Os organismos humanitários Human Rights Watch (HRW) e Amnistía Internacional (AI) uniram suas vozes para denunciar a situação das 2225 pessoas que cumprem sentenças de condenação perpétua em cárceres estadunidenses por delitos cometidos quando eram menores de idade. Delas, 356 (16 por cento) delinquiram quando tinham entre 13 e 15 anos de idade. No resto do mundo, as referidas organizações de direitos humanos só encontraram um total de 12 indivíduos em situação semelhante. No país vizinho, o índice de menores de raça negra condenados à prisão perpétua é 10 vezes maior que o de brancos.
Alison Parker, da HRW, assinalou que "se são muito jovens para votar ou comprar cigarros, também são muito jovens para passar o resto das suas vidas atrás das grades". Por sua vez, David Berger, advogado da AI, considerou que "os menores que cometem delitos graves ainda têm a capacidade de mudar e melhorar sua vida".
Esta situação judicial e penitenciária traduz-se em graves atropelos a instrumentos da legalidade internacional, como a Convenção dos Direitos da Criança, ratificada por todos os países, com excepção da Somália e dos próprios Estados Unidos. Além disso, é um agravo ao senso comum, pois por na prisão para o resto da sua existência um ser humano que não acabou de formar-se ? e de quem, por isso mesmo, não se deveria exigir um grau de responsabilidade equiparável ao dos adultos ? implica desconhecer noções básicas da humanidade e da vida.
Para além dessas considerações, o panorama dos reclusos condenados à cadeia perpétua por delitos de juventude e infância apresenta um retrato fiel da percepção que as instituições do país vizinho têm da justiça: o propósito final desta não é, na sua perspectiva, prevenir e erradicar o delito e tornar mais viáveis as relações entre os indivíduos de uma comunidade, e sim funcionar como uma maquinaria punitiva para que a autoridade pública cobre a vingança, em nome da sociedade, pelos agravos dos infractores.
Não é necessário dizer que em semelhante concepção não há lugar para as ideias de reabilitação e readaptação social dos transgressores, independentemente da idade que tenham no momento de delinquir. A etiqueta de "compassivo" que se afixa no conservadorismo governante, de raiz integrista cristã, revela, comparada com esta realidade, toda a sua hipocrisia. Por coincidência ou não, o tratamento judicial que os Estados Unidos concedem aos menores infractores encaixa-se na perfeição com os rudimentos de ideologia que manifesta do governo de George W. Bush, o mais significativo dos quais é uma visão do mundo maniqueísta, imutável e elementar, na qual tudo se reduz a uma luta entre o bem e o mal.
É revelador, por outro lado, que o país que se reclama campeão mundial da democracia, da liberdade e dos direitos humanos mantenha em celas vitalícias indivíduos que cometeram delitos quando eram crianças ou jovens, e que apenas em Março deste ano o Supremo Tribunal de Justiça de Washington tenha proibido, numa votação dividida e muito rente (cinco votos a favor, quatro contra), aplicar a pena de morte em tais circunstâncias. É significativo, também, que esse país, com 59 justiçamentos em 2004, ocupe o quarto lugar na lista de países que recorrem com maior frequência a esse castigo desumano, bárbaro e degradante, só abaixo da China (3515 justiçamentos no ano passado), Irão (159) e Vietnam (64). É revelador, também, que nos Estados Unidos haja mais jovens negros nos cárceres do que nas universidades, e que 46 por cento do total dos reclusos sejam afro-estadunidenses, frente a 36 por cento de brancos, o que representa uma desproporção num país cuja população compõe-se em 82 por cento de brancos e 13 por cento de negros.
Em suma, a justiça e o sistema penitenciário nos Estados Unidos são entidades que se cevam não contra os delinquentes mais perigosos e sim contra os mais débeis: crianças, jovens e negros.