Fazem falta mais greves selvagens

04-08-2006

  20:14:32, por Corral   , 953 palavras  
Categorias: Outros, Ensaio

Fazem falta mais greves selvagens

Felipe Romero

Noção básica número 1 sobre o movimento operário: os trabalhadores sentem e padecem.

Dizia o tio Karl (Marx) algo óbvio. Em frente a outros factores necessários na produção (factores que o capital adquiria ou requeria, como o capital financeiro, o capital cristalizado em maquinaria ou matérias primas), o factor humano (ou capital humano) se caracterizava por sua capacidade emocional e cognitiva. É o único factor, o único elemento da equação produtiva que dispõe de capacidade emocional e, com isso, capacidade de desobediência. Capacidade de desobedecer no momento, no instante, quando se sente traído, quando se sente ameaçado. Se você ameaça com pôr a dois mil pessoas na rua, de ameaçar seu futuro, suas condições de vida, as de seus filhos e seus familiares, quiçá se queixem.

Noção básica número 2 sobre o movimento operário: o invisível deve fazer-se visível.

À ameaça de despedido, resposta de desobediência. Capital convulso, capital improdutivo. E sozinho convulsões ao capital se consegues:

a) Fazer visível suas bases. Onde se encontram os viajantes e suas malas? Ao início e ao final. Enquanto, percorrem terminais cheios de lojas, repletas de comércios e vendedores uniformados. Detrás, num espaço indeterminado, estarão quem movem suas malas, ocultos, desaparecidos. Só há breves cruzes com o viajante: quanto este vê desde a janela como cai sua mala, quando a vê aparecer na fita transportadora. O que não verá é ao factor trabalho que leva a cabo essa tarefa. Na greve, a mala, esse objecto que desaparece num processo desconhecido, toma protagonismo. A mão de obra é ainda real no handling: até o nome trata de escurecer a realidade do factor trabalho. A greve demonstra-nos que estão aí, os meios já então os mostram. Recorda você ter visto imagens do factor trabalho na inauguraçom do T4 de Baralhas? Não, terá visto pistas, estruturas arquitectónicas, radares, fitas transportadoras, etc., mas não terá visto mãos, não terá visto o handling.

b) Paralisá-lo: o capital é capital em movimento. Parado, são coisas: aviões, malas, mercadorias. Em circulação é benefício.

O não visível não é respeitado. O que não paralisa, não incomoda.

Noção básica número 3 sobre o movimento operário: primeiro trabalhadores, depois cidadãos.

Na cidade da cidadania, a religião progressista que garante a obediência sumisa como rasgo de imagem da Barcelona cosmopolita, o invisível toma corpo, toma a pista. Na cidade que assiste à greve mais longa de sua história como se nada passasse, na Catalunha que se centra em suas identidades enquanto se produz uma razia da dissidência numa de suas indústrias de referência, tratam de centrar nossa atenção em quem perdem um voo em lugar de em quem perdem um futuro. A cidadania não é civismo, é ter direitos: o primeiro, a desobedecer.

Noção básica número 4 sobre o movimento operário: primeiro trabalhadores, depois sindicalistas.

Na investigação social e de mercados, tende a se diferenciar entre metodologias quantitativas e qualitativas. No segundo caso, as ferramentas mais habituais são a entrevista em profundidade e o grupo de discussão. No primeiro caso, a teoria diz que o indivíduo fala conforme a sua posição no grupo social ao que pertence. No grupo de discussão, fala conforme ao que "deve se dizer" num meio compartilhado com iguais, ao mesmo tempo que é capaz de apresentar, de assinalar, os desejos próprios desses iguais: dito de alguma forma, pode apresentar as utopias associadas ao discurso social próprio do grupo ao que pertencem. Por exemplo, um grupo de mães trabalhadoras dentre 30 e 40 anos de classe média dirá o que "deve se dizer" sobre a maternidade, sobre a dificuldade de conciliar vida familiar e trabalhista, e projectará seu desejo de superar as contradições. O publicista habilidoso encontrará o modo de transmitir que determinado alimento precozinado permite acercar a utopia dessa conciliaçom. No entanto, a ferramenta mais potente é a assembleia: aqui não se pesquisa à sociedade, senão que se observa à sociedade em movimento. Enquanto no grupo de discussão os participantes podem expressar seu desejo mas não o levar a cabo (foram convocados para um intervalo de tempo determinado e não se conhecem entre si) na assembleia os participantes provem de um espaço comum e sua relação manter-se-á no tempo: são capazes por tanto de converter seu desejo em acção (por isso empresários e sindicatos desconfiam particularmente das assembleias). Nesse sentido diz-se que são constituintes, por ter a capacidade de mudar o ordem estabelecido até o momento conforme ao desejo dos participantes.

Levado ao âmbito do trabalho, a assembleia, por sua própria dinâmica, é o espaço onde a produção do desejo (própria do grupo de discussão) avança para sua própria consecuçom (rasgo da assembleia, onde os corpos presentes se dotam a si mesmos de capacidade decisória). É o pânico do sindicato, concebido como mecanismo de representação, responsável de si e de seus representados, esse "agente social" que dá estabilidade e limita a expressão do desejo

. Noção básica número 5 sobre o movimento operário: fazem falta mais greves selvagens.

Se o trabalho sente e padece, se tem direitos, se o capital sozinho se ressente quando o factor trabalho o paralisa e se faz visível, se os sindicatos são algo diferente a ferramentas para satisfazer o desejo dos trabalhadores,...., fazem falta mais greves selvagens.

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