10-10-2014

  21:39:07, por Corral   , 2068 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: Sair do Euro para recuperar a soberania e desenvolver o País

Sair do Euro para recuperar a soberania e desenvolver o país
? Portugal precisa tomar o seu destino nas suas mãos

por Octávio Teixeira [*]

Considero a saída do Euro uma opção necessária e indispensável para se poder vislumbrar um futuro não ruinoso para o País. Por isso é com agrado que encaro a sua discussão à esquerda. Tal discussão começa finalmente a deixar de ser um tabu. Mas muitos continuam a acentuar essencialmente os custos, e muitas vezes a exagerá-los, omitindo as indiscutíveis vantagens absolutas e as relativas em comparação com a alternativa da permanência no Euro.

Nunca os defensores da saída, em que há muito me incluo, omitiram os custos objectivos associados a essa opção, ao mesmo tempo que mostraram que os benefícios são largamente superiores e que, mais cedo ou mais tarde, a saída se apresentará como uma inevitabilidade.

Por isso se me impõe voltar ao tema.

Razões para a saída do Euro

1- É necessário ter consciência de que a saída do Euro é, também, uma questão política, o que por vezes parece afastado das análises.

Porque sem soberania monetária não há efectiva soberania nacional e democrática, como a experiência tem demonstrado. A sujeição de Portugal à zona Euro não deixa qualquer margem de manobra para podermos decidir livremente ? designadamente em matéria orçamental, financeira, de projecto de desenvolvimento económico e social.

Se olharmos com atenção para o que se tem passado desde a criação da zona Euro, verifica-se que em resultado das regras, orientações e políticas dimanadas do seu directório e impostas aos Estados-membros, os países periféricos estão submetidos a uma dinâmica colonial: 1) acentuaram-se as divergências reais entre os Estados-membros tal como se acelerou a desindustrialização dos países periféricos em benefício dos países do centro; 2) reforçou-se a posição destes, a metrópole colonizadora, como exportadores de bens de equipamento e de consumo de maior valor acrescentado e como importadores da procura interna e dos baixos salários dos países periféricos, as colónias; 3) subjugaram-se os periféricos à eterna servidão da dívida e ao subdesenvolvimento relativo; e 4) reduziu-se a própria democracia política na perspectiva de os povos e países poderem definir o seu futuro e decidirem livremente as suas opções.

Ainda nesta perspectiva política, importa ter presente que o Euro é o instrumento essencial do neoliberalismo em que estamos atolados. Com o neoliberalismo, não há nem pode haver horizonte de progresso social, pois ele visa a redução dos custos do trabalho e o aumento da acumulação de capital. O capital financeiro que o comanda considera o trabalho como uma mera mercadoria sem qualquer dignidade e faz recair sobre os salários e o emprego todos os custos de ajustamentos a choques económicos, tendo por desígnio aumentar o "exército de reserva", reduzir direitos laborais e travar o crescimento dos salários, em benefício das oligarquias financeiras.

Isto significa que só com a libertação do jugo do Euro será possível implementar uma efectiva alternativa de esquerda. Sob a ditadura do Euro, objectivamente, a "alternativa" cinge-se a um pouco mais de sensibilidade social na governação. Mas não permite a implementação de uma política macroeconómica de ruptura com o neoliberalismo, de desenvolvimento, de progresso social, de valorização do trabalho e dos trabalhadores.

2- Por outro lado, nas perspectivas económica, financeira e social, a saída do Euro com a subsequente desvalorização da nova moeda permite recuperar a competitividade indispensável para sustentar o necessário aumento da produção nacional e das exportações e a redução das importações e do desemprego; eliminar a pressão que o Euro exerce sobre os salários, a precariedade do emprego e o Estado social; viabilizar uma política macroeconómica que assuma como prioridades o desenvolvimento e o bem-estar dos cidadãos; e contribuir de forma significativa para a redução real da dívida externa pois ela é maioritariamente emitida de acordo com a legislação nacional e, por isso, pode ser redenominada na nova moeda.

Acresce que a recuperação da soberania monetária permite o financiamento (em termos adequados) da dívida pública com recurso ao Banco de Portugal, eliminando a obrigatoriedade do Estado se financiar exclusivamente nos mercados financeiros com os consequentes efeitos de imposição da redução da despesa pública e a decorrente pressão em baixa sobre a procura agregada. Isto para além dos enormes efeitos negativos sobre a redistribuição do rendimento e a prestação de serviços públicos.

As "alternativas" que se ficam pela renegociação e consequente reestruturação da dívida e pela ruptura com o Tratado Orçamental, que se impõem e aliviam os constrangimentos que pesam sobre a economia e a população, são insuficientes e transitórias uma vez que não resolvem dois problemas de fundo e centrais:
? a necessidade de ruptura com o neoliberalismo, pois a admissão de que é possível uma alternativa ao neoliberalismo no quadro institucional da zona Euro é um erro tão crasso como o da criação da moeda única; e
? o aumento da competitividade capaz de gerar condições para o crescimento e o desenvolvimento, pois continuaríamos a ter uma taxa de câmbio sobrevalorizada, implicando défices e dívida externos permanentes e elevados, taxas de crescimento irrelevantes ou recessão, desemprego elevado, níveis de vida cada vez mais baixos.

Se todos estamos de acordo com a prioridade do aumento da produção, do crescimento, é necessário criar as condições objectivas e essenciais para que ele possa ocorrer.

Em suma, só a saída do Euro e a criação da nova moeda é passível de se inserir ? e dela ser um instrumento essencial ? num projecto de política macroeconómica de ruptura com o neoliberalismo, de reindustrialização do país, de defesa e aprofundamento do Estado-social, de aumento do emprego e de valorização do trabalho e dos salários reais.

Custos da saída do Euro

É evidente que existirão dificuldades políticas e, eventualmente, legais. Mas o país terá de as confrontar e mobilizar-se para isso. Teremos de competentemente nos prepararmos e motivar o povo para as ultrapassar. A saída do Euro deve ser preferencialmente uma saída acordada com as instâncias europeias, porém o seu abandono deve subsistir mesmo sem esse acordo. Para além de todas as razões essenciais que a justificam, essa determinação será uma arma negocial para influenciar a via da saída através de acordo.

E é certo que existem custos associados à recuperação da soberania monetária e consequente desvalorização da moeda. De qualquer modo esses custos são menores que os decorrentes da desvalorização interna e com a grande e determinante vantagem de permitirem uma saída da crise profunda em que estamos atolados. E são custos de muito curto prazo que se comparam favoravelmente com os da agonia muito prolongada da desvalorização interna devido à permanência no Euro.

Já por diversas vezes identifiquei os custos e sobre eles dei a minha opinião. Mas vale a pena a eles regressar, em particular aos mais vulgarmente suscitados.

Taxa de inflação.
Actualmente, com base nos dados do INE, é previsível que a taxa de inflação importada, em termos do índice de preços no consumidor, decorrente duma desvalorização da moeda de 30%, se situe em 7,5%. Convenhamos que é um custo suportável, até porque será de muito curto prazo (na Islândia, na sequência duma desvalorização acumulada superior a 50%, a inflação foi de 12% em 2009, baixando nos dois anos seguintes para 5 e 4%). Mas há quem suscite a questão de tal previsão ser demasiado optimista e mesmo irrealista, trazendo à colação a experiência que o País teve no início dos anos 80. Porém isso carece de fundamento sério. As condições de hoje e de há 30 anos são incomparáveis porque completamente diferentes. No início dos anos 80 a inflação importada decorrente da desvalorização determinada pelo FMI veio juntar-se à inflação interna que nessa altura rondava os 20%. Sucede que hoje a inflação interna é nula ou mesmo negativa. Situação que tende a manter-se. Nada há para acrescer à inflação importada e, por isso, não tem razão de ser qualquer alarmismo sobre o perigo de uma espiral inflacionista. E, num caso extremo como o dos combustíveis (com uma componente importada da ordem dos 80%) é possível, e impõe-se, controlar os efeitos através da compensação do aumento do preço das importações na nova moeda com a redução do imposto sobre os combustíveis.

Salários.
Os efeitos sobre os salários reais decorrem do nível de inflação. Numa leitura menos cuidada diz-se que eles cairiam tanto como a inflação, ou mais, o que penalizaria fortemente os trabalhadores. A verdade é que não tem que, e não deve, ser assim. Partindo duma inflação previsível de 7,5%, é possível e defensável que os salários nominais tenham um aumento suficiente para que não haja redução dos salários reais. Tendo presente que as remunerações (salários mais contribuições patronais para a Segurança Social) representam 25% do valor da produção, se os salários nominais forem aumentados em 10% teremos um agravamento da inflação de 2,5%. O que acrescido à inflação importada dá um total de 10% de inflação e, portanto, a manutenção dos salários reais.

No imediato, porque a seguir haverá condições para os aumentar com base no crescimento e numa mais justa repartição do rendimento. Porque com uma desvalorização de 30% e uma taxa de inflação de 10% resulta um aumento da competitividade-preço da nossa produção de 20%, o que não só permite num prazo muito curto um acréscimo das exportações de bens e serviços ? e nos serviços com realce particular para o turismo ? como uma apreciável substituição de importações por produção nacional. Com resultados muito positivos no emprego, nas receitas fiscais, nas contas externas, e nos salários.

Pensões e reformas.
Aqui não me parece haver alternativa: terá de (e deverá) ser o Estado a suportar os custos para que não haja redução real dos rendimentos provenientes das pensões e reformas, em particular das mais baixas. E no novo quadro os valores são absolutamente suportáveis pelo Orçamento.

Efeitos sobre as famílias nas relações com o sistema bancário
É de prever, será mesmo inevitável, que as taxas de juro aumentem para valores acima da inflação. Mas mais uma vez não há razão nenhuma que sustente visões catastrofistas. Desde logo porque sendo adequado que as taxas de juro reais sejam positivas tendo em vista a sustentabilidade do sistema bancário o seu nível não tem que ser elevado; e porque, com a recuperação da soberania monetária, o Banco de Portugal pode e deve controlar esse nível de forma globalmente adequada. E tendo em conta que os salários nominais aumentam 10%, os custos reais das prestações do crédito aumentarão, transitoriamente, em níveis relativamente reduzidos.

Quanto aos depósitos bancários, como a conversão das moedas se fará segundo o princípio da igualdade (1 por 1), para as famílias que os detenham não haverá perdas nominais mas apenas reais, via inflação. Porém as taxas de juro nominais internas aumentarão pelo que parcialmente compensarão essas perdas. (Considero errada a hipótese aventada por alguns de os depósitos poderem vir a ser mantidos em euros. Os custos seriam demasiado elevados e teriam de ser suportados pelo Estado.)

Sistema bancário
Os problemas colocam-se essencialmente face às responsabilidades dos bancos para com não residentes. Mas neste âmbito há que ter em conta que os bancos são devedores mas igualmente credores. De acordo com os dados do Banco de Portugal, em 31 de Agosto deste ano os passivos das instituições financeiras monetárias face aos não residentes (incluindo sedes e sucursais) ascendiam a 101.302 milhões de euros, dos quais 38.021 face ao BCE via Banco de Portugal. Por seu lado os activos atingiam os 75.886 milhões de euros. Os efeitos líquidos decorrentes da desvalorização rondam os 7,5 mil milhões. Um valor agregado que, sendo elevado, se apresenta como gerivel.

Mas a situação poderá ser muito diferenciada entre as diversas instituições. Por isso é evidente que a situação tem de ser conduzida com cuidado. Terão de ser calculados para cada um dos bancos o aumento em que os seus débitos incorrerão devido à desvalorização, mas igualmente os ganhos obtidos nos seus créditos. Uma ajuda do Estado sob a forma de participação no capital poderá ser necessária para os grandes bancos. Mas se o fôr, essa tomada de participação deverá prefigurar a recomposição do sistema bancário com a separação dos bancos comerciais dos de investimento, e eventual nacionalização, pelo que de facto não será um custo mas um ganho.

Eis pois uma contribuição para colocar objectivamente as vantagens e alguns dos custos ou problemas com a saída do euro, naturalmente sujeita a aprofundamentos e acertos. Custos que necessariamente devem ser comparados com os da manutenção no Euro e com os ganhos decorrentes do regresso à flexibilidade da taxa cambial, da recuperação da soberania nacional e democrática e da libertação do jugo colonial que o Euro impõe ao País.
07/Outubro/2014

[*] Economista.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

05-10-2014

  21:35:08, por Corral   , 2080 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: Como sair do euro

Como sair do euro
? Breves considerações políticas, legais e práticas

por Manuel Brotas [*]

Partilho convosco uma reflexão pessoal, integrada, tal como outras, na análise e no debate partidários sobre o tema desta sessão.

Permitam-me começar com uma brincadeira, embora mais séria do que possa parecer à primeira vista.

É conhecido da literatura económica o chamado "triângulo das impossibilidades", cuja validade aqui não se discute, sobre a impossibilidade de ter simultaneamente uma taxa de câmbio fixa, livre circulação de capitais e uma política monetária independente. Segundo o enunciado, quaisquer duas destas três condições implicam que a terceira não se possa realizar.

No nosso caso também temos um triângulo, com a reestruturação da dívida, a saída do euro e a nacionalização da banca, só que, por contraste, devemos chamar-lhe o "triângulo das inevitabilidades ". Quaisquer duas destas três condições implicam que a terceira também se tenha que realizar.

A reestruturação (profunda) da dívida e a saída do euro implicam a nacionalização (do essencial) da banca, para assegurar a sua liquidez e solvência. A saída do euro e a nacionalização da banca implicam a reestruturação da dívida, para capacitar o Estado e o sistema bancário a cumprir as suas funções sociais. A nacionalização da banca e a reestruturação da dívida implicam a saída do euro, para se poder financiar, quanto mais não seja em último recurso, o Estado e a banca.

O PCP tem a compreensão de que estas três componentes, a reestruturação das dívidas pública e externa, a saída do euro e a nacionalização da banca, estão profundamente ligadas, influenciam-se reciprocamente e reclamam uma solução integrada, que seja pensada e preparada em conjunto. E articulada com as outras facetas da política patriótica e de esquerda que propomos para o país.

Sem prejuízo do entrosamento das medidas específicas das três componentes, a reestruturação da dívida, mais premente e consensualizada na sociedade portuguesa, deve preceder a saída do euro. Mas a evolução dos acontecimentos e a posta em marcha, ainda que preparatória, destes processos, pode levar à antecipação de medidas, nomeadamente de controlo público sobre o setor financeiro.

Nesta intervenção centramo-nos no abandono da moeda única, não tanto na sua necessidade e justeza, mas na sua viabilidade e concretização.

Não se nega a complexidade deste processo, mas importa não deixar no ar a ideia de que a saída do euro implica a saída da União Europeia. O argumento é conhecido. A saída não está contemplada, a UEM obriga todos os países a pertencer à zona euro, ou a ela aderir logo que reúnam os critérios, as exceções do Reino Unido e da Dinamarca são derrogações especiais explicitadas em tratado, obtidas na fase de negociação, novas exceções também teriam que ser consagradas em tratado, que necessitariam da morosa e implausível aprovação formal dos parlamentos de todos os 28 estados-membros. Se um país quiser sair da UE pode fazê-lo, não pode é sair da zona euro e ficar na UE, porque isso não depende só dele e precisa do consentimento de todos os outros, devidamente institucionalizado.

A questão é fundamentalmente política. Mas, ainda assim, convém recordar a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que configura o padrão internacional e é aceite pela jurisprudência comunitária. Dois artigos são fundamentais, o 61º e o 62º. De acordo com o primeiro, os estados têm o direito de se retirar de tratados quando a sua pertença se tornou definitivamente insustentável; de acordo com o segundo, têm o direito de se retirar quando a mudança fundamental de circunstâncias põe em causa a base de vinculação e das obrigações assumidas. Um e outro podem ser invocados por Portugal em relação à zona euro, que em vez de estabilidade e desenvolvimento, o mergulhou numa insuportável degradação sem termo, modificando substancialmente o balanço de vantagens e desvantagens.

As disposições de Maastricht de progressiva euroização da UE assentavam numa conceção implícita de eternização da moeda única, hoje mais que posta em causa. E os próprios dirigentes políticos alemães e franceses, desde a crise irrompida em 2008, ameaçaram repetidamente a Grécia de expulsão da zona euro, sem que estivesse propriamente em causa a permanência na UE.

Note-se que as disposições dos tratados de nada valeram quando, por exemplo, se violou generalizadamente a limitação dos défices orçamentais ou quando se instaurou em Chipre o prolongado controlo de capitais que ainda perdura.

A verdade é que, ainda hoje, é normal estar dentro da UE e fora do euro, como sucede com dez países, e que a institucionalidade europeia é uma negociação permanente, determinada fundamentalmente pela necessidade, a relação de forças sociais e a determinação dos estados e dos povos.

Mais complicados podem ser os aspetos económicos e práticos do problema.

O abandono do euro é necessário, mas tem como condições indispensáveis a preparação do país, o respeito pela vontade popular, a condução por um governo patriótico e de esquerda. Um governo empenhado em defender os rendimentos, as poupanças, os níveis de vida e os direitos da generalidade da população.

A rutura com o euro deve processar-se da forma mais suave possível, com o propósito de preservar e melhorar a situação material do povo, de recuperar e acelerar o crescimento económico e de abrir potencialidades ao desenvolvimento do país. Uma saída forçada, involuntária, impreparada, catastrófica, precipitada pela degradação da situação nacional ou europeia, pela mão de um governo de direita, não defende nem interessa ao povo português.

Com o abandono do euro, esta moeda não desaparece. Conserva-se como a segunda moeda de reserva internacional, a moeda básica do espaço económico onde estamos integrados, dos nossos principais parceiros comerciais, dos nossos vizinhos espanhóis. Isso levanta problemas específicos no processo de transição, que exige respostas adaptadas a esse período, que não têm necessariamente que manter-se nas fases posteriores.

O período de transição dura enquanto não se consolidar a nova moeda, estabilizarem razoavelmente a inflação e o câmbio e subsistirem perturbações ou riscos elevados para o funcionamento regular das instituições.

É crucial minimizar a fuga de capitais. Não temos ingenuidade nenhuma e sabemos que pode começar bastante antes da introdução da nova moeda, desde logo com os preparativos, com a decisão ou até mesmo com a intenção.

Por isso se propõe a instituição excecional e transitória, aprovada por razões de ordem pública pelos órgãos de soberania competentes, desde o início da preparação da saída, de um controlo de capitais em escala móvel, caraterizado por uma aplicação expedita, pelo governo ou em sua representação, geral ou seletiva, de um conjunto de disposições, mais apertadas ou mais relaxadas quanto à severidade, sobre a movimentação de fundos, divisas e ativos financeiros, acompanhadas das sanções imediatas em caso de incumprimento.

Neste regime, proporcionado e flexível, que reforça a sua severidade na estrita medida em que a evolução da situação exigir, as regras do jogo são claras, transparentes, conhecidas e dissuasoras. Conforme a evolução da situação e o comportamento particular dos agentes económicos, as disposições, sob avaliação e revisão permanentes, podem variar, num sentido ou noutro, basicamente entre dois extremos. Desde a manutenção presente de livre circulação até fortíssimas limitações ao movimento de capitais.

Além do necessário acompanhamento e fiscalização, possibilita-se assim a restrição e sujeição a autorização prévia, pelo governo ou pelo Banco de Portugal, da transferência de fundos e ativos financeiros em euros e outras divisas para o estrangeiro, de levantamentos e transferências bancárias de divisas, da negociação de títulos na bolsa. O off-shore da Madeira é definitivamente encerrado.

A preocupação é de manter, a cada momento, o máximo de normalidade e o controlo mais leve possíveis, salvaguardando contudo a níveis seguros o estoque de capitais e de divisas do país.

No desligamento do euro, o Banco de Portugal, desprendido do BCE, reassume plenamente as suas funções de banco central, designadamente a de banco emissor, regulador e prestamista de último recurso.

Numa saída voluntária, a introdução formal da nova moeda só deve fazer-se depois de produzidas as novas notas e moedas (as notas pela Valora, as moedas pela Casa da Moeda).

Reintroduz-se o escudo, dividido em 100 centavos, com uma taxa de conversão inicial de 1 euro por 1 escudo. Os preços ficam, por isso, na mesma.

A partir desse momento, toda a vida económica e financeira do país é instantaneamente traduzida para escudos. Durante um mês, o euro ainda tem curso legal a par do escudo. Mas tudo passa a estar avaliado, apreçado e transacionado em escudos. As caixas multibancos só fornecem escudos.

O Banco de Portugal recolhe e adiciona à sua reserva internacional de divisas o máximo de numerário em euros em circulação no país, através da conversão para escudos.

A dívida emitida segundo a lei nacional, pública ou privada, como a dívida dos particulares aos bancos, é convertida para escudos, à taxa inicial de 1 para 1. O mesmo para as rendas de contratos, nomeadamente de arrendamento, e para os prémios e indemnizações dos seguros. Recupera-se a Lisbor como taxa interbancária de referência. A bolsa de valores passa a funcionar oficialmente em escudos e eventualmente separa-se do grupo Euronext.

A população pode serenar quanto às suas poupanças. Nesta proposta conservam-se os euros dos depósitos bancários, à ordem e a prazo, e doutras contas de particulares, empresas e instituições, sem qualquer penalização e sem conversão para escudos, salvo por vontade do proprietário.

Esta pode ser feita a qualquer altura, à taxa de câmbio do momento, como com qualquer outra divisa estrangeira. Por exemplo, nos levantamentos nas caixas multibanco e nos pagamentos automáticos, utilizam-se os euros da conta bancária, convertidos ao câmbio oficial presente, apenas depois de esgotados os escudos disponíveis.

Os juros dos atuais depósitos a prazo e de outras aplicações de poupança passam a ser atribuídos e capitalizados em escudos, mas no valor equivalente, ao câmbio presente, ao que seriam em euros e mantendo a respetiva indexação até ao final das maturidades.

A consolidação da nova moeda exige que o câmbio oficial seja reconhecido como válido. Doutro modo, surgiriam câmbios paralelos muito diferenciados e a população preferiria levantar os euros e trocá-los nos circuitos informais e clandestinos. Para evitar o mercado negro de euros e divisas e para se evitar o gasto de preciosas reservas internacionais do Banco de Portugal a defender câmbios que se podem revelar forçados e artificiais, sobretudo se as tensões de desvalorização forem, ainda que pontualmente, demasiado fortes, o regime de câmbio, nesta fase de transição, em que o país se pode defrontar com uma grande escassez de divisas, deve ser flexível.

O câmbio oficial é estabelecido pela média ponderada diária dos câmbios livremente praticados, apurada automaticamente por consulta aos principais agentes de câmbio, especialmente os bancos comerciais. E, reciprocamente, fornece a estes a bitola, tanto mais que é o aplicado pelo Banco de Portugal e na rede multibanco.

Ao início, designadamente no período em que o pagamento em euros ainda é aceite, os preços não tenderão a variar muito por efeito do câmbio, porque a procura de escudos, ditada pelas necessidades da vida corrente que se passou a fazer nesta moeda, contraria a depreciação face ao euro, que poderá evidenciar-se quando o escudo estiver generalizado na ordem interna e a influência externa, especialmente as necessidades do comércio, começar a fazer prevalecer a procura sobre a oferta de euros.

É necessário defender os rendimentos e o consumo popular, com a indexação do salário mínimo geral, do salário médio do setor público e das pensões e prestações sociais à inflação, com o tabelamento de preços de medicamentos, outros produtos e serviços, e defender as micro, pequenas e médias empresas com a imposição de preços máximos a fatores como o crédito, seguros, energia, telecomunicações e portagens.

Instrumentos fundamentais são o controlo público, preparatório da nacionalização definitiva e justificado pela defesa do interesse público num período excecional, do sistema financeiro e do essencial do setor energético, neste caso para garantir e racionalizar o abastecimento e consumo energético.

É difícil, numa curta exposição, explicar ao pormenor, mas espero ter fornecido uma ideia de como, apesar dos riscos, das complicações, das eventuais perturbações, a saída do euro, integrada coerentemente com a restruturação das dívidas pública e externa e a nacionalização da banca, necessária para recolocar o nosso país numa senda de crescimento e desenvolvimento, é, ao contrário do que auguram, não desinteressadamente, alguns profetas da desgraça, perfeitamente exequível. O que será uma evidência, quando o nosso povo a concretizar.
[*] Intervenção proferida na Sessão Pública "A Dívida, o Euro e os interesses nacionais", realizada a 287setembro/2014. Esta intervenção faz sequência à de João Ferreira . Esta última refere-se à necessidade de sair do Euro, ao passo que a de Brotas às possibilidades de saída.

Esta intervenção encontra-se em http://resistir.info/ .
03/Out/14

29-09-2014

  14:56:07, por Corral   , 1195 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: Quem é que compõe o «Emirado islâmico»?

Quem é que compõe o «Emirado islâmico»?
por Thierry Meyssan

http://www.voltairenet.org/article185372.html

Enquanto a opinião pública ocidental é inundada com informação sobre a constituição de uma pretensa coligação internacional para lutar contra o «Emirado islâmico», este muda discretamente de forma. Os seus principais oficiais já não são, mais, árabes, mas sim Georgianos e Chineses. Para Thierry Meyssan, esta mutação mostra que, a termo, a Otan entende utilizar o «Emirado islâmico» na Rússia e na China. Portanto estes dois países devem intervir, agora, contra os jihadistas, antes que eles voltem para semear o caos no seu país de origem.

A princípio o «Emirado islâmico» apreguou a sua origem árabe. Esta organização surgiu da «Al-Qaida no Iraque» que combatia não os invasores norte-americanos, mas sim os Xiitas iraquianos. Ela tornou-se «Emirado islâmico no Iraque», depois «Emirado islâmico no Iraque e no Levante». Em outubro de 2007, o exército dos E.U. capturou em Sinjar perto de 606 fichas de membros estrangeiros desta organização. Elas foram depuradas e estudadas por peritos da Academia militar de West Point.

Não obstante, alguns dias depois desta apreensão, o emir al-Baghdadi declarou que a sua organização só incluia 200 combatentes e que eles eram todos Iraquianos. Esta mentira é comparável à das outras organizações terroristas na Síria que declaram não contar senão ocasionalmente com estrangeiros, enquanto o Exército árabe sírio avalia em, pelo menos, 250. 000 o número de jihadistas estrangeiros que terão combatido na Síria durante os últimos três anos. Porém, agora, o califa Ibrahim (novo nome do emir al-Baghdadi) reivindica que a organização dele é amplamente formada por estrangeiros, que o território sírio não é mais para os Sírios e o território iraquiano não é mais para os Iraquianos, mas, sim, que serão para os seus jihadistas.

Segundo as fichas apanhadas em Sinjar, 41% dos terroristas estrangeiros membros do «Emirado islâmico no Iraque» eram de nacionalidade saudita, 18,8% eram Líbios, e apenas 8,2% eram Sírios. Se relacionarmos estes números com a população de cada um dos países em questão, a população líbia forneceu, proporcionalmente 2 vezes mais combatentes que a da Arábia saudita e 5 vezes mais que a da Síria.

Em relação aos jihadistas sírios, a sua origem era dispersa pelo país, mas 34, 3% provinham da cidade de Deir ez-Zor que, depois da retirada do «Emirado islâmico» de Raqqa, se tornou na capital do Califado.

Na Síria, Deir ez-Zor tem a particularidade de ser povoada, maioritariamente, por árabes sunitas organizados em tribos, e por minorias curda e arménia. Ora, até ao presente, os Estados Unidos não conseguiram destruir senão Governos como o do Afeganistão, do Iraque, e da Líbia, quer dizer países onde a população está organizada em tribos. Pelo contrário, eles falharam por todo lado onde isto não se passava. Deste ponto de vista, Deir ez-Zor, em particular, e o Nordeste da Síria em geral, poderão, pois, ser potencialmente conquistados, mas não o resto do país, como se vê desde há três anos.

Tarkhan Batirashvili, sargento das informações militares georgianas, tornou-se um dos principais chefes do «Emirado islâmico» sob o nome de Abou Omar al-Shishani.

Desde há duas semanas uma purga atinge os oficiais magrebinos. Assim, os Tunisinos que capturaram o aeroporto militar de Raqqa, a 25 de agosto, foram detidos por desobediência, julgados e executados pelos seus superiores. O «Emirado islâmico» entende meter os seus combatentes árabes no devido lugar e promover oficiais tchetchenos, gentilmente fornecidos pelos serviços secretos georgianos.

Abou Anisah al-Khazakhi, primeiro jihadista chinês do «Emirado islâmico», morto em combate, (no centro da foto), não era Uígur mas sim Cazaque.

Uma outra categoria de jihadista fez a sua aparição: os Chineses. Desde junho, os Estados Unidos e a Turquia transportaram centenas de combatentes chineses, e suas famílias, para o Nordeste da Síria. Alguns de entre eles tornaram-se imediatamente oficiais. Trata-se sobretudo de Uígures, Chineses da China popular, mas que são muçulmanos sunitas e turcófonos.

Torna-se claro, desde logo que, a termo, o «Emirado islâmico» estenderá as suas actividades à Rússia e à China, e que estes dois países são os seus alvos finais.

Iremos seguramente assistir a uma nova operação de propaganda da Otan: a sua aviação expulsará os jihadistas para fora do Iraque, e deixará que se instalem em Deir ez-Zor. A CIA fornecerá o dinheiro, armamento, munições e as informações aos «revolucionários sírios moderados» (sic) do ESL (Exército sírio livre -ndT), que mudarão então de casaca e a utilizarão sob a bandeira do «Emirado islâmico», como tem sido o caso desde maio de 2013.

John McCain e o estado-maior do exército sírio livre. No primeiro plano à esquerda, Ibrahim al-Badri, com quem o senador está a iniciar a conversa. Logo em seguida, o brigadeiro- general Salim Idriss (de óculos).

À época, o senador John McCain veio ilegalmente à Síria econtrar-se com o estado- maior do ESL. De acordo com a fotografia difundida, então, para atestar a reunião, este estado-maior incluía um certo Abu Youssef (ou Ibraim al-Badri -ndT), oficialmente procurado pelo departamento de Estado dos E.U., sob o nome de Abu Du?a, na realidade o actual califa Ibrahim. Assim, o mesmo homem era? simultaneamente? um chefe moderado no seio do ESL e um chefe extremista no seio do «Emirado Islâmico».

Munidos com esta informação poderemos avaliar, pelo seu verdadeiro significado, o documento apresentado ao Conselho de Segurança, a 14 de Julho, pelo embaixador sírio Bashar Jaafari. Trata-se de uma carta do comandante-em-chefe do ESL, Salim Idriss, datada de 17 de janeiro de 2014. Nele pode ler-se : «Informo-vos, pela presente, que as munições enviadas pelo estado-maior aos dirigentes dos conselhos militares revolucionários da região Leste devem ser distribuídos, de acordo com o que foi acordado, por dois terços aos comandantes de guerra da Frente el-Nosra, o terço restante devendo ser repartido entre os militares e os elementos revolucionários para a luta contra os bandos do EIIL (Exército islâmico do Iraque e do Levante -ndT). Agradecemos-vos que nos enviem o comprovativo de entrega de todas as munições, especificando as quantidades, e a qualidade, devidamente assinados pelos dirigentes e pelos chefes de guerra em pessoa, afim de que possamos encaminhá-los para os parceiros turcos e franceses». Por outras palavras, duas potências da Otan (Turquia e França) entregaram munições, na quantidade de dois terços, à Frente Al-Nosra (classificado como membro da al-Qaida pelo Conselho de Segurança) e, de um terço, ao ESL para que este combata contra o «Emirado Islâmico», cujo chefe é um dos seus oficiais superiores. Na verdade, o ESL desapareceu no terreno (de operações-ndT) e as munições foram, portanto, em dois terços enviadas à al-Qaida e um por um terço ao «Emirado Islâmico».

Graças a este embrulho de dupla capa, a Otan poderá continuar a lançar as suas hordas de jihadistas contra a Síria, enquanto vai, ao mesmo tempo, fingindo assim estar a combatê-los.

No entanto, quando a Otan tiver instalado o caos por todo o mundo árabe, inclusive no seu aliado saudita, ela irá virar o «Emirado Islâmico» contra as duas grandes potências em desenvolvimento, a Rússia e a China. Por isso estas duas potências deveriam intervir desde já e exterminar, no ninho, o exército privado que a Otan está em vias de fabricar e de treinar no mundo árabe. Caso contrário, Moscovo (Moscou- Br) e Pequim, terão, em breve, de o enfrentar no seu próprio solo ..
Thierry Meyssan

Tradução
Alva

17-09-2014

  00:48:50, por Corral   , 683 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: Por quê o silêncio do Vaticano sobre Ucrânia?

http://www.elespiadigital.com/

Por quê o silêncio do Vaticano sobre Ucrânia?

No momento em que Ucraniana está no centro de umha grande confrontaçom verbal e sançoes entre Ocidente (perceber Estados Unidos, a Uniom europeia, NATO) e Rússia, o Vaticano fica silencioso. Mas ainda, enquanto os ucranios do Sul-este estám submetidos a bombardeios criminais de parte do governo de Kiev, que os mortos se contam por centenas, os feridos por milhares, os expatriados por centenas de milhares de pessoas e que as populaçoes encontram-se em condiçoes inumanas de vida, o Vaticano cuida-se para nom dar nas vistas sobre essas condiçoes inumanas que se vive nesta regiom da Ucrânia. A crise no Iraque ocupa todo o terreno e Ucraniana nom é Venezuela.

O Vaticano nom pode dar como desculpa que nom sabe. Ele está ao tanto de todo e sabe muito bem de que se trata. Nom pode ignorar os interesses geopolíticos e militares que mobilizam a Estados-Unidos e à NATO para tomar o controlo da Ucrânia, isolando um pouco mais a Rússia. Já sabe desde tempo dessas acçoes levadas por és-te Ocidente para desfazer a um governo legítimo e muda-lo por outro que saiba responder melhor aos seus interesses. Quem nom se lembra está discussom entre Vitória Nuland, responsável por assuntos europeus no Departamento de Estado, e o embaixador de Estados Unidos na Ucrânia, Geoffrey R. Pyatt?

Quando sucedeu o ataque, o 17 de Julho, do voo DH17, provocando a morte de 298 mortos, o Vaticano lamentou, por suposto, o ocorrido e apresentou as suas condolências a todas as vítimas, mas guardou-se bem de chamar à Comunidade internacional (ONU) que faga um inquérito independente e transparente para que se conheça os verdadeiros autores deste crime. Nom fixo nada para denunciar aos acusadores que faziam,, sem provas algumhas, da Rússia e das milícias ucranias do Sul-este os responsáveis por este atentado enquanto que Rússia e muitos outros povos reclamavam um inquérito independente e transparente baixo a autoridade das Naçoes Unidas.

Quem nom se lembra de 280 camioes de ajuda humanitária que mandou a Rússia para os danificados da guerra na Ucrânia e que foram detidos mais de umha semana na fronteira antes de ter a aprovaçom do governo para levar esta ajuda humanitária a umha populaçom ao limite da sobrevivência? Nom houvo nem umha palavra de parte do Vaticano para que apressem a aprovaçom e que esta ajuda humanitária chegue o mais rápido à gente que a necessita de urgência.

Em todo este processo de guerra, nem umha palavra do Vaticano para pôr de relevo os esforços do presidente Putin para que se chegue a umha demissom de lume entre os Ucranios e a um dialogo entre as partes para conseguir a paz. Ontem, o 5 de Setembro, assinou-se um acordo de demissom de lume e é o actual presidente da Ucrânia que afirmou que isso foi possível graças à intervençom do presidente Putin.

Nota-se, através todos esses comportamentos, que o Estado do Vaticano actua coma se fosse parte da NATO. Neste sentido nom lhe convém pôr de relevo as acçoes positivas do presidente Putin e da Rússia também nom lhe convém denunciar a desinformaçom da qual Rússia e as milícias de Sul-Este som objectos e vítimas à vez.

Como perceber que umha Igreja que se di "católica" seja representada por um Estado que está pendente deste Ocidente político e militar e que nom tem nada de "católico"? Leste ultimo actua segundo os seus interesses, os quais nom tem nada que ver com o humanismo e ainda menos com a universalidade dos evangelhos e da Igreja. Para eles conta os recursos, a dominaçom e o militarismo.

Em todo casos, há que reconhecer que graças ao presidente Putin se se alcançou que o acordo de cesse de actividades militares seja assinado polas partes em conflito dentro da Ucrânia: o presidente do governo central de Kiev e os dous representantes dos Estados proclamados independentes. Estes dous últimos, como dizem os inimigos da paz, nom som terroristas senom representantes de comunidades que tem as suas características próprias. Trata-se do a respeito dessas características e disso tivérom que discutir dentro de um plano de paz.

04-09-2014

  21:30:42, por Corral   , 2266 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: A grande reviravolta saudita-Califato EIS

A grande reviravolta saudita
Thierry Meyssan

http://www.voltairenet.org/article185136.html

Riade parece agora mudar, subitamente, de política, quando desde há 35 anos, a Arábia Saudita tem apoiado todos os movimentos jihadistas, incluindo os mais extremistas, Ameaçada na sua própria existência por um possível ataque do Emirado islâmico, a Arábia Saudita deu o sinal para a destruição da organização. Mas, contrariamente às aparências, o E.I. continua a ser apoiado pela Turquia e por Israel que comercializam o petróleo que ele pilha.

Preliminar: o E.I. é uma criação ocidental

A unanimidade no Conselho de segurança contra o Emirado islâmico (E.I.) e a votação da resolução 2170 não passam de uma atitude de fachada. Elas não conseguem fazer esquecer o apoio estatal de que o E.I. dispôs até agora, e dispõe ainda.

Olhando apenas para os recentes acontecimentos no Iraque, todos puderam constatar que os seus combatentes entraram no país a bordo de colunas de flamejantes Humvees, novos em folha, saídos directamente das fábrica norte-americanas da American Motors, e armados de material de guerra ucraniano, igualmente novíssimo. Foi com este equipamento que eles capturaram as armas americanas do Exército iraquiano. Do mesmo modo toda a gente ficou espantada por este E.I. dispôr de administradores civis capazes de tomar em mãos, instantaneamente, a gestão dos territórios conquistados, e de especialistas em comunicação aptos a promover a sua actuação na Internet e na televisão; um pessoal claramente formado em Fort Bragg.

Embora a censura norte-americana tenha interdito qualquer recensão sabemos, pela agência de notícias, britânica Reuters, que uma sessão secreta do Congresso votou, em janeiro 2014, o financiamento e armarmento do Exército Sírio livre (E.S.L.), da Frente Islâmica, da Frente Al-Nosra e do Emirado Islâmico até 30 setembro de 2014 [1]. Alguns dias mais tarde a Al-Arabiya vangloriava-se que o príncipe Abdul Rahman era o verdadeiro chefe do Emirado Islâmico [2]. Depois, a 6 de fevereiro, o secretário da Segurança Interna dos EUA reuniu com os principais ministros do Interior europeus, na Polónia, para lhes pedir para manter os jihadistas europeus no Levante, impedindo-lhes o regresso aos seus países de origem, de modo a que o E.I. tivesse suficientes efectivos para atacar o Iraque [3].

Finalmente, em meados de fevereiro, um seminário de dois dias juntou numa sessão do Conselho Nacional de Segurança dos EUA os chefes dos serviços secretos aliados implicados na Síria, claramente para preparar a ofensiva E.I. no Iraque [4].

É extremamente chocante observar os média (mídia-Br) internacionais, de repente, denunciarem os crimes dos jihadistas quando estes se verificam, sem interrupção, há três anos. Não há nada de novo nas degolas em público e nas crucificações: a título de exemplo, o Emirado Islâmico de Baba-Amr, em fevereiro de 2012, havia estabelecido um «tribunal religioso» que condenou à morte por degolamento mais de 150 pessoas, sem levantar a menor reacção ocidental, ou das Nações Unidas [5]. Em maio de 2013, o comandante da Brigada Al-Farouk do Exército sírio livre (os famosos «moderados») difundiu um vídeo no decorrer do qual ele esquartejava um soldado sírio e comia o seu coração. À época os Ocidentais persistiram em apresentar estes jihadistas como «oposicionistas moderados» mas, desesperados, batendo-se pela «democracia». A BBC ainda deu a palavra ao canibal para que este se justificasse.

Não há nenhuma dúvida que a diferença estabelecida por Laurent Fabius entre jihadistas «moderados» (o Exército Sírio livre e a Frente Al-Nosra, isto é a al-Qaida, até ao início de 2013) e jihadistas «extremistas» (a frente Al-Nosra a partir de 2013, e o E.I.) é um puro artifício de comunicação. O caso do califa Ibrahim é esclarecedor: em maio de 2013, aquando da visita de John McCain ao E.S.L, ele era ao mesmo tempo um membro do estado-maior «moderado» e líder da facção «extremista» [6]. Identicamente, uma carta do general Salim Idriss, chefe do estado maior do E.S.L, datada de 17 de janeiro de 2014, atesta que a França e a Turquia forneciam munições na quantidade de um terço para o E.S.L e dois terços para a al-Qaida, via ESL. Apresentado pelo embaixador sírio no Conselho de Segurança, Bashar Jaafari, a autenticidade deste documento não foi contestada pela delegação Francesa [7].

Dito isto, é evidente que a atitude de algumas potências da Otan e do CCG (Conselho de Cooperação do Golfo-ndT) mudou no decurso do mês de agosto de 2014, passando de um apoio secreto, maciço e contínuo, para uma hostilidade declarada. Porquê?
A doutrina Brzezinki do jihadismo

É preciso, aqui, voltar 35 anos atrás para compreender a importância da viragem que a Arábia Saudita e, talvez, os Estados Unidos estão fazendo. Após 1979, Washington por iniciativa do conselheiro de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, decidiu apoiar o Islão (Islã-Br) político contra a influência soviética, revivendo a política adoptada no Egipto de apoio à Irmandade Muçulmana contra Gamal Abdel Nasser.

Brzezinski decidiu lançar uma grande «revolução islâmica» do Afeganistão, (então governado pelo regime comunista de Muhammad Taraki), e do Irão, (onde ele próprio organizou o retorno do imã Ruhollah Khomeini).

Posteriormente esta revolução islâmica devia espalhar-se, por todo o mundo árabe, e varrer os movimentos nacionalistas associados com a URSS. A operação no Afeganistão foi um sucesso inesperado: os jihadistas da Liga anti- comunista mundial (WACL) [8], recrutados no seio dos Irmãos muçulmanos e dirigidos pelo bilionário anti-comunista Osama bin Laden, lançaram uma campanha terrorista que levou o governo a apelar para os soviéticos. O Exército Vermelho entrou no Afeganistão e ficou atolado lá por cinco anos, acelerando a queda da URSS.

A operação no Irão foi, pelo contrário, um desastre: Brzezinski ficou espantado ao constatar que Khomeini não era o homem que lhe tinham referido?um velho aiatola tentando recuperar as suas propriedades rurais confiscadas pelo Xá? mas, sim, um autêntico anti-imperialista. Considerando um pouco tardiamente que a palavra «islamista» não tinha, de todo, o mesmo sentido para uns e para outros, ele decidiu distinguir os bons sunitas (colaborantes) dos maus xiitas(anti-imperialistas) e confiar a gestão dos primeiros à Arábia Saudita.

Por fim, considerando a renovação da aliança entre Washington e os Saud, o presidente Carter anunciou, durante o seu discurso sobre o Estado da União a 23 de janeiro de 1980 que, daqui em diante, o acesso ao petróleo do Golfo era um objetivo da segurança nacional dos EUA.

Desde então, os jihadistas foram encarregados de todos os os golpes sujos contra os Soviéticos, (depois os Russos), e contra os regimes árabes nacionalistas ou recalcitrantes. O período indo da acusação lançada contra os jihadistas, de ter fomentado e realizado os atentados do 11 de setembro, até ao anúncio da pretensa morte de Osama bin Laden no Paquistão (2001-11) complicou as coisas. Tratava-se, ao mesmo tempo, de negar qualquer relação com os jihadistas e de usá-los como pretexto para intervenções. As coisas clarificaram-se em 2011, com a colaboração oficial entre os jihadistas e a Otan na Líbia e na Síria.
A viragem saudita de agosto de 2014

Durante 35 anos, a Arábia Saudita financiou e armou todas as correntes políticas muçulmanas desde que (1) fossem sunitas, (2) que afirmassem o modelo económico dos Estados Unidos compatível com o Islão, e (3 ) que?no caso em que o seu país tivesse assinado um acordo com Israel?eles não o questionassem.

Durante 35 anos, a grande maioria dos sunitas fechou os olhos para o conluio entre os jihadistas e o imperialismo. Ela manifestou a sua solidariedade com tudo o que eles fizeram e com tudo o que lhes atribuíram. Finalmente, legitimou o wahhabismo como uma forma autêntica do Islão, apesar da destruição dos locais santos na Arábia Saudita.

Observando com surpresa a «Primavera Árabe», para cuja preparação ela não fora convidada, a Arábia Saudita inquietou-se com o papel dado por Washington ao Catar e aos Irmãos muçulmanos. Riade não demorou a entrar em competição com Doha para patrocinar os jihadistas na Líbia e, sobretudo, na Síria.

Assim, tanto o rei Abdallah salvou a economia egípcia que, quando o general Abdel Fattah al-Sisi se tornou presidente do Egito, enviou-lhe, e aos Emirados Árabes Unidos, a cópia completa dos registos (registros-Br) policiais dos Irmãos Muçulmanos. Deste modo, no quadro da luta contra a Irmandade, o general Al-Sissi descobriu e transmitiu, em fevereiro 2014, o plano detalhado da Irmandade para tomar o poder em Riade e em Abu Dhabi. Em alguns dias os conspiradores foram presos e confessaram, enquanto a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos ameaçavam o Catar, o padrinho dos Irmãos, de o destruir, se ele não abandonasse imediatamente a irmandade.

Riade não demorou muito para descobrir que o Emirado Islâmico também estava contaminado e se aprestava a atacá-la, depois de se ter apoderado de um terço do Iraque.

O ferrolho ideológico, pacientemente construído durante 35 anos, foi pulverizado pelos Emirados Árabes Unidos e pelo Egito. A 11 de agosto, o grande imã da universidade Al-Azhar, Ahmad al-Tayyeb, condenou severamente o Emirado Islâmico e a al-Qaida. Ele foi seguido, no dia seguinte, pelo grande mufti do Egipto, Shawki Allam [9]

A 18 de agosto, e novamente a 22, o Abu Dhabi bombardeou, com a assistência do Cairo, terroristas em Tripoli (Líbia). Pela primeira vez, dois estados sunitas aliaram- se para atacar extremistas sunitas num terceiro Estado sunita. O seu alvo, não era outro senão, uma aliança incluindo Abdelhakim Belhaj, antigo número três da Al Qaida, nomeado governador militar de Trípoli pela Otan [10]. Parece que esta ação foi realizada sem Washington ter sido disso, préviamente, informado.

A 19 de agosto, o grande mufti da Arábia Saudita, o xeque Abdul-Aziz Al al-Sheikh, decidiu-se?por fim? qualificar os jihadistas do Emirado Islâmico e da al-Qaida «de inimigos número 1 do Islão» [11].
As consequências da reviravolta saudita

A reviravolta da Arábia Saudita foi tão rápida que os actores regionais não tiveram tempo de se adaptar e, portanto, apresentam posições contraditórias, segundo os diferentes dossiês. Em geral, os aliados de Washington condenam o Emirado Islâmico no Iraque, mas ainda não na Síria.

Mais surpreendentemente, enquanto o Conselho de Segurança condenava o Emirado Islâmico, na sua declaração presidencial de 28 de Julho e na sua resolução 2170 de 15 de Agosto, ficava claro que a organização jihadista dispunha, ainda, de apoios de Estados: em violação dos princípios anunciados, ou relembrados, por estes textos, o petróleo iraquiano pilhado pelo E.I. transita pela Turquia. Ele é bombeado no porto de Ceyhan para petroleiros que fazem escala em Israel e, depois, voltam a partir para a Europa. Por enquanto, o nome das sociedades comanditárias não foi estabelecido, mas a responsabilidade da Turquia e de Israel é óbvia.

Por seu turno, o Catar, que continua a acolher muitas personalidades da Irmandade Muçulmana, nega apoiar ainda o Emirado Islâmico.

Aquando das conferências de imprensa coordenadas, os ministros das Relações Exteriores(Negócios Estrangeiros-Pt) russo e sírio, Sergey Lavrov e Walid Moallem, apelaram para a construção de uma coligação (coalizão-Br) internacional contra o terrorismo. No entanto, os Estados Unidos, preparando operações terrestres em território sírio, junto com os britânicos (a «força de intervenção Negra-Black» [12]), recusou aliar-se com a República Árabe da Síria e persiste em exigir a demissão do presidente eleito Bashar al-Assad.

O choque que acaba de pôr fim a 35 anos de política saudita transforma-se em confronto entre Riade e Ancara. Desde logo o partido curdo turco e sírio, o PKK, que ainda é considerado por Washington e Bruxelas como uma organização terrorista, é apoiado pelo Pentágono contra o Emirado Islâmico. Com efeito, e contrariamente às apresentações equivocadas da imprensa atlantista, são estes combatentes do PKK turcos e sírios, e não os peshmergas(nome lendário dos combatentes curdos-ndT) iraquianos, do Governo Local do Curdistão, que repeliram o Emirado Islâmico nestes últimos dias, com a ajuda da Aviação norte-americana.
Conclusão provisória

É difícil saber se a situação actual é uma encenação ou é realidade. Têm os Estados Unidos realmente a intenção de destruir o Emirado Islâmico que eles próprios formaram, e que lhes teria escapado, ou será que eles vão, simplesmente, enfraquecê- lo e mantê-lo como um instrumento de política regional? Ancara e Telavive apoiam o E.I. por conta de Washington ou contra, ou, ainda, jogam eles com dissidências internas nos Estados Unidos? Irão os Saud, para salvar a monarquia, até à aliança com o Irão e a Síria derrubando o dispositivo de proteção de Israel?
Thierry Meyssan

Tradução
Alva

[1] ?Congresso dos Estados Unidos vota secretamente envio de armas para a Síria?, Tradução Alva, Rede Voltaire, 3 de Fevereiro de 2014.

[2] «L?ÉIIL est commandé par le prince Abdul Rahman » (Fr-«O ÉIIL é controlado pelo príncipe Abdul Rahman»-ndT), Réseau Voltaire, 3 fevereiro de 2014.

[3] ?Síria converte-se em «tema de segurança interna» para Estados Unidos e União Europeia?, Tradução Alva, Rede Voltaire, 12 de Fevereiro de 2014.

[4] «Washington coordonne la guerre secrète contre la Syrie» (Fr- «Washington coordena a guerra secreta contra a Síria»-ndT), Réseau Voltaire, 21 février 2014.

[5] «The Burial Brigade of Homs: An Executioner for Syria?s Rebels Tells His Story » (Ing-«A Brigada Enterro de Homs: Um Carrasco para os rebeldes da Síria conta a sua história»-ndT), por Ulrike Putz, Der Spiegel, 29 de março de 2012.

[6] ?John McCain, chefe de orquestra da «primavera árabe», e o Califa?, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 18 de Agosto de 2014.

[7] «Résolution 2165 et débats (aide humanitaire en Syrie)» (Fr-«Resolução 2.165 e debates (ajuda humanitária para a Síria)»-ndT), Réseau Voltaire, 14 juillet 2014.

[8] « La Ligue anti-communiste mondiale, une internationale du crime » (Fr-«A Liga Mundial Anti-Comunista, uma internacional do crime»-ndT), por Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 12 mai 2004.

[9] « Le grand mufti d?Égypte condamne l?État islamique en Irak» (Fr-«O Grande Mufti do Egito condena o Estado Islâmico no Iraque»-ndT), Rádio Vaticano, 13 de agosto.

[10] «Comment les hommes d?Al-Qaida sont arrivés au pouvoir en Libye» (Fr-«Como os homens da al-Qaida chegaram ao poder na Líbia»-ndT), por Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 6 septembre 2011.

[11] «Déclaration du mufti du Royaume sur l?extrémisme» (Fr-«Declaração do Mufti do Reino sobre o extremismo»-ndT), Agência Saudi Press,19 août 2014.

[12] «SAS and US special forces forming hunter killer unit to ?smash Islamic State? » (Ing-«Forças especiais inglesas,?SAS?, e dos E.U. formam unidade assassina de caça para ?esmagar Estado islâmico? »-ndT), por Aaron Sharp, The Sunday People (The Mirror), 23 de agosto de 2014.

16-08-2014

  18:00:49, por Corral   , 247 palavras  
Categorias: Dezires

CANTA O MERLO: "Kiev luita no Leste para obter gás de esquisto para EE.UU."

http://actualidad.rt.com/actualidad/view/137330-kiev-lutar gás-esquisto-eeuu

Para Kiev é importante controlar o Leste da Ucrânia ante todo polo gás de esquisto, cujo desenvolvimento está programado polas empresas ocidentais, opina o presidente do Comité de Assuntos Exteriores da Duma Estatal russa, Alexéi Pushkov.

"Kiev está a luitar no Leste da Ucrânia para obter reservas de gás:

Segundo os dados procedentes da Alemanha, trata-se de 5.578 milhons de metros cúbicos. E controlaria-se polos EE.UU.", escreveu o político russo na sua conta de Twitter.

Trata das reservas de gás de esquisto de Yuzovsky, que se acham na raia de Járkov e Donetsk. Os seus recursos estimam-se em mais de 4 bilions de metros cúbicos de gás. Em Maio de 2012, a empresa Shell ganhou a competiçom polo direito a explorar este jazimento.

Ademais, também tem permissons para as minas nesta bacia a companhia ucraniana Burisma, onde um dos membros do Conselho de Administraçom é o filho do vice-presidente de EE.UU. Joe Biden.

Na cidade de Slaviansk, que se encontra no centro do campo de Yuzovsky, produziram-se nos últimos anos em repetidas ocasiones grandes protestos em contra dos planos para o desenvolvimento deste projecto. Os residentes da cidade mesmo queriam celebrar um referendo sobre o tema, assinala o jornal russo 'Rossiskaya Gazeta'.

Desde o começo da severa operaçom militar por parte de Kiev contra o seu próprio povo, vários peritos expressárom em diferentes ocasions a ideia de que a objectivo chave da ofensiva no Leste é o controlo da zona para extrair o gás de esquisto sem obstáculos.

15-08-2014

  20:02:54, por Corral   , 1211 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: As sanções contra Rússia e o pico petrolífero

As sanções contra Rússia e o pico petrolífero
por Jorge Figueiredo

http://resistir.info/ .

O governo Obama conseguiu arrebanhar os relutantes governos da União Europeia e obrigou-os a imporem sanções contra a Rússia. Contrariando os interesses dos seus próprios países, os governos da UE acataram servilmente o diktat estado-unidense. Assim, no fim de Julho, após longas negociações para o estabelecimento de "consenso", estes acordaram um esquema de sanções em Três Níveis : acesso ao mercado de capitais; embargo ao comércio de armas e bens que possam ser utilizados para fins militares; e acesso a tecnologias de produção e exploração de petróleo.

Neste artigo será analisado este último "nível", passando por cima do pretexto absurdo alegado pelos EUA/UE para aplicar as referidas sanções. Acusar a Rússia de um crime cometido pelos fantoches ucranianos dos EUA é uma monstruosidade. A verdade vem sempre ao de cima e hoje já está claro que o avião malaio foi derrubado por caças do regime de Kiev ? mas a máquina mediática prostituída, orquestrada pelo imperialismo, continua a insinuar a "culpa" russa e/ou das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. Tal como na fábula do lobo e do cordeiro, o primeiro diz: "Não importa que você não tenha sujado a água do meu rio, se não foi você foi o seu pai ou seu primo e vou aplicar-lhe sanções". Este cinismo descarado é um indício do desespero da elite estado-unidense diante da perspectiva (próxima?) do fim da hegemonia do dólar. Ela tem de inventar crises políticas e militares a fim de fazer esquecer a crise da sua moeda. E os governantes europeus, tal como prescreveu a Sra. Nuland ("Fuck the UE"), abanam o rabo.

Entretanto, abstraindo aspectos conjunturais do caso, será mais interessante examinar as consequências a médio longo prazo no domínio da energia desta viragem nas relações internacionais. Tudo indica que a nova Guerra Fria agora iniciada poderá ter consequências profundas quanto aos hidrocarbonetos. O mundo ? a Europa em particular ? poderá ter de pagar um pesado preço pela guinada de Obama na política externa.

Os media corporativos, bem amestrados, desencadeiam agora uma histeria anti-russa. Até The Economist, considerada respeitável, já se comporta como imprensa amarela e publica uma foto de Putin com uma uma teia de aranha ao fundo. Pretendem eles que a Rússia seria severamente atingida pelo embargo a exportações de "tecnologias sensíveis" para a exploração e produção de petróleo. Mas não é verdade e é bem possível que o governo Obama tenha marcado um auto-golo.

Uma análise recente da Reuters apresenta três conclusões principais: a) a Rússia tradicionalmente dependeu da tecnologia ocidental por uma questão de comodidade, mas agora será obrigada a tomar outro caminho e desenvolver tecnologias por si própria, o que levará a uma gradual erosão do monopólio ocidental sobre as mesmas (no deep offshore, no Árctico, etc); b) a China aproveitará a situação e em última análise pode tornar-se a vencedora ? já se fala no petro-yuan ; c) as sanções podem significar o fim da liderança tecnológica ocidental no sector do petróleo.

Há muitos peritos que questionam o bom fundamento da política alardeada por Obama. Vale a pena citar a opinião da Peak Oil News:

"Os convencidos que elaboram a política externa no Departamento de Estado talvez não entendam que a produção de petróleo russa acaba de alcançar um pico pós-URSS e de qualquer forma terá de entrar em declínio. O efeito das sanções (dos EUA e UE) será acelerar o declínio [da produção] da Rússia, forçando em alta os preços mundiais do petróleo assim que o escasso petróleo dos EUA atingir o seu máximo e entrar na sua inevitável queda livre por volta de 2017-2020. A Rússia, nessa altura, ainda será um exportador de petróleo e beneficiará de preços mais elevados (talvez o suficiente para compensar a perda de produção resultante das sanções). Mas os EUA, que ainda continuarão a ser um dos principais importadores mundiais de petróleo, enfrentarão então uma repetição do choque petrolífero de 2008 que contribuiu para o seu crash financeiro.

"Não há dúvida de que os peritos do Departamento de Estado acreditam sinceramente na recente jactância da América como uma nova super potência energética capaz de abastecer a Europa com petróleo e gás para substituir as exportações da Rússia. Talvez os europeus tenham sido suficientemente loucos para caírem também nesta ilusão. Mas isto demonstrar-se-á serem apostas altamente arriscadas. Só se pode esperar que todos os actores acordem destas alucinações antes de o jogo se tornar realmente feio".

Assim, tudo indica que o Departamento de Estado e o governo dos EUA estão a acreditar na sua própria propaganda da "revolução" do shale oil e shale gas. Correndo o risco de repetições, convém recordar que a dita "revolução" tem pernas curtas pois 1) os custos de extracção do shale são elevados; 2) o esgotamento dos furos efectuados dá-se num prazo brevíssimo (pouco mais de um ano); 3) para manter os níveis de produção desejados é preciso estar constantemente a fazer novos furos; 4) a tecnologia exige grandes extensões de terra com baixa densidade demográfica; 5) os desastres ecológicos (poluição de lençóis freáticos) e sísmicos estão bem demonstrados. Assim, pode-se afirmar que dentro de poucos anos a tecnologia do shale será considerada passado, uma moda que não deu certo (a Shell já abandonou a sua pesquisa nos EUA, depois de mais de dez anos de esforços).

Na verdade, a auto-suficiência em petróleo dos EUA não passa de um mito e a auto-suficiência em gás natural é conjuntural. Quanto à possibilidade de um boom exportador americano de gás natural, trata-se de uma balela difundida pelo governo Obama e propalada por jornalistas ignorantes: a escassez de instalações de liquefacção e de terminais metaneiros de exportação veda tal possibilidade. Demora pelo menos oito anos a construção de cada uma destas instalações ? e possivelmente antes disso já terá declinado a "moda" do shale. Além disso, nos países receptores também seria preciso construir terminais metaneiros em quantidade suficiente (a Ucrânia, por exemplo, não dispõe de nenhum). Assim, do ponto de vista europeu, chega-se à conclusão de que não há nada que possa substituir o gás russo.

Ao aplicar sanções selectivas contra a Rússia ? tentando cuidadosamente excluir o gás natural ? a UE na verdade deu um tiro no seu próprio pé. Submeteu-se ao diktat imperial e abandonou quaisquer veleidades de autonomia. Ora, isto significa uma quebra de confiança entre parceiros comerciais, o que não pode deixar de trazer consequência (sem mencionar a ruptura com os tão apregoados princípios do livre comércio e com as disposições OMC). Tal quebra de confiança leva a Rússia a uma grande comutação, à procura de outros mercados. O recente acordo de longo prazo com a China, cujas negociações se arrastavam há anos, já é uma consequência da hostilidade europeia. E o mais importante neste acordo é que o dólar e o euro estão dele excluídos: as vendas do gás natural serão em rublos ou em yuan. Isto tem consequências no panorama energético, político e monetário mundial. Mas os aprendizes de feiticeiro que fazem a História nem sempre percebem o que estão a fazer. Isso é verdadeiro tanto para o Sr. Obama como para os seus pobres serviçais da Comissão Europeia.
Ver também:
Why Won?t Obama Just Leave Ukraine Alone?
American Intelligence Officers Who Battled the Soviet Union for Decades Slam the Flimsy ?Intelligence? Against Russia

12-08-2014

  15:51:55, por Corral   , 1416 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: A estratégia russa ante ao imperialismo anglo-saxónico

A estratégia russa ante ao imperialismo anglo-saxónico
O início da viragem do mundo
Thierry Meyssan
Tradução : Alva

http://www.voltairenet.org/article185044.html

O ataque dos Anglo-Saxões contra a Rússia toma a forma de uma guerra financeira e económica. Entretanto, Moscovo prepara-se para as hostilidades armadas desenvolvendo a auto-suficiência da sua agricultura e multiplicando as suas alianças para o efeito. Para Thierry Meyssan, após a criação do califado do Levante, Washington deverá jogar uma nova cartada, em setembro, em São Petersburgo. A capacidade da Rússia em preservar a sua estabilidade interna determinará, então, a sequência dos acontecimentos.

A ofensiva conduzida pelos Anglos-Saxões (Estados-Unidos, Reino Unido e Israel) para dominar o mundo prossegue sobre dois eixos simultâneos: quer, por um lado, a criação do «Médio-Oriente alargado» (Greater Middle East), atacando simultaneamente o Iraque, a Síria, o Líbano e a Palestina, como, por outro, o afastamento da Rússia da União Europeia, através da crise que eles montaram na Ucrânia.

Nesta corrida de velocidade, parece que Washington quer impôr o dólar como moeda única no mercado do gaz, a fonte de energia do XXIo século, do mesmo modo que a impuseram sobre o mercado do petróleo [1].

Os média (mídia-Br) ocidentais quase que não cobrem a guerra do Donbass, e a sua população ignora a amplitude dos combates, a presença dos militares US, o número das vítimas civis, a vaga dos refugiados. Os média ocidentais focam pelo contrário, com detalhe, os acontecimentos no Magrebe e no Levante, mas apresentando-os seja como resultantes de uma pretensa «primavera árabe» (quer dizer, na prática, de uma tomada de poder pelos Irmãos muçulmanos), seja como o efeito destrutivo de uma civilização violenta em si mesma. Mais do que nunca, seria necessário vir em socorro de árabes incapazes de viver, pacificamente, na ausência de colonos ocidentais.

A Rússia é actualmente a principal potência capaz de conduzir a Resistência ao imperialismo anglo-saxónico. Ela dispõe de três ferramentas: os BRICS, uma aliança de rivais económicos que sabem não poder crescer senão uns com outros, a Organização de cooperação de Xangai, uma aliança estratégica com a China para estabilizar a Ásia central, e por fim a Organização do Tratado de segurança colectiva (OTSC-ndT), uma aliança militar dos antigos Estados soviéticos.

Na cimeira de Fortaleza (Brasil), que se desenrolou de 14 a 16 de julho, os BRICS deram o passo em frente anunciando a criação de um Fundo de reserva monetária (principalmente chinês) e de um Banco BRICS, como alternativas ao Fundo monetário internacional e ao Banco mundial, portanto ao sistema-dólar [2].

Antes mesmo deste anúncio, já os Anglo-Saxões haviam posto em acção a sua resposta: a transformação da rede terrorista Al-Qaida num califado, afim de preparar os conflitos entre todas as populações muçulmanas da Rússia e da China [3]. Eles prosseguiram a sua ofensiva na Síria e transbordaram-na quer para o Iraque, quer depois para o Líbano. Falharam, por outro lado, no expulsar de uma parte dos Palestinianos para o Egipto e a desestabilizar mais profundamente ainda a região. Por fim, eles mantiveram-se afastados do Irão(Irã-Br), para dar ao presidente Hassan Rohani a chance de enfraquecer a corrente anti-imperialista dos khomeinistas.

Dois dias após o anúncio dos BRICS, os Estados Unidos acusaram a Rússia de ter destruído o vôo MH17 da Malaysia Airlines por cima do Donbass, matando 298 pessoas. Sobre esta base, puramente arbitrária, impuseram aos Europeus a entrada em guerra económica contra a Rússia. Assumindo-se como um tribunal o Conselho da União europeia julgou e condenou a Rússia, sem a menor prova e sem lhe dar a oportunidade de se defender. Ele promulgou «sanções» contra o seu sistema financeiro.

Consciente que os dirigentes europeus não trabalham pelos interesses dos seus povos, mas sim pelos dos Anglo-Saxões, a Rússia mordeu o seu freio e interditou-se, até à data, de entrar em guerra na Ucrânia. Ela apoia com armas e com informação os insurgentes, e acolhe mais de 500. 000 refugiados, mas, abstêm-se de enviar tropas e de entrar na engrenagem. É provável que ela não intervenha antes que a grande maioria dos Ucranianos se revolte contra o presidente Petro Porochenko, mesmo que isso signifique não entrar no país senão após a queda da República popular de Donetsk.

Face à guerra económica, Moscovo escolheu responder por medidas similares, mas envolvendo a agricultura e não as finanças. Dois considerandos guiaram esta escolha: primeiro, a curto prazo, os outros BRICS podem mitigar as consequências das pretensas «sanções»; por outro lado, a médio e longo prazo, a Rússia prepara-se para a guerra e entende reconstituir completamente a sua agricultura, para poder viver em auto-suficiência.

Por outro lado, os Anglo-Saxões previram paralisar a Rússia pelo interior. Primeiro activando para tal, via Emirado islâmico (EI), grupos terroristas no seio da sua população muçulmana, depois organizando também uma contestação mediática aquando das eleições municipais de 14 de setembro. Consideráveis somas de dinheiro foram fornecidas a todos os candidatos da oposição, numa trintena de grandes cidades envolvidas, enquanto pelo menos 50. 000 agitadores ucranianos, misturados com os refugiados, estão em vias de se reagrupar em São Petersburgo. A maior parte de entre eles têm a dupla nacionalidade russa. Trata-se, com toda a evidência, de reproduzir na província as manifestações que em Moscovo (Moscou-Br) se seguiram ás eleições de dezembro de 2011 ?a violência sobretudo?; e de mergulhar o país num processo de revolução colorida ao qual uma parte dos funcionários e da classe dirigente é favorável.

Para o realizar Washington nomeou um novo embaixador na Rússia, John Tefft, que já preparara a «revolução das rosas» na Geórgia e o golpe de Estado na Ucrânia.

Será importante para o presidente Vladimir Putin poder confiar no seu Primeiro- ministro, Dmitri Medvedev, que Washington esperava recrutar para o derrubar.

Considerando a iminência do perigo, Moscovo teria conseguido convencer Pequim a aceitar a adesão da Índia contra a do Irão (mais, também, as do Paquistão e da Mongólia) à Organização de cooperação de Xangai (OCS em inglês-ndT). A decisão deveria ser tornada pública aquando da cimeira prevista para Duchambe (Tajiquistão) entre 12 e 13 de setembro. Ela deveria pôr um fim ao conflito que opõe, desde há séculos, a Índia e a China, e envolvê-los numa cooperação militar. Esta reviravolta, se se confirmar, terminaria igualmente com a lua de mel entre Nova Deli e Washington, que esperava afastar a Índia da Rússia dando-lhe acesso, por tal, nomeadamente a tecnologias nucleares. A adesão de Nova Deli é também uma aposta acerca da sinceridade do seu novo Primeiro-ministro, Narendra Modi, quando pesa sobre ele a suspeita de ter encorajado violências anti-muçulmanas, em 2002, em Gujarate, do qual era ministro-chefe.

Por outro lado a adesão do Irão, que constitui um desafio para Washington, deverá trazer ao OCS um conhecimento preciso dos movimentos jihadistas e das maneiras de combatê-los. Mais uma vez, se confirmada, tal reduziria a disposição iraniana para negociar uma trégua com o «Grande Satã», que a levou a eleger o Xeque Hassan Rohani para a presidência. Isto seria uma aposta quanto à autoridade do líder supremo da Revolução Islâmica, o aiatola Ali Khamenei.

De facto, estas adesões marcariam o início da viragem do mundo do Ocidente para o Oriente [4]. Ainda assim, esta evolução deverá ser protegida militarmente. É o papel da Organização do Tratado de Segurança Coletiva(OTSC), formado em volta da Rússia, mas do qual a China não faz parte. Ao contrário da Otan, esta organização é uma aliança clássica, compatível com a Carta das Nações Unidas, uma vez que cada membro conserva a opção de sair dela, se o desejar. É, pois, apoiando-se nessa liberdade que Washington tem tentado, no decurso dos últimos meses, comprar alguns membros, nomeadamente a Arménia. No entanto, a situação caótica na Ucrânia parece ter arrefecido aqueles que nela sonhavam com uma «proteção» norte- americana.

A tensão deverá pois subir nas próximas semanas.
Thierry Meyssan

[1] « Qu?ont en commun les guerres en Ukraine, à Gaza, en Syrie et en Libye ? »(Fr-«Que teêm em comum as guerras na Ucrânia, Gaza, Síria e na Líbia?»- ndT) , por Alfredo Jalife-Rahme, Traduction Arnaud Bréart, La Jornada (México), Réseau Voltaire, 7 août 2014.

[2] ?Cúpula do Brics: Sementes de uma nova arquitetura financiera?, Ariel Noyola Rodríguez, Rede Voltaire, 3 de Julho de 2014. ?Sixth BRICS Summit : Fortaleza Declaration and Action Plan? (Ing-«Sexta Cimeira do BRICS: Declaraçãode Fortaleza e Plano de Acção»-ndT), Voltaire Network, 16 July 2014.

[3] «Un djihad mondial contre les BRICS ?» (Fr-«Uma jihade mundial contra os BRICS?»-ndT), por Alfredo Jalife-Rahme, Traduction Arnaud Bréart, La Jornada (México), Réseau Voltaire, 18 juillet 2014.

[4] ?Russia and China in the Balance of the Middle East : Syria and other countries? (Ing-« Rússia e China no Balanço do Oriente Médio: Síria e outros países»-ndT), por Imad Fawzi Shueibi, Voltaire Network, 27 Janeiro de 2012.

10-08-2014

  19:09:03, por Corral   , 1432 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: O que as guerras na Ucrânia, em Gaza, na Síria e na Líbia têm em comum?

O que as guerras na Ucrânia, em Gaza, na Síria e na Líbia têm em comum?
Alfredo Jalife-Rahme

Tradução : Marisa Choguill

http://www.voltairenet.org/article185048.html

Para o especialista mexicano em geopolítica Alfredo Jalife-Rahme, a simultaneidade dos eventos ilumina seu significado: logo depois de anunciar a criação de uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, isto é, o dólar, a Rússia está tendo que enfrentar, ao mesmo tempo, a acusação de ter derrubado o jato da Malaysia Airlines; o ataque israelense em Gaza, apoiado pela inteligência militar dos EUA e do Reino Unido; o caos na Líbia; e a ofensiva do Estado Islâmico no Levante. Além disso, em cada um desses teatros de guerra, a luta gira em torno do controle dos hidrocarbonetos, que até agora foram negociados exclusivamente em dólares.

Calendários, fluxogramas, diagramas e índices genealógicos são muito úteis para se fazer uma análise geopolítica. Assim, dois dias antes de um misterioso míssil explodir o avião da Malaysia Airlines no céu ? um evento tão obscuro como as circunstâncias de ambos os seus voos recentes ?, a sexta cúpula do BRICS, incluindo um número de países membros da Unasul, como a Colômbia e o Peru, tinha terminado com sucesso. [1]

Um dia antes do ataque de míssil mortal, Obama fez uma elevada pressão sobre a Rússia e seus dois ativos inextricáveis: bancos e recursos energéticos. "Por pura coincidência", no dia em que o misterioso míssil foi disparado na Ucrânia, "Netanyahu, no leme de um estado com arsenal nuclear, ordenou que seu exército invadisse a faixa de Gaza", como Fidel Castro corretamente apontou quando denunciou o golpe de estado em Kiev, que ele acusou de ter realizado uma "nova forma de provocação" sob o patrocínio dos Estados Unidos. [2]

O que esse velho desmancha-prazeres do Caribe poderia saber sobre esse caso?

Enquanto o míssil misterioso estava destruindo o voo da Malaysia Airlines, Israel, um estado racista e segregacionista, invadia a faixa de Gaza, em violação das resoluções da ONU e "antagonizando a opinião pública internacional", conforme indicado pelo ex-presidente Bill Clinton. [3]

Simultaneamente com a "coincidência" (dixit Castro [dixit: Latin, as stated by? NT]) relativa aos objetivos geopolíticos na Ucrânia e na faixa de Gaza, confrontos de natureza declarada envolvendo o controle dos recursos de energia, tomaram o centro do palco nos três países árabes classificados como "Estados Fracassados" pelos estrategistas dos EUA: Líbia, Síria e Iraque, para não mencionar as guerras no Iêmen e na Somália.

Na Líbia, um estado balkanisado [dividido em pequenos ?principados? que frequentemente estão imersos em hostilidades ? NT] e dizimado como resultado da intervenção "humanitária", liderada pela Grã-Bretanha e pela França sob a supervisão hipócrita dos Estados Unidos, apenas dois dias antes do míssil misterioso na Ucrânia, as brigadas rebeldes de Zintan barraram todo o acesso ao Aeroporto Internacional de Trípoli (capital), enquanto confrontos entre clãs rivais aumentavam em Benghazi, de onde jihadistas na Síria e no Iraque foram fornecidos com armas e onde o embaixador dos EUA na Líbia foi assassinado sob circunstâncias bizarras.

Além da ligação entre o fluxo de armas na Líbia, Síria e Iraque, na região controlada pela Al-Qaeda/Al-Nusra e o novo Estado Islâmico (Daesh) [4], a questão crucial para as empresas de petróleo e gás dos E.U., britânicas e francesas é assegurar o controle da matéria prima (gás e água fresca) pertencente à Líbia, onde Rússia e China ingenuamente cairam numa armadilha [5].

Quanto à apropriação de petróleo iraquiano pelo duo imperialista EUA / UK, que também levou à balcanização e destruição do Iraque, mergulhando o país em uma "guerra de 30 anos", seria fútil e letalmente chato ter de rever as provas bem conhecidas.

Durante a minha recente visita a Damasco, onde eu fui entrevistado por Thierry Meyssan, presidente da Rede Voltaire, ele me disse que a repentina virada-de-face do "oeste (seja lá o que se entenda por isso)" contra Bashar al-Assad é devida em grande parte ? além dos campos de gás localizados ao longo da costa mediterrânica ? à profusão de depósitos de óleo que se encontram no interior da Síria, depósitos que agora são controlados pelo "Novo Califado (Daesh) do Século XXI ".

A interdependência entre petróleo e gás está no centro do atenções em Gaza cinco anos após a operação "Chumbo Fundido", cuja estratégia está sendo adotada pela operação "Borda Protetora" (sic), sem uma investigação para estabelecer conclusivamente quem foi responsável elo terrível assassinato dos três jovens israelitas ? que havia sido profeticamente anunciado por Tamir Pardo, o "visionário" chefe do Mossad [6] ? e serviu como pretexto para outra invasão israelita da faixa de Gaza que ceifou a vida de uma várias centenas de crianças.

De acordo com o geógrafo, Manlio Dinucci, escrevendo no jornal italiano Il Manifesto [7], a abundância de reservas de gás nas águas costeiras de Gaza é uma das razões para a intransigência israelense.

Da mesma forma, as substanciais reservas de gás de xisto, profundamente enterradas na República Autônoma de Donetsk, que visa separar-se ou tornar-se uma federação da Ucrânia, é a fonte da feroz guerra psicológica entre a mídia pro-UE e pró Rússia para fixar a responsabilidade do outro lado da explosão do avião da Malaysia Airlines. Será que não poderia ter sido uma operação sob falsa bandeira inventada pelo governo da Ucrânia para incriminar os separatistas usando "gravações" que podem muito bem ter sido adulteradas para acusá-los de "terrorismo" e assim aniquilá-los?

Há dois meses, as notícias do canal Rússia Hoje (RT ? Russia Today) ? que é cada vez mais visto na América Latina para combater a desinformação expelida pela mídia israelense-Anglo-americana controlada e que foi submetida à censura pública pelo Secretário de Estado John Kerry ? tinha já ressaltado a importância do gás de xisto na região de Donetsk (região no leste da Ucrânia que procura ganhar independência), e perguntava se "os interesses das companhias petrolíferas ocidentais não estariam por trás da violência" [8].

Com efeito, a parte oriental da Ucrânia, atualmente envolvida em uma guerra civil, está cheia "de carvão e uma miríade de depósitos de gás de xisto na bacia do Dnieper-Donets." Em fevereiro de 2013, a British Shell Oil assinou com o governo da Ucrânia (o anterior, que foi deposto por um golpe neo-nazista apoiado pela UE) um acordo de 50 anos para partilhar os lucros provenientes da exploração e extração de gás de xisto na região de Donetsk. [9]

De acordo com o RT, "os lucros que Kiev não quer perder" são tantos que fizeram o governo ucraniano a desencadear uma "campanha militar [desproporcional] contra seu próprio povo."

No ano passado, a Chevron assinou um acordo semelhante (com o mesmo governo) para 10 bilhões de dólares.

Hunter Biden, filho do Vice-Presidente do EUA, foi nomeado para o Conselho de Diretores da Burisma, a maior firma produtora de gás privada (supersic) na Ucrânia [10], a qual "abre uma nova perspectiva para a exploração de gás de xisto ucraniano" na medida em que "ela detém a licença abrangendo a bacia do Dnieper-Donets." John Kerry não será deixado para fora em relação à distribuição dos lucros, e Devon Archer, seu antigo conselheiro e colega de faculdade de seu enteado, juntou-se à controversa empresa em abril.

Pode uma ma licença de "desapropriação de imóveis" para explorar o gás de xisto na Ucrânia servir também como uma "licença para matar" inocentes?

Está o fraturamento hidráulico em processo de fraturar Ucrânia? Esta tem sido uma característica permanente da trágica história da exploração de hidrocarbonetos por companhias de petróleo "ocidentais" ao longo do século XX.

Não há dúvida de que os hidrocarbonetos são o denominador comum das guerras na Ucrânia, no Iraque, na Síria e na Líbia.

[1] ?Cúpula do Brics: Sementes de uma nova arquitetura financiera?, Ariel Noyola Rodríguez, Rede Voltaire, 3 de Julho de 2014. ?Sixth BRICS Summit: Fortaleza Declaration and Action Plan?, Voltaire Network, 16 July 2014. «Momento BRICS en Fortaleza», Alfredo Jalife-Rahme, 17 juillet 2014.

[2] «Fidel Castro: El derribo de avión malasio es una "provocación insólita" de Ucrania», Russia Today, 17 July 2014.

[3] AFP, 17/07/14.

[4] «¿Yihad global contra los BRICS?», por Alfredo Jalife-Rahme, La Jornada (México), Red Voltaire , 18 de julio de 2014.

[5] «El botín del saqueo en Libia: "fondos soberanos de riqueza", divisas, hidrocarburos, oro y agua», by Alfredo Jalife-Rahme, La Jornada, 28 August 2011.

[6] «El jefe del Mossad había vaticinado el secuestro de los tres jóvenes israelíes », por Gerhard Wisnewski, Red Voltaire , 11 de julio de 2014.

[7] «Gaza: el gas en la mirilla», por Manlio Dinucci, Il Manifesto (Italia), Red Voltaire , 18 de julio de 2014.

[8] «Shale gas and politics: Are Western energy giants? interests behind Ukraine violence?», Russia Today, 17 May 2014.

[9] « L?Ukraine brade son secteur énergétique aux Occidentaux », par Ivan Lizan, Traduction Louis-Benoît Greffe, Однако (Russie), Réseau Voltaire, 2 mars 2013.

[10] ?Na Ucrânia, filho de Joe Biden junta o útil ao agradável?, Tradução Alva, Rede Voltaire, 16 de Maio de 2014.

09-08-2014

  00:24:06, por Corral   , 2593 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: Cresce o petroyuan (e a lenta erosão da hegemonia do dólar

Cresce o petroyuan (e a lenta erosão da hegemonia do dólar

4/8/2014, Flynt Leverett e Hillary Mann Leverett,* World Financial Review
http://www.worldfinancialreview.com/?p=2621

Por 70 anos, um dos pilares mais criticamente determinantes do poder norte-americano tem sido a posição do dólar como mais importante moeda do mundo. Nos últimos 40 anos, um dos pilares do primado do dólar tem sido o papel dominante das notas verdes nos mercados internacionais de energia. Hoje, a China está alavancando seu crescimento como potência econômica, e como o mais importante mercado em desenvolvimento para exportadores de hidrocarboneto no Golfo Persa e na ex-URSS, para circunscrever a dominação do dólar na energia global - com ramificações potencialmente profundas para a posição estratégica dos EUA.

Desde a 2ª Guerra Mundial, a supremacia geopolítica dos EUA repousa não só na força militar, mas também na posição do dólar como principal moeda de negócios e de reserva do mundo. Economicamente, a primazia do dólar extrai "senhoriagem" - a diferença entre o custo de imprimir dinheiro e seu valor - de outros países e minimiza a taxa de risco cambial das empresas norte-americanas. Mas sua real importância é estratégica: a primazia do dólar permite que os EUA cubram seus déficits crônicos em conta corrente e fiscal, emitindo mais de sua própria moeda - precisamente como Washington financiou a projeção de poder militar por mais de meio século.

Desde os anos 1970s, um pilar da primazia do dólar tem sido o papel das notas verdes como moeda dominante na qual se fazem os preços de petróleo e gás, e na qual as vendas de hidrocarbonos são faturadas e pagas. Isso ajuda a manter alta a demanda mundial do dólar. Isso também alimenta a acumulação de excedentes em dólares pelos produtores de energia, o que reforça a posição do dólar como primeiro ativo de reserva do mundo, e que pode assim ser "reciclado" na economia dos EUA para cobrir os déficits norte-americanos.

Muitos assumem que a proeminência do dólar nos mercados de energia deriva de seu estado mais amplo como principal moeda de transações e de reserva do mundo. Mas o papel do dólar nesses mercados não é natural nem é função de sua dominância mais ampla. Na verdade, foi concebido e construído por políticos norte-americanos depois do colapso da ordem monetária de Bretton Woods no início dos anos 1970s, o que pôs fim à versão inicial da primazia do dólar ("hegemonia 1.0 do dólar"). Ligar o dólar ao mercado internacional de petróleo foi chave para criar uma nova versão da primazia do dólar ("hegemonia 2.0 do dólar") - e, por extensão, para financiar mais 40 anos da hegemonia dos EUA.

Ouro e hegemonia 1.0 do dólar

A primazia do dólar foi 'sacramentada' pela primeira vez na conferência de Bretton Woods de 1944, onde os aliados não comunistas dos EUA aceitaram a proposição de Washington para uma ordem monetária internacional pós-guerra. A delegação britânica - chefiada por Lord Keynes - e virtualmente todos os demais países participantes, exceto os EUA, prefeririam criam uma nova moeda multilateral através do nascente Fundo Monetário Internacional (FMI) como principal fonte de liquidez global. Mas isso poria abaixo as ambições norte-americanas, que queriam uma ordem monetária centrada no dólar. Apesar de praticamente todos os participantes preferirem a opção multilateral, o poder relativo vastamente superior dos EUA garantiu que, no final, sua preferência predominasse. Assim, sob o padrão ouro de troca de Bretton Woods, o dólar foi ligado ao ouro e as demais moedas foram ligadas ao dólar, gerando a forma principal de liquidez internacional.

Havia, contudo, uma contradição fatal na visão baseada-em-dólar, de Washington. O único modo pelo qual os EUA podiam distribuir dólares suficientes para atender à liquidez em todo o mundo era manter déficits em conta corrente sempre abertos. Com a Europa Ocidental e o Japão recuperados e reconquistando competitividade, aqueles déficits cresceram. Lançado na própria sempre crescente demanda por dólares nos EUA - para financiar o consumo crescente, a expansão do estado de bem-estar e a projeção global do próprio poder - e a oferta de dinheiro dos EUA rapidamente ultrapassou as reservas em ouro dos EUA. A partir dos anos 1950s, Washington trabalhava para persuadir ou coagir possuidores estrangeiros de dólares a não trocar as notas por ouro. Mas a insolvência só poderia ser mantida semiocultado por pouco tempo: em agosto de 1971, o presidente Nixon suspendeu a convertibilidade dólar-ouro, pondo fim ao fim ao padrão ouro de troca; em 1973, as taxas fixas também se foram.

Esses eventos levantaram questões de base sobre a firmeza, no longo prazo, de uma ordem monetária baseada no dólar. Para preservar seu papel como provedor chefe de liquidez internacional, os EUA teriam de continuar a manter déficits em conta corrente. Mas esses déficits cresciam como balões, porque o movimento de Washington de abandonar Bretton Woods entrecruzara-se com dois outros importantíssimos desenvolvimentos: os EUA tornaram-se importadores líquidos de petróleo no início dos anos 1970s; e o acesso ao controle do mercado de energia por membros chaves da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEC) em 1973-1974 causou aumento de 500% nos preços do petróleo, o que aumentou muito o estresse sobre a balança de pagamentos dos EUA. Com o elo entre o dólar e o ouro já rompido e as taxas de câmbio já não fixas, a prospectiva de déficits cada vez maiores nos EUA agravou as preocupações sobre o valor de longo termo do dólar.

Essas preocupações tiveram especial ressonância para os principais produtores de petróleo. O petróleo que ia para mercados internacionais recebia preço em dólar, pelo menos desde os anos 1920s - mas, por décadas, a libra esterlina foi usada pelo menos tão frequentemente quanto o dólar, para pagamentos de compras internacionais de petróleo, mesmo depois de o dólar ter substituído a libra como principal moeda de comércio e de reservas do mundo.[1] Desde que a libra andasse presa ao dólar, e o dólar fosse "bom como ouro", era processo economicamente viável. Mas depois que Washington abandonou a convertibilidade dólar-ouro e o mundo mudou-se de taxas fixas de câmbio, para taxas flutuantes, o regime de moeda para o comércio do petróleo estava muito vulnerável. Com o fim da convertibilidade dólar-ouro, os maiores aliados dos EUA no Golfo Persa - o Xá do Irã, o Kuwait e a Arábia Saudita - passaram a apoiar uma mudança no sistema de preços da OPEC de preços denominados em dólares, para passar a denominá-los numa cesta de moedas.

Nesse ambiente, vários dos aliados europeus dos EUA reviveram a ideia (introduzida por Keynes em Bretton Woods) de prover liquidez internacional na forma de uma moeda que o FMI lançaria e que seria governada multilateralmente - os chamados "Special Drawing Rights"[2] (SDRs). Depois que os preços do petróleo sempre em ascensão estrangularam suas contas correntes, Arábia Saudita e outros aliados árabes dos EUA no Golfo forçaram a OPEC para que começasse a faturar em SDRs. Também endossaram propostas europeias para reciclar os excedentes em petrodólares através do IMF, para encorajar que crescesse e emergisse como o principal provedor de liquidez internacional pós-Bretton Woods. Significaria que Washington não poderia continuar a imprimir quantos dólares bem entendesse para apoiar consumo crescente, gastos públicos sempre crescentes e projeção global constante de poder. Para impedir que acontecesse, políticos norte-americanos tiveram de encontrar meios novos para incentivar estrangeiros a continuar mantendo excedentes cada vez maiores do que, então, já eram dólares impressos em ar.

Ouro e hegemonia 2.0 do dólar

Para tanto, os governos dos EUA a partir de meados da década dos 1970s, conceberam duas estratégias. Uma foi maximizar a demanda por dólares como moeda transacional. A outra foi inverter as restrições de Bretton Woods aos fluxos de capitais transnacionais; com a liberalização financeira, os EUA puderam alavancar o escopo e a profundidade de seus mercados de capital, e ele pôde cobrir seus déficits crônicos de conta corrente e fiscal, atraindo capitais estrangeiros a custo relativamente baixo. Criar laços fortes entre as vendas de hidrocarbono e o dólar provou-se crítico nos dois fronts.

Para criar tais laços, Washington efetivamente extorquiu seus aliados árabes do Golfo, condicionando silenciosamente as garantias dos EUA à segurança deles à disposição deles para ajudar a financiar os EUA. Traindo promessas feitas aos seus parceiros europeus e japoneses, o governo Ford empurrou clandestinamente a Arábia Saudita e outros produtores árabes do Golfo a reciclar partes substanciais de seus excedentes dos petrodólares dentro da economia dos EUA através de intermediários privados (a maioria dos quais norte-americanos),[3] não através do FMI. O governo Ford também reforçou o apoio do Golfo às finanças apertadas de Washington, em vários acordos secretos com Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, pelos quais os bancos centrais desses países compravam grandes volumes de papéis do Tesouro dos EUA fora dos processos de leilões normais.[4]

Esses procedimentos ajudaram Washington a impedir que o FMI suplantasse os EUA como principal provedor de liquidez internacional; também deram impulso inicial e crucialmente importante para inflar as ambições de Washington de conseguir financiar os déficits dos EUA reciclando os excedentes de estrangeiros em dólares, via o mercado privado de capital e em vendas de papéis do governo dos EUA.

Poucos anos depois, o governo Carter concluiu mais um acordo secreto com os sauditas, pelo qual, dessa vez, Riad comprometia-se a exercer sua influência para garantir que a OPEC continuaria a precificar o petróleo, em dólares.[5] O compromisso da OPEC com o dólar como moeda de faturamento das vendas internacionais de petróleo foi chave para que o dólar se implantasse ainda mais firmemente como moeda reinante na compra e venda no mercado internacional de petróleo. Quando o sistema de preços administrados pela OPEC entrou em colapsou em meados dos anos 1980s, o governo Reagan encorajou a universalização do faturamento em dólares para vendas de petróleo transfronteiras em novos negócios de petróleo em Londres e New York. A universalização quase absoluta na precificação do petróleo - e, depois, também do gás -, sempre em dólares, reforçou a possibilidade de as vendas de hidrocarbonos seriam não só denominadas em dólares, mas também pagas em dólares - gerando crescente apoio mundial à demanda por dólares.

Em resumo, essas barganhas foram instrumentais para criar a "hegemonia 2.0 do dólar". E foram mantidas, apesar de surtos periódicos de insatisfação do Golfo Árabe contra a política dos EUA para o Oriente Médio; apesar, mais fundamentalmente, do distanciamento entre os EUA e outros grandes produtores do Golfo (o Iraque de Saddam Hussein e a República Islâmica do Irã); e de um rompante de interesse pelo "petroeuro", no início dos anos 2000s. Os sauditas, especialmente, defenderam vigorosamente que o petróleo continuasse a ser precificado exclusivamente em dólares.[6]

Enquanto Arábia Saudita e outros grandes produtores de energia aceitam agora em outras grandes moedas o pagamento pelo petróleo que exportam, a maior fatia das vendas mundiais de petróleo continua a ser paga em dólares o que perpetua o status do dólar como principal moeda mundial de negócios. Arábia Saudita e outros produtores árabes do Golfo suplementaram o apoio que dão ao nexo petróleo-dólar, fazendo grandes compras de armamento avançado dos EUA; muitos também ancoraram suas respectivas moedas ao dólar - compromisso que altos funcionários sauditas descrevem como "estratégico". Em momento em que o volume de dólares nas reservas globais já caiu, os árabes do Golfo a reciclar seus petrodólares ajudam a manter o mesmo dólar ainda como principal moeda de reserva.

O desafio chinês

Seja como for, história e cautela lógica ensinam que o que hoje é prática geral não é lei gravada em pedra. Com a ascensão do "petroyuan", já se constata que, sim, há movimento na direção de um regime de moeda menos dólar-cêntrico nos mercados internacionais de energia - com implicações potencialmente muito sérias para a posição mais ampla do dólar.

A China já emergiu como ator principal no cenário da energia global, e já embarcou numa extensiva campanha para internacionalizar[7] sua moeda.[8] Fatia crescente do comércio exterior da China já está sendo denominado e pago em renminbi; e cresce o lançamento de instrumentos financeiros denominados em renminbi. A China está conduzindo um processo distendido de liberalização do capital account essencial para a plena internacionalização do renminbi , e está permitindo mais flexibilidade na taxa de câmbio para o yuan. O Banco do Povo da China [orig. People's Bank of China (PBOC)] já tem acordos de swap com mais de 30 outros bancos centrais - o que significa que o renminbi já funciona efetivamente como uma moeda de reserva.

Os políticos chineses apreciam as "vantagens da liderança" [orig. "advantages of incumbency" (NTs)] de que o dólar goza; o objetivo deles não é que renminbis tomem o lugar dos dólares, mas posicionar o yuan ao lado das verdes como moeda de negócios e de reserva. Além dos benefícios econômicos (por exemplo, reduzir os custos cambiais das empresas chinesas), Pequim quer - por razões estratégicas - reduzir ainda mais o crescimento de suas gigantescas reservas em dólar. A China está vendo a tendência crescente de os EUA excluírem países do sistema financeiro dos EUA, como ferramenta de política exterior, e não quer ver Washington tentar ganhar alavancagem por essa via; a internacionalização do renminbi pode mitigar essa vulnerabilidade. Mais amplamente, Pequim compreende a importância, para o poder dos EUA, de o dólar ser dominante; contendo a dominância do dólar, a China pode conter o excessivo unilateralismo dos EUA.

Há muito tempo a China já incorporou instrumentos financeiros aos seus esforços para ganhar acesso a petróleo estrangeiro. Agora, Pequim quer que os principais produtores de energia aceitem renminbi como moeda de negócios - inclusive no pagamento das compras chinesas de petróleo - e que incorporem o renminbi nas reservas de seus respectivos bancos centrais. Há boas razões para que os produtores sejam receptivos à ideia.

A China é e assim continuará, em todo um vasto futuro que se pode antever, o principal mercado em expansão para produtores de hidrocarbonos no Golfo Persa e na ex-URSS. Expectativas muito difundidas de que o yuan se valorizará no longo prazo tornam a ideia de acumular reservas em renminbi ideia "óbvia", em termos de diversificação do portfólio. E com os EUA já vistos cada vez mais frequentemente como potência em declínio relativo, a China é vista como principal potência em ascensão. Até para os estados árabes do Golfo, que há tanto tempo só confiam em Washington para lhes garantir a própria segurança, os fatos já sugerem que seja imperativo, no campo estratégico, criar laços mais próximos com Pequim. Para a Rússia, a deterioração das relações com os EUA obrigam a gerar cooperação mais profunda com a China, contra EUA que ambas as capitais, Moscou e Pequim, veem potência em declínio lento, mas sempre hiperativa e dada a reações desproporcionais.[9]

Por muitos anos,[10] a China pagou suas importações de petróleo iraniano com renminbi;[11] em 2012, o Banco do Povo da China e o Banco Central dos Emirados Árabes Unidos fizeram acordo de swap de moeda no valor de $5,5 bilhões,[12] preparando o cenário para que as importações chinesas de petróleo possam ser pagas a Abu Dahbi em renminbi - importante expansão do uso do petroyuan no Golfo Persa. O negócio de gás entre China e Rússia, de $400 bilhões, concluído esse ano, incluiu cláusulas bem claras de que os russos aceitarão que os chineses paguem em renminbi pelo gás que comprarem; se o acordo for integralmente implementado, significará que o renminbi passa a ter papel muito considerável nas transações internacionais de gás.

Olhando à frente, o uso do renminbi para pagar por compras internacionais de petróleo e gás com certeza aumentará, o que fará declinar mais rapidamente a influência dos EUA em regiões chaves da produção de energia. Marginalmente, o mesmo processo irá tornando mais difícil para Washington financiar o que China e outras potências emergentes veem como políticas abertamente intervencionistas - perspectiva que a classe política nos EUA ainda sequer começou a ponderar com seriedade.

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