi a sua reacçom?

VG: ? Essas opiniões dos soviéticos não tiveram influência nas nossas decisões. Não foram novidade para nós, que fazíamos ideia das relações de força a nível internacional, e da existência da guerra-fria, a que já fiz referência quando falei do processo histórico do 25 de Abril.

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