(mostrar denCidade à Marta)
Tenho tanta coisa por escrever que nem sei por onde começar. Talvez por onde parei, a ordem cronológica da coisa.
O tuga que me tinha mandado a boca no vagão-restaurante era um dos super-dragões. De início fingi não ser português. Imaginei que eles fossem emigrantes, e não tinha grande vontade de falar com eles. Só quando os vi todos juntos, preparados para sair, é que percebi que estavam ali para ver o Porto a jogar. Tinham viajado com a Ryanair até Frankfurt, mas acabaram expulsos do avião, e tiveram de fazer a ligação a Bratislava de comboio.
Quando os conheci ainda não sabiam como voltar. Na Ryanair já não podiam mais. Eram os autênticos hooligans, todos com cadastro e muitos com julgamentos pendentes. Um deles, que estava sempre a ouvir tecno nas alturas, falou um pouco mais comigo. Como tinha um julgamento pendente, não podia ausentar-se de Portugal por mais de 5 dias. ?É mais drogas, sabes como é.? Devia ser tráfico, imagino eu. Falou-me da filha e da falta de dinheiro. ?Ehpá, eu faço o que quero, percebes? Se quero fazer merda, faço merda.?
Eu, nestes dias na Europa Central, tenho sido um pouco mais civilizado. Cumprimento as pessoas nas lojas, tento ser simpático. Como em Portugal, não deito lixo para o chão nem estrago coisas. O meu comportamento está a ser um pouco mais como eu gostaria que fosse sempre em Portugal, mas nem sempre dá. Ora o meu amigo dragão era um pouco o oposto de mim, em termos sociais. Aliás, nenhum deles era um exemplo. Um deles, um dos mais velhos e mais respeitados, tentava dormir. Outro ia tocando-lhe na cara com a mão, a partir do corredor. Depois pôs a pila de fora e encostou-a ao vidro, junto à cara dele. Nem sabia onde me havia de meter. Outro mais novo, com uma cara furada de quem teve problemas com acne, e com pinta de culturista, perguntou-me se eu conhecia o Break, sendo eu da Póvoa. O Break era o dono dum ginásio. Era um culturista enorme, que já tinha sido campeão nacional. Tinha saído há pouco tempo da prisão, e o meu pai foi o responsável do processo. Ainda há pouco o meu pai me tinha contado pormenores do processo. Deu-me vontade de responder ao hooligan ?sei quem é o Break, foi o meu pai que o pôs na prisão?, mas acabei por dizer que o conhecia, pois tinha andado no ginásio dele (o meu interlocutor era o que antes tinha falado da puta). Algum tempo depois começaram todos a falar de putas. Aparentemente já sabiam quanto custava uma puta em Bratislava. ?Acho que custa 1500 ? 9 euros. Era bom se um gajo as levasse para o hotel.? Pelo que percebi, não tinham hotel marcado, iam tentar dormir no Ibis em quartos onde já estavam amigos. Também não tinham bilhetes para o jogo, mas disseram-me que, se continuasse com eles, estava bem.
Para ser sincero, não me sentia totalmente desconfortável com eles. Obviamente que o comportamento anti-social deles me deixava perplexo, mas eles eram do Porto, carago. Com eles podia falar à vontade, praguejar e tudo. Aliás, parece-me que, se não praguejasse, eles não me entenderiam.
Decidi andar mais um pouco com eles. Foi também a sorte deles, pois tinham dificuldade em entender os horários para chegar a Bratislava, e eu ia ajudando-os. No comboio que apanhámos para dar a volta a Wien, uma loira de meia-idade levantou-se, irritada, para resmungar com um deles. Ele disse que se tinha descalçado e ela não tinha gostado. Até acredito que tivesse acontecido, mas não teria sido apenas isso. Quando chegámos a Bratislava eu saí disparado, como faço sempre, e não os vi mais.
IR'05 é a transcrição do diário escrito durante uma viagem de comboio através da Europa entre Novembro e Dezembro de 2005. todas as entradas aqui
BLOGADO ?S 00:21:01
|