Link: https://pt.wikipedia.org/wiki/Alfredo_Marceneiro
PRIMEIRA CASA
A CASA DA MARIQUINHAS
Popular / Silva Tavares.
Canta: Alfredo Marceneiro
É numa rua bizarra
A casa da Mariquinhas
Tem na sala uma guitarra
Janelas com tabuinhas
Vive com muitas amigas
Aquela de quem vos falo
E não há maior regalo
Que vida de raparigas
É doida pelas cantigas
Como no campo a cigarra
Se canta o fado à guitarra
De comovida até chora
A casa alegre onde mora
É numa rua bizarra
Para se tornar notada
Usa coisas esquisitas
Muitas rendas, muitas fitas
Lenços de cor variada
Pretendida, desejada
Altiva como as rainhas
Ri das muitas, coitadinhas,
Que a censuram rudemente
Por verem cheia de gente
A casa da Mariquinhas
É de aparência singela
Mas muito mal mobilada
E no fundo não vale nada
O tudo da casa dela
No vão de cada janela
Sobre coluna, uma jarra
Colchas de chita com barra
Quadros de gosto magano
Em vez de ter um piano
Tem na sala uma guitarra
Pra guardar o parco espólio
Um cofre forte comprou
E como o gás acabou
Ilumina-se a petróleo.
Limpa as mobílias com óleo
De amêndoa doce e, mesquinhas,
Passam defronte as vizinhas
Pra ver o que lá se passa
Mas ela tem por pirraça
Janelas com tabuinhas
SEGUNDA CASA
DAR DE BEBER À DOR (MARIQUINHAS)
Alfredo Marceneiro / Silva Tavares
Canta: Amália Rodrigues
Foi no domingo passado que passei
À casa onde vivia a Mariquinhas
Mas está tudo tão mudado
Que não vi em nenhum lado
As tais janelas que tinham tabuinhas
Do rés-do-chão ao telhado
Não vi nada, nada, nada
Que pudesse recordar-me a Mariquinhas
E há um vidro pegado e azulado
Onde havia as tabuinhas
Entrei e onde era a sala agora está
À secretária um sujeito que é lingrinhas
Mas não vi colchas com barra
Nem viola, nem guitarra
Nem espreitadelas furtivas das vizinhas
O tempo cravou a garra
Na alma daquela casa
Onde às vezes petiscávamos sardinhas
Quando em noites de guitarra e de farra
Estava alegre a Mariquinhas
As janelas, tão garridas que ficavam
Com cortinados de chita, às pintinhas
Perderam de todo a graça, porque é hoje uma vidraça
Com cercaduras de lata às voltinhas
E lá pra dentro quem passa
Hoje é pra ir aos penhores
Entregar ao usurário umas coisinhas
Pois chega a esta desgraça toda a graça
Da casa da Mariquinhas
Pra terem feito da casa o que fizeram
Melhor fora que a mandassem pra as alminhas
Pois ser casa de penhor
O que foi viveiro de amor
É ideia que não cabe cá nas minhas
Recordações de calor
E das saudades o gosto eu vou procurar esquecer
Numas ginjinhas
Pois dar de beber à dor é o melhor
Já dizia a Mariquinhas
Pois dar de beber à dor é o melhor
Já dizia a Mariquinhas
TERCEIRA CASA
VOU DAR DE BEBER À ALEGRIA
(música: Alberto Fialho Janes / letra: Eduardo Damas)
Canta: Hermínia Silva
Passei ontem pela rua onde morava
A cantada e recantada Mariquinhas
E qual não é meu espanto
Olho e vejo por encanto
Outra vez lá na janela as tabuinhas
Corri e bati à porta
E até fiquei quase morta
Quando ela se abriu pelas alminhas
Pois quem veio a porta abrir e a sorrir
Era mesmo a Mariquinhas
Ai a Mariquinhas 'tá tão linda
'Tá mais gordinha, pesa 450 quilos
Mas como gordura é formosura
Ela não se importa nada com isso
'Tava a comer jaquinzinhos
Eu entrei e abracei a Mariquinhas
Que me contou que um senhor de falas finas
Lhe deu a casa que é sua
Pôs o prego na rua
E correu com o tal senhor que era lingrinhas
Mandou caiar as paredes
Pôr cortinas de chita
Nas janelas tão bonitas às bolinhas
E por fora, pra chatear as vizinhas
Janelas com tabuinhas
Bem-feita
Lá na rua ficaram todas danadas
Agora já não podem deitar para lá os mirones, é claro
O que ela se havia de alimbrar, hã?
É uma ganda' camarada a Mariquinhas
Já tiraram os caixilhos às voltinhas
E a janelas já estão todas catitinhas
E pra afastar os temores
Do enguiço dos penhores
Defumou a casa toda com ervinhas
Pôs incenso das igrejas
E pra acabar com as invejas
Pôs um chifre atrás da porta às voltinhas
E na cama, sobre a colcha feita à mão
Debruada com borlinhas
Ai a Mariquinhas é muito prendada
'Tava a fazer colcha toda em crochet
Já me ofereceu
Que é para eu estrear no Natal
A colcha pesa 50 kg
Já me estou a ver pela porta fora
Com a colcha às costas
Lá está tudo, tudo, tudo, até o xaile
E a guitarra enfeitada com fitinhas
E sobre a cama reparo
Um peniquinho de barro
Bem bonito e pintadinho com florinhas
E eu fiquei tão contente
Ficámos calmamente
A beber até de manhã, ai umas pinguinhas
Pois agora voltou tudo ao tempo antigo / Pois dar de beber à dor é o melhor
Na casa da Mariquinhas
Pois agora voltou tudo ao tempo antigo / Pois dar de beber à dor é o melhor
Na casa da Mariquinhas
QUARTA CASA
A CASA DA MARIQUINHAS
Capicua / Alberto Janes
Canta: Gisela João
Foi numa ruela escura que encontrei
A tal casa do fado da Mariquinhas
Que de Alfredo Marceneiro
Veio ao nosso cancioneiro
Como sendo uma casa de meninas
E com o tempo passado
Foi na voz da Dona Amália
Que a casa foi da desgraça às ginjinhas
E que mesmo com um fado renovado
Já não tinha nem sardinhas
Depois veio a Hermínia Silva que cantou
O regresso da saudosa Mariquinhas
Mas foi sol de pouca dura
Que mesmo sem ditadura
Hoje em dia até as vacas são lingrinhas
Agora veem meus olhos
Que nem amor, nem penhor
Esta casa está mais velha que as vizinhas
As janelas estão tapadas com tijolos
E as paredes estão sozinhas
Só um gato solitário no telhado
E uma placa que está cheia de letrinhas
Vende-se, oca e esburacada
Por fora toda riscada
E encostada, na fachada, uma menina
Mas esta não canta o fado
Só sabe fumar cigarro e com o fumo
Quando sopra faz bolinhas
Não sabe quem já morou naquele espaço
Ou quem foi a Mariquinhas
E aqui estou eu à porta desgostosa
Vendo a casa que está morta e em ruínas
Por causa destes senhores
Até já nem tem penhores
Porque mais ninguém tem ouro nas voltinhas
Mas seu eu fechar os olhos
E imaginar as farras
Ainda se ouve as guitarras e cantigas
Porque a casa é a canção que sei de cor
E vou cantar toda a vida
Porque a casa é a canção que sei
E vou cantar toda a vida!
Escrito em 12-09-2024,
na categoria: Fadistas
|
Trackback URL (clique direito e copie atalho/localização do link)