Norma da AGAL

Norma da AGAL

05-06-2015

CONSULTA:

Ultimamente observo que algum reintegracionista escreve o galego incorporando à norma da AGAL a terminaçom -ão de forma constante (por exemplo: capitão, canção). Que opiniom tem sobre este assunto a Comissom Lingüística da AGAL? Obrigado.

RESPOSTA DA COMISSOM LINGÜÍSTICA:

A propósito da questom posta polo amável consulente, a Comissom Lingüística da AGAL (CL-AGAL) deseja fazer constar, em primeiro lugar, o seu respeito e consideraçom por todas as pessoas que fam do galego o seu veículo expressivo e de cultura, com independência da norma em cada caso adotada, e, com mais razom ainda, por todas aquelas pessoas que, também com independência das opçons gráficas concretas por elas realizadas, pautam os seus usos (escritos) do galego --contra vento e maré, nesta Galiza ainda dominada pola intoleráncia normativa-- conforme a filosofia reintegracionista, a mais comprometida com a emancipaçom da língua autóctone da Galiza.
Ora, dito o anterior, a CL-AGAL também deve manifestar que, no quadro dos usos escritos de sinal reintegracionista, nom acha conveniente, antes, polo contrário, suscitador de confusom, o comportamento gráfico descrito polo nosso consulente, ou seja, incorporar ao modelo gráfico da CL-AGAL, por iniciativa individual, a terminaçom -ão de forma irrestrita, ou, por outras palavras, «misturar» nalgum grau (variável conforme o utente concreto) a norma galega da CL-AGAL com a norma lusitana (ou brasileira).
A CL-AGAL acha tal proceder inconveniente, em primeiro lugar, porque ele pode suscitar confusom e desorientaçom em muitos utentes da língua, já que a realizaçom de tais escolhas gráficas individuais e improvisadas pode transmitir a falsa ideia de que o galego reintegrado, a variedade galega do galego-português, em claro contraste com o lusitano, com o brasileiro e com o castelhano, nom dispom hoje de referência normativa estável, de uns usos (gráficos) bem codificados, e pode grafar-se segundo o parecer de cada utente. Por isso, devemos exortar os utentes reintegracionistas do galego-português da Galiza a manterem, em benefício da eficácia comunicativa, umha mínima disciplina ou lealdade normativa, com a razoável perspetiva de que entre a norma galega da CL-AGAL e a norma lusitana (também utilizada por galegos para grafarem na Galiza a nossa língua) nom deve surgir umha confusa pluralidade de «passos intermédios» individualmente improvisados.
Em segundo lugar, a CL-AGAL acha conveniente refletir na escrita a realizaçom diferencial que na generalidade dos falares galegos se regista entre a terminaçom -ám (ex.: capitám) e a terminaçom -om (ex.: cançom) --e também -ao: irmao [*]--, pois é expediente plenamente legítimo, perfeitamente natural e, na atualidade, o mais pedagógico e estratégico (v. infra).

1. Com efeito, refletirmos na escrita do galego-português da Galiza o contraste nele existente entre a terminaçom -ám (ex.: capitám) e a terminaçom -om (ex.: cançom) é legítimo porque tal fenómeno, de natureza morfológica, está presente em todos os falares galegos e nom é devido à interferência do castelhano, mas à manutençom da situaçom originária, já plasmada graficamente no galego-português medieval. Por seu turno, em lusitano e em brasileiro, a partir da situaçom original de contraste descrita, no século XVI produziu-se umha confluência na realizaçom fónica dessas terminaçons, para [ãw], o que véu a refletir-se numha representaçom gráfica comum, a terminaçom -ão (capitão, canção)*.
2. Refletirmos na escrita do galego-português da Galiza o contraste nele existente entre a terminaçom -ám (ex.: capitám) e a terminaçom -om (ex.: cançom) --e também -ao: irmao-- é o mais natural porque este traço contrastivo, que é de caráter morfológico (nom puramente gráfico), tem considerável entidade, e nom o refletirmos na escrita do galego acarreta incoerência interna. É verdade que a relaçom entre fonemas e grafemas nom tem de ser necessariamente de tipo 1:1 (biunívoca) e que, de facto, a norma galega da CL-AGAL, em benefício da coordenaçom galego-portuguesa, já apresenta casos de relaçom 1:2 (assim, o facto de o fonema [s], conforme os casos [e de acordo com a etimologia!], se representar por esse simples e por esse duplo) e, mesmo, de relaçom 2:1 (assim, os fonemas e e o abertos e fechados detenhem a mesma representaçom escrita, respetivamente, e e o), mas estes casos nom determinam qualquer incoerência interna, como si o fai grafar em galego do mesmo modo, segundo o modelo luso-brasileiro, as terminaçons -ám e -om (como -ão):

norma galega da CL-AGAL: A JULGARMOS POLO SOM, SOM SAM PEDRO E SAM PAULO.
norma lusitana aplicada ao galego: A JULGARMOS POLO SOM, SÃO SÃO PEDRO E SÃO PAULO.

3. Além disso, refletirmos na escrita do galego-português da Galiza o contraste nele existente entre a terminaçom -ám (ex.: capitám) e a terminaçom -om (ex.: cançom) --e também -ao: irmao-- representa umha medida pedagógica, que nas atuais circunstáncias socioculturais da Galiza facilita a escrita e a leitura do galego-português e permite difundir eficazmente a realizaçom fónica correta de palavras perdidas ou nom surgidas em galego e que este deve hoje incorporar a partir do luso-brasileiro, como alçapom (nom *alçapám; luso-br. alçapão), leilám (nom *leilom; luso-br. leilão) e porao (nom *porám, nem *porom; luso-br. porão).

4. Por último, mas nom menos importante, refletirmos na escrita do galego-português da Galiza o contraste nele existente entre a terminaçom -ám (ex.: capitám) e a terminaçom -om (ex.: cançom) constitui umha medida de caráter vincadamente estratégico, importantíssima na atual conjuntura sociocultural, em que a sociedade galega, ainda na sua grande maioria instruída unicamente em galego-castelhano, continua em larga medida ignorante da unidade lingüística galego-portuguesa e alheada da proposta reintegracionista.

É verdade que numha Galiza em que a unidade lingüística galego-portuguesa for, para todos os efeitos, socialmente assumida poderá ser conveniente codificar a variedade galega da língua omitindo na escrita, em confluência com o lusitano e com o brasileiro, o contraste -ám/-om, mas, polas razons de peso acima aduzidas, parece claro que, nesta altura, esse forçamento nom se revela vantajoso. A este respeito, e para concluirmos, devemos ter em conta, por um lado, que a padronizaçom das variedades nacionais das línguas europeias pluricêntricas, como o galego-português (e o alemám, castelhano, inglês...), justifica hoje a plasmaçom escrita da peculiaridade morfológica galega aqui focalizada, e, por outro lado, e frente a interpretaçons ingénuas hoje bastante estendidas, que a recente aplicaçom em Portugal do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 --ao qual, por sinal, também se adaptou a codificaçom ortográfica da CL-AGAL-- em nada altera as consideraçons acima tecidas, pois, evidentemente, os sólidos fundamentos (filológicos e sociolingüísticos) que sustentam a codificaçom do galego-português da Galiza efetuada pola CL-AGAL (com inclusom do contraste gráfico entre as terminaçons -ám e -om!) em modo algum se vêem abalados ou enfraquecidos polo facto de em Portugal, e em virtude da aplicaçom de tal Acordo Ortográfico, a palavra actividade vir a ser escrita, agora, como atividade.

NOTA

(*) Na norma galega da AGAL, e sem alterar a pronúncia, as palavras de tipo irmao (cirurgiao, cristao, verao...) também se podem escrever com til (irmão, cirurgião, cristão, verão). Naturalmente, o que neste parecer da CL-AGAL se explica nom afeta o uso facultativo do til previsto na norma galega da AGAL (em casos como, além de irmão, corações, maçã, põe).

(**) Ilustraçom do que se acaba de dizer vê-se no provérbio português «Quem rouba um pão é ladrão; quem rouba um milhão é barão», o qual, dito em galego, fica um tanto desluzido pola perda de ligaçom fónica entre pam e ladrom (umha adaptaçom possível para o galego seria, entom, «Quem rouba um lacom é ladrom; quem rouba um milhom é barom»).

Chuza!

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