CONSULTA:
Pergunto-me, na minha ignoráncia das questons etimológicas e ortográficas, por que é que os adjetivos derivados de -bilis latino se escrevem com v na ortografia galego-portuguesa. Quer dizer: por que horrível e nom horríbel. Obrigado!
Casdeiro
RESPOSTA DA COMISSOM LINGÜÍSTICA:
A ortografia galego-portuguesa di-se que é histórico-etimológica, porque a sua fundamentaçom é dupla: por um lado, ela baseia-se, como norma, na etimologia, polo que, na maior parte dos casos, o modo de escrever hoje as palavras reflete a grafia que as suas antecessoras tinham (em latim), mas, por outro lado, a grafia de algumhas palavras galego-portuguesas atuais aparta-se da grafia primitiva, presente no étimo latino, por causa de alteraçons sofridas ao longo da história da língua vernácula. Este é, de facto, o caso do sufixo -´vel, morfema que, proveniente do étimo latino -bilis, escrito com bê, se escreve em galego-português com uvê (pronunciado hoje como [v] nos padrons lusitano e brasileiro, e como [b] no padrom galego), por tal elemento ter sofrido tal mutaçom na fase medieval da língua (já no séc. XIII se abonam as formas estável e móvel, e no século XIV, durável e possível).
]]>CONSULTA:
Por que na normativa nom se utiliza a forma castelám para designar a língua originada em Castela, cando a palavra é usada em certas zonas da Galiza? Já sei que há umha palavra que se escreve igual mas tem outro significado, mas esta tem outras variantes (casteleiro). Quer dizer, poderiam usar-se as duas formas, e no contexto de que o senhor do castelo seja de origem castelá, escrever casteleiro como substantivo.
RESPOSTA DA COMISSOM LINGÜÍSTICA:
Transcrevemos a seguir um trecho de O Modelo Lexical Galego, da Comissom Lingüística da AGAL (2012: 84-85), onde se trata a questom posta polo amável consulente:
Os castelhanismos aditivos coordenados enriquecem o léxico galego-português ao estabelecerem em relaçom com certas palavras patrimoniais (as quais eles nom venhem a substituir, mas a complementar) umha matizaçom ou especializaçom semántica útil, polo que também se revela de grande interesse proceder a incorporá-los ao léxico galego normativo. Assim, por exemplo, de harmonia com os padrons lusitano e brasileiro, em galego utilizará-se, por um lado, a voz patrimonial castelao (séc. XIII), sujeita a substituiçom na atual Galiza, para denotar ‘o senhor de um castelo’, e, por outro lado, a voz de origem castelhana castelhano (incorporada ao luso-brasileiro no séc. XV) para denotar ‘o natural de Castela’ ou ‘a língua de Castela’.
Outros casos similares som os seguintes:
A este trecho, também acrescentamos, como resposta ao nosso amável consulente, o facto de a voz casteleiro -a, de natureza adjetival, designar, nom o senhor de um castelo, mas ‘relativo a castelo’.
CONSULTA:
Como deveríamos dizer na língua culta, cenoura e lavadoiro, cenoira e lavadoiro, ou cenoura e lavadouro? Muito obrigado!
RESPOSTA DA COMISSOM LINGÜÍSTICA:
Na variedade galega do galego-português, deve utilizar-se a forma lavadoiro e, de preferência, cenoura, ainda que também seja correta a variante cenoira. Para justificar estas escolhas, temos de considerar as alternativas lavadoiro ~ lavadouro, por um lado, e cenoira ~ cenoura, por outro.
Quanto ao primeiro caso, diga-se que, como derivado patrimonial da terminaçom latina –orius (-oria, -orium), presente em adjetivos, ou como derivado de nomes latinos provindos de particípios de futuro (tipo nasciturus, -a, -um ‘o que irá nascer’), surge em galego-português, entre os séc. XIII e XV, o sufixo –doiro, que forma substantivos que indicam o local onde se realiza a açom expressa polo verbo (ex.: lavadoiro ‘local onde se lava (roupa)’) ou adjetivos que indicam a noçom de particípio de futuro (ex.: casadoiro ‘que está na idade de casar, que casará’). Posteriormente ao séc. XV, nas variedades lusitana e brasileira da língua, mas nom, em geral, na galega, o sufixo –doiro passa a ser substituído, em larga medida, pola forma –douro. Portanto, na variedade galega do galego-português, temos hoje, em geral, unicamente -doiro (exceto no extremo SO da Galiza, onde si se produziu a passagem de -doiro para -douro), enquanto que em lusitano e em brasileiro predomina –douro sobre –doiro (em paralelo com coiro [Gz] / couro [Pt+Br]): ancoradoiro, bebedoiro, casadoiro, comedoiro, embarcadoiro, escondedoiro, fervedoiro, matadoiro, miradoiro, paradoiro, respiradoiro, sumidoiro, varredoiro, vindoiro… e, também, lavadoiro.
Já o caso de cenoura ~ cenoira é diferente, porque o étimo é, agora, árabe, e porque a naturalizaçom da palavra em galego-português só se produz no século XV ou XVI, quando o galego inicia os Séculos Obscuros e já nom tem capacidade efetiva para incorporar neologismos de forma autónoma. Portanto, a denominaçom vernácula da planta Daucus carota temos de a habilitar agora em galego por via erudita, e, naturalmente, de harmonia com o lusitano e com o brasileiro, e a forma mais prática de o fazermos é adotando em galego a variante principal, mais habitual, em lusitano e em brasileiro, que é cenoura (embora a variante cenoira também seja admitida).
]]>CONSULTA:
Como se diria em galego o port. galha, ing. gall, cast. agalla (formaçom grossa nas raízes das plantas produzida por parasitas), aposta a bugalho, excrescência das folhas produzida também por parasitas, tendo em conta que galha em galego comum da Galiza é ‘ramo, póla’. Obrigado!
RESPOSTA DA COMISSOM LINGÜÍSTICA:
Para denominar as neoformaçons de tecido vegetal que apresentam aspeto variado, mas freqüentemente esférico e engrossado, causadas pola açom de organismos parasitas, como bactérias, fungos, insetos, etc., o galego-português dispom de um termo de especialidade de origem grega: cecídio. Para designar em concreto o cecídio globular induzido por parasitas no carvalho, pode também utilizar-se o vocábulo culto noz de galha, simplificável em galha, e o vocábulo popular (supradialetal) bugalho (galha também se pode aplicar, informalmente, a qualquer cecídio). Em todo o caso, no modelo de galego culto e especializado que patrocina a Comissom Lingüística da AGAL, o uso da voz galha com o sentido de ‘cecídio (do carvalho)’ nom colide com galha ‘ramo de árvore’, dado que, nesse modelo lexical culto, galha ‘ramo de árvore’ é conceituado, de harmonia com os padrons lexicais lusitano e brasileiro, como elemento dialetal, frente ao supradialetal galho ‘ramo de árvore’.
]]>CONSULTA:
Cal é a causa etimológica de que haver se escreva com v?
RESPOSTA DA COMISSOM LINGÜÍSTICA:
A ortografia galego-portuguesa di-se que é histórico-etimológica, porque a sua fundamentaçom é dupla: por um lado, ela baseia-se, como norma, na etimologia, polo que, na maior parte dos casos, o modo de escrever hoje as palavras reflete a grafia que as suas antecessoras tinham (em latim), mas, por outro lado, a grafia de algumhas palavras galego-portuguesas atuais aparta-se da grafia primitiva, presente no étimo latino, por causa de alteraçons sofridas ao longo da história da língua vernácula. Este é, de facto, o caso de haver, voz que, proveniente do étimo latino habere, escrito com bê, se escreve em galego-português com uvê (pronunciado hoje como [v] nos padrons lusitano e brasileiro, e como [b] no padrom galego), por a palavra ter sofrido tal mutaçom na fase medieval da língua (já em 1012 se abona a forma avemus, e no século XIII, haver).
]]>CONSULTA:
Nom é mais ajeitado dizer Galiça que Galiza? Já que o "ç" é produto da uniom de c + i, e na evoluçom desta palavra o que está a ocorrer é:
Callaecia / Gallaecia > Gallicia > Galiça
Sei que Galiza aparece em certos documentos medievais, mais nom é suficiente para justificar o termo, já que em muitas ocasions as palavras que aparecem nestes hoje escrevem-se diferente.
Obrigado
RESPOSTA DA COMISSOM LINGÜÍSTICA:
A forma Galiza responde ao resultado esperado da evoluçom c ou t + iode em posiçom intervocálica em galego-português: fiducia > fiúza; iudicio > juízo; ratione > razom; satione > sazom, etc.
É verdade que, em circunstáncias aparentemente similares, pudo surgir umha consoante xorda (ratione > raçom), mas nom é o caso da forma que nos ocupa. A prática unanimidade dos registos medievais (e nom só) junto com a sobrevivência daquela forma, com fricativa sonora, na variante portuguesa, nom deixam lugar para dúvidas.
]]>CONSULTA:
Considera-se a construçom «vir + infinitivo» umha perífrase? Na documentaçom sobre perífrases nom a atopo. Si aparece a perífrase «vir + a + infinitivo», com carácter terminativo («Expressa umha acçom que se achega ao seu final»). Em qualquer caso, é aceitável o uso da forma com preposiçom a (vir + a + infinitivo) co mesmo valor que «vir + infinitivo»? Hai algumha norma ou documentaçom em que se basear para defender o uso correcto? Obrigado.
RESPOSTA DA COMISSOM LINGÜÍSTICA:
Umha das perífrases aspetuais do galego-português é a terminativa «vir + a + INFINITIVO», que apresenta umha açom como conclusom ou desfecho, enquanto que a construçom «vir + INFINITIVO» nom tem caráter perifrástico e, nela, o verbo vir funciona como verbo pleno, conservando o seu valor semántico de movimento. Considerem-se, entom estes dous exemplos:
«Esse estado cristalino nom se manifesta apenas nas substáncias que, nas condiçons do ambiente,
existem já em fase sólida, mas também naquelas que, existindo em fase líquida ou gasosa, nessas
mesmas condiçons, podam vir a solidificar [= ‘acabar por solidificar’: perífrase terminativa].» (Cadernos de Iniciação Científica: 103)
«A casa que os Maias vieram [= Gz. vinhérom] habitar em Lisboa, no outono de 1875 [vinhérom habitar: deslocárom-se a Lisboa para a habitarem], era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o Bairro das Janelas Verdes, pela [= Gz. pola] “casa do Ramalhete”, ou simplesmente o “Ramalhete”.» (Oraçom de início de Os Maias, de Eça de Queirós)
No entanto, tenha-se em conta que, quando na construçom nom perifrástica «vir + INFINITIVO» o verbo vir apresenta um valor figurado, no sentido de umha cousa ter surgido ou ter sido introduzida num dado ámbito, o significado global da construçom nom fica muito afastado do da perífrase supracitada, como testemunham os dous exemplos seguintes:
«Esta noçom, cuja validade é reafirmada polas novas conquistas da medicina, tem vindo revolucionar
certas ideias que pareciam definitivas sobre o comportamento terapêutico em face de afeçons
malignas, perante as quais todo o nossso empenho era de intervençom rápida, fosse qual fosse o estádio da sua evoluçom.» (Deuses e Demónios da Medicina: 38)
«Até à segunda metade do século XX, quase todas as crianças tinham tido estas doenças [sarampo, papeira]. A imunização veio alterar [= Gz. véu alterar] esta situação.» (Enciclopédia Médica da Família: 288)
]]>CONSULTA:
Bom dia.
Queria saber qual é a origem da palavra além. É uma palavra árabe? Muito obrigado.
Nunes
RESPOSTA DA COMISSOM LINGÜÍSTICA:
A voz galego-portuguesa além (como a sua forma-irmá castelhana allende), apesar de começar por al-, nom provém do árabe, mas do latim, nomeadamente do étimo illinc 'dali, de acolá'.
Como se sabe, o rendimento em galego-português de além é muito alto, já que, ademais do seu valor semántico locativo (enquanto advérbio), a voz também pode funcionar como substantivo, com o significado de 'o mundo dos espíritos' (o além; cf. além-túmulo) e fai parte das locuçons além de e para além de, de valor somativo.
Assim, por exemplo, além apresenta valor locativo em «A província romana da Gallaecia estendia-se (mais) além da cidade de Leom»; valor somativo em «(Para) além de inteligente, é pessoa de grande cultura».
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