por Edmilson Costa [*]
A terceira onda da crise: O capitalismo no olho do furacão
? desarticulação monetário-financeira, depressão prolongada e lutas sociais
A crise sistêmica global encaminha-se para um novo patamar de ebulição, com impactos muitos mais explosivos do que em 2008, quando quebrou o Lehmon Brothers. Podemos dizer que aquele episódio, apesar das conseqüências devastadoras para a economia mundial e, especialmente, para os Estados Unidos, deve ser considerado apenas como o início da crise sistêmica global. As contradições violentas que se acumularam no interior do sistema capitalista desde a década de 70 e se aprofundaram com as políticas monetaristas nas décadas de 80 e 90, ainda não se manifestaram em toda a sua plenitude. Estamos nos aproximando de mudanças quantitativas e qualitativas no interior da ordem internacional capitalista, tais como a desarticulação do sistema monetário-financeiro que emergiu após a Segunda Guerra Mundial, a depressão prolongada na grande maioria dos países capitalistas centrais, especialmente na economia-líder, e a retomada das lutas sociais em dimensão global.
O período que se abre agora vai entrecruzar um conjunto de fenômenos explosivos que tornarão o início da crise apenas como a primeira ventania antes da grande tempestade. Passado o período de tensa calmaria ocorrido em função das injeções trilionárias de dólares pelos governos dos países centrais, principalmente os EUA, ocasião em que os meios de comunicação procuraram criar um clima manipulatório de normalidade e retomada do crescimento, a hora da verdade está chegando para todos os gestores políticos do grande capital, todos eles ainda presos aos valores de um mundo que começou a ruir em 2008 e, por isso mesmo, não conseguem compreender a profundidade da crise, nem tomar as medidas necessárias para enfrentá-la. Continuam a utilizar os mesmos métodos do passado para fenômenos inteiramente novos do mundo do presente.
A recessão na Europa e, especialmente, na zona do euro, já uma realidade, muito embora ainda seja mais forte nas regiões da Europa do Sul, os elos débeis do sistema imperialista europeu. Mesmo com todas as tentativas de regulação, injeções trilionárias de recursos para salvar países e bancos, a economia européia está mergulhada na recessão, tanto porque os problemas que originaram a crise não foram resolvidos como porque as medidas de austeridade vão aprofundar ainda mais o processo recessivo. Os ajustes que estão sendo realizados em praticamente todos os países aumentam o desemprego e a queda da atividade econômica. O desemprego médio na região está acima de dois dígitos, sendo que em vários países ultrapassa 20% e entre os jovens este índice ainda é maior. Desemprego significa queda na renda [NR] e queda na renda tem como resultado redução do consumo e, portanto, mais recessão.
Nos Estados Unidos a situação é ainda mais grave, apesar da manipulação da mídia e das estatísticas não revelarem em plenitude a crise da economia-líder. Na verdade, os Estados Unidos condensam todos os problemas da crise capitalista: uma dívida pública que já ultrapassa 100% do PIB, com impactos potenciais muito mais explosivos que a dívida européia, pois a carga tributária norte-americana corresponde a apenas 19% do PIB, enquanto na Europa ultrapassa uma média de 30%.
A crise fiscal se torna cada vez mais problemática, com vários Estados e municípios em situação pré-falimentar, além do fato de que as políticas de facilidades quantitativas ( qualitative easing 1 e 2 ) estão se tornando inviáveis politicamente, tanto do ponto de vista interno quanto internacionalmente. A crise do setor imobiliário continua se agravando, com o preço das residências caindo à medida em que a crise persiste. Existem ainda os cortes no orçamento que o governo está realizando para satisfazer as pressões dos republicanos.
Essas medidas ainda não produziram resultados explosivos porque o Fed tem conseguido até agora realizar um conjunto de ações que vem adiando a emergência explicita da crise (juros baixíssimos, injeções de recursos no sistema financeiro, facilidades quantitativas, etc), mas esse arsenal de medidas tem limites e não pode se sustentar indefinidamente, uma vez que produzirão efeitos colaterais severos na economia. À medida em que a campanha eleitoral se desenvolva, vai ficar mais clara a gravidade dos problemas. A esses problemas podem ser adicionados a questão do dólar como moeda de reserva mundial e a dívida pública que já ultrapassou 100% do PIB.
Outro ponto importante a ser abordado nesta crise é o surgimento das lutas sociais. Se na primeira onda da crise os trabalhadores praticamente se comportaram como espectadores, a partir da segunda onda, com a crise das dívidas soberanas e as medidas de ajustes do grande capital, as lutas sociais emergiram em praticamente todas as regiões afetadas pela crise. Mesmo ainda embrionárias, com elevado grau de espontaneísmo, sem uma direção com perspectiva de classe na maioria dos países, essas lutas estão se intensificando, especialmente na Europa, onde o capital tem realizado os ajustes mais severos. Mesmo nos Estados Unidos, surgiram vários movimentos em resposta à crise, em vários Estados, especialmente o Ocuppy Wall Stret, que tem grande potencial de desenvolvimento com o aprofundamento da crise.
Esses fenômenos ainda não estão plenamente percebidos em função de avassaladora manipulação midiática que o capital desenvolve cotidianamente para dar uma aparência de normalidade à conjuntura. Mas a crise é dramática e, em algum momento próximo, os elementos objetivos da crise irão se impor e então as pessoas tomarão conhecimento da extensão do problema. Estamos nos aproximando daqueles momento em que o impensável acontece como se fosse fato do cotidiano.
Crises cíclicas e crises sistêmicas
Há uma enorme confusão e desconhecimento sobre a questão das crises e, especialmente, sobre as crises sistêmicas. Por isso, é importante realizarmos um esforço no sentido não só de precisar melhor esta questão como também tentar estabelecer um estatuto teórico às crises sistêmicas, buscando avançar em relação a alguns fundamentos não observados pelos clássicos, de forma a precisar melhor a natureza do fenômeno, bem como suas implicações econômicas, políticas e sociais.
As crises são fenômenos imanentes do sistema capitalista, oriundas da contradição central entre o caráter social da produção e a apropriação privada de seus resultados e ocorrem com periodicidade regular desde os primórdios deste modo de produção. As crises não têm origem monocausal conforme muitos marxistas costumam analisar esses fenômenos. Resultam das contradições gerais do sistema: não tem origem no subconsumo, não é crise de desproporção entre os diversos setores de produção, não é crise em função da queda da taxa de lucro, da especulação financeira ou qualquer outro fator isoladamente. A crise é a fusão das contradições que se acumulam ao longo do ciclo, muito embora possam se expressar mais acentuadamente em uma ou outra variável específica.
Desde Adam Smith que se busca uma explicação para as crises cíclicas do capitalismo, passando por Ricardo, Malthus, Rodsberto, Sismondi, Marshall. Posteriormente, com o desenvolvimento do capitalismo, outros autores desenvolveram novas abordagens da crise, como os ciclos ou ondas longas, de Parvus, Von Gerendem, Kondratiev, Schumpeter, entre outros. Eles buscaram de alguma forma, com as ferramentas de sua época, identificar e compreender os fenômenos das crises. Estado estacionário em Smith, renda decrescente da terra em Ricardo, subconsumo das massas em Malthus, Sismondi e Rodsberto, os ciclos longos de Parvus, Von Gerendem, Krondratiev, as destruições criadoras em Schumpeter, todos eles tentaram explicar a natureza e o desenvolvimento das crises capitalistas.
No entanto, foi Marx quem definiu de maneira mais precisa os fundamentos teóricos das crises capitalistas, ao deslocar a análise da órbita da circulação para a esfera da produção e defini-la como sínteses de todas as contradições do capitalismo.
As crises sistêmicas
Para efeito desta análise, procuraremos diferenciar as crises cíclicas das crises sistêmicas, bem como tentar estabelecer um estatuto teórico para as crises sistêmicas. As crises cíclicas se transformaram em fenômenos recorrentes do modo de produção capitalista e para enfrentá-las o capital já adquiriu vasta experiência e desenvolveu ferramentas para atenuar seus efeitos mais perversos e ressurgir desse processo num patamar superior. Já as crises sistêmicas são bem mais complexas, com duração mais longa e efeitos devastadores mais acentuados. Seus resultados provocam mudanças profundas na vida econômica, na estrutura das relações de produção, na forma de dominação do capital, além de modificações em toda a vida social. Portanto, necessitam de um estatuto teórico à altura dos fenômenos que provoca.
Marx não viveu o suficiente para testemunhar as crises sistêmicas e delas apreender os resultados teóricos que expressou em relação às crises em geral. Escreveu sobre sua época, a época do capitalismo concorrencial e das crises cíclicas. Não tinha obrigação de adivinhar o futuro, nem teorizar sobre aquilo que ainda não existia, não possuía vida material. Como ele próprio enfatiza: "É por isso que a humanidade só apresenta os problemas que é capaz de resolver e, assim, numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para resolvê-lo já existiam ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer". [1]
Mesmo escrevendo sobre as crises em geral, no Manifesto Comunista, Marx já revelava alguma pista sobre o desenrolar das crises no capitalismo, muito embora não tenha escrito especificamente sobre as crises sistêmicas e, principalmente, sobre as crises do período da internacionalização da produção e das finanças, fenômenos que se tornaram conhecidos popularmente como globalização:
"A sociedade burguesa moderna, que criou gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas de anos a história da indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas modernas contra as modernas relações de produção ... Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a sociedade burguesa e seu domínio. Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos fabricados, mas também grande parte das próprias forças produtivas já criadas ... O sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu meio ... A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios para evitá-las" [2]
Em outras palavras, Marx já intuía que, à medida que o capitalismo fosse se desenvolvendo, o sistema chegaria ao ponto em que as crises seriam mais prolongadas, mais devastadoras e, especialmente, em função da própria ampliação do domínio do capital no mundo, seus gestores passariam a ter uma margem menor de manobra para evitá-las ou administrá-las, dada a amplitude do processo de acumulação e à junção de contradições cada vez mais novas e complexas neste modo de produção. Possivelmente, se tivesse vivido após 1873, época do início da primeira grande crise sistêmica do capitalismo, teria identificado esse fenômeno e elaborado as conclusões teóricas necessárias.
Friedrich Engels, seu parceiro teórico e de lutas, que viveu bastante tempo após a morte, e organizou sua obra seminal, os volumes II e III do Capital, já vislumbrava que algo de novo estava acontecendo em relação às crise capitalistas, conforme escreveu, em 1886, no prefácio da edição inglesa do Capital. "Enquanto a força produtiva cresce em progressão geométrica, a expansão dos mercados cresce, na melhor das hipóteses, em progressão aritmética. O ciclo decenal de estagnação, prosperidade, superprodução e crise, que se repetiu sempre, de 1827 a 1867, parece ter se esgotado. Mas só para deixarmos aterrissar no lodaçal desesperador de uma depressão crônica e duradoura". [3]
Alguns anos mais tarde, em 1890, em nota de rodapé do tomo II do Capital, Engels volta novamente a se referir às novas manifestações das crises, identificando alguns elementos constitutivos de uma crise diferente, muito embora ainda sem definí-la plenamente, até mesmo porque a crise sistêmica de 1873-1896 não estava totalmente completa nesse período. Apenas indaga se o sistema não estaria diante de um fenômeno mundial de "veemência inaudita":
"A forma aguda do processo periódico, com seu ciclo até então de 10 anos, parece ter cedido lugar a uma alternância mais crônica, mais prolongada, que se distribuiu entre diversos países em tempos diferentes, de melhoria relativamente curta e débil dos negócios e pressão relativamente longa e indecisa. Mas talvez trata-se apenas de uma expansão de duração do ciclo. Na infância do comércio mundial, de 1815 a 1847, pode-se comprovar ciclo de até cinco anos; de 1847 a 1867 os ciclos são decididamente de 10 anos; será que nos encontramos no período preparatório de uma nova crise mundial de veemência inaudita"? [4]
A partir dessas pistas, continuaremos nossa investigação seguindo as pegadas dos fundadores do marxismo, que definiram as crises do capitalismo como colapso da totalidade, a totalidade do capitalismo de sua época, a época do capitalismo concorrencial. Cremos que, a partir de um posto de observação do século XXI, quando o capitalismo atingiu seu amadurecimento pleno, poderemos realizar uma primeira mediação em relação a esta questão teórica, sugerindo que as crises cíclicas representam colapsos parciais da totalidade, enquanto as crises sistêmicas podem ser consideradas rebeliões generalizadas da totalidade contra a cisão da unidade entre valor de uso e valor, mercadoria e dinheiro, produção e consumo, forças produtivas e relações de produção plenamente desenvolvidas em nível mundial, provocadas pelas contradições do sistema capitalista e que se expressam explosivamente em toda a vida social, provocando mudanças quantitativas e qualitativas no modo de produção capitalista.
O correto entendimento teórico destas duas formas de manifestação da crise do capital nos permite compreender melhor a dinâmica histórica do capitalismo. Primeiro, as crises cíclicas são fenômenos perturbadores do curso natural deste modo de produção e já fazem parte do cotidiano histórico. Dada suas manifestações rotineiras, os capitalistas adquiriram experiência suficiente para manejá-las, atenuar suas dimensões mais destrutivas e renascer das cinzas num patamar superior, muito embora carreguem todas as contradições do passado e acrescentem novas contradições que se desenvolverão ao longo do próximo ciclo. As políticas keynesianas utilizadas generalizadamente após a Segunda Guerra Mundial podem ser consideradas como o exemplo mais sofisticado das ferramentas utilizadas pelos capitalistas para administrar o ciclo econômico.
No entanto, as crises sistêmicas têm uma dimensão superior, ocorrem em períodos mais longos, desestruturam toda a ordem anterior e constroem, sob seus escombros, uma nova ordem, isso porque significam a exaustão de um período histórico de acumulação do capital. As crises sistêmicas não só desorganizam de maneira radical o sistema econômico, político e social construído para responder às necessidades da ordem anterior, como atingem todas as instituições da velha ordem, em proporções tais que provocam mudanças no conjunto do sistema e abrem espaço para a contestação do próprio sistema, uma vez que nestas épocas de crises sistêmicas torna-se mais aberta a aliança entre o Estado e as classes dominantes, pois essas duas criaturas siamesas passam a agir abertamente no sentido de colocar todo o ônus da crise na conta dos trabalhadores, o que leva a intensas lutas sociais.
As crises sistêmicas carregam consigo um conjunto de fenômenos novos que vão muito além do horizonte convencional com o qual as classes dominantes estão acostumadas a lidar, para os quais as ferramentas corriqueiras do processo anterior (as crises cíclicas) não surtem os mesmos efeitos. Por isso, são muito mais explosivas, colocam em perigo a ordem capitalista e despertam os trabalhadores para as batalhas de classe. Também são mais duradouras: não apenas por carregarem consigo em bases ampliadas as velhas e novas contradições, mas porque as classes dominantes, acostumadas aos valores da velha ordem em desagregação, teimam em utilizar os instrumentos convencionais, num ambiente em que estes já não produzem mais os resultados que produziam no período precedente.
As crises sistêmicas do capitalismo apresentam características bastante diferentes das crises cíclicas comuns, em função não apenas de sua profundidade devastadora, mas também com relação à forma como se desenvolvem no ambiente econômico e social. Geralmente, as pessoas com pouco conhecimento histórico têm dificuldades de compreender as diferenças entre as crises cíclicas e as crises sistêmicas, confundem os dois fenômenos ou então imaginam as crises sistêmicas como colapsos destrutivos lineares que, ao serem desencadeadas, seguem uma trajetória avassaladora de maneira contínua, sem compassos de espera ou espasmos-recuperação.
A realidade das crises sistêmicas é bastante diferente: estas crises irrompem de maneira unilateral na conjuntura e realizam os primeiros estragos na economia e na sociedade, tomando a todos de surpresa. Mas os governos reagem com uma série de medidas que aliviam momentaneamente os efeitos mais perversos da crise. Num ambiente de tensões nos circuitos que se beneficiavam da bonança anterior à crise, esses setores procuram criar nos meios de comunicação uma atmosfera de normalidade e recuperação da economia, de forma a manter seus privilégios e retornar ao status precedente,
No entanto, a crise irrompe novamente de maneira unilateral na conjuntura, muitas vezes com mais intensidade que no período anterior, ampliando a destruição da primeira onda. Pode acontecer novamente um compasso de espera para emergir uma nova onda da crise e assim por diante até desagregar a velha ordem e provocar mudanças quantitativas e qualitativas no interior do sistema ou a mudança do próprio sistema. Nesse processo há apenas uma constância: a contínua deterioração das condições econômicas, sociais e políticas a cada patamar em que se desenvolve a crise.
As crises sistêmicas são também mais devastadoras porque reproduzem em bases ampliadas todas as contradições do capitalismo. Toda crise do capital traz um conteúdo novo à conjuntura, além de carregar em seu bojo as contradições do passado. No entanto, as crises sistêmicas são muito mais devastadoras porque são crises completas, rebeliões generalizadas da totalidade contra a velha ordem (Campos, 2001). Esta crise que explode em 2008 é a primeira grande crise completa do sistema capitalista, portanto mais explosiva, uma vez que envolve todo o arcabouço econômico e social do sistema capitalista ? a esfera da produção, da circulação, do crédito, das dívidas públicas e privadas, o sistema social, o meio ambiente e os valores neoliberais (Costa, 2009).
Como constatam Roubini e Mihm: "Infelizmente, as crises financeiras têm fluxos e refluxos; é raro que explodam de uma só vez e terminem. Na verdade, se parecem mais com furacões, que reúnem suas forças, amainam por algum tempo, para em seguida se tornar mais destrutivos. Isso reflete o fato de que as vulnerabilidades que se acumulam na formação de uma crise são generalizadas e sistêmicas". [5]
Assim foram as crises sistêmicas de 1873 e 1929. Em 1873, a crise começou pela Bolsa de Valores de Viena, seguiu com falências bancárias na Áustria e Alemanha, Estados Unidos e, posteriormente na Inglaterra. A crise se espalhou ainda pela área industrial, tendo como consequência grande desemprego entre os trabalhadores (Coggiola, 2009). [6] Como todas as crises sistêmicas, sua particularidade foi uma longa depressão, até 1896, ou seja, 23 anos de crise. No entanto, esta primeira grande crise sistêmica não foi linear como o senso comum costumar imaginar: ocorreram períodos de recuperação em vários pontos da curva descendente, conforme Dobb : "A grande depressão, iniciada em 1873, foi interrompida por surtos de recuperação em 1880 e 1888 e continuada até meados da década de 90". [7] A crise sistêmica iniciada em 1873 resultou macroeconomicamente na transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista.
A crise de 1929-1945, bem mais documentada, o que nos poupa de alongarmos em seus detalhes, produziu a segunda guerra mundial e a destruição das forças produtivas de praticamente toda a Europa. Nos Estados Unidos, epicentro da crise, o Produto Interno Bruto, entre 1929 e 1933, teve uma queda de mais de 25%, a Bolsa de Valores se desagregou, e o desemprego atingiu um quarto da população economicamente ativa. Da mesma forma que na crise sistêmica de 1873-1896 a crise nos EUA teve momentos de depressão e recuperação, especialmente com a política do New Deal e a produção para guerra, mesmo assim a produção de automóveis só alcançou os patamares do início da crise (1929) quatro anos após o fim da Segunda guerra Mundial, em 1949. [8]
Como pode ser observado na crise anterior, a crise de 1929-1945 produziu mudanças profundas na conjuntura econômica internacional, na organização do capitalismo e na correlação das forças sociais. Primeiro, a União soviética emerge da Segunda Guerra como uma poderosa potência econômica e militar, liderando um sistema socialista composto por um terço da humanidade. Segundo, os países capitalistas, sob pressão dos trabalhadores, reorganizam as relações de produção, tendo como norte teórico o keynesianismo e a construção do Estado do Bem Estar Social. No plano político, cria-se uma nova ordem econômica internacional, com novas instituições e com os países vencedores da guerra com poder de veto na Organização das Nações Unidas.
Portanto, essa nova crise sistêmica de 2008, por incorporar todas as contradições das crises anteriores e por ser a primeira crise completa do sistema capitalista, com certeza resultará também em mudanças de fundo na economia e na sociedade.
A crise sistêmica de 2008
A crise sistêmica de 2008 marca uma diferença qualitativa em relação às duas crises sistêmicas anteriores (1873-96 / 1929-1945), porque surge após um período em que o capitalismo se transformou num sistema mundial completo, em função da internacionalização da produção e da internacionalização financeira, popularmente denominada de globalização. Anteriormente, o sistema só era realmente completo no que se refere a duas variáveis da órbita da circulação: o comércio mundial e a exportação de capitais. Com a globalização, o sistema mundializou objetivamente as esferas da produção e da circulação, unificando globalmente o ciclo do capital e fechando assim uma etapa histórica que se iniciara com a revolução inglesa de 1640 na Inglaterra (Costa, 2009).
A internacionalização da produção possibilitou modificações profundas nas relações de produção internacionais e mudou de maneira expressiva a forma de expropriação do valor por parte da burguesia dos países centrais, possibilitando a descentralização dos ambientes de apropriação da mais-valia. Pela primeira vez na história do capitalismo, a burguesia passou a extrair diretamente e generalizadamente o valor fora de suas fronteiras nacionais, [9] transformando-se assim numa classe exploradora direta tanto nos países centrais quanto na periferia, o que confirma objetivamente o caráter internacional do proletariado.
No passado, a burguesia se apropriava do valor dos países periféricos mediante o comércio internacional, em função da troca desigual (produtos manufaturados versus matérias-primas), o pagamento dos juros das dívidas, os dividendos ou remessas de lucros enviadas pelas filiais de suas empresas que atuavam na órbita da circulação. Agora, o capital vive sua maturidade plena, ao transformar o planeta numa esfera única de investimento, produção, realização e acumulação do capital.
A internacionalização das finanças e, especialmente, a desregulamentação financeira realizada mundialmente após os governos Reagan e Tatcher, aliadas às ferramentas das tecnologias da informação e a universalização dos computadores, possibilitaram ao capital atuar com a mais ampla liberdade possível em todas as partes do mundo e auto-acrescentar-se ao longo das 24 horas do dia, rompendo assim as barreiras do espaço e do tempo, num processo como nunca antes se verificara no sistema capitalista. Para tanto, basta se utilizar da melhor maneira possível os fusos horários para atuar permanentemente em todas as praças financeiras do mundo, em todos os continentes.
Essas modificações operadas na área das finanças marcaram também uma mudança na correlação de forças entre as frações do grande capital internacional: o setor mais parasitário passou a hegemonizar as decisões econômicas e políticas nos países centrais e subordinou todos os outros setores à lógica financeira, desenvolvendo de maneira acelerada um processo especulativo que hegemonizou não só a esfera das finanças, mas contaminou a produção e as decisões orçamentárias do Estado. No plano político, esse movimento foi expresso nas políticas neoliberais desenvolvidas desde o final da década de 70 nos países centrais e, posteriormente, em todos os países capitalistas ligados à economia líder.
O frenesi especulativo se desenvolveu como um rastilho de pólvora, facilitado pela interconexão dos mercados financeiros e sua integração eletrônica, e resultou num enorme descolamento entre a órbita financeira e a esfera da produção, criando assim possibilidades de rupturas de liquidez a uma velocidade impressionante, em função da extraordinária capacidade de propagação pelos meios de comunicação, como se verificou a partir da queda do Lehmann Brothers.
Estas considerações precedentemente elencadas, levando em conta o grau de mudanças que se operou na base do sistema capitalismo, dão à atual crise sistêmica um conteúdo novo, fruto dos novos fenômenos que emergiram nesta fase do capitalismo. Conforme assinalávamos em ensaio publicado em fevereiro de 2009, a crise sistêmica global era profunda, devastadora e de longa duração: "Esta é a primeira grande crise realmente completa [10] do sistema capitalista, por isso mais complexa e potencialmente mais explosiva, uma vez que envolve toda a vida social do sistema capitalista ? a esfera da produção, da circulação, o crédito, as dívidas públicas e privadas, o sistema social, o meio ambiente, os valores neoliberais, a cultura individualista e, especialmente, o Estado como articulador do processo de acumulação". [11]
Portanto, a crise sistêmica mundial está em curso, apesar da manipulação diária operada pelos meios de comunicação. Eles buscam quotidianamente confundir os trabalhadores, buscando dar uma aparência de normalidade e recuperação da economia mundial, mas a realidade tem sido mais dura que as miragens plantadas pela mídia. Em breve estaremos assistindo um aprofundamento da crise, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, e a ampliação das lutas sociais nas principais regiões afetadas pela crise, uma vez que as medidas tomadas até agora para enfrentar a crise estão objetivamente criando as condições para seu acirramento.
A crise no coração do sistema
Conforme alertávamos em 2002, a crise mundial do capitalismo só estaria madura quanto atingisse o coração do sistema: os Estados Unidos, a Europa e o Japão. [12] Agora, com a crise sistêmica global, o mundo assiste a maior crise de toda a história do capitalismo e, ao mesmo tempo, inicia-se o processo de amadurecimento para as transformações de todas as instituições construídas em Bretton Woods. O velho sistema monetário-financeiro está desaparecendo, porque já não cumpre mais as funções para as quais foi criado e nem corresponde mais às novas relações de produção oriundas da internacionalização da produção e das finanças. A ordem econômica internacional está à deriva: suas instituições, seus métodos de regulação e ação política dos governos centrais se mostram incapazes de resolver os problemas oriundos da crise.
As várias frações de classe do grande capital, (norte-americano, europeu e japonês) tateiam no escuro, impotentes diante dos fenômenos novos para os quais não estão preparados. Não conseguem entender a profundidade da crise e continuam aplicando sem sucesso os mesmos métodos do passado. Essa impotência diante dos fatos objetivos da vida torna mais agressiva as elites parasitárias dos países centrais, que buscam a todo o custo sair da crise pelos métodos mais primitivos e predatórios, como a fomentação de guerras cada vez destrutivas contra nações que não obedecem aos ditames do capital, a imposições de ajustes econômicos predatórios contra os trabalhadores, buscando regredir seus direitos aos estatutos do século XIX, bem como a manipulação cada vez mais sem cerimônia dos meios de comunicação para justificar suas ações.
Mas a ofensiva do grande capital não pode esconder que o sistema capitalista está doente, passa pelo momento de maior dificuldade em toda a sua história e a crise sistêmica global tende a se agravar mais a cada dia que passa, porque desde que foi desencadeada nenhum dos problemas que a detonaram foi resolvido. Pelo contrário, a crise agora está mais explosiva porque reúne em torno de si todas as contradições do capitalismo oriundas do processo anterior e adiciona os novos fenômenos do capitalismo contemporâneo, o que a torna mais devastadora e cujo momento explosivo se aproxima com uma velocidade expressiva. Em breve, a crise completa do capital estará produzindo fenômenos tão desconcertantes que deixarão os observadores impressionados com sua dinâmica e efeitos econômicos, políticos, sociais e geopolíticos em todo o sistema capitalista.
Nossa investigação buscará apreender os principais elementos constitutivos da crise sistêmica global nas duas principais regiões do capitalismo central, Estados Unidos e a União Européia e, a partir desses dados objetivos, avaliar a profundidade da crise, os principais fenômenos novos que brotarão dessa conjuntura, bem como as possibilidades de mudanças no interior do sistema, a partir da entrada em cena de um novo personagem ? os trabalhadores, cuja resistência vem se manifestando em várias regiões, mas com o agravamento da crise está se abrindo um novo patamar na luta de classes internacional.
A crise fiscal nos Estados Unidos
A crise fiscal dos Estados Unidos é muito grave e atinge todas as esferas dos governos federal, estadual e municipal. A sociedade norte-americana está iniciando um período de dificuldades semelhantes aos países da periferia capitalista. O déficit público em 2010 atingiu 1,260 trilhão e nos últimos meses de 2011 atingiu cerca de 10% do PIB. Essa performance tende a se agravar em função da queda da atividade econômica, da redução no consumo das famílias, além do aumento do desemprego. Quer queira ou não o presidente Obama, os Estados Unidos iniciam, premidos pela lógica objetiva dos fatos, um período de austeridade que deverá agravar ainda mais a crise social no País, cuja expressão mais visível é o aumento do número de pobres, que hoje já alcança 60 milhões de pessoas.
A crise nos Estados Unidos tem origem nas contradições do sistema capitalista, mas carrega consigo uma série de problemas específicos que se foram acumulando ao longo dos anos, tais como o deslocamento de plantas industriais para outras regiões e, especialmente, em função de medidas tomadas pelo governo Bush, como a redução de impostos para os setores de maior renda [NR] , os gastos trilionários para resgatar os bancos da crise, as guerras no Afeganistão e Iraque, bem como a chamada "guerra contra o terror", que ampliou de maneira acentuada o aparato de espionagem e exércitos irregulares pelo mundo afora.
Vale ressaltar ainda que os Estados Unidos possuem um problema estrutural em relação ao orçamento. Enquanto nos países da zona do Euro a arrecadação tributária corresponde em média a cerca de 30% do PIB, nos Estados Unidos o País arrecada apenas 19% do produto. Essa é uma debilidade da economia norte-americana, porque o nível de arrecadação torna mais difícil uma solução do déficit no curto prazo, especialmente se levarmos em conta que a redução de impostos e aumento de gastos alteraram o panorama tributário norte-americano para níveis mais baixos desde 1950 (Eichengreen, 2011). A menos que haja uma política de ajuste predatório, o que é um problema com poucas perspectivas em função da reação da população, essa questão vai continuar por bastante tempo.
Esses problemas fizeram com que o déficit se fosse tornando cada vez mais uma bomba de efeito retardado, à medida em que a economia norte-americana perdia competitividade industrial, o setor financeiro passava a hegemonizar as decisões de política econômica, as administrações republicanas reduziam o imposto para os ricos e aumentavam as despesas militares. A crise veio ampliar o déficit, uma vez o governo teve que resgatar os bancos da falência e a recessão oriunda da crise duplicou o nível de desemprego e reduziu o consumo, completando assim um quadro de anemia fiscal no País. Vejamos mais detalhadamente os principais pontos que tornam o déficit fiscal uma questão explosiva, principalmente em função da crise:
1) O deslocamento das plantas fabris para outras regiões operou-se de maneira lenta mas permanente em função da queda na taxa de lucro nos Estados Unidos. Parcelas expressivas das grandes corporações deslocaram-se para vários continentes, especialmente para a Ásia em busca de mão-de-obra e matérias baratas e condições fiscais vantajosas. Os estrategistas do capital imaginavam que o poder hegemônico norte-americano criaria uma economia de serviços, com alta densidade tecnológica, a partir da qual os Estados Unidos capturariam parcela expressiva da mais-valia produzida mundialmente mediante a apropriação das rendas [NR] remetidas do exterior (royalties, patentes, dividendos, juros) e o sistema financeiro se encarregaria de reciclar os capitais que migrariam para Estados Unidos em função de seus mercados sofisticados e hegemônicos. Esse movimento reduziu a dinâmica do setor da economia que produzia o valor e abriu espaço para o frenesi especulativo que veio a se estilhaçar em 2008 e contaminar todos os setores econômicos do País.
A redução da competitividade industrial inverteu um curso histórico: os Estados Unidos passaram de maior exportador mundial para maior importador, acumulando ao longo dos últimos 30 anos crescentes déficit na balança comercial. Na década de 70, os EUA apresentaram apenas pequenos déficits na balança comercial, mas a partir de meados da década de 80 esses déficits foram crescendo de maneira extraordinária até ultrapassar, em 1984, a marca de US$ 100 mil milhões. A partir daí, os saldos negativos na balança comercial foram se avolumando até atingir US$ 328,8 mil milhões em 1999. A partir de 2003, os déficits passam a superar os US$ 500 mil milhões, até ultrapassar os US$ 800 mil milhões em 2006, 2007, 2008, caindo para US$ 634,9 mil milhões em 2010 (Tabela 1).
Tabela 1 ? Balança Comercial dos EUA,1983-2010
Ano
Exportação
Importação
Saldo comercial
1983 205,6 258,0 -52,4
1984 224,0 330,7 -106,7
1985 218,8 336,5 -117,7
1986 227,2 365,4 -138,2
1987 254,1 406,2 -152,1
1988 322,4 441,0 -118,6
1989 363,8 473,2 -109,4
1990 393,6 495,3 -101,7
1991 421,7 488,5 -66,8
1992 448,2 532,7 -84,5
1993 465,1 580,7 -115,6
1994 512,6 663,3 -150,7
1995 584,7 743,5 -158,8
1996 625,1 795,3 -170,2
1997 689,2 869,7 -180,5
1998 682,1 911,9 -229,8
1999 695,8 1.024,6 -328,8
2000 781,9 1.218,0 -436,1
2001 729,1 1.141,0 -411,9
2002 693,1 1.161,4 -468,3
2003 724,8 1.257,1 -532,3
2004 814,9 1.469,7 -654,8
2005 901,1 1.673,5 -772,4
2006 1.026,0 1.853,9 -827,9
2007 1.148,2 1.957,0 -808,8
2008 1.287,4 2.103,6 -816,2
2009 1.056,0 1.559,6 -503,6
2010 1.278,3 1.913,2 -634,9
Fonte: Department of Commerce (Bureau of the Census and Bureau of Economic Analysis), Table B -106
2) A conjuntura econômica viria a se deteriorar de maneira dramática após a crise sistêmica global. A redução dos impostos realizada entre 2001 e 2003 e os gastos com as guerras do Afeganistão e Iraque, após a queda das torres gêmeas, aliados à ampliação dos gastos militares secretos em função da política anti-terrorista do governo Bush, continuada por Obama, reduziram drasticamente o perfil tributário dos EUA. Passou-se de um superávit fiscal em 2000 para um déficit de 4% do PIB em 2007-2008 (Eichengreen, 2011). Essa conjuntura seria agravada de maneira dramática em função da crise sistêmica global, que levou o Tesouro a injetar cerca de 8,5 trilhões de dólares para salvar os bancos, o que agravou de maneira dramática a crise fiscal norte-americana.
3) Mas o problema menos conhecido e menos divulgado, mas tão grave como os precedentemente elencados, é a crise fiscal dos Estados e Municípios. Atualmente, 45 Estados estão com suas contas no vermelho. A crise fiscal regional é resultado tanto da recessão que o país enfrenta desde 2008, que reduziu as receitas, quanto das perdas oriundas das aplicações financeiras realizadas por Estados e Municípios na especulação financeira. Uma particularidade da legislação fiscal norte-americana é o fato de que os Estados e Municípios são proibidos de ter déficits, muito embora sempre encontrem uma maneira criativa de burlar a legislação.
Estados grandes e ricos como a Califórnia se encontram em calamidade fiscal, enquanto outros mais pobres também possuem déficits elevadíssimos. Por exemplo, 13 Estados estão com déficit acima de 20% em relação ao ano fiscal de 2011, seis Estados com déficit acima de 30% e 15 com déficit acima de 10%, o que configura uma situação dramática do ponto de vista fiscal (Tabela2). Como a crise eleva as despesas dos Estados e a recessão reduz as receitas, temos assim um dilema difícil de ser resolvido e que tende a se agravar à medida em que a recessão se ampliar pelo conjunto da economia.
Tabela 2 ? Déficit dos Estados em relação ao ano fiscal de 2011
Alabama 12,3 Loisiania 14,3 Oklahoma 13,7
Arizona 39,0 Maine 34,7 Oregon 34,2
Califórnia 20,7 Maryland 15,3 Pennsylvania 16,4
Colorado 25,1 Massachusetts 8,6 Rhode Island 13,4
Connecticut 28,8 Michigan 9,3 South Carolina 26,1
Delaware 11,4 Minnesota 25,0 South Dakota 8,8
District of Columbia 4,5 Mississipi 15,9 Tennessee 9,4
Florida 19,5 Missori 9,4 Texas 20,9
Georgia 25,4 Nebraska 9,7 Utah 14,7
Hawai 16,2 Nevada 54,5 Vermont 31,3
Idaho 3,5 New Hampshire 27,2 Virginia 8,5
Illinois 40,2 New Jersey 38,2 Washington 29,6
Indiana 9,4 New Mexico 9,1 West Virginia 3,6
Iowa 20,3 New York 15,9 Wiscosin 24.9
Kansas 10,1 North Carolina 30,6 Wyoming 10,3
Kentucky 9,1 Ohio 11,0 States total 19,9
Fonte: Center Of Budget and Policy Priorits, Tabel 4, March, 2012, by Elizabeth McNichol, Phil Oliff and Nicholas Johnson
Esta crise dentro da crise vem afetando diretamente a população, uma vez que os Estados endividados diminuem os salários dos funcionários e reduzem serviços como linhas de metrô, coleta de lixo, limpeza, assistência médica aos pobres, velhos e deficientes. Há ainda os cortes nas verbas para escolas e faculdades, demissão de professores, policiais, pessoal médico e funcionários públicos em geral. Some-se a isso o fato de que a infraestrutura de vários Estados e Municípios está em frangalhos, com equipamentos sociais precários, pontes desabando, escolas e hospitais sucateados.
Além dos problemas relacionados, um outro fator também veio adicionar mais um elemento explosivo: a crise dos títulos municipais ( Munis Bonds ) e a incapacidade dos governos locais de pagá-los diante da conjuntura de penúria fiscal. Trata-se de um mercado de US$ 3 trilhões, geralmente estável em tempos de bonança. No entanto, como em todas as crises, algumas questões que estavam adormecidas afloram na superfície com uma veemência extraordinária.
Pode-se dizer que há um sinal amarelo no mercado de Munis Bonds, não apenas porque há pelo US$ 10 mil milhões em títulos inadimplentes e outros US$$ 22 mil milhões em estado de stress, como costumam se referir eufemisticamente os comentaristas econômicos norte-americanos. Mas o indicador mais objetivo da crise desse mercado foi o fato de a Standard & Poor´s ter rebaixado a nota tríplice A (AAA) de 4% dos títulos desse mercado. Portanto, à medida em que a crise for avançando, o mercado de Munis Bonds também seguirá a rota de desagregação, amplificando para as populações regionais a crise nacional.
Outros dos indicadores da crise fiscal podem ser localizados nos gastos militares dos Estados Unidos. Mesmo com as promessas de retirada das tropas do Iraque e Afeganistão, os gastos norte-americanos continuam desproporcionais em relação ao resto do mundo. Para se ter uma idéia, o orçamento militar de 2011 está calculado em US$ 700 mil milhões (4,8% do PI, um quantum maior que os 17 maiores orçamentos militares do planeta e seis vezes maior que o da China, a nação com o segundo maior gasto do mundo. Nesta questão tanto faz ser republicano ou democrata, todos estão de acordo em manter a aperfeiçoar a máquina de guerra norte-americana e continuar alimentando o complexo industrial militar. Segundo informações dos meios de comunicação, essa máquina de guerra é composta por 560 bases militares fora dos Estados Unidos e um aparato de espionagem que tem mais pessoas com acesso a informações secretas que todas as pessoas que vivem na capital, Washington.
Quem imaginar que o final da guerra fria significou a redução desta máquina de guerra está completamente enganado. Hoje, os Estados Unidos não têm concorrentes no espaço aéreo nem nos mares: porta-aviões gigantes, submarinos atômicos, satélites por toda a parte, aviões robôs, bombas inteligentes guiadas a laser, caças-bombardeios, aviões invisíveis, tanques e helicópteros da mais alta sofisticação compõem a máquina militar mais agressiva que a humanidade já conheceu. Muito embora esse aparato seja assustador, ironicamente está perdendo a guerra para beduínos nas areias do Iraque e guerrilheiros das montanhas no Afeganistão, o que demonstra que a hegemonia não envolve apenas questões militares.
A crise da dívida dos Estados Unidos
A dívida dos Estados Unidos condensa atualmente toda a dinâmica da economia norte-americana, seus problemas, contradições e perspectivas, porque sintetiza historicamente as opções econômicas estratégicas, a euforia e as debilidades da economia líder do sistema capitalista. A crise da dívida, portanto, é o elemento catalisador de todos os problemas da sociedade norte-americana. Os dilemas políticos ocorridos recentemente no Congresso, referentes ao aumento do teto da dívida, são apenas a ponta do iceberg da crise política, econômica e social de um sistema imperial em decadência, cujos contornos ficarão mais claros à medida em que a crise for aprofundando as contradições de uma economia ferida.
Ao longo dos últimos 30 anos a dívida pública funcionou como uma espécie de colchão social, econômico e financeiro do sistema de poder imperial norte-americano. Trata-se de um débito que estruturou macroeconomicamente toda a ordem econômica internacional e possibilitou aos Estados Unidos viverem por várias décadas com déficits permanentes, um padrão de vida acima da média mundial, enquanto os países superavitários transformavam seus saldos comerciais positivos em títulos da dívida pública norte-americana.
Em função do poderio de sua economia, da liderança que exerciam no mundo capitalista, da sofisticação de seu mercado financeiro e da liquidez de seus papéis, os títulos da dívida dos EUA eram considerados o porto mais seguro para as aplicações das reservas internacionais de grande maioria dos países industrializados. Nações como a China, o Japão e o Brasil, principais detentores desses títulos, acumularam por anos a fio superávits comerciais e os trocaram por T-Bonds, títulos do Tesouro norte-americano, mesmo a uma taxa de juros extraordinariamente baixa, como se esses papéis representassem a cristalização do valor produzido mundialmente.
Para os Estados Unidos, tratava-se de um bom negócio. Sem trocadilho: um negócio da China! Como num transe de mágica, os sucessivos governos dos Estados Unidos conseguiam trocar papéis pintados (dólares) ou promissórias (títulos da dívida), ambos sem lastro em ativos reais, por bens tangíveis dos países produtores de manufaturas do resto do mundo. Demorou muito para que os governos começassem a compreender que a quantidade de dólares impressos pelos Estados Unidos e espalhados pelo mundo, bem como os títulos da dívida pelos quais trocavam seus superávits comerciais, não possuíam relação direta com os ativos reais dos Estados Unidos. Em outras palavras, os agentes econômicos que participaram dessa pantomina estão atualmente com uma batata quente na mão, pois a qualquer momento podem ser surpreendidos pela terrível notícia que seus papéis não valem quase nada, foram desvalorizados pela lei do valor.
Essa severa realidade está se aproximando com uma velocidade acentuada, em função desta terceira onda da crise global. Conforme advertíamos no início de 2009, a crise iria produzir um conjunto de fenômenos novos: "Quanto mais a crise se acirrar, mais haverá a possibilidade de questionamento da hegemonia norte-americana e um acirramento da disputa interimperialista, pois a crise pode gerar um clima de salve-se quem puder ... Existe ainda a possibilidade concreta de uma maxidesvalorização do dólar ou de um calote generalizado da dívida externa norte-americana". Naquela época pode ter parecido um exagero essas afirmações, mas agora já é parte de uma dolorosa realidade dolorosa para o mundo.
A dívida pública dos Estados Unidos vem crescendo de maneira impressionante desde o início deste século: correspondia a cerca de U$ 5 trilhões em 2000 e agora em outubro de 2011 se situa em torno de US$ 15 trilhões (aumentou três vezes na década), ou seja, cerca de 100% do PIB. Uma dívida dessa magnitude não seria grande problema se as circunstâncias não fossem as mais sombrias para a economia norte-americana, afinal países como a Itália convivem com déficits de mais de 100% do PIB há vários anos. Mas num período de crise sistêmica todos os valores do período anterior passam a ser questionados. O debilitamento da economia, aliada à disputa recente entre os republicanos e democratas em relação ao teto da dívida, acendeu o sinal amarelo para os detentores dos T-Bonds, criou um clima de desconfiança entre principais agentes econômicos, especialmente a China, e dificilmente essa conjuntura será revertida, em função do agravamento da crise.
Em termos de perspectiva, os T-Bonds já não podem ser considerados a base das finanças mundiais, uma vez que estão mais claras uma série de fissuras na estrutura de dominação econômica e financeira dos Estados Unidos. Pela primeira vez em 70 anos, uma agência de classificação de risco rebaixou a nota dos títulos norte-americanos. Um dos principais fundos privados de investimentos dos Estados Unidos, o PINCO, já colocou os T-Bonds fora do seu portfólio. A China, principal credor, discretamente está se desembaraçando desses títulos. E não faz em maior velocidade porque está presa ao destino de seu maior devedor. Caso se desfaça rapidamente a crise se aprofundará, haverá uma grande desvalorização, o que significa também prejuízos na mesma proporção para os chineses. Os bancos centrais dos principais países industrializados estão acelerando a compra de ouro, o que tem feito o preço do metal subir vertiginosamente, ao mesmo tempo em reflete a desconfiança na capacidade dos EUA de honrar a dívida.
Numa conjuntura dessa ordem a tendência principal é uma contínua deterioração da situação econômica financeira do País e, consequentemente, uma perda de confiança dos agentes econômicos na capacidade dos Estados Unidos de honrar a dívida. Quanto mais a conjuntura interna se deteriora (recessão, desemprego, crise imobiliária, austeridade fiscal, crise nas administrações locais, crise do dólar, crise social) basta uma fagulha, um elemento fortuito, para desencadear a nova onda da crise de grandes proporções que já está madura no interior do sistema. Uma crise no coração do sistema se espalhará pelo conjunto do planeta como um rastilho de pólvora, colocando a economia mundial numa situação mais explosiva que a de 2008.
A crise do dólar como moeda mundial
A dívida pública dos Estados Unidos e o dólar são como irmãos siameses. Portanto, o destino de um está ligado à performance do outro e vice-versa. Por isso, a crise da dívida contamina o prestígio da moeda norte-americana, abala sua credibilidade, consolida um clima de desconfiança e abre espaço para que os países passem a contestar com mais rigor a hegemonia do dólar. Por isso, várias nações já propõem abertamente a substituição do dólar como moeda mundial e instrumento de referência das transações internacionais.
O prestigio de uma moeda ? especialmente uma moeda de reserva internacional ? está umbilicalmente ligado à performance da economia que a emite. Desde os acordos de Bretton Woods o dólar tem sido a moeda de referência internacional. Mesmo que na década de 60 alguns países europeus, especialmente a França, tenham questionado o privilégio norte-americano, mesmo com a desvinculação do dólar em relação ao ouro anunciada por Nixon em 1971, a moeda norte-americana continuou sendo um porto seguro para as reservas internacionais dos Bancos Centrais e para as transações do comércio internacional.
No entanto, com a decadência da economia dos Estados Unidos, a emergência da China como potência mundial e o aparecimento do euro como moeda de grande parte dos países da Europa e, especialmente, com a crise sistêmica mundial e o aumento exponencial do endividamento norte-americano, o panorama mudou radicalmente. O que era impensável em tempos de calmaria ? a crise da dívida e a crise do dólar ? hoje é uma realidade para grande parte dos agentes econômicos. A maior parte dos Bancos Centrais bem que gostariam de se desfazer do dólar, mas um movimento brusco dessa ordem levaria a economia mundial ao caos e os países detentores de dólares a registrar enormes prejuízos.
O governo norte-americano injetou, desde o início da crise, cerca de US$ 8,5 trilhões para salvar os bancos e empresas e lançou dois Quantitative Easing (QE1 e QE2) e agora está com poucas condições de lançar um Quantitative Easing 3, porque as medidas tomadas anteriormente reduziram o estoque de ações do Federal Reserve, até mesmo estas trilionárias injeções de capitais não apresentaram resultados desejados, uma vez que a economia continua em processo de deterioração. Essa quantidade de dinheiro em circulação é uma bomba de efeito retardado para a economia dos Estados Unidos, pois em algum momento isso se refletirá em aumento da inflação e, conseqüentemente da taxa de juros, o que significa um tiro de misericórdia para qualquer esperança de recuperação econômica.
Além disso, as ações monetárias unilaterais geram sérios atritos com os aliados, porque inauguram uma espécie de guerra cambial sem nenhuma regulação. Com a inundação de dólares sem lastro no mundo, haverá uma sobrevalorização das moedas nacionais (e uma desvalorização do dólar) e um impacto negativo nas balanças comerciais, pois quanto mais valorizada a moeda nacional menos o País terá condições de exportar. Nesse contexto, cada País procurará tomar as medidas necessárias para proteger o seu setor exportador, o que em última instância tenderá a desencadear um protecionismo generalizado, um clima de salve-se quem puder.
Como os Bancos Centrais não podem se desfazer bruscamente do dólar, seguem uma estratégia discreta de diversificar seu portfólio, comprando ouro e realizando transações comerciais bilaterais em moedas locais (yuan na Ásia, Euro na Europa, Real com alguns países da América Latina) ou realizando fortes investimentos na aquisição de ativos reais pelo mundo, como compra de terras na África e América Latina, e empresas lucrativas em vários países, de forma a se desfazerem dos dólares em carteira. Mas esses movimentos não resolvem o problema central: há mais dólares no mundo que os ativos reais norte-americanos possam representar e esse fato em algum momento será um fator para a contestação final do dólar como moeda de reserva, como já vem sendo feito pela China, especialmente com o agravamento da crise, afinal uma economia moribunda não pode ter uma moeda de reserva mundial.
No entanto, a crise não significa que uma outra moeda venha substituir imediatamente o dólar, pois este ainda possui um peso grande na economia mundial e o Euro ou o Yuan ainda não estão em condições de substituí-lo. Para se ter uma idéia, o dólar representava 61% das divisas internacionais, em 2010. Continua a moeda dominante nos mercados cambiais, com 85% das operações; Cerca de 45% dos títulos das dívidas dos países são expressos em dólar (Eichengreem, 2011). Portanto, numa situação de crise, uma solução temporária poderá ser a criação de uma cesta de moeda compostas por Euro, Yuan, Dólar, Real, Rublo e DES (Depósitos Especiais de Saque) do FMI. Mas essa solução não impediria a desarticulação do sistema monetário financeiro montado a partir de 1945.
A crise na União Européia
A União Européia é parte integrante do sistema imperialista mundial, especialmente a Alemanha, França, Inglaterra e Itália, e o velho continente está também envolvido profundamente na crise sistêmica global e sofrerá conseqüências semelhantes às que estão atingindo a economia líder, tendo em vista as interconexões entre o grande capital e as operações econômicas cruzadas entre as várias frações da burguesia dos países centrais. Acrescente-se a isso a identidade destas classes dominantes com o sistema político e econômico neoliberal, implantado a partir do final da década de 70, com a eleição de Margareth Tatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, além das próprias contradições do capitalismo europeu.
A formação da zona do euro, sob a orientação do Tratado de Maastricht, consolidou uma Europa do capital, no qual as frações mais reacionárias da burguesia impuseram aos países participantes um conjunto de leis e regras que buscam garantir seus interesses econômicos e políticos, às custas dos trabalhadores e dos povos europeus. Estruturou-se um conjunto de instituições regidas pelos interesses do grande capital, sob a ótica neoliberal, mesmo com este já moribundo, uma hierarquia draconiana entre as nações e um sistema esquizofrênico onde existe uma moeda única sem um Estado para respaldá-la, nem um emprestador de última instância; com um teto de déficit público formal, irrealista, especialmente em função da crise, e uma assimetria fiscal que torna a gestão macroeconômica da política monetária uma lenda.
Apesar de ser parte do sistema imperialista mundial, a União Européia possui um conjunto de singularidades que devem ser levadas em conta na análise desta crise. A primeira é a própria constituição do bloco econômico, um processo que vem se consolidando há várias décadas e que criou certa identidade cultural entre os povos. A segunda é a criação de uma moeda única na zona do euro. Mesmo levando em conta a heterogeneidade das economias, o desenvolvimento desigual e as questões fiscais, o euro rapidamente se constituiu num importante instrumento de reserva dos bancos centrais, representando hoje 21% de todas as reservas em poder dos estados nacionais. Além disso, o próprio desenvolvimento desigual do capitalismo e os interesses dos diversos blocos das burguesias dos países centrais, criam necessariamente disputas entre as frações do grande capital da União Européia e as frações dominantes do capital da economia líder e dos outros países imperialistas, o que tem se refletido em decisões de política internacional e na própria gestão da crise européia.
No entanto, o processo que atinge a Europa e que se expressa atualmente na crise das dívidas soberanas tem origem tanto nas contradições do capitalismo europeu e seu modelo neoliberal atrelado à economia líder, quanto da opção dos seus governos em salvar os bancos com recursos públicos, cujo resultado levou ao acirramento da crise, com a ampliação extraordinária das dívidas soberanas. Se observarmos a evolução das dívidas dos países europeus poderemos ver claramente o impacto fiscal das operações de salvamento dos bancos europeus:
A dívida total dos países da área do euro correspondia a 79,3% do PIB em 2008 e cresceu para 102,4% em 2011. Se observarmos isoladamente os diversos países da Europa, numa hierarquia inversa em função da crise veremos mais precisamente o impacto das operações de salvamento dos bancos. A dívida grega, que em 2008, era de 116,1% do PIB aumentou para 157,1% em junho de 2011. A dívida portuguesa aumentou, no mesmo período, de 80,6% do PIB para 110,8%; a da Espanha de 47,4% para 74,8%; a da Itália, cresceu de de 115,2 para 129,0%; a da Irlanda de 49,6 para 120,4%; a da Inglaterra de 57% para 88,5%; a da França de 77,8 para 97,3%; e a da Alemanha de 69,3 para 87,3%. O Japão, o mais endividado, passou de uma dívida de 174,1 em 2008 para 212,7% em junho de 2011. Em todos os países, o que se nota é um salto extraordinário no endividamento após a crise (Tabela 3).
Tabela 3 ? Passivo financeiro dos países centrais em relação ao PIB (junho de 2011)
Países
2000
2005
2008
2009
2010
2011
Bélgica 113,7 95,9 93,3 100,5 100,7 100,4
Alemanha 60,4 71,2 69,3 76,4 87,0 87,3
Grécia 115,3 121,2 116,1 131,6 147,3 157,1
Irlanda 39,4 32,6 49,6 71,6 102,4 120,4
Itália 121,6 120,0 115,2 127,8 126,8 129,0
Japão 135,4 175,3 174,1 194,1 197,7 212,7
Portugal 60,2 72,8 80,6 93,1 103,1 110,8
Espanha 66,5 50,4 47,4 62,3 66,1 74,8
França 65,6 75,7 77,8 89,2 94,1 97,3
Inglaterra 45,1 46,4 57,0 72,4 82,4 88,5
EUA 54,5 61,4 71,0 84,3 93,6 101,1
Eurozona 75,8 78,1 76,5 86,9 92,7 95,6
Total OCDE 69,8 76,3 79,3 90,9 97,6 102,4
Fonte: OECD ? Economic Outlook. No. 89, 2011
Apesar de a crise expressar-se mais explicitamente na questão das dívidas soberanas, esta é uma crise do sistema como um todo. Sua expressão nas dívidas soberanas é apenas a face mais visível da crise sistêmica global na Europa. Um dado importante a ser analisado é o fato de que as classes dominantes européias, mesmo com a experiência da primeira onda da crise, continuam insistindo nos velhos métodos do passado como se essa crise não tivesse características inteiramente diferentes das crises anteriores. O mais grave desta cegueira política é o fato de que estão implementando um conjunto de medidas predatórias contra os trabalhadores que terão como conseqüência o aprofundamento da crise, que se espalhará para o conjunto das economias capitalistas; a desagregação do sistema financeiro internacional tal como conhecemos hoje; a recessão prolongada, o aumento do desemprego e a crise social.
Vejamos mais detalhadamente os principais elementos dessa conjuntura explosiva. O ritual é mais ou menos o seguinte: parte expressiva dessa dívida foi incentivada pelos próprios bancos, no seu permanente desejo de lucro fácil e sem risco, uma vez que se imaginava que as dívidas dos Estados eram um porto seguro para as atividades bancárias. Com a crise de 2008, os Estados ampliaram de maneira extraordinária seu endividamento para salvar o sistema bancário da falência. O sistema bancário ganhou sobrevida e impôs condições financeiras draconianas para os próprios países que lhes salvaram da bancarrota. Os Estados entraram em crise em função do aumento cada vez maior do serviço da dívida. Para garantir seus lucros, o sistema bancário vem pressionando as instituições e governos europeus para que imponham aos trabalhadores e ao povo em geral ajustes predatórios para que possam pagar a dívida.
Vale ressaltar que a troika (União Européia, Banco Central Europeu e FMI) tem se comportado nesta crise como uma junta de representantes do grande capital. No entanto, as medidas tomadas até gora, tais como a criação do fundo de resgate, empréstimos bilionários ao sistema bancário, os torniquetes econômicos impostos a países como a Grécia, Irlanda e Portugal, não foram suficientes para resolver a crise, pelo simples fato de que a crise sistêmica que envolve o mundo capitalista não pode ser resolvida com medidas paliativas. Essas medidas apenas adiam o desfecho do processo. Se observarmos o tamanho das dívidas soberanas e os recursos que estão sendo organizados para resgatar as economias de um possível colapso, poderemos constatar que são absolutamente irrelevantes diante da dimensão do problema.
De fato, as dívidas soberanas dos países da zona do euro, conforme podemos observar na tabela, são inadministráveis, pois grande parte desses débitos ultrapassam 100% do PIB. Numa conjuntura de crescimento econômico, as dívidas poderiam ir sendo roladas sem grandes problemas, desde que não ultrapassassem certos limites. No entanto numa conjuntura de crise, com recessão generalizada, desemprego, queda no consumo e na arrecadação tributária, a tendência é o aprofundamento da crise, fato que se concretizará à medida em que o primeiro País se declarar inadimplente, mesmo que este País não tenha grande expressão econômica, tendo em vista a estreita relação entre o endividamento e os bancos da zona do euro. Os chamados mercados entrarão em pânico, contagiando todas as outras dívidas e se instalará o caos econômico, um clima de salva-se quem puder, o que também atingirá em cheio a economia norte-americana.
Por falar na relação bancos europeus-dívidas soberanas , é necessário ressaltar que os bancos do velho continente estão profundamente envolvidos nesse processo e foram partícipes artífices do endividamento público. Em termos concretos, os bancos da Europa têm em carteira 3 trilhões de euros em títulos da dívida soberana, representando quase 8% de seus ativos totais, o que por si só dá uma idéia da dimensão do problema. Se levarmos conta que a crise de 2008 levou à nacionalização de vários conglomerados financeiros europeus, imaginem o que poderá acontecer ao sistema bancário se ocorrer uma onde de calote soberano não apenas na Grécia, Portugal ou Irlanda, mas em países como Espanha ou Itália ou mesmo a França?!
A cegueira do grande capital e seus representantes políticos diante da crise é tamanha que agora eles resolveram, num gesto desesperado, deixar de lado as aparência e intervir diretamente nos países com crises mais explícitas e exercer diretamente o poder político nas instituições e governos da região. É o caso dos pró-consules da Goldman Sachs que assumiram o poder na Europa. Ferina ironia: os homem que fabricaram a crise estão agora comandando o poder econômico e político na Europa. Sob a proteção da manipulação midiática, que os apresenta como um "governo técnico", eles estão encarregados de implementar o trabalho sujo, que consiste em saquear as economias nacionais, privatizar o patrimônio público, aumentar os impostos, ampliar o desemprego, cortar os salários, as pensões, reduzir o padrão de vida dos povos para satisfazer o apetite voraz do capital financeiro.
Vejamos quem são esses personagens: Mário Draghi, antigo vice-presidente e membro do Comitê de Administração da Goldman Sachs, que tinha como uma de suas funções vender swaps aos países europeus, agora é presidente do Banco Central Europeu (BCE); Mario Monti, ex-presidente da Comissão Trilateral, do grupo Bilderberg, também assessor internacional da Goldman, agora é o principal dirigente político da Itália; Lucas Papademos, ex-governador do Banco Central Grego, participou das operações de falsificação das contas do País a serviço da Goldman, agora é o líder político da Grécia; além de outros personagens influentes na Europa e que participam da rede da Goldman na região. [13] Em relação a esses personagens, vale o que disse certa vez Alessio Rastani, ex-trader, numa entrevista à BBC que chocou os mais desavisados; "Os políticos não governam o mundo. A Goldman Sachs governa o mundo".
Essa ação desesperada do grande capital na Europa pode ser o canto dos cisnes antes da tempestade, mas vale uma advertência: a ação ousada do capital representa um perigo para o padrão de vida não apenas dos trabalhadores e da população em geral, mas para a própria democracia, pois a burguesia, em sua busca desesperada para sair da crise não apenas vem colocando todo o custo da crise na conta dos trabalhadores, como também não hesitará em atropelar a democracia e criar um clima de terra arrasada, caos, instabilidade, para atingir seus objetivos, instalando governos de caráter fascista, como ocorreu na Alemanha e Itália na década de 30, com as conseqüências que todos conhecemos.
A luta de classes mudou de patamar
Mas um fenômeno novo vem ocorrendo nesta conjuntura, que é a emergência das lutas sociais em praticamente todas as regiões do planeta. Ainda embrionárias, com certo grau de espontaneísmo, sem uma vanguarda com capacidade de construir um projeto alternativo ao do capital, as lutas de massas mudaram de patamar. Na primeira onda, a crise não teve uma resposta contundente dos trabalhadores, em termos de lutas sociais. Tomados de surpresa pela intensidade da crise, sem uma direção que as orientasse no sentido da combatividade de classe, fragmentados em função da reestruturação produtiva, do refluxo que caracterizou as três décadas de neoliberalismo e da ofensiva contra o movimento sindical e os direitos dos trabalhadores operados pelos sucessivos governos neoliberais, os trabalhadores praticamente se comportaram como coadjuvantes diante da crise mundial.
O grande capital, também tomado de surpresa pela intensidade da crise, buscou num primeiro momento resolver os problemas injetando uma quantidade extraordinária de recursos na área financeira, visando evitar o colapso do sistema. No entanto, tão logo foram aliviados os sintomas mais perversos da crise, o grande capital se estruturou em nível internacional, especialmente nos países centrais, para colocar todo o ônus da crise na conta dos trabalhadores, com medidas draconianas, impensáveis há poucos anos atrás, buscando aplicar aos trabalhadores uma derrota histórica, condição essencial para recuperar as taxas de lucros, disciplinar a classe operária, sair da crise e organizar a economia em novo patamar, de acordo com seus interesses.
Mas, ao contrário do que imaginam os gestores do capital, essas medidas predatórias podem até apresentar algum resultado no curto prazo, mas é uma bomba de efeito retardado no médio prazo, uma vez que provocarão queda na atividade econômica, desemprego, queda na renda e no consumo e, portanto, mais recessão e mais crise. Realizar os ajustes draconianos em nível global, como está sendo feito na Europa, levará o mundo a uma depressão prolongada, maior que na crise de 1930, e a um levante social também de caráter global. Uma coisa é implementar essas medidas em países em que a miséria é parte da vida quotidiana das pessoas. Outra, é realizar essas medidas nos países onde as conquistas sociais já faziam parte do quotidiano da sociedade. A reação nessas sociedades pode ser muito maior, mais organizada, até mesmo porque as relações de produção são muito mais avançadas.
Conforme advertíamos em nosso primeiro artigo, [14] a crise torna a burguesia mais agressiva e evidencia de maneira mais clara os projetos do capital para resolver os problemas oriundos da crise. Do ponto de vista militar, pode-se constatar claramente uma ofensiva do imperialismo no sentido para fomentar intervenções militares e guerras em várias regiões, como os casos recentes da Líbia, da Síria e do Irã. Do ponto de vista econômico há uma ação articulada do capital no sentido de avançar sobre as finanças do Estado, bem como sobre os direitos e garantias dos trabalhadores e, do ponto de vista político, o capital vai cada vez mais tirando a máscara e impondo aos povos governos diretamente geridos pelos representantes do capital, cujas ações vem sendo realizadas no sentido de suprimir as próprias liberdades democráticas típicas dos tempos de calmaria do capitalismo.
Diante desse quadro, os trabalhadores vão tomando consciência da conjuntura num processo de aprendizado mais rápido que nos tempos de calmaria. A partir do momento em que os governos começaram a tomar medidas concretas contra seus direitos e garantias, como no caso atual da Europa, a crise abre espaço para a emergência da luta popular, os trabalhadores e a população começam a sair às ruas em resistência aos ajustes, vão perdendo o medo, reorganizando suas forças e a luta de classes se intensifica.
Conforme ainda afirmávamos no mesmo artigo, a crise iria abrir a possibilidade de uma retomada da luta de massas em caráter mundial, especialmente nos países centrais. "Os desdobramentos desta crise vão atingir profundamente os trabalhadores em termos de emprego e de renda e vão acirrar a luta de classes nos países centrais e na periferia. Ao contrário do senso comum e de muitos companheiros da esquerda, nós achamos que o potencial da classe operária e dos trabalhadores em geral é muito mais forte nos países centrais que na periferia, pois é exatamente nos países centrais onde se encontra a classe operária mais avançada do ponto de vista das forças produtivas e o capitalismo mais maduro. Portanto, é o teatro de operações mais favorável para a luta de classes que nos países atrasados".
Essa nossa análise continua válida para este momento histórico, muito embora a luta de classes não tenha ainda atingido, da mesma maneira que na Europa, o coração da economia líder, os Estados Unidos. Se observarmos o desenvolvimento da luta de classes em caráter mundial desde 2008, poderemos constatar que ocorreu uma mudança de qualidade em praticamente todos os continentes. Poucas pessoas imaginariam a queda dos regimes da Tunísia, do Egito, do Iêmen e as lutas ainda em curso dos povos árabes e do norte da África e Oriente Médio contra os sistemas tirânicos nessas regiões.
Na Europa, onde o ajuste predatório promovido pelo capital é mais forte, tem ocorrido lutas em todos os países e, em muito deles, como na Grécia, se aproxima de insurreição popular. Até mesmo nos Estados Unidos ocorreram várias lutas sociais, em vários Estados, e um importante movimento social, o Ocuppy Wall Street, pode ter um desdobrando muito grande no futuro próximo. Na América Latina, as lutas sociais também estão ocorrendo de maneira efetiva, apesar de a região não ter sofrido o impacto da crise da mesma forma como ocorreu nos países centrais.
Até agora, no entanto, a resistência popular à ofensiva do capital não tem sido realizada de forma organizada na maioria dos países. Isso se deve ao fato de que, em função da crise do socialismo, com a queda da URSS, ocorreu uma desagregação generalizada política, orgânica e ideológica dos comunistas, o que afetou de maneira profunda o curso da luta de classe em nível mundial. Mas a crise é um fenômeno objetivo e se desenvolve independentemente da vontade das pessoas. Como a crise vai se aprofundar, o capital também vai procurar de todas as formas aprofundar o ajuste em caráter mundial, o que ampliará a resposta dos trabalhadores.
O futuro em disputa
A crise, por sua profundidade, dimensão e ofensiva do capital, compõe um labirinto de possibilidades tanto para o capital quanto para os trabalhadores. As crises em geral e as crises sistêmicas em particular, significam a hora da verdade da luta de classes. As classes fundamentais, burguesia e proletariado, entram em disputa aberta mesmo que a luta aparentemente não se torne explícita. Cada classe vai medir forças para implementar seu projeto de acordo com seus interesses e quando mais a crise se estender, maior será o acirramento da luta de classes.
Neste momento o capital está na ofensiva política, militar e econômica, mas seu calcanhar de Aquiles é a própria crise econômica que não consegue resolver. Conforme assinalávamos, a crise se desenvolve em três patamares, a saber: a crise econômica, que leva à crise social, que se os problemas não forem resolvidas leva à crise política. A crise econômica e a crise social estão na ordem do dia e a crise política é o próximo momento da crise sistêmica global, quando ocorrer a desarticulação monetária financeira global e um ambiente de salve-se quem puder, com novas quebras financeiras, protecionismo, ampliação da guerra cambial, ditadura aberta do capital e emergência do movimento social em função da desarticulação política do poder do capital.
Nada está descartado num ambiente de crise econômica, social e política do capital, nem mesmo um governo ao estilo fascista como na década de 30 na Europa, nem a revolução social. As crises funcionam como parteiras de uma nova época tanto para a burguesia quanto para o proletariado. Em função da crise e das lutas sociais, pode iniciar-se um período de repressão aberta contra os trabalhadores, sob o pretexto de manter a lei, a ordem e a estabilidade econômica. Mas também pode ocorrer uma resposta dos trabalhadores muito maior do que se imaginava no início da crise. Vale lembrar que as crises levam a um aprendizado acelerado das massas. Setores que antes pareciam adormecidos, irrompem na cena política de maneira inesperada, há uma mudança nas condições subjetivas de sua organização.
Isso não significa que toda crise sistêmica gere fascismo ou revolução. São apenas possibilidades. Mas a luta entre capital e trabalho em caráter mundial está num outro patamar. O mundo que emergirá após a crise será muito diferente da ordem estruturada em Bretton Woods. Não se pode prever qual será a classe vitoriosa nesse processo que se abriu com a crise de 2008, mas a construção de um mundo futuro será resultado do embate que as duas classes fundamentais travarão ao longo da crise sistêmica global.
Notas
1- Karl Marx. Contribuição à Crítica da Economia Política, pag. 6. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
2- Karl Marx. Manifesto Comunista, pg. 45. São Paulo: Boitempo Editorial, 1998.
3- Engels, Friedrich. Prefácio à edição inglesa do capital. Volume I, pg 33. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
4- Engels, Friedrich. O capital. Vol. II. Pg. 28. São Paulo: Abril cultural, 1983.
5- Roubini, N. Mihm, S. A economia das crises ? Um curso relâmpago sobre o futuro do sistema financeiro internacional. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.
6- Coggiola. O. As Grandes Depressões, 1873-1896 - 1929-1939, pag. 72-3. São Paulo: Alameda, 2009.
7- Dobb, M. A Evolução do Capitalismo, 9º. Ed., pag. 300. Rio de Janeiro: LTC, 2009.
8- Coggiola, O. As Grandes Depressões ? 1876-18796 ? 1929-1939, pag. 73-73. São Paulo: Alameda, 2009.
9- A extração do valor fora das fronteiras nacionais foi abordada anteriormente por Michalet, em seu livro capitalismo mundial (Paz e Terra, 1984), muito embora aquela análise não se referisse à questão da globalização atual.
10- A crise completa do sistema capitalista foi desenvolvida por Lauro Campos (A crise completa ? a economia política do não. São Paulo: Boitempo, 2001), muito embora o autor não estivesse se referindo especificamente à crise sistêmica global em curso.
11- Costa, Edmilson. A crise mundial do capitalismo e as perspectivas dos trabalhadores. Resistir.info, 5 de fevereiro de 2009.
12- Trata-se da tese de pós-doutoramento que elaboramos em 2002 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.
13- Peter Chistodoulos, hoje administrador da dívida pública grega, também ex-presidente do Banco Nacional da Grécia e ex-trader da Goldman, também participou da maquiagem das contas gregas para favorecer a Goldman; Ottmar Issing, ex-presidente do Bundesbank e conselheiro internacional as Goldman; Peter Sutherland, ex-presidente da Goldman Internacional, e ex-integrante da Comissão de Competição da União Européia; e até mo criar dos BRICS, Peter O´Neil, influente personagem na formulação das políticas econômicas atuais, também é um homem da Goldman, pois presidiu a Goldman Sachs Asset Management.
14- Trata-se do artigo "A crise mundial do capitalismo e a perspectiva dos trabalhadores", publicado inicialmente em resistir.info e depois reproduzido em centenas de sites, blogs de vários países e, posteriormente na revista Novos Temas, do Instituto Caio Prado Junior.
[NR] No Brasil chamam de renda a qualquer espécie de rendimento e não apenas a renda propriamente dita.
Bibliografia
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CAMPOS, Lauro. A Crise Completa ? A economia política do Não. São Paulo: Boitempo Editorial
COGGIOLA, Oswaldo. As Grandes Depressões, 1873-1986; 1929-1939. São Paulo: Alameda, 2009.
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_____________ A Globalização Neoliberal e as Novas Dimensões do Capitalismo. Tese de Pós-Doutoramento. IFCH-Unicamp, 2002.
DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro: LTC, 2009.
EYCHENGREEN, Barry. Privilégio exorbitante. Rio de Janeiro: Campus, 2011.
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ROUBINI, Nouriel; MIHM , Stephen. A Economia das Crises ? Um curso relâmpago sobre o futuro do sistema financeiro internacional. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.
Do mesmo autor:
Uma crítica aos pós-modernistas
A crise mundial do capitalismo e as perspectivas dos trabalhadores
A tragédia da social-democracia retardatária no Brasil
[*] Doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É professor universitário e autor de Imperialismo (Global, 2007), A Política Salarial no Brasil (Boitempo, 1997) A Globalização e o Capitalismo Contemporâneo (Expressão Popular, 2008), além de vários ensaios publicados no Brasil e exterior. É membro do Comitê Central do PCB.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
http://actualidad.rt.com/actualidad/view/50519
A cúpula militar do Irám celebrou "a última reuniom antes da guerra" O líder supremo do Irám, Ali Jameneí, reuniu aos chefes militares do país e advertiu-lhes que numhas semanas haverá guerra
Segundo os meios israelenses, o passado 27 de Julho, pouco antes da oraçom tradicional da sexta-feira, o líder supremo do Irám, o aiatolá Ali Jameneí, reuniu aos altos cargos militares do país num encontro que, segundo indicou, era "a última juntança militar antes da guerra". "Imos-nos encontrar- em guerra nas próximas semanas", dixo o aiatolá aos seus invitados. O portal Debka, a partir de fontes de inteligência israelenses, informa de que ao longo do último ano ademais de múltiplos treinos das Forças Armadas do Irám, também realizou-se o projecto de construçom de maior escala na história do Irám. Trata da construçom de fortíns para proteger o programa nuclear do país até da arma mais potente de EE.UU., bombas antibúnker de muitas toneladas de peso. Comunica-se que as instalaçons nucleares mais importantes fôrom tampadas com blocos de roca, por enzima deitárom-se toneladas de formigom e, no final, cobriram-no todo com aço. Ademais os mísseis balísticos de mediano alcance Shahab-3 já estám preparados para atirar golpes contra Israel, Arábia Saudita e as instalaçons militares de EE.UU. na zona do golfo Pérsico. O mesmo dia 27 de julho, as Forças Armadas de EE. UU. apresentaram a sua nova bomba antibúnker. Cada bomba pesa 15 toneladas e é capaz de penetrar a quase 20 metros por dentro da terra. A tensom entre Irám e Ocidente cresce cada dia. Uns 125.000 soldados de EE. UU., dezenas de navios militares e vários portaavións estám apostados nas proximidades do Irám. Ademais, Washington e os seus sócios aplicárom duras sançons económicas contra o país persa. O motivo de tanta pressom som as suspeitas de que Irám esteja a desenvolver armas nucleares. Ante estes ataques, Teerã ameaça com fechar o estreito de Ormuz, umha artéria vital para o abastecimento mundial de petróleo. Ademais, há uns dias Teerã declarou que nom passará por alto o conflito interno que fustiga ao seu aliado, Síria. "Quando seja necessário Irám entrará no conflito sírio e dará umha resposta decisiva aos opositores", declarou o sub-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas do Irám, o general Masoud Jazayeri.
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A guerra dos EUA-NATO contra a Síria:
Forças navais do ocidente frente às da Rússia ao largo da Síria
por Michel Chossudovsky
"Quando voltei ao Pentágono em Novembro de 2001, um dos oficiais superiores do staff teve tempo para uma conversa. Sim, ainda estamos a caminho de ir contra o Iraque, disse ele. Mas havia mais. Isto estava a ser discutido como parte de um plano de campanha de cinco anos, disse ele, e havia um total de sete países, a começar pelo Iraque, a seguir a Síria, Líbano, Líbia, Irão, Somália e Sudão".
Wesley Clark, antigo comandante-geral da NATO
"Deixe-me dizer aos soldados e oficiais que ainda apoiam o regime sírio ? o povo sírio recordará as escolhas que fizerem nos próximos dias..."
Secretária de Estado Hillary Clinton, conferência Friends of Syria, em Paris, 07/Julho/2012
Enquanto a confrontação entre a Rússia e o Ocidente estava, até recentemente, confinada ao âmbito polido da diplomacia internacional, dentro do recinto do Conselho de Segurança da ONU, agora uma situação incerta e perigosa está a desdobrar-se no Mediterrâneo Oriental.
Forças aliadas incluindo operativos de inteligência e forças especiais reforçaram a sua presença sobre o terreno na Síria a seguir ao impasse da ONU. Enquanto isso, coincidindo com o beco sem saída no Conselho de Segurança da ONU, Moscovo despachou para o Mediterrâneo uma frota de dez navios de guerra russos e navios de escolta comandados pelo destróier anti-submarino Almirante Chabanenko. A frota russa está actualmente estacionada ao largo da costa Sul da Síria.
Em Agosto do ano passado, o vice-primeiro-ministro da Rússia, Dmitry Rogozin, advertiu que "a NATO está a planear uma campanha militar contra a Síria para ajudar a derrubar o regime do presidente Bashar al-Assad com um objectivo de longo alcance de preparar uma cabeça de ponte para um ataque ao Irão..." Em relação à actual deslocação naval, o chefe da Armada da Rússia, vice-almirante Viktor Chirkov, confirmou, entretanto, que se bem que a frota [russa] esteja a transportar fuzileiros navais, os navios de guerra "não seriam envolvidos em Tarefas na Síria". "Os navios executarão manobras militares planeadas", disse o ministro russo da Defesa.
A aliança EUA-NATO retaliou à iniciativa naval da Rússia, com uma deslocação naval muito maior, uma formidável armada ocidental consistente de navios de guerra britânicos, franceses e americanos, previstos para serem ali instalados neste Verão no Mediterrâneo Oriental, levando a uma potencial "confrontação estilo Guerra Fria" entre a Rússia e forças navais ocidentais.
Enquanto isso, planeadores militares dos EUA-NATO anunciaram que várias "opções militares" e "cenários de intervenção" estão a ser contemplados na sequência do veto russo-chinês no Conselho de Segurança da ONU.
O planeado posicionamento naval é coordenado com operações aliadas no terreno em apoio ao "Exército Sírio Livre" (ESL) patrocinado pelos EUA-NATO. Quanto a isto, os EUA-NATO aceleraram o recrutamento de combatentes estrangeiros treinados na Turquia, Iraque, Arábia Saudita e Qatar.
A França e a Grã-Bretanha participarão este Verão em jogos de guerra com o nome de código Exercise Cougar 12 [2012]. Os jogos serão efectuados no Mediterrâneo Oriental como parte de um "Response Force Task Group" franco-britânico envolvendo o HMS Bulwark britânico e o grupo de batalha do porta-aviões Charles De Gaulle da França. O centro deste exercício naval serão operações anfíbias envolvendo a colocação em terra firme de tropas no "território inimigo" (simulada).
Cortina de fumo: A proposta evacuação de cidadãos ocidentais "Utilizando uma humanitária frota naval de armas de destruição em massa"
Pouco mencionado pelos media de referência, os navios de guerra envolvidos no exercício naval Cougar 12 também participarão na planeada evacuação de "cidadãos britânicos do Médio Oriente, caso o conflito em curso na Síria extravase fronteiras para os vizinhos do Líbano e da Jordânia".
Os britânicos provavelmente enviariam o HMS Illustrious, um porta-helicópteros, juntamente com o HMS Bulwark, um navio anfíbio, bem como um destróier avançado para providenciar defesa à força-tarefa. Estarão a bordo várias centenas de comandos da Royal Marine, bem como um complemento de helicópteros de ataque AH-64 (os mesmos utilizados na Líbia no ano passado). Espera-se que se lhe junte uma frota de navios franceses, incluindo o porta-aviões Charles De Gaulle, transportando um complemento de caças Rafale.
Espera-se que aquelas forças permaneçam ao longo e possam escoltar navios civis especialmente fretados destinados a recolher cidadãos estrangeiros a fugirem da Síria e países em torno. (ibtimes.com, 24/Julho/2012).
Fontes no Ministério da Defesa britânico, se bem que confirmando o "mandato humanitário" da Royal Navy no planeado programa de evacuação, negaram categoricamente "qualquer intenção quanto a um papel de combate para forças britânicos [contra a Síria]".
O plano de evacuação utilizando o mais avançado material militar, incluindo o HMS Bulwark e o porta-aviões Charles de Gaulle, é uma cortina de fumo óbvia. A agenda militar não tão escondida é ameaça militar e intimidação contra uma nação soberana localizada no berço histórico da civilização, a Mesopotâmia":
"Só o Charles De Gaulle é porta-aviões nuclear com todo um esquadrão de jactos mais avançados do que qualquer coisa que os sírios tenham ? é especulação de incitamento [dizer] que aquelas forças pudessem ficar envolvidas numa operação da NATO contra forças sírias leais a Bashar al-Assad...
O HMS Illustrious, que está actualmente ancorado no Tamisa, no centro de Londres, provavelmente será enviado para a região no fim das Olimpíadas". (Ibid)
Este deslocamento impressionante de poder naval franco-britânico poderia também incluir o porta-aviões USS John C.Stennis, o qual está para ser enviado de volta ao Médio Oriente:
[Em 16/Julho/2012], o Pentágono também confirmou que iria reposicionar o USS John C. Stennis, um porta-aviões nuclear capaz de transportar 90 aviões, para o Médio Oriente... O Stennis estaria a chegar na região com um cruzador avançado de lançamento de mísseis, ... Já é esperado que o porta-aviões USS Eisenhower esteja no Médio Oriente naquele momento (dois porta-aviões actualmente na região estão para ser aliviados e enviados de volta para os EUA).
Em meio a situações imprevisíveis tanto na Síria como no Irão, que teriam deixado forças estado-unidenses tensas e excessivamente sobrecarregadas se fosse necessária uma firme resposta militar em qualquer circunstância. (Ibid, ênfase acrescentada)
O grupo de ataque USS Stennis está para ser enviado de volta ao Médio Oriente "numa data não especificada no fim do Verão" para ser posicionado na área de responsabilidade do Comando Central:
"O Departamento da Defesa disse que o deslocamento anterior viera de um pedido feito pelo general do Marine Corps James N. Mattis, o comandante do Comando Central (a autoridade militar dos EUA que cobre o Médio Oriente), parcialmente devido à preocupação de que haveria um curto período em que apenas um porta-voz estaria localizado na região". (Strike group headed to Central Command early - Stripes Central - Stripes, July 16, 2012)
O Gen. Marine James Mattis, comandante do U.S. Central Command, "pediu para avançar o posicionamento do grupo de combate com base num "conjunto de factores" e o secretário da Defesa Leon Panetta aprovou-o"... (ibid)
Um porta-voz do Pentágono declarou que a mudança de posicionamento do grupo de ataque USS Stennis fazia parte de "um vasto conjunto de interesses de segurança dos EUA na região". "Estamos sempre atentos aos desafios colocados pelo Irão. Deixe-me ser muito claro: Esta não é uma decisão baseada unicamente nos desafios colocados pelo Irão, ..."Não é acerca de qualquer país particular ou uma ameaça particular", dando a entender que a Síria também fazia parte do posicionamento planeado. (Ibid, ênfase acrescentada)
"Cenários de intervenção"
Este maciço posicionamento de poder naval é um acto de coerção tendo em vista aterrorizar o povo sírio. A ameaça de intervenção militar tem em vista desestabilizar a Síria como estado nação bem como confrontar e enfraquecer o papel da Rússia na intermediação da crise síria.
O jogo diplomático da ONU está num impasse. O Conselho de Segurança da ONU está morto. A transição é em direcção à "Diplomacia guerreira" do século XXI.
Se bem que uma operação militar aliada total dirigida contra a Síria não esteja "oficialmente" contemplada, planeadores militares estão actualmente envolvidos na preparação de vários "cenários de intervenção".
Líderes políticos ocidentais podem não ter apetite por intervenção mais profunda. Mas como a história tem mostrado, nós nem sempre escolhemos que guerras combater ? por vezes as guerras escolhem-nos. Planeadores militares tem a responsabilidade de preparar para opções de intervenção na Síria para os seus mestres políticos caso este conflito seja escolhido. A preparação estará a ser efectuada em várias capitais ocidentais e sobre o terreno na Síria e na Turquia. Até o ponto do colapso de Assad, é mais provável que vejamos uma continuação ou intensificação das opções abaixo do radar de apoio financeiro, armamento e aconselhamento dos rebeldes, operações clandestinas e talvez guerra cibernética a partir do Ocidente. Após algum colapso, entretanto, as opções militares serão vistas a uma luz diferente. ( Daily Mail, 24/Julho/2012, ênfase acrescentada)
Observações conclusivas
O mundo está numa encruzilhada perigosa.
A configuração deste planeado posicionamento naval no Mediterrâneo Oriental com navios de guerra dos EUA-NATO contíguo àqueles da Rússia é sem precedentes na história recente.
A história conta-nos que guerras são muitas vezes desencadeadas inesperadamente devido a "erros políticos" e erro humano. Os segundos são os mais prováveis dentro no âmbito de um sistema político desagregados e corrupto nos EUA e na Europa Ocidental.
O planeamento militar EUA-NATO é supervisionado por uma hierarquia militar centralizada. Operações de Comando e Controle são em teoria "coordenadas" mas na prática muitas vezes elas são marcadas pelo erro humano. Operativos de inteligência muitas vezes funcionam independentemente e fora do âmbito da responsabilidade política.
Planeadores militares são agudamente conscientes dos perigos de escalada. A Síria tem capacidades de defesa aérea significativas bem como forças terrestres. A Síria tem estado a instalar seu sistema de defesa aérea com a recepção dos mísseis russos Pantsir S1 . Qualquer forma de intervenção militar directa dos EUA-NATO contra a Síria desestabilizaria toda a região, levando potencialmente à escalada numa vasta área geográfica, que se estende desde o Mediterrâneo Oriental até a fronteira do Afeganistão-Paquistão com o Tadjiquistão e China.
O planeamento militar envolve cenários intricados e jogos de guerra por ambos os lados incluindo opções militares relativas a sistema de armas avançados. Um cenário Terceira Guerra Mundial tem sido contemplado pelos planeadores militares EUA-NATO-Israel desde o princípio de 2000.
A escalada é uma parte integral da agenda militar. Preparativos de guerra para atacar a Síria e o Irão têm estado num "estado avançado de prontidão" durante vários anos.
Estamos a tratar com complexas tomadas de decisão políticas e estratégicas que envolvem a acção recíproca de poderosos grupos de interesses económicos, as acções de operativos de inteligência.
O papel da propaganda de guerra é fundamental não só para moldar a opinião pública, levando-a a aceitar a agenda de guerra, como também para estabelecer um consenso dentro dos escalões superiores do processo de tomada de decisão. Uma forma selectiva de propaganda de guerra destinada a "Top Officials" (TOPOFF) em agências do governo, inteligência, militares, aplicadores da lei, etc destina-se a criar um consenso firme em favor da Guerra e do Estado Policial.
Para o projecto guerra ir em frente é essencial que tanto os planeadores políticos como os militares estejam legitimamente comprometidos em conduzir a guerra "em nome da justiça e da democracia". Para que isto se verifique, eles devem acreditar firmemente na sua própria propaganda, nomeadamente em que a guerra é "um instrumento de paz e democracia".
Eles não têm preocupação para com os impactos devastadores de sistemas de armas avançados, rotineiramente classificados como "danos colaterais", muito menos o significado e significância de guerra antecipativa (pre-emptive), utilizando armas nucleares.
As guerras são invariavelmente decididas por líderes civis e grupos de interesse e não pelos militares. A guerra serve interesses económicos dominantes os quais operam a partir dos bastidores, por trás de portas fechadas em salas de reunião corporativas, nos think tanks de Washington, etc.
As realidades são invertidas. Guerra é paz. A Mentira torna-se a Verdade.
A propaganda de guerra, nomeadamente as mentiras dos media, constituem o mais poderoso instrumento guerreiro.
Sem a desinformação dos media, a agenda guerreira conduzida pelos EUA-NATO entraria em colapso como um castelo de cartas. A legitimidade dos criminosos de guerra em altos postos seria rompida.
Portanto é essencial desarmar não só os media de referência como também um segmento dos media alternativos auto proclamados como "progressistas", os quais têm proporcionado legitimidade para a obrigação da "Responsabilidade de proteger" ("Responsibility to protect, R2P) da NATO, em grande medida tendo em vista desmantelar o movimento anti-guerra.
A estrada para Teerão passa por Damasco. Uma guerra ao Irão patrocinada pelos EUA-NATO envolveria, como primeiro passo, a desestabilização da Síria como uma nação-estado. O planeamento militar relativo à Síria é uma parte integral da agenda de guerra ao Irão.
Uma guerra contra a Síria poderia evoluir na direcção de uma campanha militar EUA-NATO contra o Irão, na qual a Turquia e Israel estariam envolvidas directamente.
É crucial difundir esta notícia e romper os canais de desinformação dos media.
Um entendimento crítico e não enviesado do que está a acontecer na Síria é de importância crucial na reversão da maré de escalada militar rumo a uma guerra regional mais vasta.
Nosso objectivo em última análise é desmantelar o arsenal militar EUA-NATO-israelense e restaurar a Paz Mundial.
É essencial que o povo no Reino Unido, na França e nos Estados Unidos impeça o próximo posicionamento naval de ADM no Mediterrâneo Oriental.
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26/Julho/2012
Do mesmo autor:
SYRIA: NATO's Next "Humanitarian" War?
"A opção salvadorenha para a Síria"
Uma "guerra humanitária" à Síria? Escalada militar. Rumo a uma guerra mais vasta no Médio Oriente-Ásia Central?
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=32079
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
por Néstor Kohan [*]
De que maneira domina a classe dominante? Essa é a pergunta que vale um milhão. Todos sabem que o capitalismo é um sistema de poder, exploração e dominação. Não é preciso esclarecer mais nada. Sofre-se na própria carne todos os dias. A nossa dolorosa história argentina constitui uma prova irrefutável desse facto. Mas o que é um tanto mais complexo é decifrar o emaranhado das formas concretas, através das quais o capital se reproduz quotidianamente e se exerce esse poder em cada conjuntura. Quando se trata de resolver esse enigma, aparecem as dores de cabeça. Que não são poucas...
O MODELO POLÍTICO DO MANIFESTO COMUNISTA
Na sua análise do capitalismo, Karl Marx, como um detective com a sua lupa, tornou visível e trouxe para o terreno da teoria politica aquela terrível realidade que viviam e sofriam os trabalhadores do seu tempo. Toda a sociedade se divide em exploradores e explorados. Toda a história da sociedade não é mais, sentenciou Marx, que a história da luta de classes.
Esclavagistas e escravos, patrícios e plebeus, senhores e servos da gleba, burgueses e proletários. Essa polarização classista divide em duas partes o conjunto da história da sociedade.
Ainda que a genealogia da luta de classes tenha milénios atrás de si, Marx não duvidou em identificar dois grandes actores desse drama moderno: a burguesia e o proletariado.
O Estado era, segundo o autor do Manifesto, uma maquinaria de guerra do capital contra o trabalho, dos opressores contra os oprimidos.
Pela sua simplicidade, este modelo de análise política fez história e penetrou no coração de milhares e milhares de militantes em todo o mundo. Não era preciso matar a cabeça para o compreender. Dum lado estavam "eles" e do outro estávamos "nós". Um pólo e outro pólo. Preto no branco. Claro, límpido, transparente.
O MODELO POLÍTICO DO 18 BRUMÁRIO DE LUIS BONAPARTE
Mas, quando Marx se dispôs a analisar uma sociedade pontual, como era o caso da França, que havia sido abalada pelo golpe de Estado de Luis Bonaparte em Dezembro de 1851, após a derrota da insurreição de 1848, elaborou uma análise muito mais complexa. A luta de classes pode ser preto no branco, sim, mas vem acompanhada por uma variada gama de cinzentos, que nas ardentes linhas do Manifesto não apareciam em primeiro plano.
Além destes dois grandes personagens ? a burguesia e o proletariado ? Marx distingue na formação social francesa toda uma gama de segmentos sociais que integram também a luta de classes. Salienta ainda o fraccionamento que a burguesia sofre no processo da luta política. A fracção burguesa dedicada aos negócios financeiros e a burguesia industrial são coisas diferentes, adverte Marx. E nenhuma destas duas fracções é idêntica à burguesia latifundiária. Entre os diversos fraccionamentos das classes urdem-se alianças políticas ? onde uma das fracções dirige e arrasta o resto. Assim, conclui Marx no 18 Brumário, a luta de classes não é linear e horizontal, mas sim fraccionada e transversal.
No 18 Brumário, Marx fala-nos também de Luis Bonaparte, um ditador que encabeça um golpe de Estado e permanece duas décadas à frente do governo francês. Este ditador era uma personagem secundária, rodeada de marginais, que, graças à liderança do Exército, se converte em determinado momento da história de França, numa espécie de "árbitro" dos conflitos sociais. Uma espécie de "juiz equidistante", que vem solucionar e moderar os conflitos. Como este personagem ? que Marx detestava ? se chamava Luís Bonaparte (sobrinho de Napoleão) a tradição marxista, começando pelo próprio Marx, converteu em categoria teórica essa análise política e transformou-a no conceito de "bonapartismo".
Na sua análise de Luís Bonaparte e da situação francesa daquele período, Marx apresenta elementos fundamentais da sua teoria política.
Por exemplo, Marx sugere que a melhor forma de dominação política da burguesia, a mais eficaz, é "a república parlamentar". Para Marx, república parlamentar não é sinónimo de democracia, como pretende a filosofia política do liberalismo. A república parlamentar não garante "a liberdade"; antes constitui uma forma de dominação. Ao contrário da monarquia ou da ditadura militar (onde apenas um sector da burguesia domina), na república parlamentar é a burguesia no seu conjunto que exerce o domínio através do Estado e das suas instituições "representativas". Segundo Marx, a república parlamentar dilui os interesses peculiares das distintas fracções da burguesia, alcançando uma espécie de "média" de todos os interesses da classe dominante no seu conjunto e, deste modo, consegue uma dominação política geral, ou seja: anónima, impessoal e burocrática.
No 18 Brumário, Marx acrescenta ainda que, quando a situação política "transborda", sob a indisciplina e a rebelião popular, a velha maquinaria republicana (com os seus partidos, o seu Parlamento, os seus juízes, a sua imprensa "independente"; em suma: com todas as suas instituições) torna-se insuficiente para manter a dominação. Nesses momentos de crise aguda, os velhos partidos políticos da burguesia deixam de representar essa classe social. Ficam como que "flutuando no ar" e girando no vazio. Emerge, então, outro tipo de liderança política para representar a classe dominante: a burguesia deixa de estar representada pelos liberais, pelos constitucionalistas ou pelos republicanos, para passar a ser representada pelo Exército e pelas Forças Armadas que, deste modo, se constituem como "O Partido da Ordem". O Exército aparece então na arena política, como se... viesse equilibrar a situação catastrófica, embora na realidade... venha garantir a reprodução da dominação política da burguesia. Argentina 1966, 1976, etc...
LÉNINE: TEÓRICO DA HEGEMONIA
Durante o século XX, diversos pensadores revolucionários tentaram ampliar a reflexão de Marx. Não com um interêsse puramente erudito, ainda menos "académico", mas antes apostando na luta política dos trabalhadores. Tinham em mente o que todo o revolucionário deve ter: o poder.
Entre muitos outros, Lénine, um dos mais brilhantes, pelas suas contribuições teóricas e sobretudo pela sua acção política, investigou profundamente as fontes do pensamento de Marx sobre a dominação e o poder.
Num mesmo movimento, Lénine conjugou os dois modelos políticos que Marx manejava, o do Manifesto, e o do 18 Brumário. Contra o que poderia supor-se, numa análise superficial ou desprevenida, aqueles não eram contraditórios entre si.
No Manifesto, Marx assinalou os grandes actores estruturais, os principais contendentes da luta de classes contemporânea que se enfrentariam a longo prazo. No 18 Brumário, trazia para o terreno prático essa teoria geral. O estrutural conjugava-se com o conjuntural. A longa duração da história, com o tempo curto da politica. A estratégia com a táctica. O lógico com o histórico.
Por isso, Lénine pode definir o marxismo, enquanto método, como "a análise concreta da situação concreta". Esse tipo de análise pressupunha conjugar o geral de uma sociedade capitalista com o particular, o género com a espécie, o comum a todas as sociedades capitalistas com o específico de cada uma.
O conceito teórico a que Lénine apelou para dar conta dessa operação de Marx foi o da "formação económico-social". Uma sociedade pontual ? suponhamos a França de 1851, a Rússia de 1905 ou a Argentina de 2003 ? tem algo de comum que compartilha com todas as sociedades capitalistas. E, ao mesmo tempo, tem algo de específico e irrepetível.
Como se produz a luta de classes numa formação económico-social? Através de alianças entre fracções de classes sociais. Cada aliança constitui uma "força social". (Quando Lénine emprega o termo de "aliança" não está a pensar numa aliança meramente eleitoral, como a da UCR e do FREPASO [dois partidos políticos burgueses argentinos], mas sim numa aliança em termos de interesses sociais e experiências políticas). No interior de cada força social, existe uma fracção de classe que dirige política e culturalmente o resto. Para o conseguir, esse segmento social deve poder generalizar os seus próprios valores, a sua própria cultura, o seu próprio programa político, ao conjunto da força social. Em suma, deve poder conseguir que o conjunto da força social interiorize e adopte como própria a estratégia, os valores e o programa político da fracção dirigente.
A todo esse complexo processo, através do qual se exerce a direcção da força social na confrontação política da luta de classes, Lénine denomina "hegemonia". A dominação política, então, não se exerce unicamente com a violência e a repressão do Estado. Também se consegue através da direcção política e da consumação da hegemonia.
GRAMSCI E AS RELAÇÕES DE PODER
Apropriando-se e retomando essa amplíssima bagagem de reflexões, análises e modelos de pensamento político, Antonio Gramsci tentou pensar a hegemonia em sociedades capitalistas complexas. Não só para aquelas onde a burguesia domina através de uma ditadura feroz, mas também para aquelas onde os segmentos hegemónicos das classes dominantes recorrem à forma mais eficaz de dominação política: a república parlamentar (que, insistimos, não é sinónimo de "democracia", apesar do que nos dizem os meios de comunicação do sistema).
O principal objecto de reflexão que tirou o sono a Gramsci, desde a sua juventude até à maturidade, é o problema do poder. Ao analisar o problema do poder, Gramsci introduziu uma das grandes inovações na teoria e na filosofia política do século XX. Mais de quatro décadas antes de Michel Foucault formular a sua conhecida ? e academicamente celebrada ? tese, segundo a qual o poder não reside no aparelho de Estado, não é uma coisa mas sim relações, Antonio Gramsci ? com menor reconhecimento académico ? havia chegado a uma conclusão análoga.
O italiano, retomando as reflexões de Lénine sobre as condições de uma "situação revolucionária", redigiu uma das passagens fundamentais dos Cadernos do Cárcere (Caderno N°13, 1932-1934): "Análise de situação e relações de força".
Aí, Gramsci demarca-se do marxismo catastrofista, segundo o qual da crise económica do capitalismo surgiria, como por artes mágicas, a revolução socialista. O capitalismo jamais cai por si mesmo, pensa Gramsci. É preciso derrubá-lo! Para isso, é necessário um sujeito organizado que intervenha, que seja activo, que não espere passivamente a crise, como quem espera que caia um fruto maduro de uma árvore. Como pode intervir o sujeito? Politicamente. Mas a intervenção política não se realiza "no ar", mas sim a partir de determinadas relações de poder e de forças, porque o poder não se trata de uma coisa, mas de relações.
A modificação das relações de força deve partir de uma situação "económica objectiva" mas nunca deter-se aí. Se não consegue passar ao plano político geral, onde se transcende o imediatismo económico corporativista ? passagem que Gramsci denomina "catarse" ? toda a tentativa revolucionária se encaminha para o fracasso. Foi esse o principal ensinamento que Gramsci extraiu da derrota dos conselhos operários de Turim em 1920. Servir-nos-ão de tema de reflexão a actual crise argentina e os desenvolvimentos posteriores ao 19 - 20 de Dezembro?
GRAMSCI E A HEGEMONIA
É nessa especificidade política que se coloca o problema de alcançar a hegemonia, outro dos fios condutores na sua obra. Ao reflectir sobre a hegemonia, Gramsci adverte que a homogeneidade da consciência própria e a desagregação do inimigo se realiza precisamente no terreno da batalha cultural. É esta a sua incrível actualidade para operar nas condições abertas pelo capitalismo tardio! Gramsci embrenha-se na reflexão sobre a cultura, não para tentar legitimar a governabilidade consensual do capitalismo, mas para o derrubar.
Que é, então, para Gramsci, a hegemonia? Não é um sistema formal fechado, absolutamente homogéneo e articulado (estes sistemas nunca ocorrem na realidade prática, só no papel, por isso são tão cómodos, fáceis, abstractos e esmiuçados, mas nunca explicam os acontecimentos numa sociedade particular determinada). A hegemonia, pelo contrário, é um processo que expressa a consciência e os valores organizados praticamente por significados específicos e dominantes, num processo social vivido de maneira contraditória, incompleta e até muitas vezes difusa. Numa palavra, a hegemonia de um grupo social equivale à cultura que esse grupo conseguiu generalizar para outros segmentos sociais. A hegemonia é idêntica à cultura, mas é algo mais que a cultura porque, além de tudo, inclui necessariamente uma distribuição específica de poder, de hierarquia e de influência. Como direcção política e cultural sobre os segmentos sociais "aliados" influenciados por ela, a hegemonia também pressupõe violência e coerção sobre os inimigos. Não é apenas consenso (como habitualmente se pensa numa análise trivial social-democrata do pensamento de Gramsci). Por último, a hegemonia nunca é aceite de forma passiva, está sujeita à luta, à confrontação, a toda uma série de "safanões". Por isso quem a exerce, tem de a renovar continuamente, reelaborar, defender e modificar, procurando neutralizar o adversário, incorporando as suas reivindicações, embora desembaraçadas de toda a sua perigosidade.
Se a hegemonia não é um sistema formal fechado, as suas articulações internas são elásticas e deixam a possibilidade de operar sobre ele por outro lado, a partir da crítica ao sistema, da contra-hegemonia (à qual a hegemonia permanentemente se vê obrigada a resistir). Se, por outro lado, a hegemonia fosse absolutamente determinante ? excluindo toda a contradição e toda a tensão ? seria impensável qualquer mudança na sociedade.
Assim, ao reflectir analiticamente sobre as relações de poder e de forças que caracterizam uma situação, Gramsci parte duma relação "económica objectiva", para passar de seguida à dimensão especificamente política e cultural onde se constrói a hegemonia.
A conclusão a que Gramsci chega nos Cadernos do Cárcere , visualizando as relações de forças no seu conjunto, é a seguinte: "Pode assim dizer-se que todos estes elementos são a manifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto das relações sociais de força, em cujo terreno tem lugar a sua passagem a relações políticas de força para culminar na relação militar decisiva".
Portanto, no pensamento de Gramsci "economia", "política-cultura" e "guerra" são três momentos internos de uma mesma totalidade social. Não se podem separar. São graus e níveis diferentes de uma mesma relação de poder, que pode resolver-se, tanto num sentido reaccionário (mantendo o actual tipo de sociedade) como num sentido progressivo, através de uma revolução.
Nem mesmo os especialistas, apesar de grandes conhecedores da obra do italiano, entreviram as consequências que se deduziam desta concepção do poder e da política. Ao fazer levianamente a separação entre a cristalização económica por um lado ? designando-a por "estrutura" ? e a institucionalização política por outro ? chamando-lhe "superestrutura" ? não se deram conta que, concebendo o poder em termos relacionais, se podiam resolver grande parte das aporias [NT] que o marxismo "ortodoxo" tinha deixado sem resposta. Fundamentalmente, no que se refere à leitura de O Capital , de Karl Marx.
O INIMIGO TOMA A INICIATIVA: A REVOLUÇÃO PASSIVA
De Marx e Engels a Lénine, Trotsky e Mao, de Mariátegui a Che Guevara e Fidel, grande parte das reflexões dos marxistas sobre a luta de classes, giraram em torno da necessidade de os trabalhadores e o povo assumirem a iniciativa política.
Mas o que acontece quando a iniciativa é tomada pelos nossos inimigos? Que fazer quando os segmentos hegemónicos da burguesia tentam, com medidas "progressistas", pôr-se à cabeça das mudanças, a fim de desarmar, dividir e neutralizar os mas intransigentes e radicais?
Para pensar esses momentos difíceis, que tanto se assemelham à situação actualmente vivida na Argentina [Dezembro de 2003], Gramsci elaborou uma categoria: a "revolução passiva". Tomou-a de historiadores italianos, mas deu-lhe outro significado.
A revolução passiva é para Gramsci uma "revolução-restauração", ou seja uma transformação a partir de cima, pela qual os poderosos modificam lentamente as relações de força para neutralizar os seus inimigos de baixo.
Através da revolução passiva, os segmentos politicamente hegemónicos da classe dominante e dirigente tentam "meter no bolso" (a expressão é de Gramsci) os seus adversários e opositores políticos, incorporando parte das suas reivindicações, embora despojadas de todo o perigo revolucionário.
Como enfrentar essa iniciativa? De que maneira podemos desmontar essa estratégia burguesa? A resposta não está em nenhum livro. Tem de ser dada pelo movimento popular.
É relativamente fácil identificar os nossos inimigos quando eles adoptam um programa político de choque ou repressivo (pensemos em Videla ou em Menem...). A questão complica-se quando certos sectores do poder aplicam medidas "progressistas". Nesses momentos, torna-se mais complexo e delicado navegar no tormentoso oceano da luta de classes...
* Coordenador do Seminário El Capital e da Cátedra de Formação Política Ernesto Che Guevara da Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo.
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[NT] Aporia: Expressão filosófica que designa uma dificuldade de ordem racional que pareça decorrer exclusivamente de um raciocínio ou do conteúdo dele.
O original encontra-se em http://www.rebelion.org/argentina/031221kohan.htm .
Tradução de Carlos Coutinho.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info .
A factura do resgate bancário, descontando os juros, situar-se-ia a dia de hoje em 350.000 milhons de Euros, nem mais nem menos, que o 35 % do PIB do Estado
A banca ou um furado de 350.000 milhons de euros
XOSÉ RAMÓN ERMIDA MEILÁN
http://www.terraetempo.com/index.php
A banca ou um furado de 350.000 milhons de Euros Já sabemos que nom estamos diante de umha crise financeira. Também é notório que a situaçom de colapso na que se encontram as entidades de crédito e as contas públicas das economias periféricas nom som a cause senom em conseqüência da mesma. Ainda mais o momento limite que hoje enfrontamos é a combinatória de umha arquitectura política, o euro, que formaliza a Europa como um espaço para o intercâmbio desigual, e de umha forma de acumulaçom capitalista, que arrinca da crise dos 70, percebida como resposta do grande capital para superar a tendência ao estancamento das economias centrais. Insistimos a única economia real é aquela que se articula na esfera das finanças, mas segue a haver saída a situaçom actual.
Nom é casual que coincidindo com a aprovaçom definitiva por parte do Euro-grupo de um resgate de 100.000 milhons de Euros ao sistema financeiro através do FROB, outra estafa mais polo que se transforma a dívida privada em pública, a economia do Estado Espanhol situasse no limite. Era visto, os 100.000 milhons que se vam injectar à banca nom chegam para pipas, até o ponto de de que a case totalidade dos relatórios sobre a necessidade de ré-capitalizaçom do sistema, a começar polo último relatório do Banco Internacional de Pagos, situam a quantidade arredor dos 350.000 milhons de Euros. Um autêntico escândalo se tomamos em consideraçom que após de quatro anos de mentiras e ocultaçom ao por maior, após de 40.000 milhons de dinheiro público transferidos a vem-na a meio do Fundo de Aquisiçom de Activos, após de 135.000 milhons de avais do Tesouro aportados pola via do FROB, após umha dívida com o BCE de perto de 500.000 milhons de Euros, dos que 250.000 milhons de Euros haverá que devolver em pouco mais de dous anos num contexto de economia em queda livre, após de duas reformas do sistema financeiro em três meses, o que dérom em considerar a banca mais sólida do planeta precisa de aportaçons maciças de capital assim como da conversom em capital de dívida subordinada por umha quantia de perto de 75.000 milhons de Euros. E ainda que isto cobrisse a prática totalidade das necessidades de capital das entidades de crédito, cousa que como já sabemos nom é possível, a factura do resgate bancário, descontando os juros, situar-se-ia a dia de hoje em 350.000 milhons de Euros, nem mais nem menos, que o 35 % do PIB do Estado.
Mais umha vez é necessário reparar no modo em que os organismos internacionais formalizam as achegas das operaçons de resgate e no papel que nestas operaçons jogam as auditorias sobre o estado da situaçom das finanças públicas e de modo muito particular do sistema financeiro. Se a Comissom Europeia e o FMI nom procedêrom a esta altura a umha ré-capitalizaçom da banca que se aproxime as necessidades da mesma, isto é umha cifra arredor dos 350.000 milhons de Euros sobre os que se concita o consenso na maioria dos trabalhos elaborados ao respeito, a razom nom é outra que a dia de hoje nom dispom do dinheiro que se precisaria. Pense-se que a quantia solicitada por Grécia, Portugal e Irlanda anda perto dos 403.000 milhons de Euros, se bem a quantidade que lhe achegaram a dia de hoje nom chega aos 134.000 milhons de Euros. Em definitiva que as necessidades de capital destes três estados som miúdo em relaçom com o que precisa o Estado Espanhol. Ainda sabendo, em vista da informaçom que oferecem anteriores auditorias ou os próprios teste de estres sobre a saúde do sector financeiro, que as mesmas som antes um álibi para justificar decisom prévias que um ferramenta para garantir informaçom fidedigna é necessário reparar nas eivas do trabalho que estám realizando os dous auditores independentes, isto é as auditorias Roland Berger e Oliver Wyman. Num e caso e noutro, por indicaçom da própria Comissom e do Ministério de Economia, nom se tomam em conta a perda de valor das participaçom empresáriais assim como os créditos fiscais, muito elevados nas entidades do Estado e que irám em aumento à medida que surjam novas perdas. Vaia como exemplo Bankia onde a minusvaloraçom das participaçons empresáriais representam 3100 milhons de Euros e onde os créditos fiscais de 2012 ascendem a 2.700 milhons de Euros. Nom fai falha logo, extrapolando o caso Bankia ao resto das entidades de crédito para cair na conta que esta auditoria nom é só umha grande farsa senom que as necessidades de capital do sector som muito superiores à quantia da que nos estám falando. Mas é que há mais porque as previsons económicas sobre as que se formulam em nengum caso recolhe o cenário de depressom que se assumem já polos organismos internacionais e que se vam ver aguçados polas políticas de recortes aprovadas nos últimos meses.
Vincenç Navarro
Público
Foi umha mágoa que nengum dos que participaram no debate nas Cortes espanholas fizesse as seguintes perguntas ao déspota de Rajoy:
Por quê o Estado espanhol decidiu congelar as pensons a fim de conseguir 1.200 milhons de euros, em lugar de reverter a descida do imposto de sucessons, com o qual obteria quase o dobro de ingressos (2.552 milhons).
Por quê em lugar de recortar nada menos que 7.000 milhons em sanidade, o governo nom eliminou a reduçom do Imposto de Sociedades às empresas que facturam mais de 150 milhons de euros ao ano, o que significa menos de 0,12% de todas as empresas, com o qual obteria mais de 5.600 milhons de euros?
Por quê quer agora estabelecer o Re-pago sanitário em lugar de aumentar os impostos dos fundos SICAV e os ganhos especulativos?
Por quê quer aumentar o IVE, neste momento de recessom, que afectará as classes populares, em lugar de aumentar o imposto de Sociedades a 35% para empresas que ganhem mais de um milhom de euros ao ano, com o qual ingressaria 14.000 milhons de euros mais?
Por quê quer destruir postos de trabalho nos serviços públicos em lugar de estabelecer um imposto às transacçons financeiras, com o qual, tal como assinalou o sindicato de técnicos do Ministério de Fazenda, conseguir-se-iam 5.000 milhons de euros?
Por quê em lugar de forçar reduçons dos Estados do bem-estar geridos polas CCAA nom reduz a economia mergulhada dez pontos, com o qual aumentaria 38.500 milhons de euros?
Estas som as perguntas que deveriam fazer-se e nom se fizêrom. Rajoy nom as pode contestar e ficaria em evidência, mostrando, que em contra do que di, sim que há alternativas e sim que há dinheiro.
IAR-Noticias
O sistema (económico, político e social) capitalista baseia-se sobre três piares essenciais:
A) Consumo maciço (que alimenta os ciclos de ganho capitalista com o mercado).
Voto "popular" (que alimenta e permite o controlo político e social sem repressom militar).
C) Credibilidade social (que alimenta a sobrevivência institucional do sistema capitalista).
Este três factores, que conformam a coluna vertebral do sistema espoliador capitalista erigido como "civilizaçom única" a escala global, hoje encontram-se em risco imediato por causa da crise económico financeira que derivou primeiro em crise recessiva, e logo em crise social como emergente dos ajustes selvagens, à persistência do desemprego e o achicamento do consumo popular.
Com Estados crebados pola crise fiscal, com umha recuperaçom ainda débil da recessom (com países que seguem desacelerados), mercados financeiros volatizáveis (volta à desconfiança do sobe e baixa), contracçom do crédito orientado à produçom, consumo social sem recuperaçom, baixas de arrecadaçom e subas siderais do deficit, desemprego maciço e ajustes salariais em ascensom, a "bomba social" (emergente da crise e dos ajustes) já assoma como o desfecho mais lógico na Eurozona.
O sistema de gobernabilidade político e económico da Eurozona hoje encontram-se em risco de dissoluçom por causa da "crise financeira" que derivou primeiro em crise recessiva", logo em crise fiscal" dos Estados, e que agora se converteu em crise social" da mao dos ajustes, os despedimentos laborais e o achicamento do consumo popular.
Esta dialéctica de acçom-reacçom é o que define, em forma totalizada, um fenómeno que excede a denominaçom reducionista de crise económica" com o que os analistas do sistema qualificam o actual colapso económico europeu.
O capitalismo central europeu (tanto como EEUU) nom está em crise económica", senom em crise total", e no final do processo, se quer superviver como bloco, deverá deitar mao ao único que pode preservar o seu domínio: A repressom militar.
Essa é a leitura imediata que surge do processo europeu com Estados crebados e ajustes selvagens, que profunda o desemprego em massa e a crise de credibilidade social nos políticos e nas instituiçons das potências centrais que se estende aos países emergentes e periféricos da Ásia, África e América Latina.
A dinâmica histórica da crise pulveriza a coluna vertebral do sistema (consumo, voto e credibilidade social) e obrigará a mudar a estratégia de dominaçom para reciclar um novo processo de controlo político e social.
Que alguns peritos e analistas já visualizam como o começo de um novo processo de procura do controlo (gobernabilidade económica, política e social) contido nos marcos de umha democracia blindada.
Goldman Sachs começa a descargar carvom colombiano nas Astúrias
No Musel continua a descarga de carvom colombiano pertencente ao banco de investimentos Goldman Sachs.
As labores centram-se no transporte do carvom em camions desde a terminal de graneis sólidos, EBHISA, onde se acumulam umhas 100.000 toneladas, até a doca norte da ampliaçom do Musel, onde se descarregárom já mais de 50 toneladas.
Ademais, espera-se a chegada de um segundo barco procedente de Colombia com outras 150.000 toneladas.
Goldman Sachs, que nom quis dar informaçom a respeito disso, fai provisom do carvom à espera de que suba o preço para o revender à térmica de Aboño.
A operaçom foi negociada polo ex director da Autoridade Portuária, Julho da Cova, o passado mês de Abril.
O sistema eleitoral cubano talvez seja um dos mais democráticosda atualidade. Seu estudo descortina um horizonte político desconhecido de muitos: a participação livre, o alto índice de comparecimento dos eleitores, a desvinculação ao modelo partidarista, a escolha dos candidactos pelos próprios eleitores, etc.Tudo isso desaguando num sistema misto de participação directa e indirecta.
Por Gabriela de Souza Guedes*, em Solidários
O actual modelo foi instituído pela Reforma Constitucional de1975, após um período de transição sem eleições (1959-1975), considerado necessário para o amadurecimento do processo revolucionário, para as adaptações das instituições políticas e a contenção de uma forte resistência contrarrevolucionária.
Candidatos são indicados pelos eleitores, não pelos partido
O novo sistema reintroduziu a participação popular em novos moldes de representatividade e participação, desenvolvidos segundo as peculiaridades históricas, políticas e geográficas da ilha.
Actualmente em Cuba são realizadas eleições gerais a cada cinco anos e eleições parciais a cada dois anos e meio, visando preencher as vagas da Assembleia Nacional do Poder Popular (deputados/mandato 5 anos), das Assembleias Provinciais do PoderPopular (delegados/mandato de 5 anos) e das Assembleias Municipais do Poder Popular (delegados/mandato de 2,5 anos), sendo esta a base do sistema representativo.
Para a escolha dos delegados e deputados o voto é directo e a Assembleia Nacional do Poder Popular elege, dentre seus deputados, o Conselho de Estado, integrado por um presidente, um primeiro vice-presidente, cinco vice-presidentes, um secretário e vinte e três membros. O presidente do Conselho de Estado é Chefe de Estado e Chefe de Governo, cargo ocupado actualmente por Rául Castro.
Eleitores podem revogar mandatos
Uma característica importante desse sistema é que os mandatos podem ser revogados: o eleitor poderá destituir o delegado eleito, caso este descumpra as obrigações assumidas com sua base eleitora ou não preste contas devidamente. Destaca-se, também, que pode haver acumulação de cargos nas Assembleias, ou seja, a mesma pessoa pode exercer simultaneamente diversos cargos electivos.
Com relação à remuneração, a Constituição (artigo 82) estabelece que durante o tempo em que desempenham suas funções políticas, os deputados recebem o mesmo salário de seu "posto de trabalho", mantendo o vínculo com este para todos os efeitos.
Com a Reforma Constitucional, a participação do eleitor apresentou-se pela forma do voto universal, secreto e livre, calcado somente na consciência política do cidadão, sendo que desde outubro de 1976 (primeira experiência do novo modelo) a participação do eleitorado sempre esteve acima de 96%.
Não há na Constituição de Cuba nem na Lei Eleitoral a referênciaà necessidade de se estar filiado a partido político para concorrer. Consequentemente, a eleição é feita pelo modelo majoritário, sendo necessária a obtenção de mais da metade do número de votos válidos na respectiva base eleitoral (Nacional, Provincial ou Municipal).
Um novo modelo de democracia
No actual sistema, as candidaturas para Assembleia Municipal do Poder Popular são indicadas pelo próprio eleitor em Assembleia criada para este fim. Esse mecanismo é coordenado pelas Comissões de Candidatura e todos os eleitores participantes têm direito a propor candidatos a delegados e resulta indicado aquele que obtiver maior número de votos.
O sistema eleitoral cubano apresenta inovações importantes sobre bases clássicas da ciência política, em um novo modelo democrático dentro de um governo socialista, demonstrando claramente que a democracia não está vinculada ao modelo capitalista. Porém, percebe-se que o conhecimento desta realidade somente está disponível para quem se dispõe a furar o bloqueio estadunidense, que muito além de econômico, actua incessantemente nas fronteiras da informação.
* Gabriela de Souza Guedes é especialista em História da América Latina pela URI - Campus Erechim, graduada em Direito e servidora da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-R
Em Cuba haverá eleiçons em Outubro. Por quê nom se apresenta a dissidência?