as tuas fotos vêm comigo
de casa em casa
de escuro a escuro
esconderijo
nelas estás nua
e nelas
estamos nós
há tanto tempo
nus
tu tão bonita
eu
tão tristemente homem
aquela miúda que ficou comigo
no papel fotográfico
e na memória
também ficou na vida
às vezes penso como pude
conseguir que me amasse
tanta beleza
é claro que não pude
é um mistério de esfinge que me ames
como o teu corpo que produz orgasmos
no teu umbigo remoinham-se arrepios
da minha pele
xiqueta que sempre foste
e és
falta-me tantas vezes o teu corpo breve
quase apagado nos meus braços
os teus peitos que não se apartam dos meus olhos
o teu sexo
que consegue engolir-me inteiro apenas por um apêndice
hoje escrevo estas palavras na distância
amanhã
terei contigo
então verei a prova da constância
desta mente de mono enlouquecido
e oxalá possa abraçar-te intensamente
e aguentar no sofá durante horas
as séries de que gostas
e oxalá o teu cabelo não me moleste no nariz
e possa abraçar-te deitadinhos
tentando acalmar-te quanto possa
as dores menstruais
mas entretanto
estás aqui
nos meus dedos
feita papel
e cores
deusa dos meus instintos
senhora dos meus pecados
menina e moça desse olhar malandro
que me desperta ao coração do mundo
Pois é, sou realmente um asno
que mora entre árvores e plantas.
Não me perguntem sobre as ilusões e a iluminação -
este velhote só gosta de sorrir para si próprio.
Vagueio pelos riachos com as minhas pernas ossudas,
e levo comigo uma sacola no bom tempo da primavera.
Essa é a minha vida,
e o mundo nada me deve.
A beleza chiante deste mundo nada me diz -
os meus amigos mais próximos são as montanhas e o rios,
as nuvens engolem a minha sombra segundo vou passando.
Quando me sento nos penhascos, os pássaros pairam sobre a cabeça.
Calçando chinelos de palha para a neve, visito aldeias frias.
Vai tão fundo quanto puderes na vida,
e poderás esquecer-te até das flores.
* * * * * *
Um trilho solitário entre dez mil árvores,
um vale nevoento entre mil cimeiras.
Ainda não é outono, mas as folhas já estão a cair.
Por enquanto não chove, mas na mesma as rochas escurecem-se.
Com o meu cesto, procuro cogumelos;
com o meu balde, vou procurar água pura da nascente.
Se não te perderes de propósito,
nunca vais chegar tão longe.
Subo ao Corredor da Grande Compaixão
e olho para as nuvens e o nevoeiro.
Árvores antigas estiram-se para o céu,
e a brisa fresca fala de dez mil gerações.
Por baixo, a Nascente do Rei Dragão -
tão pura que podes ver o seu princípio.
Às pessoas que passam, grito
'Venham! Venham ver-se refletidos na água!'.
(Ryôkan)
Na quietude através da janela vazia,
sento-me em zazen vestindo o meu kesa de monge.
Nariz e umbigo alinhados,
orelhas paralelas aos ombros.
A luz da lua inunda o quarto.
A chuva parou mas o beiral não deixa de pingar.
Perfeito este momento -
na vasta vacuidade, a minha compreensão faz-se mais funda.
(Ryôkan)