Toural ou Toral?

02-07-2011


Praça do Toural na cidade de Compostela

CONSULTA:

Em escritos reintegracionistas vejo às vezes Praça do Toural e outras Praça do Toral, na cidade de Compostela, eu pessoalmente sempre empreguei toural.
Eu conheço pola geografia galego-portuguesa vários Toural (Guimaraes, Fafe, etc.), e se procurarmos na net hai indicaçons de que existe noutros pontos este topónimo, polo que gostava de saber se é Toural ou Toral.

Aloia Fernández-Sampedro Carvalhido

RESPOSTA DA COMISSOM:

Toural ou Toral

O topónimo correto é Toural e portanto praça do Toural. O uso de Toral aplicado a esta praça compostelana deveu-se à já antiga castelhanizaçom da toponímia urbana, que o mantivo deturpado durante séculos.

No entanto, a consulta fai todo o sentido, porque é verdade que na altura em que muitos nomes de lugar galegos fôrom restituídos, produzírom-se algumhas resistências à plena galeguizaçom dos mesmos, representando este que nos ocupa umha delas, mas nom a única (cf. praça da Quintá, que continua, oficialmente, Quintana).

Segundo certo boato (desconhecemos a origem do mesmo) que ainda nom foi totalmente neutralizado, sendo a Galiza de cultura tam pouco taurina, nom faria sentido que umha praça central da sua capital figesse referência aos touros, explicando-se melhor que o topónimo remetesse para toro, 'tronco de árvore sem rama cortado transversalmente'. Desta maneira, o nome da praça poderia ficar como estava.

Nom obstante, a proposta alternativa (Toral) à felizmente hoje oficial (Toural) nom conta com documentaçom em galego que a abone e o próprio significado da palavra dá para desconfiar, havendo como há outra praça ponte-vedresa 'da Lenha', na qual se entende que era acumulada madeira para queimar, e nom apenas madeira cortada de umha forma mui determinada.

Porém, ainda há mais um argumento a favor de Toural, que pode ser aplicado como verdadeira 'regra de ouro' noutras dúvidas toponímicas. Tirando alguns nomes de lugar que se perdem nos primórdios da história ou na pré-história, qualquer topónimo galego costuma repetir-se, tanto na Galiza como em Portugal, umha cheia de vezes. Quando nom for assim, as nossas pesquisas poderám andar mal encaminhadas. Toural repete-se polo menos 16 vezes na nossa terra, e ainda se dá a relevante circunstáncia de dar nome a outra praça como a compostelana na cidade portuguesa de Guimarães, como indica a Aloia. Em ambas se terá vendido gado outrora, porque tanto os dicionários galegos como os portugueses ainda recolhem o termo toural com a seguinte definiçom: ?Lugar na feira onde se compra e vende gado?.

Categoria(s): Léxico, Morfossintaxe
Chuza!
Venha, a ver se nos vemos...

21-06-2011

CONSULTA:

Gostaria de saber qual é a forma galega da expressom, eu acho que espanhola, "a ver", em frases tais como: "a ver como fazemos", "a ver o que se passa", "vais ao cinema? a ver"...
E do famoso "venha", que é um decalque do espanhol, "Venha, vemo-nos depois", "Venha, falamos"... A forma substitutiva que eu tenho escuitado aos nossos velhotes é "ala", mas também me soa a espanholada. Aos portugueses nalguns casos, escuitei-lhes "força"...

Obrigado pola vossa resposta e ajuda.

Nunes

RESPOSTA DA COMISSOM:

A ver

A expressom 'a ver' tem origem em diversas formas conjugadas (vamos a ver, voy a ver...) da perífrase espanhola ir a ver (gal. ir ver), com o verbo auxiliar elidido. Isto vê-se bem em frases castelhanas em que o verbo auxiliar permanece a certa distáncia do resto da locuçom verbal, que parece ganhar independência para transmitir a ideia de desejo ou dúvida:

Vete hasta su habitación, a ver si ha venido (Vai ao quarto dele, (para) ver se véu.)

Convertida em bordom (apoio para falar sem funçom semántica ou morfossintática) introdutor do discurso nesta língua, facilmente entrou nas falas galegas (como nas bascas e nas catalás), junto com outras muletas de origem também claramente espanhola: bueno, vale, venga... Amiúde, todos estes bordons aparecem combinados:

Bueno, vale, venha, a ver se começamos a trabalhar.

Na língua viva, o galego já carece de bordons discursivos genuínos tam amplamente estendidos como os referidos, apesar de estes de origem castelhana serem de introduçom relativamente recente.

No primeiro caso que nos ocupa ('a ver'), a soluçom mais fácil, e decerto aplicada e aplicável em muitos casos, será a traduçom à letra da perífrase para o galego quando esta transmitir a ideia de desejo ou dúvida: vamos ver (que costuma ser reforçada pola partícula enfática além Minho: vamos lá ver):

Quero ler-vos um parágrafo deste livro. Vamos ver se gostades!
Vamos ver se temos sorte.
Vamos ver se acabamos cedo.
Vamos ver como fazemos.
Vamos ver o que se passa.

Porém, o valor desta expressom nem sempre é tam 'literal', aproximando-se da pura muleta em grande parte dos usos que tem. Daí que nem sempre dê jeito a mera adaptaçom proposta no parágrafo anterior. No português atual encontramos numerosas alternativas que nom se limitam ao simples decalque praticado por utentes modernos da língua na tentativa de evitarem esta construçom tam caraterística do espanhol: bem, bom, pronto... até a pura supressom da expressom, como vemos nos dous primeiros exemplos:

1. A ver se atendes, que assim nom aprendes nada> Atende! Que assim nom aprendes nada.
2. A ver se atendes, que assim nom aprendes nada> Era bom que atendesses, que assim nom aprendes nada.
3. A ver, quantas pessoas vinhérom?> Ora/Vamos ver/Vejamos, quantas pessoas vinhérom?
4. A ver, vou começar por dar os parabéns...> Bom/bem, vou começar por dar os parabéns...
5. A ver, já me estou a amolar> Pronto, já me estou a amolar.
6. Vais ao cinema? A ver...> Vais ao cinema? Há-se de ver./Logo se vê...

Nom se deve confundir a perífrase espanhola com a perífrase galega ocidental e padrom ir a ver (=ir vendo). Tampouco com 'a ver' com o valor de 'para ver' ou 'que ver', caraterístico do português lusitano contemporáneo:

Vamos a ver a paisagem pola janela do carro. = Vamos vendo a paisagem pola janela do carro.

Falei com ele a ver o que se pode fazer. = Falei com ele para ver o que se pode fazer.

Isso nom tem nada a ver com aquilo.=Isso nom tem nada que ver com aquilo.Fum eu a ver o aviom antes que ninguém.=Fum eu que vim o aviom antes que ninguém.

Venha!

Quanto à interjeiçom venha!, quando usada para encorajar ou apressar umha açom, tem igualmente origem espanhola recente (¡venga!), e ainda é desconhecida na fala das pessoas de certa idade, que usam outras expressons como vamos!, dá-lhe! ou, efetivamente, ala!, tam galegas como portuguesas.

Para além dessas, a voz força! também se usa em Portugal para encorajar umha açom, mas carece da mesma intensidade que as anteriores, podendo equivaler a umha simples resposta afirmativa:

Posso/Podo entrar? Podes. (Portugal e Galiza)
Posso entrar? Força. (Portugal)

No entanto, sem dúvida, a voz lusitana equivalente à forma espanhola venga! mais habitual é vá (lá)!, formada a partir do imperativo do verbo ir (repare-se que em castelhano se forma a partir do imperativo do verbo venir). Nas falas galegas, este português equivale formalmente a vaia, forma castelhanizada de terceira pessoa do presente do conjuntivo e do imperativo do verbo ir. Tendo em conta esta e outras cautelas, qualquer umha das alternativa apresentadas nos parece melhor que o uso do decalque moderno do espanhol venha!:

¡Venga, levántate ya!> Vá, levanta-te aginha!

tags: 'a ver', venha!
Categoria(s): Morfossintaxe
Chuza!
Demorar

14-06-2011

CONSULTA:

Olá! Queria saber se o verbo 'demorar' é ou nom pronominal. Como seria o correto?:

- A conferencia está a demorar/A conferencia está a demorar-se
- Vem direitinho à casa e nom demores/Vem direitinho à casa e nom te demores

E seria correto o seu uso como verbo transitivo (p.ex: Demorei-te e nom chegaste a tempo à escola)?

Obrigado!

RESPOSTA DA COMISSOM:

O verbo demorar pode usar-se como transitivo, intransitivo ou pronominal.

Como transitivo tem o valor de ?atrasar algumha cousa?:

Nom devemos demorar a resoluçom do problema.

Como intransitivo expressa a ideia de ?gastar mais tempo do habitual?:

Demorei a voltar porque estava longe.

Como pronominal tem o mesmo significado que atrasar-se:

Demorou-se porque nom encontrava as chaves.

Mesmo há casos duvidosos em que pode ser classificado como transitivo ou intransitivo, dependendo se consideramos o complemento que exprime a quantidade de tempo como direto ou circunstancial, isto é, se expressa a ideia de ?gastar/levar um determinado tempo? ou ?fazer esperar um determinado tempo?:

Demorou vários dias para tomar umha decisom.

Os casos propostos polo consulente estám todos corretos, contudo, o último deles é pouco habitual (Demorei-te e nom chegaste a tempo à escola). Neste último caso seria mais frequente utilizar o verbo atrasar:

Atrasei-te e nom chegaste a tempo à escola

ou entom expressons como fazer demorar:

Figem-te demorar e nom chegaste a tempo à escola.

tags: demorar
Categoria(s): Léxico
Chuza!
Cambiar, mudar e trocar

10-06-2011

CONSULTA:

Poderia-me alguém esclarecer as diferenças de uso e significado entre mudar, cambiar e trocar?. Cumprimentos.

RESPOSTA DA COMISSOM:

Cambiar / Mudar / Trocar

O mais simples e direto é começarmos por cambiar / cámbio.

[1] No aeroporto foi preciso cambiarmos reais por euros.

No uso comum cambiar é ?comprar moeda estrangeira?.

Em economia fala-se assim da taxa de cámbio.

Cambiar / cámbio tem portanto um sentido muito restrito: designa umha operaçom bancária.

Mudar é sinónimo de ?modificar?, ?transformar? ou ?alterar?:

[4] Resolvêrom mudar de estratégia [de planos, de costumes, de vida].

[5] A situaçom mudou para melhor.

[6] Ele nom muda, é sempre o mesmo.

[7] Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

Quando tiramos umha roupa para vestir outra dizemos também mudar:

[8] Mudou de roupa para ir à praia.

O substantivo derivado é mudança (= alteraçom):

[9] Houvo mudança de planos.

Trocar usa-se no sentido geral de ?dar umha cousa por outra?, ?substituir?:

[10] Foi à tenda trocar a saia.

[11] Estivemos a conversar, a trocar ideias e impressons.

O substantivo é troco / troca:

[12] Figérom umha troca de reféns.

[13] As trocas comerciais entre esses dous países tenhem vindo a aumentar.

Quando trocamos dinheiro damos umha moeda maior por outra pequena:

[14] Podia trocar-me esta nota de 50 euros?

[15] Nom me arranjava trocos?

[16] Sinto, mas nom tenho trocado.

Por vezes usamos trocar no sentido de ?alterar? e entom é sinónimo de mudar, mas trocar vinca mais a ideia de ?confusom? ou ?perturbaçom?.

[18] Os tempos andam trocados (= mudados, alterados).

Categoria(s): Léxico
Chuza!
Castelhano e castelao

09-06-2011

CONSULTA:

Qual a razão para preferir "castelhano" e não "castelão"?. Pessoalmente eu cheguei a escutar na fala viva das terras de Curtis o termo "castelao" (sic), e não falo do extensamente difundido "castelám" pela norma oficial. Para mim não resulta muito fácil ter que aceitar o castelhanismo evidente "castelhano" por muito que ele seja o escolhido pelo padrão internacional.

RESPOSTA DA COMISSOM:

Castelhano para designar em galego o natural de Castela e a língua de Castela

Ainda que no galego-português medieval se empregasse a voz castelão com os sentidos ?natural de Castela? e ?língua de Castela? (além de ?senhor de castelo?), a voz sucessora castelám ~ castelao está hoje, na fala espontánea da Galiza, (praticamente) extinta. Por tal motivo, há de habilitar-se agora, para regenerar a língua na Galiza, a designaçom galega de ?natural de Castela/língua de Castela? e de ?senhor de castelo?. Como o faremos?

Nas variedades geográficas socialmente estabilizadas do galego (lusitano e brasileiro), o significado ?senhor de castelo? denota-se com a palavra patrimonial castelão, e ?natural de Castela/língua de Castela?, mediante castelhano, que é umha voz de origem castelhana adotada polo lusitano nos séculos xv-xvi, altura em que o galego (início dos Séculos Obscuros) já nom tinha capacidade para criar nem incorporar palavras novas.

Dado que o normal é que o galego culto, com efeitos enriquecedores e nom invasivos, mostre um número moderado de palavras de origem castelhana (como o castelhano também apresenta um número moderado palavras de origem galego-portuguesa: cachalote, chuvasco, cobra, mermelada, monzón... e até a própria palavra portugués!), e como a voz castelhano nom vem a substituir qualquer palavra galego-portuguesa legítima (pois ela incorpora-se à língua em convivência com castelao), parece conveniente estabelecer no padrom lexical galego, de harmonia com os padrons lexicais de Portugal e do Brasil, o esquema designativo em que a voz castelao denota ?senhor de castelo?, e a voz castelhano, ?natural de Castela/língua de Castela?.

Esta medida ou alvitre, que decidamente recomenda a Comissom Lingüística da AGAL para regenerar e potenciar o léxico galego, pode denominar-se incorporaçom de castelhanismos aditivos coordenados, já que se trata da adoçom (em número muito limitado) de vozes de origem castelhana, já harmonicamente integradas nos padrons lusitano e brasileiro, que nom venhem a substituir galeguismos legítimos, antes a estabelecer no léxico culto umha útil distribuiçom e especializaçom de usos. Outro exemplo desta medida padronizadora é o estabelecimento no galego culto do esquema designativo cavaleiro ?home que monta a cavalo? / cavalheiro ?senhor?, sendo cavaleiro a voz patrimonial galego-portuguesa (equivalente da castelhana jinete), e cavalheiro, palavra de origem castelhana convenientemente incorporada ao lusitano no séc. xvi.

Categoria(s): Fonética, Léxico
Chuza!

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