por Michael Hudson
Sistema de equilíbrios políticos na economia
O melhor caminho para os países é colocar o seu próprio crescimento económico antes dos interesses dos credores. Durante muitas gerações esta ética apoiou um conjunto de equilíbrios políticos que mantiveram o crescimento da dívida internacional em termos considerados toleráveis ? demasiado pesado pelos padrões de mercado livre de Smith e John Stuart Mill, mas não tão altos a ponto de generalizar incumprimentos e repúdios de dívida.
Esta ética mudou nos últimos anos. Os países aceitaram a propaganda dos credores de que dívidas são uma "questão de honra", tal como os pobres acreditam que pagar as suas dívidas ? mesmo quando estão em situação líquida negativa ? é a "coisa mais honesta a fazer". Obviamente esta ética não é auto-aplicada nas maiores instituições financeiras do mundo ou entre especuladores imobiliários. Mas a Islândia aceitou-a, o que é uma característica de comunidades pequenas, muito coesas, onde a palavra dos vizinhos é um vínculo. A raiz da ética da Islândia é a ajuda mútua e a prosperidade para todos. É uma atitude refinada, altamente socializada, e contudo trágica pois ajudou o país a cair de bruços diante da banha da cobra da escravidão pela dívida.
Quando líderes políticos deixam de reconhecer que os sistemas de controle são uma função própria de governo sacrificam o desejo do seu país de crescimento económico e de elevação de padrões de dívida numa vã tentativa de pagar credores. Tais tentativas terão de ser inúteis, porque "a mágica do juro composto" é um mito cruel: Na realidade toda taxa de juro implica uma duplicação no tempo e nenhum crescimento "real" de uma economia alguma vez foi capaz de crescer exponencialmente a uma taxa suficientemente rápida para pagar as dívidas que se mantiveram a acumular juros.
No ambiente desregulamentado de hoje em que "o céu é o limite", estas acumulações foram recicladas em ainda novos empréstimos. Estes são então empacotados e revendidos, onerando a economia com cada vez mais dívida que até agora tem sido quase impossível rastrear. E para cumular o assunto, especuladores financeiros aplicam milhões de milhões de dólares em apostas sobre se as dívidas podem ou não ser pagas e quanto os seus preços de mercado são prováveis de mudar. O que era suposto ser um sistema financeiro destinado a financiar novo capital de investimento para produzir mais e elevar padrões de vida redundou numa economia de casino ? onde jogadores são apoiados pelos banqueiros para jogarem o jogo da dívida, com os governos ao lado para tornar os vencedores "inteiros" nos casos em que os devedores perderam demasiado do seu dinheiro para pagar à vista.
Dívidas que não podem ser pagas, não o serão
Todo economista que examinou a matemática do juro composto salientou o facto de no fim as dívidas não poderem ser pagas. Qualquer taxa de juro pode ser encarada em termos do tempo que leva para duplicar uma dívida. A 5 por cento, uma dívida duplica em 14,5 anos; a 7 por cento, em 10 anos; a 10 por cento, em 7 anos. Já em 2000 AC, na Babilónia, escribas contabilistas foram treinados para calcular como o principal de empréstimos duplicava em cinco anos à taxa então corrente de 20% ao ano (1/60 por mês durante 60 meses). "Quanto tempo leva uma dívida para multiplicar 64 vezes?", perguntava um exercício de estudante. A resposta é 30 anos ? seis vezes duplicada.
Nenhuma economia foi alguma vez capaz de manter-se a duplicar numa base constante. As dívidas crescem por princípios puramente matemáticos, as economias "reais" diminuem gradualmente em curvas S. Isto também era conhecido na Babilónia, cujos modelos económicos calculavam o crescimento de rebanhos, os quais normalmente diminuem gradualmente. Uma grande razão o arrefecimento do crescimento económico nacional nas economias de hoje é que cada vez mais rendimento tem de ser pago para suportar o fardo da dívida que aumenta. Ao deixar menos receita disponível para investimento directo na formação de capital e para alimentar a elevação dos padrões de vida, os pagamentos de juros acabam por afundar as economias na recessão. Durante o último século ou pouco mais, habitualmente levava 18 anos para que o típico ciclo imobiliário cumprisse o seu percurso.
Países que não pagaram as suas dívidas
Vamos rascunhar um ficheiro de países que anularam as suas dívidas ? ou actuaram sem intenção de pagar. A lista começa com o maior devedor do mundo, os Estados Unidos. O seu governo deve US$4 milhões de milhões a bancos centrais estrangeiros. Pensar nisso por um momento mostra que não há qualquer meio de se poder pagar, mesmo se isto fosse desejado. Os Estados Unidos estão incidindo num défice comercial crónico, no topo do qual está um aprofundamento de gastos militares. Ao tratar desta crónica subsistência acima dos meios financeiros do país, os diplomatas americanos são quase os únicos no mundo que conduzem a diplomacia internacional do modo que os manuais assumem que todos os países deveriam fazer. Eles actuam puramente e implacavelmente nos seu próprio interesse nacional. Este interesse reside na obtenção do proverbial almoço gratuito, dando IOUs pelos recursos reais e activos de outros países, sem nenhuma intenção ou capacidade para pagar.
Responsáveis dos EUA já sugeriram que esta dívida será anulada (wiped out). O seu plano seria convertê-la em "papel ouro". Os bancos centrais estrangeiros simplesmente carimbariam nos seus títulos do Tesouro dos EUA "bom apenas par pagamento entre bancos centrais e o Fundo Monetário Internacional". A nenhum outro país seria permitido anular as suas dívidas por este meio. Só o devedor no centro seria capaz de continuar a emitir dinheiro-dívida sem constrangimento externo.
Temos de admitir que diplomatas dos EUA libertaram países da dívida quando tiveram uma razão política para fazê-lo. O mais famoso exemplo moderno de um cancelamento de dívida numa economia grande é o da Alemanha em 1947. Os Aliados cancelaram a dívida pessoal e de negócios alemã, com base em que a maior parte era devida a antigos nazis. As únicas dívidas deixadas na contabilidade foram as dívidas salariais que os empregadores tinham para com a sua força de trabalho e os fundos de maneio para companhias e famílias.
Em 1931, uma geração antes, os Aliados haviam anulado a dívida das reparações de guerra da Alemanha originada pela I Guerra Mundial e negociaram uma moratória das suas dívidas de armas para com os Estados Unidos. Os principais governos do mundo perceberam que manter estas dívidas na contabilidade levaria ao colapso da economia global. Mas no momento em que chegaram a esta conclusão já era demasiado tarde. A combinação das dívidas de armas Inter-Aliadas para com os Estados Unidos e as dívidas de reparações impostas pelos Aliados em grande parte para pagar a América foi um dos principais factores que levou o mundo à depressão.
A economia dos EUA estava a entrar em colapso sob o peso da sua dívida interna a acumular-se em pirâmide. Outros países haviam usado menos alavancagem de dívida, mas tudo terminou com o cancelamento de vastos segmentos de dívidas imobiliárias e de negócios durante os Anos da Depressão. No momento em que terminou a Segunda Guerra Mundial, em 1945, a maior parte dos países estava livre de dívida. Os preços reflectiam os custos de produção directos, com desvio mínimo de receitas para o pagamento de bancos, proprietários absenteístas e outros rentistas.
No período do pós-guerra o Banco Mundial emprestou dólares a governos para a construção de infraestruturas ? só para dar meia volta uma geração mais tarde e ajudar a saquear o que havia financiado. Depois de o México e outros governos latino-americanos anunciarem que estavam insolventes, em 1982, diplomatas dos EUA organizaram uma redução da dívida na forma dos "títulos Brady". Em 1990, a Argentina e o Brasil tiveram de pagar 45% sobre a nova dívida externa dolarizada e o México pagou 23%.
Tendo encravado países do Terceiro Mundo com dívidas para além da sua capacidade de pagar, o FMI e o Banco Mundial utilizaram a sua influência de credores para forçar governos a imporem planos de austeridade draconianos que tiveram o efeito de impedir o crescimento rumo à auto-suficiência industrial e agrícola, com isso esmagando também perspectivas de competitividade. O FMI e o Banco Mundial pediram então que os países vendedores vendessem a sua infraestrutura pública, terra, direitos do subsolo e outros activos para pagar as dívidas que estas instituições patrocinaram tão irresponsavelmente. (Se os empréstimos do FMI não fossem simplesmente irresponsáveis, então eles conscientemente debilitavam as economias dos países devedores.) Isto é uma velha história de conquista, agora cumprida sem a guerra convencional.
Dois mil anos atrás Roma despojou de dinheiro a Ásia Menor e outras províncias e colónias usando força militar. A sua oligarquia financeira traduziu então o seu poder económico em poder político, destruindo a democracia e provocando os séculos sombrios da Baixa Idade Média. A lição histórica é que economias capturadas pelos credores são afundadas na depressão pois a concessão de empréstimos predatórias remove o excedente, não deixando ficar nada para subsistência, quem dirá para a renovação de capital. Isto impedi os países de pagarem as suas dívidas, levando a arrestos generalizados, uma polarização extrema da propriedade e da riqueza e ao empobrecimento do seu povo. A falta de prosperidade que daí decorre acaba por debilitar a capacidade de sustentar custos militares e tais países tendem a ser conquistados, como os godos invadiram Roma. Eles sempre estiveram às portas, do lado de fora ? mas foi o esvaziamento da economia interna de Roma que a tornou presa para conquista.
Mais recentemente, a tomada de controle dirigista patrocinada pelo credor das instituições económicas e sociais nacionais que tornaram a Rússia, os Estados bálticos e outras economias pós soviéticas em cleptocracias neoliberais, conduzindo o trabalho qualificado para o exterior em conjunto com a fuga de capital. A Letónia está empurrada outra vez rumo à vida de subsistência com base na terra. A má gestão do credor é o problema mais importante que qualquer país hoje deveria esforçar-se por impedir
Credores jogam a carta do terrorismo
O 11/Setembro assinalou o princípio de uma nova captura de poder nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Responsáveis do Reino Unidos utilizaram legislação anti-terrorista para tomar activos islandeses no exterior. O que faz isto tão irónico é que ao longo da história têm sido os credores que utilizaram violência contra os devedores, não ao contrário. Conheço apenas uma excepção e não envolveu banhos de sangue: Jesus removeu as mesas dos cambistas no templo de Jerusalém. É o único registo de um acto violento na sua vida.
Psicólogos procuram explicar a inclinação do credor para a violência pela tendência dos rentistas a lutarem por rendimento não ganho ? herança ou outra "riqueza gratuita" que obtiveram sem esforço próprio. As pessoas que trabalham para viver e são capazes de sustentarem-se por si próprias acreditam que podem sobreviver e por isso há menos da espécie de pânico que credores e outros que desfrutam almoços gratuitos sentem ao pensarem que a sua receita extractiva poderia acabar. Eles combatem apaixonadamente contra a perspectiva de terem de viver do que produzem ou do que ganham pelos seus próprios méritos. Assim, a última coisa que os rentistas realmente querem é um mercado livre. Numa ironia desavergonhada, eles tendem a acusar populações de serem terroristas se as mesmas procurarem defender-se contra credores predatórios e tomadores de terra!
Ao descrever a violência do credor, Plutarco mostra como o rei Agis IV de Esparta e o seu sucessor Cleomenes III procuraram cancelar dívidas no século III AC. Os credores da cidade-estado assassinaram Agis, levaram Cleomenes ao suicídio no exílio e mataram o líder seguinte de Esparta, Nabis ? e então apelaram a Roma para combater contra democracias pró-devedor por toda a Grécia. Tito Lívio e outros historiadores romanos descrevem como um século depois, em 133 AC, o Senado Romano respondeu a uma tentativa de reforma da dívida e da terra dos irmãos Graco precipitando aqueles senadores democráticos num despenhadeiro para morrerem, inaugurando assim um século de sangrenta guerra civil.
No século XIX os Estados Unidos enviaram canhoneiras a fim de cobrar dívidas de países latino-americanos, instalando colectores nas alfândegas locais. A Inglaterra aplicou uma força imperial semelhante para arruinar a Índia, o Egipto e a Turquia, despojando os seus activos através de dívidas e afundando as suas populações na pobreza que persiste até os dias de hoje. Mais recentemente, a mão dos EUA na violência que derrubou o presidente eleito do Chile, Salvador Allende, continuou esta política. Tendo procurado isolar a União Soviética, Cuba e outros países que rejeitaram as regras orientadas pelo credor e os interesses da propriedade rentista, os Estados Unidos culminaram a sua vitória na Guerra Fria sobre a União Soviética promovendo um regime de taxa fiscal uniforme que impôs o fardo fiscal inteiramente sobre o trabalho e a indústria, não sobre as finanças e o imobiliário. Ao invés de serem democratizados, os países pós comunistas foram dirigidos directamente para cleptocracias oligárquicas que efectuaram rapidamente a elevação das dívidas para com o Ocidente.
Isto é exactamente o oposto dos mercados livres que lhes haviam sido prometidos em 1990-91. Ao invés de crescimento económico, a economia "real" da produção e do consumo contraiu-se, mesmo quando influxos financeiros estrangeiros incharam os preços da propriedade habitacional e de escritórios, do combustível e dos serviços públicos. O imobiliário e os serviços públicos até então fornecidos gratuitamente ou a preços subsidiados foram transformados num veículo predatório para os estrangeiros extraírem rendimento, colocando a população interna a rações, tal como o que ocorre sob ocupação militar. Mas os media públicos, centros académicos e parlamentos persuadiram as populações de que isto faz parte de uma ordem natural, o resultado de como um mercado livre é suposto operar, ao invés de um retrocesso a instituições quase feudais. A ideia simplista é que fazer dinheiro é próprio do "capitalista", sem considerar se o capital industrial está a ser criado ou desmantelado e despojado.
Como os tempos difíceis afectam o povo
Relatórios de saúde pública de todo o mundo documentam como a esperança de vida encurta quando a desigualdade económica e a pobreza aumentam. A moral é que "dívida mata", ao empobrecer e destruir populações. Aqueles que se tentam defender são marcados como terroristas pelos seus predadores financeiros. A doutrina da população de Malthus, afinal de contas, foi escrita para racionalizar o almoço livre da classe de proprietários de terra e as políticas do Banco Mundial para as populações de países endividados do Terceiro Mundo foram da mesma forma o complemento natural do despojamento de activos financeiros que ele endossou. Menos pessoas para alimentar, vestir e abrigar numa situação em que os investidores procuram principalmente as empresas públicas para cuja construção os governos já haviam incorrido em dívida externa, mais terra e recursos da natureza ao invés do trabalho humano.
Em parte alguma a violência dos credores é mais declarada do que na sua destruição da educação, especialmente dos estudos económicos e do conhecimento da história. O primeiro acto dos Chicago Boys (monetaristas da Universidade de Chicago, encabeçados pelo prémio Nobel Milton Friedman) no Chile de Pinochet após o golpe militar de 1974 foi encerrar todos os departamentos de teoria económica e ciências sociais do país, excepto para a fortaleza monetarista na Universidade Católica que dominavam. A ideia era despojar a academia de qualquer ponto de vista alternativo. As coisas não são muito diferentes em outros países. Numa conferência económica pós keynesiana em Berlim sobre "financiarização" em Novembro último, ouvi muitas queixas de que visões alternativas à ortodoxia da Escola de Chicago não tinham audiência nos principais jornais académicos europeus. E exactamente neste mês de Março na reunião anual na cidade de Nova York da Eastern Economic Association, ouvi queixas semelhantes de ideias económicas alternativas eram excluídas dos principais jornais de referência nos quais os aspirantes a académicos devem ganhar entrada a fim de serem promovidos a empregos estáveis (tenures) na maior parte das universidades dos EUA. Uma Cortina de Ferro intelectual foi baixada pela ortodoxia disfuncional do "mercado livre". Evidentemente um mercado livre em ideias é anátema para os livre mercadores das finanças. Com controle intelectual tão forte, naturalmente, a violência aberta é desnecessária.
Tal intolerância intelectual está no DNS da mentalidade credora porque ela não pode aguentar a consciência e o entendimento dos seus efeitos destrutivos. O "milagre do juro composto" não é alcançável na prática para além do curto prazo. Pretender que ele pode constituir a base para um modelo sustentável de criação de riqueza violenta a racionalidade e a lógica económica. Eis porque a teoria económica que os credores preferem ? e subsidiam ? é aprender a ignorância propagandeada pelos idiotas úteis. O seu papel é desviar a atenção da mais importante dinâmica económica da sociedade, a da polarização da finança e da propriedade através da dívida, evidentemente na premissa de que o que não é visto ou analisado não será regulamentado ou tributado. Aqui se pode recordar do gracejo de Baudelaire: "O diabo vence no ponto em que convence o povo de que não existe". Um "mercado livre" para rentistas é portanto um "livre" de ideias alternativas.
Esta é a função política da teoria económica mainstream de hoje. E para coroar o assunto, a visão mundial orientada para o credor exerce violência semelhante aos ensinamentos das principais religiões do mundo.
Sabia vostede que o vírus da influenza porcina apareceu por vez primeira nos Estados Unidos e que o único medicamento ao que parece responder é produzido por um laboratório do que é directivo e proprietário Donald Rumsfeld
Igualzinho que com a ?gripe aviar?. Estende-se o pânico, vende-se o anti-viral especifico que só os seus laboratórios o fabricam, e negocio seguro. Que importa uns milheiros de mortos, se vam ser sempre pobres e marginais. E por encima prova-se como arma biológica.
por Michael Hudson
Como os bancos e o sector financeiro ganharam o poder de domínio
Esta supremacia dos bancos e do sector financeiro levou milhares de anos a ser atingida. Não foi fácil subverter valores sociais tradicionais e empobrecer tantas economias através da subordinação das relações de propriedade habituais com a prioridade legal para os credores. A Islândia só recentemente ficou sob esta espécie de ataque financeiro de credores que operam globalmente. Banqueiros conseguiram convencer ambiciosos à procura de fortuna que o caminho para a riqueza e o crescimento económico residia na alavancagem de dívida, não em permanecerem livres de dívida. Ao vender dívida como o seu produto, os bancos e os especuladores no núcleo do mundo financeiro precisavam preparar-se para o que devem ter sabido que levaria ao colapso económico e que destruiu economias ao longo da história. Eles preparam o caminho para a ruína através da engenharia ideológica destinada a moldar a forma de pensar das populações acerca da história, de modo a aceitar a pirâmide da dívida como uma boa estratégia económica.
Como exemplo do seu pensamento distorcido, considere uma casa com preço atraente. Você preferiria possuir 100% de uma casa livre de toda dívida com um valor de mercado de 100.000 euros se livre de dívida ? ou, ao contrário, preferiria possuir 60% da mesma casa a um preço de mercado inflacionado avaliado em 250.000 euros? No segundo cenário você teria 50.000 euros de "riqueza excedente" (60% x ?250.000 = ?150.000, a serem comparados com os ?100.000 do primeiro exemplo). Pessoas por todo o mundo foram convencidas de que o segundo cenário representa "criação de riqueza". O que é passado por alto é que o preço mais elevado da casa implica encargos de juros sobre o seu preço de mercado mais elevado. Este encargo montaria a ?6.000 por ano, ou ?500 por mês a juros a 6%. A mesma propriedade vale mais, mas inclui um encargo de dívida muito maior ? rendimento para o sector financeiro.
Na Islândia ? mas em nenhum outro lugar ? as hipotecas de casas têm uma deformação singular. Os credores conseguiram proteger o peso dos seus direitos sobre os devedores ao indexar os empréstimos hipotecários à taxa do índice de preços no consumidor (IPC) do país. A cada mês a dívida principal é acrescida pelo aumento do IPC ? e assim também o encargo de juros. Durante 2008 aquele índice subiu 14,2%, de modo que uma hipoteca de ?100.000 com arranque em 2008 teria crescido para ?114.230 no fim do ano. Estes ajustamentos mensais também seriam acrescidos de um ponto percentual dentro do pagamento dos juros ? um extra de ?100 a ser pago mensalmente aos credores, em acréscimo ao principal crescente a ser amortizado. Falamos acerca de fazer dinheiro sem esforço...!
Encargos de dívida tão pesados contrairiam qualquer economia, e é o que está a acontecer na Islândia. Os preços do imobiliário declinaram numa estimativa de 21 por cento para a habitação em 2008. Assim, no exemplo acima, o preço de mercado da casa que vale ?100.000 no princípio do ano teria estado a valer apenas ?79.000 no fim do ano, ao passo que a hipoteca teria crescido em 14%, para 114.230. Isto teria afundado o proprietário numa situação líquida negativa de ?35.000 ? uma notável mudança de 35%.
Em todo país, os investidores perdem quando os preços declinam nos imóveis, acções e títulos, ao passo que os credores descobrem o poder de compra dos seus empréstimos corroídos pela inflação. Foi assim que a maior parte dos países conseguiram "sair da dívida" durante muitos séculos. Mas os credores da Islândia criaram um sistema no qual a sua posição é realmente melhorada quando o resto da economia sofre a erosão inflacionária do preço. Os seus direitos aumentam na proporção da taxa em que a inflação dos preços no consumidor corrói salários e lucros de negócios. Qual o sentido disto?
O que torna isto tão irónico é que o objectivo de calcular o índice de preços no consumidor em todos os países foi apoiar o rendimento do consumidor. Foi para proteger os assalariados e aposentados contra a inflação que corroía a sua capacidade de manter o seu padrão de vida. Eis porque nos Estados Unidos os aposentados da Segurança Social recebem um ajustamento anual do custo de vida com base no IPC. Mas a Islândia inverte este objectivo político, protegendo os direitos dos credores contra os devedores (e portanto contra a maior parte dos assalariados). O objectivo do credor é maximizar o poder da dívida sobre o trabalho vivo. Este é o significado literal de "hipoteca" (mortgage): uma "mão morta" do passado sobre o presente, da riqueza passada e do crédito sobre o vivo. Para a Islândia, as dívidas aumentadas durante a fase de "criação de riqueza" da bolha financeira devem ser deixadas ali e até mesmo crescer a uma taxa acelerada reflectindo o ritmo da depreciação da divisa e portanto na generalidade dos preços de importação e no consumidor. Os devedores perdem quando os preços das suas casas afundam, ao passo que os credores mantêm o seu domínio económico intacto e até mesmo fortalecido pelo aumento do seu poder.
Transformando poder económico em poder político
Os credores na maior parte dos países foram capazes de transformar o seu poder económico em poder político com o objectivo de transferir o fardo fiscal de si próprios para o trabalho e a indústria. O golpe final verifica-se quando conseguem que o governo os salve das suas perdas em maus empréstimos. Nos Estados Unidos, o Congresso triplicou a dívida nacional em menos de um ano a fim de salvar credores com pouca consideração com ajudas aos devedores, ou mesmo de processar a fraude financeira maciça envolvida nesta bolha imobiliária subprime e na venda de hipotecas lixo a crédulos compradores estrangeiros.
Os cidadãos da Islândia possuirão uma proporção cada vez menor dos seus lares quando os seus bancos se tornarem os principais reclamantes do valor da propriedade do país. Ao sujeitar a Islândia a esta espécie única de esmagamento financeiro, a política islandesa posiciona-se em contraste total com a dos Estados Unidos. A política dos EUA é estabilizar a sua economia e evitar a depressão reduzindo dívidas a fim de alinhá-las com os preços de mercado mais baixos de hoje e, mais especificamente, para trazer os encargos de juros sobre dívida hipotecária ao nível da capacidade dos proprietários de pagarem não mais de 32% do seu rendimento. Outros países também estão a reduzir as suas dívidas de modo a alinhá-las com a capacidade de pagamento. Mas a Islândia está a sujeitar os seus próprios proprietários de casas e consumidores à deflação da dívida e a afundá-los no terreno da Situação Líquida Negativa ? por lei!
O único meio pelo qual os seus bancos podem ter êxito nesta trama é manter os eleitores da Islândia inconscientes do que está a acontecer no resto do mundo ? e, na verdade, impedir o governo de rascunhar um balanço das dívidas do país, um ficheiro destas dívidas mostrando a quem são devidas e um cálculo da capacidade da economia para pagar.
A actual política da Islândia reduzirá o rendimento disponível para proprietários de casas e outros devedores ? a grande maioria dos seus cidadãos ? enquanto a riqueza jorra para o topo da pirâmide económica, para aqueles que estão a criar tanto crédito quanto podem encontrar tomadores para os empréstimos. O resultado não é o que o antigo presidente da Reserva Federal, Alan Greenspan, e o presidente George W. Bush afirmaram estar a criar na América ? uma sociedade de "proprietários". É realmente uma sociedade de "empréstimo", uma economia de sucedâneos de activos na qual a pirâmide da dívida ? a possuir cada vez menos de uma casa ou de outro activo ? parecia ser uma estratégia para tornar-se mais ricos ao invés da armadilha da dívida que é. Será que a Islândia caiu numa armadilha semântica semelhante?
Pensões e aposentadoria
Tal como nos Estados Unidos, a Islândia convenceu o trabalho a "prefinanciar" a sua aposentadoria. A ideia é poupar antecipadamente, de modo a proporcionar a aposentadoria de um modo puramente financeiro. Naturalmente, o meio mais importante para suportar aposentados é fazer com que eles possam arcar com os bens e serviços básicos necessários para viver. Na medida em que a "financiarização" de uma economia acaba por corroer a economia "real", o financiamento da pensão ? e os fundos da Segurança Social (impostos regressivos que permitem ao Tesouro cortar impostos dos escalões mais elevados de riqueza) ? tende a contrair a economia ao invés de prover a expansão com o produto necessário para suportar uma população a envelhecer. Tal como se apresenta a questão, poupanças de pensão são mobilizadas para aumentar o volume de extracção de juros da dívida e alimentar bolhas financeiras (como no "capitalismo fundo de pensão" da América que ajudou a subir os mercados de acções no passado). As poupanças de pensões funcionam contra o emprego mais visivelmente quando elas são emprestadas a atacantes corporativos os quais compensam os seus possuidores de títulos reduzindo a força de trabalho e espremendo mais "produtividade" dos empregados remanescentes. O "crescimento" económico sob tais circunstâncias toma a forma de um encargo financeiro e do sector da propriedade, não de crescimento ou de estabilidade nos padrões de vida ou na capacidade para produzir.
Permitir às economias serem debilitadas com pagamentos de juros era impensável até recentemente. Para atingir uma ruptura tão radical na ideia pública de prosperidade e de auto-suficiência foi necessário aos credores apagarem o conhecimento de como os sistemas legais foram emendados a fim de colocar os interesses dos credores acima dos dos devedores ao longo dos últimos oito séculos ? e de como os principais economistas clássicos e do Iluminismo cultural e líderes religiosos procuraram subordinar os interesses dos credores àqueles do crescimento e da prosperidade da economia como um todo. Mas a nova classe banqueira foi bastante esperta para contratar os melhores propagandistas que o dinheiro pode comprar enquanto permanecia cega para a destruição que estão a infligir às vidas das pessoas.
O jogo da dívida
Tal como muitas pessoas, os islandeses tendem a pensar da dívida em termos pessoais, como se os credores fossem vizinhos muito semelhantes a eles próprios. A coisa normal a fazer quando surgem problemas seria sentar e chegar a um acordo comum. Mas os credores da Islândia são conglomerados financeiros impessoais de milhares de milhões de dólares e as relações credor-devedor sob tais condições são intrinsecamente adversas, como pode confirmar qualquer pessoa que tenha tido um desacordo com um banco. Seja o que for que os credores possam ganhar no combate altamente politizado, legalístico e difícil será perda do devedor. E a magnitude da perspectiva da perda da Islândia ameaça afundar a sua economia na depressão durante gerações, transformando-a numa oligarquia do Terceiro Mundo ou, pior, numa ditadura. O preço de pagar as suas dívidas ameaça assim ser a perda da sua identidade nacional e a perda do seu futuro.
O truque é enganar os devedores levando-os a pensar que "mercados livres" significa pagarem as suas dívidas. Os credores podem ter êxito em permitir que a alavancagem da dívida e "a mágica do juro composto" esvazie economias apenas desviando a atenção daquilo que Adam Smith e outros economistas clássicos preveniram. Para eles, um mercado livre era um mercado livre de dívida ? especialmente dívida externa. Em A riqueza das nações (especialmente o Livro V, capítulo 3), Smith advertiu contra a possibilidade de credores tornarem-se bastante "livres" para desactivar a capacidade dos governos de protegerem os cidadãos dos credores ? especialmente os holandeses, que foram os principais investidores nos monopólios britânicos criados para serem vendidos a fim de pagar as guerras aparentemente eternas com a França. O problema foi que os credores procuravam extrair a riqueza de nações para si próprios, não para criar riqueza. A sua cobiça era destrutiva para a sociedade como um todo, porque era mais fácil simplesmente despojar activos do que criar capital real.
Este é o problema com credores, historicamente. Eles tendem a cuidar só de como extrair tanto quanto possam, tão rapidamente quanto possível. "Um credor do público, considerado meramente como tal", escreveu Smith, "não tem interesse na boa condição de qualquer porção particular de terra, ou na boa administração de qualquer porção particular do stock de capital. Como credor do público ele não tem conhecimento de qualquer porção em particular. Ele não tem de inspeccioná-lo. Ele pode não se importar com isso. A sua ruína pode em alguns casos ser desconhecida para ele e não pode afectá-lo directamente". O problema obviamente é pior com credores ausentes.
Smith concluía: "Quando dívidas nacionais acumularam-se anteriormente num certo grau, é raro, acredito, um único exemplo de ter sido correctamente e completamente paga. A libertação do rendimento público, se sempre foi provocada pela bancarrota, algumas vezes por uma bancarrota confessa, mas sempre por uma bancarrota real, embora frequentemente por um pagamento aparente".
O retrato de Adam Smith está gravado na nota de £20 libras da Inglaterra e Andrew Jackson na de US$20. A ironia é que Smith denunciou dívidas públicas e instou a que as guerras fossem financiadas numa base de pagamento imediato de modo a que o povo sentisse o seu fardo ? e permanecesse fora da dívida. Tal como Andrew Jackson, ele encerrou o Second Bank of the United States, acusando os banqueiros de arruinarem o país e procurarem destruir a democracia. Os banqueiros e as finanças deixam portanto algo importante fora da conta quando vêm com as visões dos seus próprios santos padrões de mercados livres democráticos.
Como foi observado, durante muitos séculos os credores sofreram bancarrotas quando países estrangeiros incumpriram. Isto é a norma, não a excepção. Mas os media populares de hoje apresentam todo novo incumprimento como "inesperado" e "surpreendente", como se não fosse a falha dos banqueiros que deixaram de entender a incapacidade do mercado para pagar. Os manuais simplórios de teoria económica estão em harmonia com a ignorância inata apregoada pelos proverbiais "idiotas úteis" do sector financeiro que palram acerca do "equilíbrio" e dos "estabilizadores automáticos". Estes académicos que desaprenderam são úteis aos banqueiros devido à paixão com que proclamam que todas as dívidas podem e devem ser pagas através de "ajustamentos" adequados (incluindo o que se revela ser colapso económico e demográfico). A pergunta a ser formulada frontalmente é: Se a falha é das vítimas e não dos banqueiros, será então inadequado que os governos salvem os bancos?
A suposição tácita não é de que a cobiça exorbitante dos banqueiros é cumprida a expensas da economia como um todo, mas sim de que a prosperidade do sector financeiro seria uma pré-condição para a economia crescer. Os banqueiros tentam encobrir o assunto acenando com pobres aposentados (como as viúvas e os órfãos ? supostamente aqueles que vivem de "rendimentos fixos" na forma de trust funds) cujas magras poupanças deveriam ser apoiadas. Acontece que com isso salvam a oligarquia financeira de bilionários no topo da pirâmide económica, mas não as vítimas tradicionais.
A utilização de escudos humanos tais como membros de sindicatos preocupados acerca dos investimentos dos seus fundos de pensão a fim de proteger a riqueza dos cleptocratas é igualmente descarada. Os sábios da Wall Street, por exemplo, choram lágrimas de crocodilo sobre o destino do povo trabalhador que sofre com o colapso do mercado de acções, sabendo muito bem que os activos financeiros estão pesadamente concentrados no topo da pirâmide económica, tendo os trabalhadores apenas uma magra fatia daquelas acções e títulos. É ignorado o facto de que o governo podia salvar directamente falhas de fundos de pensão (como a Segurança Social) a apenas uma pequena fracção do custo de impulsionar os activos dos ricos.
Analogamente, o volume de dinheiro do salvamento governamental para o sector financeiro ostensivamente para cuidar da crise das hipotecas subprime ? cerca de US$13 milhões de milhões em 2008-09 ? choca-se com o facto de que o valor total da dívida hipotecária de todas as famílias em todos os Estados Unidos era apenas de US$11 milhões de milhões no fim do ano de 2008! Os fundos do salvamento acabaram por serem utilizados principalmente para comprar outros bancos a fim de criar conglomerados financeiros ainda maiores, "demasiado grandes para falirem", para pagar executivos cuja cobiça por ganhos e prémios a curto prazo provocou o colapso financeiro e para pagar dividendos a accionistas a fim de suportar o preço das suas acções e portanto o valor das opções de acções que os administradores financeiros concedem-se a si próprios. O paralelo mais próximo deste escândalo é prática das "acções aguadas" dos barões ferroviários da Wall Street e outros manipuladores financeiros na Era Dourada do fim do século XIX.
Houve um tempo em que os bancos hesitavam em fazer empréstimos irresponsáveis, isto é, para além da capacidade de os devedores ? e de todas as economias nacionais ? gerarem um excedente a fim de pagar os seus credores. A minha tarefa como economista de balança-de-pagamentos para o Chase Manhattan Bank no fim da década de 1960 era calcular quanto de rendimento de exportações e de outras divisas estrangeiras os principais países latino-americanos podiam gerar. Os seus excedentes de balança de pagamentos representavam quanto eles podiam permitir-se emprestar. O objectivo dos bancos de Nova York era emprestar dinheiro a países do Terceiro Mundo para absorver todo o seu excedente económico. Do ponto de vista dos banqueiros, este era o destino do excedente nacional ? não para sustentar padrões de vida ou investir em tornarem-se economicamente auto-suficientes, mas simplesmente para pagar credores. E "riqueza" era definida como o valor capitalizado de todo o excedente económico que podia ser gerado ? descontado à taxa de juros corrente, como se tudo pudesse ser pago como serviço da dívida, de modo a que todo o excedente fosse pago para servir a dívida.
Isto certamente não é um modelo de progresso humano. Mas era a versão daquela década de "criação de riqueza" e é o conceito de "criação de riqueza" em termos de valor de mercado dos preços de activos financiados pela dívida que Alan Greenspan impingiu aos Estados Unidos na década de 1990 ao convencê-lo de que uma bolha de activos era o caminho para a riqueza pós industrial, não a estrada para a servidão da dívida.
De modo que Adam Smith estava certo. Hoje, credores e possuidores de títulos cuidam de economias estrangeiras só na medida em que podem cobrar juros que absorverão todo o seu excedente económico. Até recentemente, os credores pensavam que emprestar mais do que pudesse ser reembolsado seria "irresponsável". Agora já não é assim.
por Michael Hudson
O papel dos Estados Unidos
Os Estados Unidos aprisionaram outros países dentro de um sistema de pesadelo no qual eles têm pouca escolha prática excepto reciclar os seus influxos de dólares em excesso na balança de pagamentos de volta para os Estados Unidos, principalmente na forma de empréstimos ao Tesouro dos EUA. Quando bancos centrais estrangeiros recebem dólares pelas suas exportações (ou pela venda das suas companhias), eles estão limitados naquilo que podem fazer com estes dólares. O Congresso dos EUA não os deixará comprar companhias ou recursos internos importantes e não se desfará dos haveres em ouro estado-unidenses. Assim, os bancos centrais estrangeiros estão obrigados a comprar títulos do Tesouro ? ou, como a oferta destes títulos tem-se esgotado (sendo limitada pelo défice orçamental interno), títulos apoiados por hipotecas emitidos pelos agora públicos Fannie Mae e Freddie Mac, empacotadores de hipotecas subprime. Estas duas agências semi-oficiais foram formalmente nacionalizadas no ano passado após uma série de fraudes financeiras e investimentos desastrosos que destruíram o seu capital, obrigando o governo dos EUA a intervir e tranquilizar governos desde a China até Israel cujos bancos centrais estiveram a reciclar os seus influxos excedentes de dólares nestes títulos.
Os islandeses deveriam manter em mente um princípio básico importantíssimo. Os Estados Unidos são o maior país devedor do mundo e nunca pagarão a sua própria dívida externa. Além de actualmente terem em dívida quatro milhões de milhões de dólares, o seu Tesouro pretende continuar a emitir novos papéis IOUs em troca de bens, serviços e activos reais da China, Japão e outros países credores ? até que os governos enterrados nestes dólares de papel virem as costas a este esquema Madoff-Ponzi (note-se que estes esquemas são sempre homenagens a operadores americanos), reconhecendo o que Adam Smith explicou em A riqueza das nações: Nenhum país alguma vez reembolsou as suas dívidas. Países pequenos como a Islândia, bem como pequenos contribuintes em países ricos, podem ser coagidos a pagar através de propaganda, jogos psicológicos e ameaças directas ? até que já não lhes restem activos para transferir. Mas os big boys estão acima da lei. Eles controlam os tribunais (os quais muitas vezes sentenciam sem muita consideração pela lei real), assim como escrevem a história e a cobertura dos jornais ? e dos curricula das business school ? para que sirva aos seus próprios interesses.
O segundo princípio importante é quão radicalmente a ordem pós capitalista de hoje inverteu os meios tradicionais de fazer dinheiro. Ao invés de fazer lucros com novo investimento de capital, o caminho mais fácil para riquezas rápidas no sistema financeiro global de hoje é arrestar propriedade a centavos de dólar e fazer um "ganho de capital" ao lançá-la nos mercados financeiros mundiais que estão a ser inflados pelos bancos centrais. Enquanto os porta-vozes financeiros prometem que "não há uma coisa tal como almoço gratuito", a bolha financeira relâmpago de hoje, a fraude e as privatizações de iniciados que culminam em salvamentos do sector público ("socializando o risco" enquanto privatizando os lucros e os ganhos de capital) ? tornou-se o meio mais importante para obter um almoço gratuito.
O jogo financeiro de soma zero da Islândia
Mas isto é um jogo de soma zero, com perdedores do outro lado da mesa dos vencedores. O ganho de uma parte é a perda da outra ? e na verdade esta espécie de jogo acaba por contrair a economia ao desviar recursos para longe do investimento real em formação de capital tangível. Ao contrário do capitalismo industrial, o qual emprega trabalho e investe em equipamento de capital para transformar matérias-primas em mercadorias vendáveis, o sistema financiarizado pós industrial de hoje apenas oferece a riqueza virtual (e temporária) das bolhas de activos. Os seus administradores financeiros afirmam estar a actuar na tradição dos economistas clássicos e partilhar o seu conceito de mercados livres, mas na realidade eles têm feito parte de uma fraude intelectual que descreve o seu sistema como algo diferente da extracção de riqueza financiarizada sobre a economia real da produção e do consumo que realmente é. A riqueza financiarizada é extractiva, não produtiva. Eis porque empréstimos, acções e títulos são direitos sobre riqueza, não a própria riqueza real.
Este é o contexto no qual a guerra financeira de hoje contra a Islândia está a ser travada. Os proprietários de casas estão a pagar tributo não na forma de impostos a uma força invasora ocupante mas sim em juros aos patrocinadores locais da pirâmide do endividamento que apanhou a Islândia em tão profunda perturbação e ao credores internacionais e possibilitadores desta super-financiarização da economia. O domínio público do país, a sua terra e os recursos geotérmicos, a sua indústria turística e os seus activos públicos estão a ser olhados pelos credores estrangeiros como presas a serem tomadas da forma como se verificou em muitos países do Terceiro Mundo. Foi isto que arruinou a Turquia e o Egipto no fim do século XIX e deitou abaixo outros reinos durante séculos antes disso. Contudo, muitos islandeses estão a encaminhar-se para este futuro voluntariamente, como se de certa forma fosse correcto ao invés de um exercício de finanças predatórias conduzido por países que não mostraram nenhuma vontade (ou capacidade) para pagar as suas próprias dívidas internacionais.
Os países sabem quando estão a ser atacados militarmente. As forças de defesa combatem para impedir os invasores de tomarem a sua terra e imporem os seus tributos. Nenhum país pensaria em saudar um exército estrangeiro para fazer o que Guilherme o Conquistador fez à Inglaterra após 1066. Ele ordenou aos seus contabilistas que compilassem o Recenseamento Territorial (Domesday Book) dentro do prazo de trinta anos (ficou pronto em 1086), calculando o valor locativo da terra inglesa a fim de tributá-la para a Coroa.
Assim foram criados os reinos da Europa, na maior parte. A renda era paga aos parceiros dos comandantes militares e os seus herdeiros dominaram como Lordes ausentes durante nove séculos. Eles rapidamente actuaram para manter o que começara como um rendimento real para si próprios, celebrando isto como a vitória da "democracia" de livre mercado na Magna Carta liberatum (1215) e na subsequente Revolta dos Barões (1258-65). Hoje, estes lordes da terra e aqueles que compraram a sua propriedade avançaram na hipoteca da dívida, pagando aos credores o que antigamente era pago primeiramente como impostos e então tomado como renda.
O que levou séculos a atingir na Europa feudal está agora a ser ameaçado na Islândia, comprimido no espaço de apenas uma década aproximadamente. E sob muitos aspectos esta situação financeira não faz sentido ? a menos que se olhe através da história para ver que a mesma tragédia aconteceu vezes sem conta.
Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e o Fundo Monetário Internacional ("a comunidade global de investimento") estão a exprimir as suas exigências de políticas draconianas de austeridade na linguagem do capitalismo. Mas o que eles estão realmente a promover é um sistema financeiro que ameaça acabar na escravidão pela dívida (debt peonage), não o capitalismo democrático. Através de todo o globo, desde os países bálticos até a Hungria na Europa e na verdade desde a Rússia até a China, tumultos e greves espontâneas irromperam recentemente para protestar contra esta dinâmica financeira pós capitalista. Ela já destruiu a capacidade industrial de países devedores sujeitos a programas de austeridade cruéis impostos pelo FMI a actuar como agente para a classe financeira global. Isto simplesmente repete o que os britânicos fizeram na Índia. O crescimento industrial foi substituído por uma bolha imobiliária financiarizada. A "etapa final" desta dinâmica é arrestar e vender os activos dos devedores a preços de dádiva. A conversa acerca de democracia da elite financeira é uma história de cobertura das relações públicas. As suas vendas com a "mágica do juro composto" ameaçam destruir países inteiros.
Felizmente, isto não precisa acontecer em países que não impõem alavancagem de dívida sobre si próprios, mas só em países que deixam o serviço público da criação de moeda e crédito serem privatizados nas mãos de uma classe financeira cosmopolita. A Islândia ainda tem uma alternativa futura diante de si, se os eleitores reconhecerem isto a tempo. Mas para alcançar o futuro melhor que a maior parte dos seus cidadãos pretende, ela deve entender a armadilha predatória da dívida na qual caiu ? ou, mais precisamente, ser afastada da crença na mesma doutrina financeira ilegítima que arruinou a Rússia e outras economias pós soviéticas, bem como países do Terceiro Mundo antes deles sob década de "planos de austeridade" do FMI concebidos para reprimir o crescimento interno (e a concorrência) e a estabilidade económica a fim de pagar aos credores estrangeiros. A história proporciona exemplos trágicos ? os resultados da I Guerra Mundial e a própria Inglaterra nos séculos das guerras aparentemente perpétuas com a França.
Economias industriais a reverterem para "economias de portagem"
O mundo está a mergulhar "de volta ao futuro", numa época de neo-feudalismo e escravidão pela dívida. Isto é um travesti da promessa do capitalismo industrial como este parecia estar a evoluir na véspera do século XX e na Era Progressiva da social-democracia. O que não foi reconhecido foi a bomba relógio financeira implantada no DNA da Europa como tendo evoluído a partir da Idade Média.
Quando o feudalismo europeu abriu caminho à formação de nações-estado, a maior parte dos reinos tornou-se dependente de empréstimos estrangeiros para travar as suas guerras ? a começar pelos Cruzados, cujo saqueio de Bizâncio proporcionou-lhes um enorme influxo de ouro e prata. Foi isto que decompôs as proibições da Igreja quanto à usura. Uma vez que os governos pagavam juros a ordens de elite da Igreja, como os Templários e os Hospitalários, tornou-se permissível para os bancos aderirem ao empréstimo a juros ? para os reis, a nobreza e as classes mercantis como grandes clientes.
O nascimento da banca internacional pós-medieval demonstrou-se desastroso para muitos bancos de família, que afundaram com maus empréstimos às principais potências da Europa primitiva, desde a Espanha à Inglaterra. O historiador Richard Ehrenberg observa que bancarrotas espanholas "verificaram-se a intervalos de cerca de vinte anos ? 1557, 1575, 1596, 1607, 1627, 1647?, muitas vezes sendo racionalizadas por piedosas alusões a proibições da Igreja contra a usura. A Inglaterra declarou bancarrota sob Eduardo III em 1339, e Charles II encerrou o erário público (Exchequer) em 1672 e suspendeu o pagamento da sua dívida flutuante. Cancelar dívidas foi o único meio de conservar relações económicas e políticas básicas, bem como a independência nacional. Em vista desta longa experiência, o conselho da Inglaterra à Islândia de hoje é do tipo "Faça como nós dizemos, não como nós próprio fizemos e estamos a fazer".
Os bancos centrais foram formados para avançar crédito aos governos e os bancos comerciais para ajudar a financiar a expansão comercial da Revolução Industrial e os gastos com a infraestrutura relacionada, mineração e navegação, culminando nos monopólios de infraestrutura tais como canais, ferrovias e portos e posteriormente combustível e energia. A época medieval da "acumulação primitiva" ? a extracção de rendimento pelo apresamento militar ? foi substituída pela mais pacífica e aparentemente civilizada prática de credores apropriarem-se do excedente económico fazendo empréstimos a juros, e pelo arresto da propriedade quando os encargos de juros não podiam ser pagos.
Nos últimos anos administradores financeiros persuadiram muitos países a venderem empresas públicas como as de água ou abastecimento de energia, principalmente para obterem dinheiro a fim de pagar dívidas ou cortar impostos sobre os escalões de riqueza mais elevados. Esta venda dos "bens comuns" ("commons") por líderes ingénuos e míopes (e os "idiotas úteis" promovidos pelos lobbyistas financeiros como seus conselheiros económicos) transformou países devedores em "economias de portagem" ("tollbooth economies") nos quais os serviços básicos tornaram-se veículos para extrair proporções cada vez maiores do rendimento nacional e da riqueza em benefício de poucos. Isto é a antítese dos "mercados livres" tal como os economistas clássicos entendiam a expressão. Eles são mercados concebidos e controlados pelo sector financeiro para apropriaram-se em seu próprio proveito do excedente produzido pelo trabalho e pelo investimento em capital tangível.
Para promover esta sucção do rendimento excedente, os ricos financiaram vastas campanhas de desinformação (propaganda) por todo o mundo. A sua táctica é utilizar expressões familiares e ideologicamente reverenciadas tais como "mercados livres", "democracia económica" e "fidedignidade" para ganhar os corações e mentes da população enquanto realmente impõem um conjunto de políticas em absoluto contraste com a ideologia do Iluminismo, a economia política clássica, a reforma da Era Progressiva e a social-democracia do século XX ? os ideais dos povos amantes da liberdade em toda a parte. Os lobbyistas financeiros gastaram milhares de milhões de dólares com think tanks de relações públicas para alcançarem esta fraude ideológica. Eles fizeram doações a business schools e ganharam o controle de agências do governo para promover o seu ponto de vista orientado para os credores, encabeçado pelos bancos centrais para servir de cunha ideológica às forças anti-democráticas de hoje. Esta é a ideologia que empurrou grande parte do Terceiro Mundo para a pobreza a partir da década de 1960, bem como as economias pós soviéticas hoje tragicamente infestadas de dívida.
Guerra financeira
À primeira vista as finanças parecem algo muito diferente da guerra aberta. Toda a gente sabe muito bem que exércitos invasores não vêm em termos amistosos. Navios e tropas estrangeiras não são bem vindos, mesmo que prometam ajudar a construir a economia com a construção de novas estradas e pontes (as melhores para os seus tanques e tropas viajarem), centrais hidroeléctricas e geotérmicas para exportar electricidade (mantendo os rendimentos para si próprios), hotéis e estações de águas para si próprios e os estrangeiros desfrutarem (e manter os rendimentos locativos e os valores dos sítios) e criar pormenorizadas análises estatísticas (tais como o Domesday Book, o livro do recenseamento acima mencionado) a fim de administrar a economia em seu favor.
Hoje esta estratégia financeira tornou-se multilateral. O FMI actua como um fiscal para os credores globais apropriarem-se do rendimento do imobiliário, da infraestrutura nacional e da indústria como um parasitismo financeiro. O que é notável é que países por todo o mundo estão a perder a sua independência económica e fiscal pacificamente ? pelo menos isto é pacífico quando os países alvos não reagem. (Chile, Cuba e Irão servem como objecto de lições para as sanções económicas punitivas impostas sobre países que não aceitam a actual ética económica predatória.) A conquista financeira é portanto mais encoberta do que a guerra militar. Ela confia mais na dimensão educacional e psicológica e tem mais êxito quanto a vítima nem mesmo percebe que está a ser atacada.
Mas os efeitos são tão devastadores sobre a vida humana quanto os que a Rússia sofreu às mãos dos "reformadores" do Ocidente na década de 1990. A austeridade financeira imposta por regimes ditados por credores encurta a esperança de vida, reduz taxas de natalidade, aumenta a fuga ao trabalho, as taxas de suicídio, de doença, alcoolismo e abuso de drogas. Assim como a guerra mata os homens de uma economia em idade de combate (25-35), a austeridade financeira leva-os a emigrar para encontrar trabalho. Foi por isto que o investidor estado-unidense Warren Buffett chamou às collateralized debt obligations (CDOs), credit default swaps e instrumentos semelhantes de alavancagem de dívida "armas de destruição financeira maciça".
Considere-se o papel da banca nesta ordem neo-feudal. Os bancos não criam crédito para financiar a manufactura ? o que é feito principalmente a partir de rendimentos retidos e acções. Os bancos criam crédito primariamente para emprestar contra colaterais já existentes ? empréstimos que simplesmente extraem dinheiro da economia. Isto é um acto inerentemente destrutivo, um acto que é anti-capitalista no sentido de que enfraquece o crescimento industrial em favor da extracção de juros e de ganhos especulativos a curto prazo.
O truque é fazer com que esta política seja saudada como se fosse um progresso, como "pós industrial" ao invés de um deslizamento para trás. Só hoje está a tornar-se aparente que empréstimos de bancos com base no colateral não "criam riqueza", eles sobretudo incham bolhas de preços de activos, especialmente no imobiliário. Os banqueiros calculam quanta dívida um dado fluxo de imóveis residencial ou comerciais pode suportar e criam bastante crédito para fazer um empréstimo suficientemente grande para absorver esta receita excedente. Os banqueiros fazem o mesmo com a indústria ao emprestarem aos atacantes (raiders) corporativos bastante dinheiro em títulos "lixo" de tomadas empresariais a fim de transformar os lucros num fluxo de pagamentos de juros para si próprios e com ganhos de capital para os atacantes. Os bancos centrais alimentam este processo ao inundar economias com crédito fácil (isto é, dívida) que mantém o sector financeiro gordo enquanto empobrece o país cada vez mais endividado.
As finanças portanto são a antítese histórica da propriedade, santificando o seu próprio direito a expropriar proprietários endividados. Originalmente denunciada pela cristandade, pelo judaísmo e pelo Islão, a dívida produtora de juros santificou-se como a forma predominante de riqueza. Não era isto o que os economistas clássicos e os reformadores políticos esperavam. Eles explicaram como evitar esta distopia económica através de adequada política fiscal e regulação do governo a fim de minimizar o papel económico e o poder político de banqueiros pós-feudais e de rentistas. (Rentistas são pessoas que vivem de juros e rendas, isto é, rendimentos pagos numa base regular. Uma rente era um título do governo francês que pagava juros a intervalos regulares; a ideia foi estendida aos senhores da terra.)
Ossiam
Se a com a depressom económica que agora se inicia no mundo capitalista nom tivéssemos abondo, ainda vai ser agravada pola política económica proclamada por Feijóo tanto no percurso da sua campanha eleitoral como em declaraçons posteriores. Tal parecesse que o novo presidente da Junta de Galiza quisesse levar aposta ao País à falência ao deixar entender que de novo abre a espita para o saqueio puro e duro da nossa costa por parte da patronal, galega e madrilenha amais de outras políticas económicas e fiscais enunciadas. A aberraçom do Monte Gaias, saco sem fundo por onde escorrem o dinheiro público, seguirá adiante, neste caso temos que incluir ao BNG com a sua nefasta conselheira, Bugalho, ao assumi-lo quando conformavam governo com o PSOE.
Fecham empresas umha dia sim e outro também, aumenta o desemprego, mas o mausoléu fraguiano continuara com o seu engolir de recursos como expressom de despotismo e da arbitrariedade e, como todo o mundo conhece, umha cousa som os orçamentos previstos e outros os reais, pois os mesmos tenhem como costume fazer derrapagens da ordem dos 40, 50 ou mais por cento.
Esses centos de milhons de euros serám botados à boca do caimam da fachenda vouga, som hoje imprescindíveis para a criaçom de umha entidade financeira pública que artelhe umha área económica pública e com a mesma dinamizar o conjunto da economia galega e gerar postos de trabalho, e dizer dar pam e bem-estar aos galegos.
Johann Hari
Global Research
Em 1991, caiu o governo de Somália, situado no Corno da África. Seus nove milhons de habitantes têm estado à beira de morrer de fame, desde entom ? e muitas das forças mais saqueadoras do mundo ocidental tenhem visto isto como umha estupenda oportunidade para roubar as provisons de comida do país e verter nossos resíduos nucleares nos seus mares.
Sim: resíduos nucleares. Assim que desapareceu o governo, chegavam misteriosamente navios europeus à costa de Somália, vertendo enormes barris no oceano. A populaçom da costa começava a enfermar. Ao princípio, padecérom estranhas erupçons, náusea, e nasceram meninos malformados. Entom, após o tsunami de 2005, centos destes barris vertidos e com fugas terminaram na orla. A gente começou a enfermar da radiaçom, e mais de 300 pessoas morrérom. Ahmedou Ould-Abdallah, o enviado de Naçons Unidas a Somália, declara: ?Alguém está a verter material nuclear aqui. Também há chumbo, e materiais pesados, tais como cádmio e mercúrio ? ou seja, de tudo.? Pode-se seguir o seu rastro até os hospitais e as fábricas europeus, e entrega-se à máfia italiana para que esta se desfaça disso da maneira menos custosa. Quando perguntei a Ould-Abdallah que faziam os governos italianos para combater isto, disse com um suspiro: ?Nada. Nem limpou-se, nem tem tido compensaçom nem prevençom.?
Ao mesmo tempo, outros navios europeus têm estado saqueando os mares de Somália de seu maior recurso: o marisco. Temos destruído nossas próprias existências de pesca por sobreexplotaçom ? e agora queremos as suas. Enormes palangreros roubam a cada ano mais de 300 milhons de dólares em atuns, camarons, lagostas, etc. ao internar-se ilegalmente nos mares nom protegidos de Somália. Os pescadores locais têm perdido de boas a primeiras sua sustento, e estám a morrer-se de fame. Mohammed Hussein, um pescador da cidade de Marka, a 100 quilómetros de Mogadishu, declarou a Reuters: ?Se nom se faz nada, cedo nom ficará pesca nas águas de nossa costa?.
Este é o contexto no que têm surgido os homens que nós chamamos ?piratas?. Todo mundo está de acordo em que eram pescadores correntes somalíes que primeiro tentaram dissuadir com lanchas velozes aos que vertiam resíduos desde os plangermos ou polo menos lhes cobrar um tributo. Chamam-se a se mesmos os Guarda-costas Voluntários de Somália ? e nom é difícil entender por que. Em decorrência de uma entrevista telefónica surrealista, um dos dirigentes piratas, Sugule Ali, disse que seu propósito era ?parar a pesca ilegal e vertidos em nossas águas... Nom nos consideramos bandidos dos mares. Os bandidos som aqueles que pescam, vertem resíduos e levam armas em nossos mares.? William Scott teria entendido estas palavras.
Mas os ?piratas? têm o apoio abrumador da populaçom local por algo. O lugar site de notícias independente somalí WardherNews pesquisou à populaçom local sobre sua opiniom do tema ? um 70 por cento ?apoiou a pirataria como forma de defesa nacional das águas territoriais do país?. Durante a Guerra de Independência dos Estados Unidos, George Washington e os pais fundadores pagaram a piratas para proteger as águas territoriais de seu país porque nom tinham marinha nem guarda-costas próprios. A maioria dos estadunidenses apoiaram-nos. É isto tom diferente?
Esperávamos que os somalíes famintos nos olhassem passivamente desde suas praias ou mares no meio de nossos resíduos nucleares enquanto roubávamos seus peixes para comer nos restaurantes de Londres, Paris e Roma? Nom actuamos quando se cometiam estes crimes - mas quando alguns pescadores responderam interrompendo o corredor de trânsito do 20 por cento do fornecimento de petróleo mundial, começamos a gritar sobre a ?maldade?. Se para valer queremos ocupar-nos da pirataria, precisamos erradicar sua causa ? nossos crimes ? dantes de mandar os canhoneiros para erradicar aos criminosos somalíes.
A guerra contra a pirataria, também esta de 2009, foi resumida por outro pirata que viveu e morreu no quarto século dantes de Cristo. Capturou-se-lhe e levou ante Alexandre Magno, que quis saber ?que queria dizer com guardar o mar?. O pirata sorriu e respondeu: ?O que quer dizer vostede com apoderar-se de toda a terra; mas como eu o faço com um barco insignificante, sou um ladrom, enquanto a vostede., que o faz com uma grande frota, o chamam imperador.? Uma vez mais, nossas grandes frotas imperiais navegam hoje - mas quem é o ladrom?
por Michael Hudson
Sem ajuda da UE ou da economia global
A União Europeia não está em posição de oferecer grande ajuda para a resolução dos problemas financeiros da Islândia. A integração do continente nos anos 1950 foi lançada por sociais-democratas e capitalistas pró industriais como Konrad Adenauer e Charles de Gaulle com a esperança de acabar para sempre com as guerras intestinas do continente. Eles tiveram êxito em formar o Mercado Comum de sete países em 1957. Mas a nova expansão europeia verificou-se em grande medida nos termos do sector financeiro. Esta é a fonte dos problemas que fracturam a "velha" e a "nova" Europa de hoje. É o contexto no qual o problema da dívida da Islândia está agora a ser terminado.
Parece bastante natural para as pessoas pagar dívidas que foram assumidas honestamente. A expectativa normal é de que as pessoas tomarão emprestado ? e os bancos farão empréstimos ? só para investimentos sadios, aqueles que são capazes de gerar um lucro permitindo ao devedor reembolsar o prestamista com juros. Foi assim que os bancos funcionaram durante muitos séculos ? daí, a imagem dos banqueiros prudentes que dizem "não" a quaisquer negócios questionáveis que se lhes apresentem.
Pelo menos este era o modo antigo de fazer as coisas. Quase ninguém antevia um mundo no qual banqueiros criariam crédito irresponsavelmente, levando aos incumprimentos maciços a que assistimos hoje por todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, não menos de um terço das hipotecas habitacionais caíram num estado de Situação Líquida Negativa. Isto significa que a hipoteca excedeu o preço de mercado do imóvel comprometido como colateral. A dívida nacional dos EUA triplicou durante o ano passado, de US$5 milhões de milhões para US$15 milhões de milhões devido aos salvamentos financeiros incluindo a tomada pelo governo de US$5,2 milhões de milhões dos gigantes hipotecários, Fannie Mae e Freddie Mac. Uma única companhia de seguros, a AIG, foi designada para receber US$250 mil milhões de salvamento em dinheiro e um único banco, o Citibank, recebeu mais de US$70 mil milhões. As acções destes até então gigantes financeiros caíram para centavos apenas e o Congresso está agora a debater se finalmente irá nacionalizá-los e eliminar os seus accionistas e mesmos os possuidores dos seus títulos.
Na Grã-Bretanha verificou-se algo muito semelhante. Sentado no mês passado na sala de embarque do aeroporto Heathrow, assisti audiências na BBC em que membros do Parlamento exprimiam espanto pelo facto de os bancos mais seriamente afectados não serem dirigidos por banqueiros e sim por homens de marketing. A sua tarefa não era calcular empréstimos prudentes, mas vender tanto de dívida quanto possível, sem olhar para a capacidade do devedor de pagar. O resultado é que o Banco da Inglaterra ? tal como o Tesouro dos EUA ? está a imprimir novos títulos cujos encargos de juros terão de ser pagos por impostos a serem suportados pelo trabalho e pela indústria.
Rússia, o ensaio geral
Como se pode esperar que a Islândia enfrente esta espécie de ambiente financeiro? Para obter uma perspectiva do que seria um futuro distópico, pode-se olhar para o ensaio geral das chamadas "reformas" financeiras executadas na década de 1990 na Rússia e em outros países pós soviéticos. Trata-se das reformas que os credores ? incluindo os bancos europeus, lamento dizer ? agora querem impor à Islândia. Na Rússia, as expectativas de vida declinaram drasticamente, ao passo que a saúde, prosperidade e esperança feneceram quando forças externas impuseram medidas de austeridade e altas taxas de juros. Os russos acordaram para descobrir que a devastação das reformas que lhes foram impingidas foram tão severas como as da Segunda Guerra Mundial com a redução da população, destruição da indústria, propagação de doenças e perda do controle da sua economia. Os padrões de vida afundaram, especialmente para aposentados, enquanto as perspectivas de emprego fecharam-se para a juventude. Muito do mesmo verificou por toda a antiga União Soviética.
Esta política permanece o "padrão" para países devedores: Venda de activos em troca de centavos de dólar a cleptocratas de todo o globo e liquidação de programas de bem-estar social exactamente no momento em que eles mais são precisos. Em contraste, olhe-se para os países que clamam mais ruidosamente para que a Islândia pague os empréstimos feitos pelos especuladores e arbitrageurs globais. Eles incluem os países mais amplamente devedores, encabeçados pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha, conduzidos por políticos que nunca sonharam em impor tais provações sobre si próprios. Enquanto cortam os seus próprios impostos e aumentam os seus próprios défices governamentais, estes países estão a tentar arrancar tributo financeiro dos países mais pequenos e mais fracos que puderem ameaçar, tal como fizeram com devedores do Terceiro Mundo nos anos 1980 e 1990.
Desmantelando o capitalismo industrial
Isto é uma crise que clama por verdades duras. O que os países credores e as suas instituições financeiras internacionais estão a promover não é o capitalismo como se entendia tradicionalmente. Ao invés de ajudar a industrializar os países aos quais concediam crédito de modo a torná-los viáveis e auto-suficientes com novos meios de pagar as suas importações ? e na verdade pagar dívidas assumidas para reconstruir a sua capacidade produtiva ? os planeadores europeus supervisionaram o desmantelamento da indústria manufactureira.
Ainda pior, eles assim fizeram de um modo que fortaleceu um conjunto de oligarcas financeiros neo-feudais. Economias endividadas foram transformadas num bando de casinos, com jogos especiais (exemplo: instrumentos financeiros opacos como os credit-default swaps ) reservados exclusivamente aos iniciados. Mesmo para entrar dentro deste jogo, alguém deve ser pelo menos milionário, assinando documentos legais de que pode permitir-se perder todo o investimento e ainda assim sobreviver economicamente. A União Europeia então agrava ainda mais as coisas ao apresentar eufemisticamente as suas agências financeiras como doadoras a levarem ajuda. Como se verificou, são os mesmos ideólogos que debilitaram o capitalismo industrial por todo o globo através da proliferação de jogos de dívida alavancada que redistribuíram a riqueza para cima em toda a parte onde operaram.
Esta política cria a escravização pela dívida para a maior parte dos cidadãos, acima de tudo nos países mais novos que procuram aderir à União Europeia. Mesmo no país mais rico da terra ? os Estados Unidos ? cerca da metade de todos os cidadãos agora não têm valor líquido e o fosso entre os 10 por cento mais ricos e o resto da sociedade ampliou-se geometricamente desde 1980. Este é o sistema injusto que os principais credores do mundo exportariam para a Islândia ? se pudessem convencer os seus eleitores a aceitarem a construção da pirâmide da dívida neoliberal como meio de ficar rico. Os recentes tumultos em todos os estados pós soviéticos sugerem que este plano não está a funcionar. As suas populações estão agora a sentir quão profundamente as chamadas reformas financeiras (exemplo: desregulação financeira) promovidas pelos bancos europeus e os Acordos de Lisboa polarizaram as suas economias.
Reconhecer o inimigo interno
A única defesa contra uma política tão desastrosa é reconhecer que há melhores alternativas. Simplesmente não é possível para as economias astronomicamente endividadas de hoje "actuarem de modo a sair da dívida" com o velho truque de inflacionar a oferta monetária. Tentar fazer isso provocará o colapso da taxa de câmbio da divisa e desviará tanta receita para pagar credores ? e transferirá tanta propriedade para fora dos habitantes locais ? que uma nova espécie de economia pós capitalista de não produção/consumo será criada, cada vez menos capaz de ser auto-suficiente e independente, para não dizer nada acerca de ser justa e sustentável.
A crise financeira da Islândia hoje é menos uma questão de direito internacional e sim de absoluto desrespeito à lei perpetrado pelos fornecedores da chamada democracia de mercado livre. Os países que pressionam a Islândia pelo pagamento impõem um conjunto de leis aos outros ao passo que seguem um conjunto muito diferente para si próprios. Ao pregar à Islândia acerca do direito internacional, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha romperam eles próprios a mais clara das leis internacionais ? aquela contra travar guerra agressivas. Os seus propagandistas são habilidosos ao usar a linguagem do capitalismo e da moralidade, mas eles não são nem capitalistas nem morais. A sua estratégia financeira é jogar um antigo jogo psicológico. Eles fazem com que países como a Islândia se sintam culpados em relação aos seus devedores ao invés de reconhecerem que foram vítimas de um esquema Ponzi internacional. Em suma, o jogo é estabelecer "leis" para devedores na forma de programas de austeridade destrutivos moldados por credores irresponsáveis e na verdade parasitários. Esta "ajuda conselho" acaba no despojamento absoluto de activos, tanto públicos como privados.
O despojamento de activos para pagar dívidas provocou colapsos vezes sem conta ao longo da história, mas é estranhamente subestimado no curriculum académico de hoje como uma "verdade inconveniente" para os interesses financeiros. O rendimento é sugado através de um esquema que é elegante e simples. As infortunadas vítimas ? e agora economias inteiras, não apenas indivíduos ? são manobradas para dentro de um moinho de dívida do qual já não podem escapar. Os credores acumulam sobre o crédito e deixam as dívidas crescerem com a "mágica do juro composto", sabendo que os seus empréstimos não podem ser reembolsados ? excepto pela venda de activos. A produtividade de uma economia nunca pode acompanhar o ritmo dos juros compostos a acumularem-se exponencialmente. Seja o que for que fosse possuído é tomado pelos pagamentos de juros que nunca acabam. O objectivo é que estes pagamentos absorvam tanto excedente quanto possível, de modo que a economia nacional trabalhe com efeito para pagar tributo à nova classe financeira global ? banqueiros e administradores de fundos mútuos, fundos de pensão e hedge funds.
O produto que eles estão a vender é dívida. Eles constroem a sua própria riqueza ao endividar outros e então forçá-los a liquidações para compradores que assumem a sua própria dívida na esperança de efectuarem ganhos com os preços dos activos quando os preços da propriedade são inflados de modo impossível em relação aos salários do trabalho vivo. Isto tornou-se a nova e eufemisticamente alcunhada forma pós industrial de criação de riqueza ? uma estratégia que agora está a lançar economias no colapso por todo o mundo.
por Michael Hudson
A Islândia está sob ataque ? não militar, mas financeiro. Ela deve mais do que pode pagar. Isto ameaça os devedores com o confisco (forfeiture) do que resta nos seus lares e de outros activos. Dizem ao governo para liquidar o domínio público do país, seus recursos naturais e empresas públicas, a fim de pagar as dívidas do jogo financeiro acumuladas irresponsavelmente por uma nova classe de banqueiros. Esta classe procura aumentar a sua riqueza e poder. A guerra financeira contra a Islândia apesar do facto de que a sua estratégia de alavancamento de dívida já ter lançado a economia na bancarrota. No topo desta, os credores procuram aprovar impostos permanentes e a liquidação de activos públicos para pagar os salvamentos deles próprios.
A derrota pela dívida é tão mortal quanto uma derrota militar absoluta. Confrontados com a perda das suas propriedades e dos meios de subsistência, muitos cidadãos ficarão doentes, levará a vidas de crescente desespero e morte prematura se não repudiarem a maior parte dos empréstimos oferecidos fraudulentamente nos últimos cinco anos. E defender a sua sociedade civil não será tão fácil como numa guerra em que a cidadania se posiciona em conjunto para enfrentar um agressor visível. A Islândia está confrontada pelos países mais poderosos, encabeçados pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Eles estão a por em acção os seus propagandistas e a mobilizar o FMI e o Banco Mundial para exigir que a Islândia não se defenda a si própria anulando as suas dívidas podres. Mas estes países credores até agora não assumiram responsabilidade pela actual desordem do crédito. E, na verdade, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha são devedores líquidos no cômputo geral. Mas no que se refere à sua posição em relação à Islândia, eles estão a exigir que esta empobreça os seus cidadãos através do pagamento de dívidas de formas que estes países nunca o fariam. Eles sabem que falta o dinheiro para pagar, mas estão bastante desejosos de receberem o pagamento na forma de arresto dos recursos naturais do país, da terra e da habitação e de uma hipoteca sobre os próximos séculos do seu futuro.
Se isto soa como despojos de guerra, é exactamente isso ? e sempre foi. A escravização pela dívida é o nome deste jogo. E a grande arma neste conflito de interesse é como o povo o entende. Os devedores devem ser convencidos a pagar voluntariamente, a colocar os interesses dos credores acima da prosperidade da economia como um todo, e até mesmo a colocar exigências estrangeiras acima do seu próprio interesse nacional. Isto não é uma política que o meu país, os Estados Unidos, seguiria. Mas a discussão popular na Islândia até à data tem sido limitada unilateralmente à defesa dos interesses dos credores, não o dos seus próprios devedores internos.
Em última análise, o adversário da Islândia não é um país ou mesmo uma classe, mas a dinâmica financeira impessoal a trabalhar globalmente e internamente. Para estar à altura da sua actual pressão da dívida, a Islândia deve reconhecer quão singularmente destrutivo foi o regime económico criado pelos seus banqueiros, através de legislação em causa própria e fraude absoluta. Com ávida cumplicidade externa, os seus bancos administraram a criação de bastante dívida externa a fim de provocar depreciação crónica da divisa e portanto inflação interna de preços durante muitas décadas pela frente.
Para colocar o dilema financeiro da Islândia em perspectiva, examine-se como outros países trataram enormes obrigações de dívida. Historicamente, o caminho da resistência mínima foi "inflacionar a sua saída da dívida". A ideia é pagar dívidas com "dinheiro barato" em termos do seu reduzido poder de compra. Os governos fazem isto ao imprimir dinheiro e incidir em défices orçamentais (gastando mais do que arrecadam através de impostos) suficientemente grandes para elevar preços quando este novo dinheiro apanha o mesmo volume de bens. Foi assim que Roma depreciou a sua divisa na antiguidade e como a América fez para reduzir grande parte da sua própria dívida na década de 1970 ? e como a queda internacional do valor do dólar anulou grande parte da dívida internacional dos EUA nos últimos anos. Esta inflação de preços reduz o fardo da dívida ? desde que salários e outros rendimentos se elevem em conjunto.
Confrontada com uma explosão sem precedentes de obrigações de dívida ? muitas delas aparentemente fraudulentas e certamente em violação da prática tradicional de crédito ? a Islândia aplicou esta solução inflacionária às avessas. Ao invés de permitir a clássica a panaceia creditícia de inflacionar a divisa, ela criou uma economia de sonho para os credores, impedindo a fuga clássica da dívida. A Islândia descobriu um meio de inflacionar o seu caminho para dentro da dívida, não para sair dela. Ao indexar a dívida à taxa de inflação, ela garantiu uma benesse inesperada única para bancos que aumentam amplamente o que recebem num "mercado em baixo", a expensas dos assalariados e dos lucros industriais. Ligar empréstimos hipotecários ao índice de preços no consumidor (IPC) em face de uma divisa em depreciação e de uma pesada drenagem da balança de pagamento em favor de estrangeiros pode ter apenas um resultado: destruição da sociedade islandesa e do seu modo de vida tradicional.
A Islândia precisa repudiar esta bomba da dívida. Sob a actual política, as suas dívidas nunca perderão valor porque estão indexadas à inflação. Isto por sua vez está a ser provocado em grande parte pelo serviço da dívida externa que está a por a divisa em colapso, elevando preços de importação e portanto provocando ainda maiores pagamentos de dívida numa máquina sem fim. A economia contrai-se, os salários caem e os activos perdem valor, mas as obrigações de dívida continua a crescer cada vez mais. O resultante esvaziamento dos salários, dos padrões de vida e dos gastos do consumidor mais uma vez contrairão a economia ? uma receita para o vírus económico que ameaça praguejar a Islândia durante muitas décadas se não for revertida agora. A formação de capital afundará quando faltar dinheiro aos consumidores para gastar. Muitos podem não ter o suficiente para sobreviver. A economia será "crucificada numa cruz de ouro", para utilizar a famosa frase de William Jennings Bryan na eleição presidencial americana de 1896 quando ele advogava uma cunhagem de prata para aliviar a pressão da dívida sobre os agricultores e o trabalho.
O outro lado da discussão?
Apesar de ter passado o último meio século concentrado a estudar os países com problemas de balança de pagamentos, mesmo eu acho chocante o singularmente auto-destrutivo regime financeiro da Islândia. Antes que rejeite a minha candura, devo apresentar um curriculum pessoal resumido para que entenda que as minhas conclusões são baseadas principalmente em ter sido um iniciado no jogo da pilhagem de países em estilo imperial durante quarenta anos. Nos meados da década de 1960 eu era o economista de balanças de pagamentos do Chase Manhattan Bank, a seguir da Arthur Anderson e posteriormente do United Nations Institute for Training and Research (UNITAR). Tenho ensinado teoria económica internacional em nível de graduação desde 1969 e agora dirijo um grupo internacional de história económica e financeira com base em Harvard. Em 1990, na Scudder Stevens and Clark, organizei o primeiro fundo de dívida soberana. Todos estes trabalhos envolveram analisar a limitada capacidade de países devedores para pagar ? quando podia ser deles extraído através de empréstimos em divisas estrangeiros e quanta infraestrutura pública estava disponível para ser liquidada num processo voluntário de arrestos virtuais por países desejosos de se submeterem às regras ditadas pelo credor.
Escrevi primeiramente acerca do imperialismo monetário na década de 1970 no meu livro Super Imperialism. Ele deveria ter-se intitulado "Imperialismo monetário" porque pormenorizava como a substituição do ouro por papéis de dólar IOUs ( I owe you, notas de reconhecimento de dívida) no comércio e nos défices de balanças de pagamentos, em 1971, permitiu aos Estados Unidos explorarem o resto do mundo sem limites. Reduzindo gradualmente os pagamentos em ouro entre bancos centrais em favor de dinheiro fiduciário de papel permitiu ao Estados Unidos acumularem dívidas maciças iguais aos seus défices acumulados de pagamentos, muito além da sua capacidade de pagar. Os EUA actualmente devem mais de US$4 milhões de milhões (trillion), enquanto mantém um défice comercial crónico com enormes gastos militares além-mar, financiados inteiramente por outros países através dos seus bancos centrais. Isto é chamado eufemisticamente de "sistema monetário internacional".
Também fui conselheiro do governo canadiano na década de 1970. O meu principal trabalho foi escrever uma monografia a explicar porque os países não deveriam contrair empréstimos em divisas estrangeiras, mas deveriam sim monetizar o seu próprio crédito para gastos internos e investimento. Em anos recentes ensinei na Letónia e dei este mesmo conselho aos seus responsáveis. Apresento estes antecedentes porque têm óbvia relevância para a situação financeira da Islândia de hoje. Ela rompeu a regra essencial das finanças internacionais: Nunca assumir empréstimo numa divisa estrangeira para o crédito que se pode criar livremente no plano interno. Os governos podem expandir a sua saída da dívida interna ? mas não da dívida externa. Isto constitui grande parte do problema agora enfrentado pela Islândia.
O ponto principal dos meus comentários centrar-se-á portanto na dimensão internacional do problema da dívida da Islândia, especialmente nas suas relações com a Europa. Assim, é relevante olhar para o que está a acontecer na "Europa expandida" de hoje. Como tem relatado a imprensa financeira, as economias pós-soviéticas depararam-se com resultados desastrosos depois de se terem movimentado na década passada para aderir à União Europeia. Os recentes tumultos de devedores, agricultores e membros de sindicatos desde os países bálticos até à Hungria são sintomáticos das profundas desgraças económicas que afligem estes países. Está a crescer o ressentimento de que ao invés de ajudá-los a industrializarem-se e tornarem-se mais eficientes, a Europa e o seu Tratado de Lisboa simplesmente transferiu o assunto para os seus banqueiros, os quais olham para estes países simplesmente como clientes de crédito a serem sobrecarregados com dívida ? não para empréstimos para construir manufacturas e a infraestrutura urgentemente necessária a estes países, mas empréstimos principalmente contra o imobiliário existente e a infraestrutura colateral já no lugar. Isto é o caminho mais rápido para fazer dinheiro, afinal de contas ? e as finanças tradicionalmente têm vivido no curto prazo.
Este problema era obrigado a levantar-se, dada a fé pós-industrial da Europa de que quaisquer aumentos de "riqueza" ? mesmo pelo truque de inchar o imobiliário e os preços de outros activos ? é tão produtivo como construir nova capacidade industrial e infraestrutura. O resultado desta ideologia foi um conjunto de bolhas económicas construídas sobre imobiliário financiado por dívidas e inflação do mercado de acções. Tais bolhas sempre explodem em algum momento. Só tardiamente os países estão a redescobrir o axioma clássico de que o único caminho para pagar importações numa base sustentável é produzir exportações.
Infelizmente, nem os bancos estrangeiros nem os conselheiros europeus estimularam isto. A sua política desindustrializou o países pós-soviéticos, os quais financiaram o aprofundamento dos défices comerciais contraindo empréstimos em divisas estrangeiras contra o seu património imobiliário. Os Estados bálticos tomaram empréstimos em euros, libras esterlinas e francos suíços, principalmente de bancos suecos, para financiar uma bolha imobiliária, ao passo que a Hungria e os seus vizinhos da Europa Central se endividaram pesadamente junto a bancos austríacos. As suas economias estão a contrair-se agora que o jogo de casino sobre a inflação dos preços dos activos explodiu. O rendimento locativo e portanto os preços da propriedade estão a afundar e as taxas de câmbio fazem o mesmo. Isto torna o custo de uma hipoteca em divisa estrangeira maior do que o rendimento da propriedade local. O resultado é o incumprimento generalizado de hipotecas, provocando perdas severas para bancos suecos e austríacos.
As dívidas podres do imobiliário também estão a destruir bancos nos dois principais países credores, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Os preços imobiliários, os preços das acções e o emprego estão indo abaixo numa linha recta sem precedentes mesmo na Grande Depressão dos anos 1930. Isto tornou um pesadelo o sonho financeiro neoliberal de "criar riqueza" pela inflação de preços de activos, através da criação de crédito, sem realmente aumentar a formação de capital tangível (salários e padrões de vida). Assim como indivíduos não podem viver de cartões de crédito para sempre, tão pouco os países o podem. Como sabe qualquer economista clássico, sociedades que apenas manufacturam dívida são insustentáveis. Os casinos podem ser lugares divertidos para visitar (os clientes pagam ao perderem o seu dinheiro), mas não lugares para viver. Isso também é verdade para as economias de casino.
Resistir
por Atilio A. Boron
Meses atrás a formidável maquinaria propagandística do império alimentava a ilusão de que a reunião do G-20 em Londres daria a estocada final na crise. Mesmo assim, à medida que se aproximava a data, começaram a se escutar vozes discordantes. Nicolas Sarkozy e Ângela Merkel jogaram baldes de água fria sobre o iminente conclave e o anfitrião, o "progressista britânico Gordon Brown", aconselhou baixar as expectativas, ao passo que um número crescente de economistas críticos e historiadores advertia sobre a futilidade da tentativa. Em que pese tudo isso, os ilusionistas e malabaristas do sistema não deixaram de exaltar a reunião de Londres e tratar de que as tímidas medidas que ali se adotavam fossem interpretadas pelo público como propostas sensatas e efetivas para resolver a crise.
Como era de se esperar, pouco ou nada concreto saiu da reunião. E isso por várias razões. Primeiro porque no que alguns caracterizaram, com arrogância e ignorância inauditas, como Bretton Woods II nem sequer se colocou a questão fundamental: reformar para que, com que objetivo? Ao se desviar do tema por omissão, ficou estabelecido que o objetivo das reformas não seria outro senão o de voltar à situação anterior à da crise. Isso supõe que o que a causou não foram as contradições inerentes ao sistema capitalista, mas aquela "exuberante irracionalidade dos mercados" da qual se lamentava Alan Greenspan, sem se dar conta de que o capitalismo é por natureza exuberantemente irracional e que isso não se deve a um defeito psicológico dos agentes econômicos, mas sim de que tem seus fundamentos na própria essência do modo de produção.
Segundo: haja vista o anterior, não surpreende comprovar que o G-20 tenha decidido fortalecer o papel do FMI para liderar os esforços da recuperação, sendo o principal autor intelectual da crise atual. O FMI foi, e continua sendo, o principal veículo ideológico e político para a imposição do neoliberalismo em escala planetária. É uma tecnocracia perversa e imoral que recebe honorários exorbitantes (isentos de impostos!) e cuja pobreza intelectual foi muito bem resumida por Joseph Stiglitz, quando disse que o FMI estava lotado de "economistas de terceira formados em universidades de primeira". E pelas mãos desses aprendizes de bruxos é que se pensa em sair da crise mais grave do sistema capitalista em toda sua história? Não há nisso um grande exagero: esta crise é a manifestação externa de várias outras que irrompem pela primeira vez: crise energética, ambiental, hídrica. Nada disso havia na depressão de 1873-1896 ou na Grande Depressão dos anos 30. Em seu entrelaçamento tais crises impõem um desafio de inéditas proporções, frente ao qual as receitas do FMI não farão nada, a não ser aprofundar os problemas até os extremos menos imaginados.
Terceiro: dada esta situação, o tema é grave demais para deixá-lo em mãos do G-20 e seus especialistas. Por isso o presidente da Assembléia Geral da ONU, Miguel D'Escoto, disse que o necessário não era um G-20, mas um G-192, uma cúpula de todos os países, tendo-a convocado para junho deste ano. O G-20 trata de cooptar vários países do sul com a esperança de fortalecer o consenso para uma estratégia gatopardista de "saída capitalista para a crise do capitalismo": mudar algo para que nada mude. Entretanto, não há possibilidade alguma de superar esse temporal apelando às receitas do FMI, e o melhor que podiam fazer os países convidados a Londres era denunciar com serenidade, porém firmeza, a inanidade das medidas ali adotadas e que dentro do capitalismo não haverá solução para nossos povos nem para as ameaças que se colocam a todas as formas de vida do planeta Terra.
08/Abril/2009
[*] Doutor em Ciência Política pela Universidade de Harvard e professor titular de Teoria Política na UBA (Universidade de Buenos Aires). É autor do livro "Império e Imperialismo. Uma leitura crítica de Michael Hardt e Antonio Negri", publicado pela editora CLACSO em 2002.
Aporrea
As multinacionais farmacêuticas utilizam aos meninos africanos como cobaias
A maior farmacêutica do mundo, Pfizer, pagará 55 milhons de euros a um grupo de famílias nigerianas para evitar um julgamento pola morte de 11 meninos no país africano que serviram como cobaias de um medicamento em provas, Trovam.
Em 1996, Nigéria sofreu uma epidemia de meningite que terminou com a vida de ao menos 11.000 pessoas. No meio da crise humanitária, Pfizer, famosa por ter inventado a Viagra, enviou um grupo de médicos que colocou seu centro de operaçons ao lado de um centro médico gerido por Médicos sem Fronteiras, quem tentavam deter a tragédia graças a medicinas cuja fiabilidade estava demonstrada.
Os médicos enviados pola farmacêutica captaram 200 meninos e prometeram a suas famílias que curá-los-iam. Onze daqueles meninos morreram e muitos mais sofreram efeitos secundários graves, incluídos danos cerebrais. Pese a que a alerta sanitária persistia, o falhanço da terapia experimental de Pfizer levou à empresa a desmantelar seu dispositivo mal duas semanas após chegar ao campo sem oferecer informaçom sobre os experimentos.
A história é uma de tantas que ocorrem na África e que tantas vezes têm sido carne de novela ou de filme. Nom em vam, John Lhe Carré escreveu O jardineiro fiel, cuja adaptaçom ao grande ecrã conseguiu quatro Oscar, a partir dos factos ocorridos aquele 1996 na Nigéria, segundo alega um dos advogados.
Em lugar de acabar no baú das lembranças, a consciência de um dos pesquisadores que participou na missom de Pfizer lhe levou a denunciar os factos a sua própria empresa mediante uma carta dirigida ao máximo director da companhia, William Steere.
Nela, o médico advertia do ocorrido e assegurava que as provas realizadas por Pfizer tinham violado normas éticas". Em um dia após enviar a carta, o empregado foi despedido ainda que a farmacêutica alegou que nom tinha relaçom com a missiva.
Pfizer sempre tem mantido que contava com a permissom das autoridades sanitárias do país para provar o novo medicamento e que arrecadou a permissom dos pais, algo que eles negam. Ademais, a farmacêutica afirma que só seis dos meninos morreram depois de lhe lhes administrar Trovam e que os outros cinco faleceram depois de receber dose de Rocephin, um produto certificado.
Nove anos depois, a batalha legal iniciada por um grupo de familiares dos meninos afectados e conduzida por um advogado nigeriano e outro estadunidense tem dado seus frutos. Pfizer comprometeu-se a pagar aos afectados 55 milhons de euros em conceito de indemnizaçom depois de chegar a um acordo extrajudicial, segundo informa o diário britânico The Independent.