["Paz por territórios", in Do músculo da boca, Compostela, 2001, pp. 135-138 (volume que recolhe textos de alguns dos participantes no Encontro "Galego no mundo - Latim em pó", do Programa Santiago de Compostela, Capital Europeia da Cultura 2000]
Na vinheta desenhada a preto e branco ve-se um velhote, um rapaz, un rio e do outro lado do rio, umhas terras boas e generosas. Umha legenda informa: Á beira do rio Minho. O rapaz pregunta:
?Os da outra banda, som mais estrangeiros que os de Madrí.
(Non se sabe o que respondeu o velho)
O desenho que descrevo é da autoría de Daniel Castelao, o fundador do nacionalismo galego moderno. Ele, por amor à humanidade, desempenhou unha cheia de ofícios excepto o que estudara, o de médico. Um dos muitos mesteres amadores foi o de desenhador humorístico. E a vinheta que narro lá cima um dos miles de desenhos que ele publicou.
Na minha opiniom (tam discutível! ) esse pequeno conto gráfico inscreve-se na poética do desejo. É un desenho subjuntivo. O subjuntivo é o modo verbal que melhor se pronuncia em galego. Talvez porque nos definimos melhor, os deste cantinho da Europa, polo que desejamos que polo que temos. «Quando podas...» «Se tu quigesses...» «Se o conseguirmos...» «Se for possível...»
Aquele desejo do Castelao procedia da convicçom de que enquanto quebrássemos a fronteira política que os estados português e espanhol (Dous velhos amigos) tinham criado as cousas correriam melhor para esta língua nossa de labregos, mercadores, marinheiros e operários que tam ben ressistiram ao longo de cinco séculos a paternal opressom da cultura espanhola.
Passarom mais de sesenta anos do desenho desiderativo e o estado das cousas nom deixam lugar algum para a esperança.
Na Galiza as autoridades lingüísticas em matrimónio de conveniéncia com o poder político perseguem qualquer «flirte» dos galegos com as línguas irmas de Portugal, Brasil ou São Tomé com a mesma cegueira e repugnância intelectual que se perseguiam as ideologias marxistas nos USA dos anos 50. O pequeno núcleo que conscientemente queremos fruir, degustar a nossa diferéncia oral fronte ao apetite devorador do espanhol estamos atomizados em cem capelas que utilizam o seu engenho para combater a capela vizinha. Semelhamos (os galegos) aquela cena da «Vida de Briam» ?o filme dos Monty Pythom- quando o líder da F.L.J (Fronte para a Libertaçom da Judeia) perguntava aos seus seguidores.
- Quen som os nossos inimigos?
- Os filhos da puta do M.L.J. (Movimento para a libertaçom da Judeia) ?respondiam os adestrados militantes.
-Nom... ?corrigia didáctico o líder? os nossos inimigos som os romanos. Talvez os nossos convidados da África, da América e de Portugal se estejam a perguntar.- Qual é a causa de essa disputa fratricida? Há umha parte dos galegos que preferem escrever com a ortografia do espanhol, para simplificar a leitura para umha populaçom alfabetizada nesse sistema, e outra parte que preferimos aderir ao sistema ortográfico do português pola razom simples de que é o mesmo idioma, e que aliás, nunca demostrou a actitude prepotente do espanhol. ?É só isso, cara? ?resposta o brasileiro- Escrevam como quisserem, e deixen andar o tempo, que o tempo é rei».
«E que os da primeira opçom recebem subsídios para escrever e os da segunda nom». Tenhem subsídios para escrever? Que país estranho a Europa!!!
Foi o amigo brasileiro quem me dixo que talvez o melhor era fazer desaparecer os subsídios por falar (que foi sempre umha actividade gratuíta) e depois fazer reconto: Quem som os que falam galego mesmo grátis?. É o que em terminologia militar se chama contar as baixas. É verdade que com estas luitas ortográficas (som simples signos convencionais, pá!) produzem-se situaçons certamente chocantes, estrafalárias e espalhafatosas. Houve um catedrático de língua galega que dixo (demostrando que a cátedra nom leva aparelhada a inteligéncia) que preferia ver o galego escrito com ortografía inglesa que com ortografía portuguesa. «Só falaram aportuguesado por cima do meu cadaver». E ele sabe muito disso, pois tem costume de falar en todos os enterros (por cima dos cadáveres, pois). Outra é o desencontro público entre os dous, na minha opiniom, melhores escritores do país Joao Guisan Seixas e Xosé Luis Méndez Ferrín, que non conseguen escuitar-se por serem adeptos de dous sistemas ortográficos diferentes.
Manda caralho! Os romanos devem ir fartos de rir-se de nós. Non podemos chegar a um armistício? Um tratado de «Paz por territórios» sem a presença mediadora do Clinton. No entanto, no bando dos chamados reintegracionistas ou lusistas há umha estranha actitude de prazenteiro sufrimento. Temos a verdade e perseguem-nos por isso. Exactamente igual que os mártires cristáns. É bonita de se ver umha vernissage de reintegratas a mostrar as feridas de guerra ortográfica e a presumir de como sobranceiam ao povo em conhecimentos léxicos ?o que nom é de estranhar, porque o povo é tam ignorante!?
Exemplo:
?Minha senhora, me dá dois envelopes e uma caneta descartável,se faz favor.
?E que caralho é tudo isso?
?Entao voçé nao çave?
?Nom çei, nom
?Assim o que faz é o jogo ao colonialismo castelhano.
Depois desta arenga á senhora do quiosque vai para a reuniom da elite culta e recebe um inteligente aplausso. Eles (nós) vivimos felizes na nossa ilha afastada do povo ignorante e quando o nosso idioma desaparecer iremos para o céu. O bom dos mártires é que quando morrem vam para o céu.Há vinte anos, quando eu tinha veleidades poéticas apresentei?me a um concurso com um poema chamado A noite e o rodopio. Um espiom revelou-me que o secretário do juri, no papel de polícia lingüístico, eliminou o meu poema por «nom estar escrito em galego». Eu tenho-lhe carinho porque quebrou a minha corrida de poeta (em Galiza há umha alarmante super-populaçom de versificadores) fixo-me um favor a mim e mais ao país. Correram vinte anos, eu mudei e ele segue a ser o mesmo imbécil.
Em estes vinte anos tambén se produciram pontuais colaboraçons de Galegos em Lisboa, no Nordeste, em Moçambique, no Barroso, em Tondela, nos Açores e nom houve problema nengúm. Podemos seguir tentando com e sem subsídios. Quantas menos cousas saiba o Estado melhor.
É verdade que os galegos podemos semelhar uns molestos desconhecidos do lado de baixo do Minho. Mas, sendo optimistas, devemos entender isso como um molesto dano colateral das fronteiras políticas que, como todo o mundo sabe, gravam-se nos hemisférios cerebrais.
Portugal vive feliz e temeroso o seu afastamento da Espanha e reivindica a sua condiçom de ser o país independente mais antigo da Europa. Libertou?se em duas ocasions e olha com desconfiança ao prepotente vizinho. Define-se por oposiçom à Espanha. Fam muito bem. Mas a apariçom da Galiza na superfície política e cultural enche de mal-estar às elites lusas. Que porcaria é isso da Galiza, que é Espanha mas tem a ver com nós? Um comando guerrilheiro que quere passar para atrás da linha de fogo? Um cavalo de Troia? Melhor será olhar para outro lado e fazer como que nom vimos nada.
Quando eu apresento o meu espectáculo de contos em Portugal tenho o costume de comezar assim: «Eu venho de um país desconhezido para vocés. Chama-se Galiza e está mesmo no norte de Portugal. Para que se orientem direi que «El Corte Inglés» em Vigo está dentro de este país. A Galiza tem um idioma próprio, o galego, que falam dous milions de pessoas, este idioma tem um dialecto minoritário, o português que falam 150 milions de pessoas».
Este texto, um bocadito provocador, utilizo-o para medir o sentido do humor do auditório. Calificaçons de 0 a 10: Braga 4´5, Coimbra 6´5, Beja 8. Também serve para quebrar essa resistência da intelligentsia lusa a reconhecer a nossa existência. Um catedrático de Coimbra quando eu lhe perguntei quem conquistara Coimbra aos mouros respostou «Afonso Enriques, acho» para nom dizer o Rei Garcia da Galiza e quando pergunto de onde era Inês de Castro, responde «Nom se sabe com certeza». Meu deus, nom enganem as criancinhas portuguesas nas aulas de história.
Irmaos de Portugal, os galegos somos bonzinhos, nom queremos fazer mal a ninguém.
E que acontece no entanto com os espanhois. Informo aos irmaos e irmás lusófonas que a cultura espanhola encontra-se na actualidade praticando umha ofensiva lingüístico militar, só comparável com conquista de América. Nas páginas dos jornais prestigiosos escritores choromicam polo perigo que corre o espanhol em Puerto Rico ao tempo que ladram contra o catalam, o basco e o galego porque «escluem» a bela língua de Cervantes e de Pinochet. Isto acontece nas páginas de «El País», catecismo da esquerda moderada do Estado espanhol. Em outro jornal de dereitas, ABC, enquanto atacam as línguas minorizadas com os mesmos argumentos que o presidente da «Fundación Pablo Iglesias», deitam foguetes para o ar celebrando a penetraçom do espanhol no Brasil. (Defendamos o Brasil, é a reserva de oxigénio da nossa Língua). Os reis de Espanha inauguram academias de Espanhol em toda a lusofonía, e a revista «Negócio» recomenda-lhe aos empresarios espanhois que «lhe falem aos portugeses o castelhano de vagarinho, que eles percebem».
Um prémio Nobel nascido em Galiza Camilo José Cela (que tem demonstrado que para alcançar o prémio sueco nom é precisa umha grande altura literária nem ética ?ver Echegaray, ver Begin) declarou com a boca cheia de papas que o tempo rei reduciria a cinco únicas línguas as que se falariam no mundo no ano 2040. Entre essas línguas estaria o espanhol mas nom o galego-português. Nom acham que esta é umha declaraçom de guerra? As vezes imagino ao último falante de galego a agonizar em umha universidade americana con umha grande equipa com aparelhos de gravaçom de som, preparada para registar a derradeira frase dumha lingua que esmorece. Tudo está disposto, os microfones achegam-se à boca do moribundo, e ele com o último ar que exala na sua vida exala também o último texto dumha fala que morre com ele:
Que lhe deam polo cú ao Camilo José Cela.
Escrito ?s 20:40:10 nas castegorias: Nom categorizado
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Mouto boa exposiçao. Aguardo poder estar no dia da toalha/09