Coragem!

Tentei escrever-lhe um correio ao Vítor depois de ter notícia do falecimento do seu avô. Quis um texto novo e intransferível, que saísse dos tópicos, mas é impossível. Acho agora que perante a morte o único que nos resta é a colectividade. Palavras-chave, talvez esvaziadas de tão gastas, mas com o profundo conteúdo de serem as que emprega toda a gente. E quando no-las dizem, lá estamos nós a pensar que não somos os primeiros nessa situação. Trazem-nos talvez, pela frialdade, ao quotidiano, ao absurdo de comparar coisas incomparáveis como milhões de mortes. E creio que sabemos nesse momento que talvez a morte não tenha uma lógica. Mas também que se leva melhor acompanhado.

Cá estamos, Vítor, com as palavras vazias...

Óculos de sol

Sempre pensei que os óculos de sol eram o complemento indicado para as calças curtas e os t-shirts frescos, a poder ser reinvindicaivos. Mátrix parecia-me (e por isso gostava do estilo) um epígono da movida, já se sabe, O Resentidos: Com isto da movida -que movida!- hai-che muito ye-ye, que de noite e de dia, usa ghafas de sol... E agora inverno em Alacant, um sol de morrer e um frio de idem. Quase nem consigo escrever uma frase seguida, porque tenho as mãos geladas, e quando saio à rua sinto uma dor súbita de córnea no churrasco.

Nunca acaba um de aprender, mesmo nas coisas mais simples...

Volto às voltas

Há dias que um não fecha o olho, e quando digo um quero dizer eu. Dou voltas e voltas na cama, no intervalo do sonho e da vigília, procurando um corpo nu que não está ao meu lado, apenas a lembrança. Às vezes o travesseiro serve mais ou menos para enganar o cérebro. Às vezes simplesmente não dá para enganar ninguém, e dou voltas e voltas com o corpo, na cabeça, no sexo que está dentro da cabeça e fora do corpo. São três ou quatro da manhã, envio uma mensagem do telemóvel, aconchego a orelha de novo ao travesseiro, enganando-me a pensar que espero o sonho, já que não o sono. E enquanto dou voltas e voltas com tudo o que posso considerar irrenunciavelmente meu, sei que espero uma resposta que não chega por razões evidentes. São cinco da manhã. Noite perdida, nem dá para dormir, última esperança de comunhão. Amo e sei que amo e sou amado. Conservo ao menos isso na con(s)ciência.

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