Pôr do sol na primavera. Uma menina esvelta de dezasseis anos
volta para casa com um grande ramo de flores da montanha.
Um chuvisco leve penteia-lhe as flores.
Viram-se as cabeças quando ela passa
e arregaça de leve o seu kimono com uma mão.
As pessoas perguntam-se umas a outras:
"de quem é filha essa menina"?
(Ryôkan)
]]>As cortesãs apresentam-se deslumbrantes -
Quão deliciosamente falam e se riem
passeando à beira do adorável rio verde.
A toda a hora, chamam os cavalheiros
e provocam-nos com cantos que enfeitiçam até o coração mais duro.
Delicadamente caminham com olhares sedutores difíceis de resistir.
No entanto, algum dia nada ficará, nem mesmo destas mulheres cativadoras
que serão esquecidas no frio inclemente.
(Ryôkan)
]]>Os pássaros sumiram baixo o céu.
Esvai-se a última das nuvens.
Sentamo-nos juntos, eu e a montanha,
até que só a montanha permanece.
(Li Po)
]]>Os bairros de Echigô estão cheios de mulheres bonitas.
Hoje mesmo, um grupo de belezas passeia alegremente à beira de um rio verde como um tecido.
Cabelo cuidadosamente vestido com alfinetes de jade,
mãos delicadas, entremostrando olhadas coradinhas,
as solteiras trançam ervas em guirnaldas, como presentes para os jovens senhores,
e apanham ramos de flores enquanto flirtam com os homens que passam.
E no entanto, esta coqueteria cheia de encanto, é, dalguma maneira, uma forma de melancolia,
porque não vai viver além dos seus cantos e risos.
(Ryôkan)
]]>Enfeitiçado pelos rebentos, seduzido pelo salgueiro, Tu Fu foi esconder-se num vale longínquo.
Montado num cavalo, vagueou aquele espaço, gloriosamente bêbado.
Nos seus sonhos, encontrou-se a si próprio de volta na corte,
produzindo em cadeia poemas para educar o Emperador.
******************
De que maneira o meu karma está relacionado com o pincel e a pedra da tinta?
Uma e outra vez, eu escrevo.
O único que sabe o porquê
é Buddha, o Grande Herói.
(Ryôkan)
]]>À noite, tarde, pego na pedra da tinta.
Corado pelo vinho, ponho o meu pincel gasto sobre o papel.
Quero que a minha caligrafia produza a flagrância dos rebentos de ameixeira
e ainda que velho, vou tentar com mais força que ninguém.
******
Depois de um passeio pelos campos verdes, acompanhado pelo vento da primavera,
Li Po dormita ao lado da minha mesa.
O meu convidado pediu-me para fazer-lhe uma pintura do poeta -
isso é fácil, uma vez que gosto de vinho tanto como Li Po.
(Ryôkan)
]]>sou homem branco cis hétero ocidental
não reconheço as categorias
homem
branco
cis
hétero
ou ocidente
mas sou homem branco cis hétero ocidental
sinto muitas vezes como mulher
comovo-me ou danço com música de negros
pratico uma religião do oriente
mas sou homem branco cis hétero ocidental
na verdade
qualquer sentimento é humano
a música é uma linguagem universal
e o buddhismo é de dentro e de fora
mas sou homem branco cis hétero ocidental
pois é
sou homem branco cis hétero e ocidental
e depois?
depois continuo homem branco cis hétero e ocidental
]]>Caminando la vida se nos llenan de arena el corazón y los zapatos. Llegamos de Galicia a Luz Serena después de muchas horas de coche. Aunque he querido, nunca pude tener hijos. Todo lo que he cosido en mi vida ha sido con hilo doble. Son los rescoldos del 8 de marzo, tengo aún en la mente ideas sueltas sobre la masculinidad, y vengo a un retiro de costura. Oídme, practicantes del Dharma.
Al entrar al dojo nos descalzamos, pero vestimos el corazón. En el viaje vimos muchas liebres, y buscando un significado llegamos al horóscopo chino. Mis perros han recibido el amor que yo tenía guardado para los hijos que no tengo. Siempre he cosido con hilo doble, pero Agustín dice que hay que coser con hilo simple. Un buen soldado sabe coser su uniforme, o incluso una herida, pero sin amanerarse. La vida y la muerte es el asunto esencial.
Mi signo es el dragón, único ser del horóscopo chino que no es un animal real. Mis perros se han quedado en casa, Silver está muy enfermo, y tal vez lo tengamos que sacrificar en breve. En el salón hay una araña que suelta un hilo al vacío, flotando iridiscente sobre el rayo de atardecer que entra por la ventana. Un hombre es un simio que ha aprendido a ser padre, en lugar de guerrero. El tiempo pasa rápido como una flecha.
Cuando los hilos se tejen de una determinada manera se dice tela y textil, porque tiene textura. Cuando se pone el kesa, Agustín parece que se desliza sobre el vacío, más allá de la forma y la no forma. El dragón es el resultado de coser en un ser todos los miedos imaginables. No creo que se entienda que un hombre barbado llore por su perro enfermo. Silver me pesa en el corazón tanto como me duelen las piernas. A vosotros que buscáis la Vía humildemente os digo.
Cuando se juntan frases y parecen hablar de lo mismo se las llama texto, y se dice que tienen textura. El hilo de la araña dibuja en el aire una geometría casi imposible, bailando y buscando tierra firme. Agustín maneja la aguja con una delicadeza semejante. La mente hilvana ideas como una araña mientras lo miro en el dojo. Pensamos que somos de una pieza, porque no conocemos las costuras que nos forman. Prestad atención al instante presente.
]]>À meia-noite, quando ouves de repente
uma procissão invisível a passar
com magnífica música, e vozes,
não lamentes a sorte que hoje te falta,
o trabalho que não deu certo, os teus planos
a se tornarem decepção - não te lamentes disso em vão:
como alguém corajoso, há tempo pronto para isto,
diz adeus a ela, à Alexandria que se vai.
Por cima de tudo, não te enganes a ti próprio,
não digas que foi um sonho, que os teus ouvidos te enganam:
não te degrades com esperanças vãs como essas.
Como alguém pronto há tempo, e cheio de coragem,
como corresponde a ti, a quem esta cidade foi entregue,
vai decidido à janela
e ouve com grande emoção,
mas não com as queixas, as desculpas dum covarde:
diz adeus a ela, à Alexandria que estás a perder.
(Konstantin Kavafis)
]]>Trabalhei no trabalho,
No meu sono eu dormi,
Morri na minha morte,
Já posso partir.
Deixa atrás a cobiça,
Deixa atrás o que sobra.
Cobiça no espírito,
Cobiça na cova.
Minha amada, sou teu,
Sempre fui, permaneço,
Do tutano até aos poros,
Desta pele ao desejo.
Agora que já acaba
Esta minha missão
Pela vida que tive
Pede o meu perdão.
Fui atrás do meu corpo
Que de mim veio atrás.
O meu desejo é um espaço,
Morrer é navegar.
(Leonard Cohen)
]]>Como poderia dormir
nesta noite de lua?
Venham amigos,
cantemos, dancemos
durante toda a noite.
Estiro o meu corpo
por baixo do céu imenso
levemente bêbado:
sonhos esplêndidos
por baixo da cerejeira em flor.
Colho rosas selvagens
em campos cheios
de rãs que coaxam.
Deixo-as a flutuar no saké
e desfruto de cada minuto.
(Ryôkan)
]]>uma teia de aranha recém feita
chamando
como uma vela
em meio da janela aberta
e cá está ele
o pequeno mestre
a navegar
num fio de leite
deseja-me sorte
almirante
há muito tempo que não
acabo nada
(Leonard Cohen)
]]>E qual o limite exato
que separa o rio da terra de que bebem
estas árvores refletidas na água?
Onde estão as raízes dos reflexos
destes amieiros e carvalhos
a beira-rio?
A gravitação dos astros, a rotação
da terra, o simples peso
da combinação infinita de duas partículas
de hidrogênio e apenas uma
de oxígeno
movem o fluxo de que bebem
os javalis e os olhos dos amantes.
À beira desta terra passa água.
Dizemos que o Minho corre para o mar.
Dizemos Mera, Parga, Ladra,
Narla, Rato...
Os nomes construíram geografias
em que habitamos,
mapas que desenhamos
no território de um país fantasma.
A fantasia de conhecer o espaço
modificou o mundo à nossa imagem.
Destes moinhos e caneiros
nasceram as barragens que assolagaram vidas,
e iluminaram noites.
À beira desta água nós passamos
vida ante vida.
Apesar dos mapas,
fluímos.
Diluídos no tempo
somos
o que fazem de nós as margens e os caneiros
que nos conduzem as águas.
Domesticamos as correntes mas ignoramos
o seu mistério.
O Minho não existe.
Os átomos não são certezas.
Água
é só um nome.
Nem sequer o reflexo
da rama a tremer na superfície
oferece uma ideia a que agarrar-se.
****
Neste mundo
se um houvesse
com tal disposição -
podíamos passar a noite
a falar na minha cabana.
(Ryôkan)
]]>* * *
Hoje começa a nossa história.
Hoje vou dar-te a mão e prometo
que não te solto. Hoje
vamos andar juntinhos
sentindo os corações unidos.
Hoje adormeço contigo nos meus braços.
E hoje apresento-te aos amigos,
que há gente que quero que conheças,
e já começa a ser tarde.
Dou-te um presente de anos,
que é simplesmente um nome,
e vamos juntos dançar
a vida.
Ganjô-ji é a leste de Hokke-dô, um templo
isolado entre rocas e escondido por uma densa névoa.
No fundo vale, o musgo cresce desenfreado e poucas vezes se vê visita.
Os peixes dançam num estanque antigo.
Altos pinhos elevam-se até o céu azul
e entre eles avista-se um bocado do monte Yahiko.
Um dia brilhante de setembro, numa saída a pedir esmola,
tive um impulso e decidi bater à porta do templo.
Sou um vagabundo Zen de espírito livre
e o abade também tem muito tempo de sobra.
Estivemos juntos todo o dia, sem nada que nos preocupasse no mundo,
bebericando vinho, brindando às montanhas e rindo como parvos!
(Ryôkan)
]]>há quanto tempo levantaram
a tua dor aos céus
carpinteiro
da ironia celeste
nesse humor negro
de te pregar ao madeiro?
do Gólgota ao presente construíram
vaticanos inteiros em teu nome
monumentos de amor e medo
e mortes consentidas
atiraste as redes e pescaste isso
agora
a tua dor é a nossa nas alturas
mas abres os braços mortos
a olhar para cima como se não houvesse
ninguém por estes lados
tu já não podes abraçar e a distância
é demais para abraçar-te
o teu único consolo é a consciência
de estarmos juntos sem consolo
pescador pescado
filho de peixe
quem nos dirá agora
que quem sabe nadar não necessita
caminhar sobre as águas?
Devia de ter eu os meus cinco ou seis anos. Naquela época os meus pais deixavam-me ficar em casa dos meus avós durante longas temporadas no verão, num tempo que eu desfrutava entre o mar e a pouca terra da Arousa, que parecia infinita sob os meus pés. Passava o tempo com amigos ou simplesmente seguindo o meu avô Francisco, o Samaro, nas suas caminhadas. Às vezes levava-me com ele pescar chopos, ou à batea, onde eu ficava maravilhado com a força infinita das suas mãos e braços, capazes de levantar cordas de ostras em peso.
As manhãs eram normalmente para passar o tempo em Pedra Serrada. Em casa dos meus avós, eu brincava com o cão, subia à figueira, ou acompanhava Francisco a fazer todo o tipo de trabalhos, de plantar ou colher batatas e milho a arranjar objetos trabalhando madeira. A minha avó, entretanto, limpava ou cozinhava dentro de casa, e não me queria lá dentro. Ela também plantava e colhia quando era o tempo, mas o que ela mais gostava era de falar com a vizinhança. A casa tinha um caminho que unia Pedra Serrada com a rua do cemitério, e ainda que era privado, era constantemente transido por pessoas que saudavam e davam uma conversa que a minha avó adorava. Por ali falava-se de tudo o que acontecia na Ilha, e dava-se opinião velada sobre a vida de todo o mundo. O meu avô, no entanto, gostava de estar sozinho, com o cão, e trabalhar com as mãos ou caminhar. E falava também com os vizinhos, é claro, mas assim que podia saía de casa para caminhar em silêncio.
Na parte de trás da casa, que agora já é parte de diante, tinham os meus avós um galinheiro. Eu não gostava muito das pitas, que achava bastante aborrecidas, ainda que me emocionava cada vez que encontrava um ovo por baixo do poleiro. Acho que era a minha avó que lidava mais com elas, e foi ela que descobriu nalguma ocasião que os pardais andavam a comer o grão. Depois de um tempo, decidiram pôr uma rede ao grande oco que as reixas deixavam pela parte de cima, e lá ficavam presos os pardais cada vez que tentavam chegar-se a comer.
A partir daí, o galinheiro ganhou interesse para mim. Subido à figueira, onde gostava de passar a maior parte do tempo, estava atento sempre por se nalguma ocasião caía um pardal. Quando acontecia, corria a buscar o meu avô, que, com aquelas mãos grandes, agarrava o pardal com cuidado e baixava-o para que eu visse de perto como era. Às vezes permitia-me segurá-lo eu próprio, mas sempre, sempre, o pardal voltava a ser ceivo.
Numa ocasião que o meu avô não estava em casa, vi de cima da figueira um pardal na rede, e fui correndo buscar a minha avó. Ela veio logo para fora, e descobriu que lá não havia um pardal, mas dois, e perante os meus olhos, apanhou-os um a um e retorceu-lhes o pescoço. Mentiria se dissesse que aquilo me resultou violento, mas evidentemente chocou-me a diferença na forma de agir. Por isso lhe perguntei:
Aquele dia a minha avó comeu um pardal e eu o outro, enquanto o meu avô engolia um grande prato de arroz com qualquer coisa. Eu gostei do sabor do passarinho, ainda que me resultou muito difícil de comer, porque havia muitos ossos e pouca carne. Mesmo assim o meu veredito era claro: o passarinho sabia bem.
Dias depois, estando eu brincando outra vez na figueira, enquanto o meu avô trabalhava no alboio, um novo pardal caiu na rede. A minha avó devia ter ido à vila para qualquer coisa, porque lembro que não estava em casa. Como era habitual, corri a buscar o meu avô, e ele veio e agarrou-o nas suas mãos enormes. Mas desta vez eu não tinha tanto interesse em ver o passarinho:
O meu avô ficou paralisado.
Então o meu avô Francisco, o Samaro, retorceu a cabeça do pardal com suas mãos enormes. Enquanto o fazia, o seu rosto desfigurou-se e as lágrimas saltaram-lhe nos olhos. Eu olhei para aquilo estupefacto e, ao pouco tempo, era eu quem chorava desconsoladamente. Então o meu avô disse-me algo irritado entre as suas próprias lágrimas:
E eu voltei a chorar ainda com mais força, porque era verdade.
]]>como dizer que morro em cada coisa?
que cada objeto é a medida dos limites
da própria vida
que em cada abraço morro nesses braços
que quando vejo morro e se sou visto mato
que a vida é sempre este morrer em tudo
que morro em cada flor e em cada flor renasço
]]>aqui e ali o incenso que se entranha na consciência do cheiro
as ondas no ventre levemente moles
a saliva na língua que lambe os dentes por dentro
cá dentro os chilreios dos passarinhos lá fora
- ou os passarinhos lá dentro ou nem dentro nem fora -
e o ruído dos carros longe cá no peito que sente
alguma dor ou nenhuma ou apenas as penas
sem um contexto ou causa apenas isto
a cor castanha clara do soalho da sala
confusamente refletida nos olhos
nebulosamente
nevoeiromente
mentemente
porque a mente mente
mas quem sou eu?
esta consciência que respira e não abarca o tempo
chega até às portas daquilo que se percebe
- -será que sou
a sensação de leveza das gemas dos polegares que se tocam
ou a firmeza do corpo apoiado no períneo?
serei o ar que entra ou o que sai?
e será que são ares diferentes?
serei o espelho do oceano em calma
ou a espuma da onda a centelhar na crista?
serei o espelho da partícula da espuma
ou o espelho do meu quarto a que não limpei o pó?
pairam no ar chilreios a sensação do corpo e a memória
inspiro o ar e espiro os pensamentos que se cruzam
a construir em mim um tu que observa esta existência que abarca
o que entra pela porta invisível mas que não te delimita
serei eu tu?
mas quem és tu?
quem que aprendeu a velear e até a tocar piano?
quem que põe o mandilão de capa
que segura o cigarro na mão que faz sonetos?
quem que vê as intervius de papá no falho?
- (quem é papá? quem é mamá? quem será o filho do filho?)
quem és que sobes à figueira para brincar de arqueiro
ou revolucionário em Santiago?
quem que foste ao mosteiro budista e não aprendeste nada
porque as perguntas crescem?
quem que respira o pó em partículas suspendidas no ambiente
e volta a sentir a gorja transitada de espaço?
se vês o espelho vejo um espelho que se vê no espelho
se deito a vista atrás e deito a vista atrás aonde
me vão os olhos que me olham?
como uma forma de nuvem que agora está e desaparece
existo em ti que não existes
visão quimérica que nunca foste
mas afinal quem vê?
quem é visto?
quem vê quem é visto?
quem vê quem vê quem é visto?
quem vê quem vê quem vê quem é visto?
continuo?
seguro a mão que segura a mão segura
aparto com um sopro o interrogante
e volto a respirar
(volto a ser respirado)
]]>que escreve esta criança na carteira da escola?
que escreve esta criança no seu gabinete para fazer memória?
que contas faz de cabeça?
a contabilidade infinita dos anos até setenta
soma a tropa e os filmes
as associações de vizinhos e os partidos
o futebol e as fábricas de conserva
o carnaval, a tasca, o concelho
a padaria, a pensão de sara e a vida na alemanha
as horas de carro e a geografia inteira do mundo
a tua vida não cabe na memória
e no entanto mira esta foto
passaram os anos e ainda não se sabe
se a olhada é decidida e incisiva
ou simplesmente míope e forçada
és uma esfinge sui generis sem dúvida
mas vejo-te na carteira e não te distingo deste pai que tenho
passou o tempo
e pouco mais
os óculos abriram-te os olhos
e o cabelo abandonou a cabeça
aprendeste da vida mais que livros
e agora
o teu sorriso é como um livro aberto
que atravessa gerações e anos
homem pequeno
menino grande
avô
filho de alfonso que faz empadas em casa
sobrinho de juanito que escreve as crónicas da vida
o tempo não passou
está passando
escorre entre os dedos que pulsam teclas no computador
passa entre as mãos que tentam agarrá-lo com palavras
esvai-se como o mundo inteiro quando tiramos os óculos
o tempo é pouco e nunca para
igual que tu
]]>Pleno verão -
passeio com o meu bastão,
os velhos lavradores veem-me
e convidam-me a beber com eles.
Sentamo-nos nos campos
e usamos folhas como pratos.
Agradavelmente bêbado e feliz
adormeço em paz
desparramado num banco de folhas de arroz.
****
Que sorte! Achei uma moeda no meu bolso!
Agora posso chamar o meu amigo a que chamam o Dragão Dorminhoco.
Há séculos que quero beber com ele
mas faltavam-me os meios até agora.
(Ryôkan)
]]>"Ouvi dizer que jogas aos berlindes com as meninas do bordel"
O monge de kesa preto
a brincar com
as meninas do prazer -
O que será que há
no seu coração?
- Yoshiyuki
A brincar a brincar
enquanto passo por este mundo vácuo:
uma vez que estou aqui,
será que não é bom
espantar os pesadelos dos outros?
- Ryôkan
Esforçar-se a desfrutar
durante o trânsito neste mundo
talvez seja bom,
mas é que não pensas
no mundo que vem?
- Yoshiyuki
É neste mundo
com este corpo
que me esforço a desfrutar:
não é preciso pensar
no mundo que vem.
- Ryôkan
(Ryôkan)
]]>O ano acabará logo, mas eu continuo
aqui, na minha pequena cabana.
A chuva fria do outono cai tristemente
e as folhas amontoam-se nos degraus do templo.
Passo o tempo com a mente ausente
a ler sutras e entoar velhos poemas.
De súbito uma criança aparece e diz
'Anda, vamos juntos para a aldeia'.
(Ryôkan)
]]>Um barulho de grilos reina agora sobre os campos segados;
pacotes abrasadores de palha de arroz enchem a planície atordoada.
Os lavradores sentam-se ao pé dos seus lares a desfrutar das longas noites,
tiram o pó das esteiras e preparam-se para a primavera.
Quando as famílias de lavradores se reúnem e conversam
as palavras 'verdade' ou 'mentira' nunca são pronunciadas.
As pessoas da cidade não têm tanta sorte -
esses coitados têm de ajoelhar-se e dobrar o lombo todo o dia.
(Ryôkan)
]]>Tenho nojo do nojo e medo a ver-me
tão fraco como sou, tão reticente,
longe de quê,
esse eu que se estende onde eu não chego.
Tenho nojo de quê.
O nojo é um medo a respirar o mundo
a dissolvê-lo com a força dos pulmões que empurram
para cima o coração e para baixo os intestinos.
Pernas de madeira a chiar na noite do cérebro.
Saltar para o outro lado do alento.
Respirar com as árvores de Luz Serena.
Este tesouro foi descoberto numa moita de bambu -
lavei a tigela numa nascente e depois consertei-a.
Depois do zazen da manhã, tomo nela os meus purés;
à noite, serve-me a sopa guenmai.
Partida, gasta, roída pelo tempo e deformada,
mesmo assim ainda é um bem prezado!
A partir de agora
nem sequer serás molestada
por um pontinho de terra.
Noite e dia ao meu cuidado,
já nunca estarás só!
(Ryôkan)
]]>Dividi-las,
apartá-las,
parti-las:
comer, comer comer -
não deixar que saiam da minha boca!
O tempo está bom
e tenho muitas visitas
mas pouca comida.
Tens algum umeboshi
que não queiras?
Cresceu o frio
e o pirilampo
já não brilha.
Será que uma alma cândida
me trará água doirada?
(Ryôkan)
]]>Depois de procurar lenha nas montanhas
voltei à minha cabana
e encontrei umeboshis e batatas
que alguém deixou por baixo da janela.
As umeboshis embrulhadas em papel,
as batatas em folhas verdes
e um pedaço de papel com o nome de quem mo ofereceu.
No fundo das montanhas a comida não sabe a nada -
é sobretudo nabos e legumes -
assim que logo cozinhei o presente com molho de soja e sal:
enchi o meu estômago normalmente vazio
com três tigelas grandes.
Se o meu amigo poeta tivesse deixado algo de vinho de arroz
tinha sido um verdadeiro banquete.
Saboreei mais ou menos um quinto do presente, reservei o resto,
e, a dar palmadas à barriga cheia, voltei aos meus afazeres.
O Dia da Iluminação do Buda é daqui a seis dias
e ainda não sabia o que oferecer.
Mas agora tornei-me rico
e Buda vai deleitar-se com umeboshis e delicioso puré de batata.
(Ryôkan)
]]>Ao longo da sebe alguns ramos de crisântemos doirados.
Corvos de inverno pairam por cima do bosque espesso.
Mil picos fulguram brilhantes ao pôr do sol,
e este monge volta a casa com a tigela cheia.
-------
Hoje não houve sorte nas minhas saídas mendicantes.
De vila em vila, só consegui arrastar-me.
Ao pôr do sol, milhares de montanhas entre mim e a minha cabana.
O vento frio rasga o meu corpo débil,
e a minha minúscula tigela parece tão abandonada!
Mas este é o caminho que escolhi e que me guia
pela desilusão e a dor, o frio e a fome.
(Ryôkan)
]]>resta-nos tanto mar por engolir
amigo
tanta verdade de sangue descarnada
tanta brecha que coser
e velear à sua margem
resta-nos tanto mar por engolir
vemo-lo desta praia de pedrinhas e cunchas
que o tempo desfez
antes eram os cons de semuinho
ou o com de três pés
ou a punta cavalo
mas o farol fez-se areia
e como a areia
continuamos mareados
o tempo fez-se idade
embarcados nesta distância que nos une
esta dorna que é um presente de gerações e anos
dalguma maneira conseguimos viver sem recordar-nos
surpreende-nos um dia
o piano esquecido cujo pedal deixa ainda reverberar sakuras
ou um disco de tangos
e todos os recordos são presentes do passado
o tempo
vemo-lo agora
fez-se idade
o tempo
que será história
de nós
talvez nada se salve na memória
de todos
talvez lembranças baças ou só nomes em livros
que ninguém leia
- e se os lessem, sejamos sérios, o que leriam? -
talvez nada tenhamos feito quando o vento da história nos sobarde a nos rebentar a vela
talvez engulamos o mar de vaga em vaga
talvez não possamos mais coser a brecha
talvez só fique de nós esta verdade de sangue
nem somos nem seremos nada
mas ao enfrentar a morte
como a enfrentamos agora nestes versos
flutua ainda no mar uma certeza
que cada vento
que alguma vez navegámos juntos nesta dorna
foi para o mundo ser melhor
agora
Chuva na primavera,
dilúvios no verão,
e um outono seco:
será que a natureza nos sorri
e todos poderemos compartir o seu prémio?
Por favor não me confundas
com um passarinho
quando me atiro ao teu jardim
para comer as maçãs.
Fui lá para mendigar
um pouco de arroz,
mas o agasalho florido dos arbustos
por cima das rochas
fez-me esquecer a razão.
(Ryôkan)
]]>Para o nosso bem,
os moluscos e os peixes
oferecem-se
desinteressadamente
como comida.
-------
Na minha pequena tigela das esmolas,
amores-perfeitos e dentes-de-leão
à mistura
como uma oferenda
aos Budas dos Três Mundos.
A colher amores-perfeitos
à beira da estrada,
com a mente absorta,
deixo atrás a minha tigela.
Coitada!
Outra vez esqueci
a minha pequena tigela. –
Ninguém vai apanhar-te,
certeza que ninguém vai apanhar-te,
triste tigela minha!
(Ryôkan)
]]>Cedo, o primeiro dia de agosto,
pego na minha cunca e dirijo-me à vila.
Nuvens de prata acompanham os meus passos,
uma brisa de ouro acaricia o sino do meu bastão.
Dez mil portas, mil cidades abertas para mim.
Deleito os meus olhos em bosques de bambu e bananeiras.
Mendigo cá e lá, ao leste e ao oeste,
parando também em lojas de saké e peixarias.
Uma olhada honesta pode desarmar uma montanha de espadas;
um passo calmo pode deslizar por cima do lume do inferno.
Esta foi a mensagem do Rei dos Mendigos
ensinada aos seus principais discípulos há por volta de vinte e sete séculos.
E eu ainda me comporto como um descendente de Buda!
Um tipo sábio disse uma vez há tempo:
'Quanto à comida, tudo é igual perante a Lei de Buda'.
Mantém essas palavras na cabeça
passem as eras que passarem.
(Ryôkan)
]]>Hei de ir lá ter hoje.
É amanhã que as ameixeiras
espalham as flores.
**********
Canta um rouxinol
que me traz de volta ao dia.
A manhã fulgura.
**********
Tenho um só desejo:
sob a flor da cerejeira
dormir uma noite.
**********
A aldeia no monte.
E totalmente a engolem
as rãs que coaxam.
**********
Primeira garoa
do outono. Que deliciosa
montanha sem nome!
**********
Passou o ladrão
e esqueceu roubar essa
lua da janela
**********
Agulhas de pino
atrás da porta fechada.
Sinto-me tão só...
**********
Estão a chamar-me,
voltando de noite a casa,
os gansos selvagens
**********
É o meu corpo velho
como este bambu enterrado
na neve fria.
(Ryôkan)
Um vento do leste trouxe a chuva necessária
que chorrou toda noite pelo telhado de colmo;
entretanto, a ermida dormitava aprazivelmente
imperturbada pela flutuante agitação do mundo.
Ao amanhecer, as montanhas verdes tomam banho
e os passarinhos da primavera cantam nas suas ramas.
Com pouca determinação, atravesso a porta -
riachos improvisados correm para vilas distantes,
maravilhosas flores decoram as ladeiras.
Descubro um lavrador a dirigir um boi
e um rapaz a levar uma enxada.
Os humanos têm de trabalhar em todas as estações, da noite ao dia.
Eu sou o único que não tem nada a fazer
aferrado com força à minha terra natal.
(Ryôkan)
]]>A misturar-se com o vento
a neve cai;
a misturar-se com a neve
o vento sopra.
Junto à lareira
estico as pernas
deixando passar o tempo
confinado nesta cabana.
A contar os dias
reparo que também fevereiro
chegou e foi-se
como um sonho.
(Ryôkan)
]]>Em silêncio, pelas cimeiras solitárias,
contemplo lá fora, com tristeza, o granizo que cai.
O grito dum macaco ecoa pelas colinas escuras,
um riacho frio murmura lá em baixo,
e a luz na janela parece solidamente gelada.
A minha pedra para a tinta também está fria como o gelo.
Hoje não vou dormir, escreverei poemas
aquecendo o pincel com o meu alento.
-------
Uma noite de novembro amargamente fria,
a neve caiu densa e rápida -
primeiro como grãos gordos de sal,
depois como suaves flores de salgueiro.
Os flocos assentaram-se silenciosos sobre o bambu
e empilharam-se agradavelmente nos galhos dos pinos.
Em lugar de me voltar para os velhos textos, a escuridão
faz com que prefira compor os meus próprios versos.
(Ryôkan)
]]>A lua sai em todas as estações, é verdade,
mas é claro que é melhor em outono.
Em outono as montanhas parecem maiores e a água corre mais clara.
Um disco brilhante atravessa flotando o céu infinito,
e não há sentido de luz e escuridão
porque tudo é permeado pela sua presença.
O céu ilimitado por cima, o frescor do outono na minha cara,
pego no meu bastão e passeio cá e lá pelas colinas.
Nem um pontinho da poeria do mundo à minha volta,
só os luminosos brilhos do luar.
Tenho a esperança que outros também estejam a desfrutar da lua desta noite,
e que ilumine todo o tipo de pessoas.
Outono após outono, a lua vem e vai-se
porque ela é eterna para o desfrute dos homens.
Os sermões de Buda, os ensinamentos de Êno,
certeza que aconteceram sob o mesmo tipo de lua.
Contemplo-a durante toda a noite,
enquanto o riacho se assenta e se poisam as gotas brancas de orvalho,
Que caminhante se deleitará mais tempo com a luz da lua?
A casa de quem será que beba mais raios da sua luz?
(Ryôkan)
]]>Ao anoitecer
muitas vezes subo
ao pico de Kugami.
Os veados lá em baixo,
oiço as suas vozes
submersas
em montes de folhas de bordo
que descansam imperturbáveis
ao pé da montanha.
(Ryôkan)
]]>A existência humana neste mundo:
folhas de lentilhas de água boiando sem destino à superfície.
Quem pode sentir-se seguro?
Esta é a razão porque peguei
nas minhas coisas de monge, deixei os meus pais,
e ofereci um adeus aos meus amigos.
Um simples kesa remendado
e uma cunca mantiveram-me todos estes anos.
Gosto muito desta cabana pequena
e amiúde passo tempo aqui -
ela e eu somos espíritos parentes
e nunca nos importamos por quem é hóspede ou anfitrião.
O vento sopra entre os pinos altos,
a geada congela os crisântemos que restam.
De braço dado, estamos por cima das nuvens:
unidos como um, perambulando pelo além do além.
(Ryôkan)
]]>A noite avança para o amanhecer.
O orvalho pinga do bambu à minha porta de palha.
O meu vizinho do oeste deixou de bater na argamassa.
O jardim da minha ermida cresce humidamente
enquanto as rãs coaxam perto e longe
e os vaga-lumes rodopiam acima e abaixo.
Totalmente acordado, não é possível dormir esta noite.
Aliso a minha almofada e deixo que os meus pensamentos corram.
(Ryôkan)
]]>Está fora da vila, a alguns kilómetros de distância.
Caminhei até lá, na companhia de um lenhador,
um percurso sinuoso através de pinhais esverdeantes.
À nossa volta, no vale, rebentos selvagens de ameixeiras de perfume doce.
Cada vez que o visito ganho alguma coisa nova
e lá estou realmente à vontade.
Os peixes do estanque são grandes como dragões
e a floresta que o circunda é calma durante todo o dia.
O interior desta casa está cheio de tesouros:
volumes de livros espalhados por toda a parte!
Inspirado, abandonei o meu kesa, naveguei entre os livros
e compus os meus próprios versos.
Ao pôr do sol, caminho através do corredor do oeste
e sou deleitado de novo por um bando de pássaros primaveris.
(Ryôkan)
]]>O que é esta minha vida?
A vaguear, confio-me ao destino.
Às vezes risos, às vezes lágrimas.
Nem um laico nem um monge.
Uma chuva precoce de primavera garoa uma e outra vez,
mas os rebentos de ameixeira ainda não alegraram o ambiente.
Toda a manhã fico sentado junto à lareira,
sem ter com quem falar.
Procuro o meu caderno
e pincelo alguns poemas.
(Ryôkan)
]]>O meu pagamento diário: brincar com as crianças do vilarejo.
Sempre tenho umas bolas de tela enfiadas nas mangas:
não sou bom para muito mais.
Antes sei desfrutar a tranquilidade da primavera!
Esta bola de tela na minha manga vale mais de mil moedas de ouro.
Sou bastante bom a jogar a bola, estás a ver.
Se alguém quiser conhecer o meu segredo, cá está:
«Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete».
(Ryôkan)
]]>A minha ermida é a casa de um gato e um rato.
Os dois são animais peludos.
O gato é gordo e dorme a plena luz do dia.
O rato é magro e corre cá e lá durante toda a noite.
O gato tem a bênção do talento,
é capaz de agarrar com destreza seres vivos que comer.
O rato está maldito,
e só furta bocados pequenos de comida.
O rato pode danificar recipientes, é verdade,
mas os recipientes podem ser substituídos,
contrariamente aos seres vivos.
Se me perguntares qual das criaturas tem mais pecado
eu diria que o gato.
(Ryôkan)
]]>As plantas e flores
que cultivei à volta da minha cabana
agora rendo
à vontade
do vento
-------
A flor convida a borboleta sem pensamento;
a borboleta visita a flor sem pensamento.
A flor abre-se, a borboleta vem;
a borboleta vem, a flor abre-se.
Não conheço os outros;
o outros não me conhecem.
Por meio do não saber seguimos o curso da natureza.
(Ryôkan)
]]>No meu jardim
fiz crescer arbustos de trevos,
erva suzuki,
lilases, dentes-de-leão,
floridos árvores da seda,
bananeiros, glórias-da-manhã,
epatóriuns, asteres,
tradescantias, hemerocallis.
Noites e manhãs
a amá-las todas,
a regá-las, nutri-las,
a protegê-las do sol.
Toda a gente dizia que as minhas plantas
estavam no seu melhor.
Mas em vinte e cinco de maio,
ao pôr-do-sol,
um vento violento
soprou como louco,
batendo e arrancando as minhas plantas.
A chuva verteu-se,
machucando ramos e flores
contra a terra.
Foi doloroso,
mas como o trabalho do vento,
tenho que deixá-lo estar...
(Ryôkan)
]]>O Grande Mestre Ba estava doente de morte. O sacerdote-mor do templo perguntou-lhe: Como se tem encontrado estes dias, Mestre?
O Grande Mestre respondeu: Buda de uma era, buda de um dia.
(Crónicas da Falésia Azul)
Jôshû, leccionando à sangha, disse:
'A Via Suprema não é difícil: simplesmente evita o apego e o rechaço'. Mas se uma só palavra for acrescida, já será uma ação de rechaço ou apego à 'Natureza Luminosa'. Este velho monge não acredita na Natureza Luminosa. E vocês, monges, querem aferra-se a isto com tanta força?
Então um monge perguntou: Dizes que não acreditas na Natureza Luminosa. Assim sendo, que é isso a que poderíamos aferrar-nos?.
Jôshû disse: Também não sei.
O monge disse: Se tu, mestre, não sabes, como podes dizer que não acreditas na Natureza Luminosa?.
Jôshû disse: Vocês já perguntaram muito, agora façam uma reverência e vão-se.
(Crónicas da Falésia Azul)
]]>O emperador Bu de Ryô perguntou ao grande mestre Bodhidharma
"Qual é o significado último da suprema realidade?"
Bodhidharma respondeu
"É clara e vazia, sem nada supremo."
O emperador disse
"Quem és tu, que estás à minha frente?"
Bodhidharma disse
"Não sei!"
O emperador não compreendeu.
Assim, Bodhidharma atravessou o rio Yangtse e foi-se ao reino de Gi. Um tempo mais tarde, o Emperador perguntou a Shikô a sua opinião.
Shikô disse:
"Sabe vossa magestade quem é esse homem?"
O emperador disse:
"Não sei!"
Shikô disse:
"Ele é o Mahasatva Avalokitesvara, que transmite o selo da Mente de Buda"
O emperador agradeceu e quis enviar um emissário para trazer de volta Bodhidharma. Mas Shikô disse:
"Magestade, não tente enviar um emissário que o traga de volta. Mesmo se todas as pessoas do país lhe fossem pedir, ele não voltaria".
(Crónicas da Falésia Azul)
]]>Peónias selvagens
agora mesmo no seu ponto máximo
de gloriosa floração completa.
Demasiado preciosas para colhê-las.
Demasiado preciosas para não colhê-las.
Ó pinheiro solitário!
Dava-te de bom grado
o meu chapeu de colmo
e o meu casaco de palha
para te cobrires da chuva.
(Ryôkan)
]]>O denso arvoredo de bambu à volta da minha cabana
mantém-me cómodo e fresco.
Rebentos proliferam, bloqueando o caminho
enquanto os galhos velhos procuram o céu.
Anos de geadas dão espírito ao bambu;
são mais misteriosos quando embrulhados na névoa.
O bambu é resistente como o pino ou o carvalho
e mais subtil que a flor do pessegueiro e da ameixeira.
Cresce direito e alto,
oco por dentro, mas com raiz robusta.
Amo a pureza e honestidade do meu bambu,
e quero que cresça aqui para sempre.
(Ryôkan)
]]>Primeiramente florescido no Paraíso do Oeste,
o lótus tem-nos deleitado durante tempo infinito.
As suas pétalas brancas estão cobertas de orvalho,
as suas folhas verdes de jade espalham-se pela lagoa,
e a sua fragrância pura perfuma o vento.
Majestoso e calmo, surge das águas escuras.
O sol está a pôr-se por trás das montanhas
mas eu fico no escuro, demasiado cativado para me ir embora.
(Ryôkan)
]]>Quando todos os pensamentos
estão exaustos,
adentro-me no bosque
e colho
um monte de prémios de pastor.
Como o pequeno riacho
faz o seu caminho
entre as fendas musgosas
também eu, em silêncio,
me torno claro e transparente.
-------
No fundo do vale, esconde-se uma beleza:
serena, sem igual, incomparavelmente doce.
Na sombra calma da moita de bambu,
parece que suspira pelo amante.
(Ryôkan)
]]>À noite, no fundo das montanhas,
sento-me em zazen.
Os assuntos dos homens nunca chegam aqui:
tudo é tranquilo e vazio,
e o incenso já foi engolido pela noite sem fim.
O meu kesa tornou-se uma tela de orvalho.
Incapaz de dormir, saio a caminhar entre as árvores -
subitamente, por cima do pico mais alto, aparece a lua cheia.
------------
Na minha hermita, um volume dos Poemas da Montanha Fria -
é melhor do que qualquer sutra.
Copio os seus versos e penduro-os á volta
saboreando cada um, uma e outra vez.
(Ryôkan)
]]>gostava de falar de corcoesto
cabana de bergantinhos
galiza
mas faltam-me palavras
para dizer
enchi
distrito aomin-suaman
ghana
quero falar de corcoesto
e chego definitivamente tarde
á floresta tropical
quantas palavras
já deitei na lixeira procurando o verso certo
quantas vezes busquei a informação precisa
para o verso preciso
que nunca chega
mas quero falar de corcoesto e enchi
debruço-me a esta janela que é um ecrã em branco
e deixo que as palavras digam
da ética do ganho por cima de qualquer coisa
o mundo à volta do lucro sem pensar na terra que vamos deixar aos filhos
os filhos e nós próprios a respirar arsénico ou cianeto
a facada à paisagem que nunca mais seremos
o ouro como metáfora do valor deslocado da realidade ao símbolo
a cegueira de uma promessa que são só palavras vazias de político medíocre
sinto-me intoxicado ao ver no ecrã da sala tanta mentira repetida uma e mil vezes
mentiras de ouro
mentiras de arsénico
mentiras de cianeto
então deito-me no sofá e fecho os olhos
e quero falar de enchi mas não sei que coisa seja corcoesto nem ghana
nem o cianeto nem o arsénico nem balsas
o ouro agarra-se-me aos dedos e não posso mover um músculo
o arsénico no cérebro faz que não respirem os neurónios
o cianeto envereda nos pulmões e mal respira o meu corpo
e logo a dor de cabeça os vómitos os desmaios
e acordo e fiz cocó sobre mim próprio
e acordo e fiz xixi sobre os meus versos
e acordo e fiz cagada sobre a paisagem de corcoesto
ghana cabana de bergantinhos enchi planeta galiza mundo
e então abro os olhos
e falo de corcoesto
e enchi
a mesma mina
a céu aberto
e coração fechado
as tuas fotos vêm comigo
de casa em casa
de escuro a escuro
esconderijo
nelas estás nua
e nelas
estamos nós
há tanto tempo
nus
tu tão bonita
eu
tão tristemente homem
aquela miúda que ficou comigo
no papel fotográfico
e na memória
também ficou na vida
às vezes penso como pude
conseguir que me amasse
tanta beleza
é claro que não pude
é um mistério de esfinge que me ames
como o teu corpo que produz orgasmos
no teu umbigo remoinham-se arrepios
da minha pele
xiqueta que sempre foste
e és
falta-me tantas vezes o teu corpo breve
quase apagado nos meus braços
os teus peitos que não se apartam dos meus olhos
o teu sexo
que consegue engolir-me inteiro apenas por um apêndice
hoje escrevo estas palavras na distância
amanhã
terei contigo
então verei a prova da constância
desta mente de mono enlouquecido
e oxalá possa abraçar-te intensamente
e aguentar no sofá durante horas
as séries de que gostas
e oxalá o teu cabelo não me moleste no nariz
e possa abraçar-te deitadinhos
tentando acalmar-te quanto possa
as dores menstruais
mas entretanto
estás aqui
nos meus dedos
feita papel
e cores
deusa dos meus instintos
senhora dos meus pecados
menina e moça desse olhar malandro
que me desperta ao coração do mundo
Pois é, sou realmente um asno
que mora entre árvores e plantas.
Não me perguntem sobre as ilusões e a iluminação -
este velhote só gosta de sorrir para si próprio.
Vagueio pelos riachos com as minhas pernas ossudas,
e levo comigo uma sacola no bom tempo da primavera.
Essa é a minha vida,
e o mundo nada me deve.
A beleza chiante deste mundo nada me diz -
os meus amigos mais próximos são as montanhas e o rios,
as nuvens engolem a minha sombra segundo vou passando.
Quando me sento nos penhascos, os pássaros pairam sobre a cabeça.
Calçando chinelos de palha para a neve, visito aldeias frias.
Vai tão fundo quanto puderes na vida,
e poderás esquecer-te até das flores.
* * * * * *
Um trilho solitário entre dez mil árvores,
um vale nevoento entre mil cimeiras.
Ainda não é outono, mas as folhas já estão a cair.
Por enquanto não chove, mas na mesma as rochas escurecem-se.
Com o meu cesto, procuro cogumelos;
com o meu balde, vou procurar água pura da nascente.
Se não te perderes de propósito,
nunca vais chegar tão longe.
Subo ao Corredor da Grande Compaixão
e olho para as nuvens e o nevoeiro.
Árvores antigas estiram-se para o céu,
e a brisa fresca fala de dez mil gerações.
Por baixo, a Nascente do Rei Dragão -
tão pura que podes ver o seu princípio.
Às pessoas que passam, grito
'Venham! Venham ver-se refletidos na água!'.
(Ryôkan)
]]>Na quietude através da janela vazia,
sento-me em zazen vestindo o meu kesa de monge.
Nariz e umbigo alinhados,
orelhas paralelas aos ombros.
A luz da lua inunda o quarto.
A chuva parou mas o beiral não deixa de pingar.
Perfeito este momento -
na vasta vacuidade, a minha compreensão faz-se mais funda.
(Ryôkan)
]]>Às vezes vida
sangrando na
palavra interior
das cosmologias,
ardendo na língua
extensa deste amor
que habita no vazio
e descobre a sua
densidade perfeita.
Somos verso sem
olhos alçando-se
em silêncio até
destruir as casas
feridas pelo medo,
extraviados dos
nossos corpos
como no início
de uma música
entre a luz e a
noite, infinita.
Contra a língua de borracha das vacas e as mãos lavradoras dos homens
os cardos espicaçam o ar do verão
ou crepitam ao abrirem-se sob a pressão azul-escura.
Cada um deles um rebento vingativo
de ressurreição, um molho colhido
de armas estilhaçadas e gelo islandês atirado para cima
da sombra soterrada de um viking apodrecido.
São como o cabelo pálido ou o som gutural dos dialectos.
Cada um deles maneja uma pena de sangue.
Depois crescem a se tornar cinzentos, como os homens.
Ceifados, é uma batalha. Os seus filhos aparecem
rijos e armados, voltando para lutar no mesmo campo.
(Ted Hughes)
]]>No grande, espalmado, olho dormido da montanha
O urso é o brilho na pupila
Pronto para acordar
E focar num instante.
O urso está a fitar
Começando a acabar
Com fita de ossos de pessoas
No seu sonho.
O urso está a escavar
No seu sonho
Através do Muro do universo
Com um fémur de homem.
O urso é um poço
Demasiado fundo para brilhar
Em que o teu grito
Está a ser digerido.
O urso é um rio
Em que as pessoas que se chegam para beber
Se veem a si próprias mortas.
O urso dorme
Num reino de muros
Numa aranheira de rios.
Ele é o piloto da barca
Para a terra da morte
O seu preço é tudo.
(Ted Hughes)
]]>O que sou eu? A meter o focinho aqui, movendo as folhas
a seguir uma leve mancha no ar até à beira do rio
Entro na água. Quem sou eu para partir
o fio cristalino da água a olhar para cima vejo o leito
do rio sobre mim de cima para baixo muito claramente
O que é que faço pairando no ar? Porquê será que acho
esta rã tão interessante enquanto inspecciono o seu mais secreto
interior e o faço meu? Será que estas ervas daninhas
me conhecem e nomeiam umas às outras ter-me-ão
visto com antecedência será que tenho lugar no seu mundo? Pareço
separado do chão e sem raízes mas deixado cair
casualmente do nada não tenho fios
que me atem a nada posso ir a qualquer parte
Parece que me foi dada a liberdade
deste lugar o que serei portanto? E colectar
cascas de árvores desta estampa podre produz-me
prazer nenhum e é inútil então porque é que o faço
meu e fazendo-o já coincidi de forma tão estranha
Mas como devo ser chamado sou o primeiro
tenho um dono que forma tenho que
forma tenho por acaso sou grande se for
até ao fim deste caminho passasse essas árvores e passasse essas árvores
até ficar cansado isso é tocar numa parede minha
de momento se eu me sento em quietude igual que tudo
para de olhar para mim suponho que sou o centro exacto
mas está tudo isto o que é que é raízes
raízes raízes raízes e aqui está a água
outra vez muito estranha mas continuarei a olhar
(Ted Hughes)
]]>Se alguém perguntar
pela minha morada
eu respondo:
'A beira Este
da Via Láctea'.
Como uma nuvem flutuante
atada a nada
tão só me deixo ir
abandonando-me
ao capricho do vento.
------
Esfarrapada e despedaçada, esfarrapada e despedaçada,
esfarrapada e despedaçada é a minha vida.
Alimento? Recolho-o da beira da estrada.
O mato e os arbustos ultrapassaram em muito o meu chapéu.
Muitas vezes eu e a lua sentamo-nos juntos durante toda a noite,
e mais de uma vez deixei-me perdido sobre as flores selvagens, esquecendo voltar a casa.
Não espanta que tenha deixado a vida em sociedade.
Como poderia um monge tão louco viver num templo?
(Ryôkan)
]]>Quando era jovem deixei de lado os meus estudos
e aspirei a ser um santo.
Vivendo na austeridade, como monge mendicante,
vagueei por muitos lugares durante muitas primaveras.
Finalmente voltei a casa para me assentar sob um pico penhascoso.
Vivo em paz numa cabana de palha,
com os pássaros como toda música.
As nuvens são os meus melhores vizinhos.
Por baixo, uma pequena nascente em que refresco corpo e mente;
por cima, elevados pinheiros e carvalhos, que me fornecem sombra e palha.
Livre, tão livre, dia após dia -
não quero ir-me nunca!
(Ryôkan)
]]>Uma velha sepultura esquecida aos pés de uma colina deserta
coberta de erva daninha que foi crescendo ano após ano, sem ninguém cuidar dela;
não há mais ninguém para atender a tumba
e só ocasionalmente um lenhador passa por perto.
Em tempos fui o seu aluno, um jovem de cabelos desgrenhados,
e aprendi profundamente dele ao pé do Rio Estreito.
Uma manhã parti na minha viagem solitária,
e em silêncio passaram os anos entre nós.
Agora voltei para encontrá-lo aqui no seu descanso.
Como poderia eu honrar o seu espírito ido?
Verto um merlo de água pura sobre a sua lápide
e ofereço uma oração silenciosa.
O sol desaparece súbito por trás da colina
e sou envolvido pelo rugido do vento entre os pinos.
Tento tirar-me dali mas não consigo:
um fluxo de lágrimas ensopa as minhas mangas.
(Ryôkan)
]]>Volto à minha aldeia depois de muitos anos de ausência:
doente, entro numa velha pousada e ouço a chuva.
Um kesa e uma cunca é tudo o que tenho.
Acendo incenso e esforço-me em sentar-me em meditação.
Durante toda a noite há uma garoa calma que cai além da janela escura
e dentro, pungentes lembranças destes anos de peregrinação.
(Ryôkan)
]]>Deitando a vista atrás, lembro os meus dias em Entsu-ji,
e o esforço solitário para encontrar a Via.
Carregar lenha fazia-me lembrar Layman-Ho;
quando polia arroz, o Sexto Patriarca vinha à minha mente.
Sempre era o primeiro da fila para receber os ensinamentos do mestre,
e nunca perdia uma hora de meditação.
Trinta anos passaram desde que
abandonei as verdes montanhas e o mar azul daquele lugar querido.
O que é que foi de todos os meus colegas discípulos?
Como poderia esquecer o meu amado mestre?
As lágrimas não param de fluir, confundidas com o riacho serpenteante da montanha.
(Ryôkan)
]]>A linhagem dos Budas enraíza nos seus condicionantes, o ensinamento dos Budas surge de iniciar o caminho. Uma vez que encontre boas condições, não deve deixá-las, e deve cultivar a prática. Na prática encontrará aceitação e rejeição.
Estando aqui, não deve tropeçar com o passado, deve encontrar o Caminho. Na busca do Caminho há prática, há esforço; se um dia atravessar o Caminho, todas as coisas serão completas, mas enquanto não o atravessar, todas as coisas estarão erradas.
Uma vez houve certo monge na sangha de um dos mestres clássicos, que estava a servir como superintendente no mosteiro.
Um dia o mestre perguntou-lhe: "Há quanto tempo estás aqui?"
O monge respondeu "Até agora três anos". O Mestre Zen perguntou de volta "És novo. Porque é que nunca fazes perguntas sobre os Ensinamentos?". O monge respondeu: "Não me atreveria a enganar-te: já consegui entender quando estive a servir outro mestre zen".
O Mestre Zen disse então "Por meio de que palavras o conseguiste?". O monge disse "Uma vez perguntei ao mestre 'Qual é a verdadeira natureza de quem estuda?'. O mestre disse-me 'O deus do lume vem procurando lume'".
Ao ouvir esta história, o Mestre Zen notou: "Essa é uma boa frase, mas receio que você não entendeu".
O monge disse: "O deus do lume é a natureza do lume; procurar lume com lume é como procurar o vazio com o vazio".
O Mestre Zen retorquiu: "Realmente você não entendeu. Se o Buda-dharma fosse dessa maneira, nunca teria chegado ao presente".
O monge foi-se embora cheio de raiva, mas enquanto saía pensou: "Este mestre tem mais de quinhentos discípulos. Deve de ter algo de razão na sua advertência de eu estar errado".
Assim, foi de volta para o Mestre Zen e desculpou-se. O mestre recomendou-lhe: "Faz-me a pergunta", e o monge perguntou: "Qual é a verdadeira natureza de quem estuda?". O mestre disse: "O deus do lume vem procurando lume!". Perante isto, o monge obteve uma grande iluminação.
Antes tinha sido "O deus do lume procurando lume" e depois também foi "O deus do lume procurando lume". Porquê a primeira vez caiu na compreensão inteletual, em lugar de ser iluminado? Porquê foi grandemente iluminado depois, abandonando o seu ninho de clichés?
Querem entender?
[Silêncio]
(Dôgen Zenji)
]]>Quando eu era um rapaz
borboleteava pela cidade como uma lâmina alegre,
vestia a suavidade do entardecer como uma capa
e montava um esplêndido cavalo zaino.
Durante o dia, galopava à cidade.
À noite, embebedava-me sobre as pétalas de pessegueiro ao pé do rio.
Nunca me preocupou voltar a casa, e muitas vezes
acabei com um grande sorriso no pavilhão do prazer.
(Ryôkan)
]]>A nuvem louca.
A sensação eterna de queda
haja ou não haja queda.
O fluxo cego que gravita em torno à gorja.
Este é o corpo real
e do real.
O remoinho
de sensações em torno ao estômago.
Estômago o centro do mundo
digerindo
pedras nas tripas.
A segurança
do ar.
O vento.
]]>É pena um homem nobre a compor poemas em seu retiro refinado.
Modela o seu trabalho segundo os versos clássicos da China,
e os seus poemas são elegantes, cheios de frases preciosas.
Mas se não escrever de coisas do fundo do seu próprio coração,
de que serve atirar para fora tantas palavras?
(Ryôkan)
]]>Quem diz que os meus poemas são poemas?
Os meus poemas não são poemas!
Quando conseguires compreender isto
poderemos falar de poesia!
(Ryôkan)
]]>Até desfazer estruturas fixadas é girar no fluxo do nascimento e da morte; até leccionar o caminho médio é ilusão e erro.
Se estudares assim, estudas acompanhado pelos Budas. Se o estudares de outra maneira, estás a estudar sozinho.
Estudar com os Budas ou estudares sozinho; leccionar um metro e leccionar um kilómetro; falar de dez ou falar de nove. São coisas diferentes.
Que significa 'de outra maneira'? És tu próprio. Que significa 'assim'? São os Budas.
Quando o grande Baso começou a dar ensinamentos, o seu mestre Nangaku disse ao seu próprio grupo 'Está Baso a dar ensinamentos às pessoas?' Disseram-lhe que estava e Nangaku disse 'Nunca vi ninguém dar notícia disso'. Ninguém teve uma resposta.
Assim que Nangaku enviou um monge junto a Baso, com as seguintes instruções: 'Quando Baso se levantar na sala de leituras para os ensinamentos, pergunta-lhe como é ele, lembra a resposta e vem de volta'.
O monge foi e fez o que lhe foi dito. Quando voltou, disse a Nangaku, "Baso disse 'desde a rebelião dos Bárbaros, nestes últimos trinta anos, não me tem faltado o sal e a sopa para as comidas"
Pego nesta história e faço uma bola com ela, que ofereço aos iluminados. Há três pessoas que o testemunham: um diz que estou a oferecer flores, outro que estou a oferecer um precioso incenso, outro que estou a oferecer a cabeça, os olhos, o tutano e o cérebro.
Deixando de parte o testemunho destas três pessoas, como poderia o testemunho de toda a comunidade supor uma explicação para as pessoas ordinárias?
"Nos milhões de anos desde a rebelião dos Bárbaros, nunca me tem faltado sal e vinagre".
(Dôgen Zenji)
]]>Uma única declaração desfaz a obstrução da fixação; uma única declaração enche todo o espaço. Diz-me: que declaração empregam os iluminados para ajudar as pessoas?
Sei uma declaração nova, que os iluminados nunca disseram, e que vou dizer-te agora.
Pronto.
(Dôgen Zenji)
]]>Um antigo disse: 'Entender o significado fundo procurando nas escrituras é contrário ao Buda de todos os tempos. Mas esquecer uma simples palavra das escrituras pode tornar a fala nalgo malicioso'.
Quando não dependemos das escrituras, mas não nos separamos delas, como é que praticamos?
[Levantando um batedor]
Este é o meu batedor. O que é que é a escritura?
O que segue é demorado. Deixo-o para outro dia.
(Dôgen Zenji)
]]>Nem sequer agir dacordo com a visão do momento oportuno é uma boa técnica; enquanto continuares a te manejar a partir das manifestações físicas, não vou aceitá-lo.
É por isso que se diz 'Que coisa é essa, que chega dessa maneira?'.
Qual o princípio por trás de 'Que coisa é que chega'?
[Silêncio]
A verdade não esconde a falsidade, o torto não encobre o recto.
(Dôgen Zenji)
]]>Eu não fui a muitos mosteiros, mas aconteceu-me ver o meu mestre e reparar logo que os meus olhos são verticais e o meu nariz horizontal. Assim que não estava para ser enganado por ninguém. É por isso que voltei com as mãos vazias, e não tenho nenhum Budismo em absoluto; passo o tempo a deixá-lo fluir. Todas as manhãs o sol sai no este e todas as noites a lua aparece no oeste. Quando as nuvens se vão, o espinhaço das montanhas vê-se nu; quando a chuva passou, as colinas em volta pairam baixinho. Afinal, como é isto? [Silêncio] Um ano bissexto depois de cada três; o galo canta ao amanhecer.
(Dôgen Zenji)
]]>Em tempos antigos, um homem que estava no topo de uma torre viu passar dois monges precedidos de dois deuses varrendo e semeando de flores o caminho por onde iam a passar.
Depois, quando os monges voltaram, havia dois demónios a gritar e cuspir, apagando as suas pisadas.
O homem desceu da torre e perguntou aos monges porque é que acontecia isso.
Os monges disseram: "Quando fomos, discutíamos sobre os princípios ensinados pelo Buda; quando voltámos falávamos de coisas triviais. Essa deve de ser a razão do fenómeno".
Os dois monges foram iluminados por este facto, arrependeram-se e foram-se embora.
Ainda que isto é uma objetivação grosseira, quando a examinas com cuidado reparas que é um assunto da maior importância para as pessoas que estudam a Via. Porquê? Simplesmente porque lá fora os objectos aparecem quando surgem pensamentos emotivos. Se os pensamentos não se formarem, não são objectos apreensíveis.
No caso desta velha estória, os deuses encontraram um caminho sobre o que deitar flores, e os demónios acharam um caminho que espezinhar: por isso as coisas aconteceram dessa maneira. Mas que acontece quando os deuses não acham um caminho sobre o que deitar flores e os demónios não acham um caminho que espiar?
Querem perceber? Estou para dizer agora o que ainda não tinha sido dito pelas gerações anteriores.
Os Budas não aparecem no mundo em virtude de experiências meditativas, poderes, ou conhecimentos ocultos. Simples pessoas ordinárias, mas com sabedoria, também realizam estas meditações, ainda que não se apercebam da sua pureza sem contaminação. Se o iluminado lhes explicasse, eles também realizariam a não-contaminação.
(Dôgen Zenji)
]]>A iluminação suprema não é para um próprio nem para os demais, nem para ganhar fama nem dinheiro. Procurar apesar disso a iluminação incomparável, com todo o coração e a mente, perseverando e sem dar passos atrás é chamado 'despertar a mente para a iluminação'.
Uma vez que consegues que apareça esta mente, nem sequer por amor à iluminação é que procuras a iluminação. Esta é a verdadeira mente do despertar. Sem esta mente, como poderás praticar o verdadeiro caminho à iluminação?
Aqueles que procuram a iluminação com decisão não devem cansar-se nesta busca; não devem abandonar. Aqueles que não conseguiram a mente do despertar têm de rezar aos Budas passados, e dedicar as suas boas ações à procura da mente do despertar.
Alguém perguntou uma vez a um grande mestre Zen: 'Todas as coisas voltam ao Um. Para onde volta o um?'.
Então o mestre Zen disse: 'Quando eu vivia em tal e qual lugar, fiz uma camisa que pesava três Quilos'.
Assim é que falavam os antigos iluminados. Se alguém me perguntasse 'Todas as coisas voltam ao Um. Para onde volta o um?' eu diria que à transcendência.
Se me perguntassem porque digo isso, diria que eu estou dentro, fazendo oferendas a biliões de Budas.
(Dôgen Zenji)
]]>Um praticante perguntou ao mestre zen: 'Em que estás a pensar tão intensamente?'
O mestre respondeu: 'Penso naquilo que não pode ser pensado'.
O praticante perguntou: 'Como podes pensar no que não pode ser pensado?'.
O mestre respondeu: 'Não o penso'.
(Dôgen Zenji)
]]>O ditado de que não ter mente é Buda tem origem na Índia, o de que a própria mente é Buda na China.
Se compreenderes isto estarás tão longe como o céu está da terra.
Se não perceberes és só um de tantos.
Finalmente, que quer dizer isto?
(Dôgen Zenji)
]]>Os anos de uma vida são o brilho instantâneo de um relâmpago. Quem se prende aos objetos? São totalmente vácuos. Mesmo se te preocupares pelo nariz pendurado diante da tua cara, toma cuidado e valoriza todo momento para trabalhar na iluminação.
Isto é um conselho para as pessoas que meditam. Que tal um conselho para os praticantes maduros da montanha?
(Dôgen Zenji)
]]>Clique aqui para descarregar o arquivo (.pdf)
]]>Às Vezes Vida, o meu primeiro livro de poemas. O original foi publicado pelo Ateneo de Pontevedra na primavera de 2002, com ilustrações de Elke Arfsen. A presente edição é de responsabilidade única do próprio autor, dez anos depois.
]]>Penteaste-me os cabelos de espiga de milho,
menina triste na carteira da escola.
Lavaste-me o corpo todo e chupei nas tuas tetas
impossíveis de abranger.
Agora olhas pra mim desde esta foto
que atravessa o tempo
e o teu globo ocular é um mapa múndi.
Às vezes vejo-me eu próprio com o mesmo
medo com que me espreitas nesta imagem.
Às vezes busco em ti um começo de tudo
impossível no fundo.
Às vezes não vejo fundo nos teus olhos.
Mas tu seguras a carteira
como a buscar uma certeza a que agarrar-te
na vertigem do tempo.
Tu que confundes Viena com Veneza,
e tanto mundo correste,
és só uma menina agora na carteira da escola,
o corpo mais pequeno numa ilha pequena
em que me rebentou a vida.
Nem imaginas o que chegou depois da infância.
Quase nem eu, que sou depois de tudo, sei dizer-te
da irmã loirinha como uma boneca de verdade
que nunca deixaste de cuidar,
como entraste na fábrica e conheceste
um homem baixo e feio que te cativou
(é assim a vida)
e casaste e pudeste ver o mundo
dos mapas do teu pai.
Depois vieram filhos que cuidaste,
e tempos depois eu,
loirinho e lindo
como ninguém consegue imaginar-me.
O tempo passa assim mas tu nem sabes:
só pensas coisas tristes na carteira.
Talvez teu pai,
o rude marinheiro,
que vais saber depois cheio de sonhos,
te imponha medo.
Ou tua mãe a pobre esposa
que quer ser senhorita
fechada numa casa em Pedra Serrada.
Estás tão séria que não sei dizer-te
se foste feliz durante a infância.
Oxalá pudesse fazer-te coceguinhas
para te ver os dentes,
e pegar na tua mão dentro da minha
para levarmos os olhos de passeio.
Por isso passo os meus pelo mapa da vida,
e por isso te faço rir por minha boca
a cantar a tabuada.
Por isso seguro agora a tua mão que existe
dentro de mim:
a que abarca a minha nos momentos difíceis,
a que segura a carteira contra o tempo.
A mão que penteou o milho,
a tua irmã,
os teus filhos
e é a mesma
mão com que escrevo.
Neste vasto reino
quem entende o meu Zen?
Mesmo se o mestre Kidô aparecesse,
não valeria um céntimo!
(Ikkyu Sojun)
]]>A longa espada lampeja contra o céu,
o meu esqueleto exposto para todos verem.
Sou elogiado como um general do Zen
que provou o sabor da vida e desfrutou o sexo a fundo!
(Ikkyu Sojun)
]]>Os descendentes de Daitô quase extinguiram a sua luz;
Depois de uma noite tão longa e fria, será difícil derreter o frio, mesmo com as minhas canções de amor.
Durante cinquenta anos vadiei de agasalho e chapéu de palha-
e agora sou mortificado com um robe púrpura de abade.
(Ikkyu Sojun)
]]>Há dez anos, por baixo dos rebentos de flores, selamos uma aliança perfumada.
Cada passo que demos foi uma delícia, cheio de paixão infinita.
Que doloroso é não voltar a usar a tua coxa de almofada.
Fazendo o amor docemente, prometemos estar juntos para sempre.
(Ikkyu Sojun)
]]>Incluso entre as belezas ela é a minha pérola preciosa:
uma linda princesa neste mundo de sofrimento.
Ela é o resultado inevitável do amor verdadeiro
e nem sequer um mestre Zen será suficientemente bom para ela.
(Ikkyu Sojun)
]]>A árvore murchou todas as folhas mas tu trouxeste uma nova primavera.
Longos brotos de ramas, flores verdejantes, promessas frescas.
Mori, se alguma vez esqueço a profunda gratidão que te devo,
que arda no inferno para sempre.
(Ikkyu Sojun)
]]>Ao pé do mar ou na montanha
um homem da Via não busca fama nem fortuna.
Noite após noite, como dois pássaros, nós aninhamos em samadhi,
submersos nos galanteios, nas conversas íntimas e a felicidade do orgasmo.
(Ikkyu Sojun)
]]>Vivo apaixonado pela belíssima Mori do jardim celestial.
Deitados nas almofadas, com a língua no estame da sua flor,
a minha boca enche-se do perfume puro das águas do riacho.
Chega o ocaso, depois a noite sombria, enquanto nós cantamos canções frescas de amor.
(Ikkyu Sojun)
]]>O perfume do seu narciso faz com que o meu gomo flore e sele o nosso pacto de amor.
A delicada fragrância da flor do desejo.
Como uma ninfa flutuante, leva-me ao porto dos jogos amorosos,
noite após noite, por um mar de esmeralda, sob o céu de safira.
(Ikkyu Sojun)
]]>Morreu o inverno, mas a nossa poesia brilha;
bêbados após esvaziar cálice após cálice.
Há muitos anos que desfruto este doce jogo de amor.
Desaparece a lua, rompe a aurora, mas quase nem nos apercebemos.
(Ikkyu Sojun)
]]>No teu dormitório, emoções para uma cascata de poemas.
No meio das flores cantamos e dançamos cheios de felicidade,
a fazer exercício como patos mandarins. -
O nosso jogo de amor eleva-se a alturas inimagináveis!
(Ikkyu Sojun)
]]>O meu amor cego vai de palanquim quando sai na primavera.
Quando estou totalmente à rasca levanta o meu desânimo.
É tudo a rir-se de nós, mas eu adoro
olhá-la fixamente na sua elegante beleza.
(Ikkyu Sojun)
]]>A minha mão não é comparável à de Mori.
Ela é a mestra inigualável do jogo do amor.
Quando o meu talo de jade desfalece, consegue fazê-lo florir!
Como desfrutamos o nosso pequeno círculo amoroso.
(Ikkyu Sojun)
]]>Todas as noites, a Cega Mori acompanha-me a cantar.
Por baixo dos lençóis, dois patos mandarins sussurram-se um a outro.
Prometemos estar juntos para sempre,
mas este velhote já está a desfrutar uma pimavera eterna.
(Ikkyu Sojun)
]]>A mais bonita e verdadeira de todas as mulheres;
as suas músicas a fresca e pura melodia do amor.
Uma voz e um sorriso doce que me rasga o coração -
Estou numa floresta primaveril de deliciosas macieiras vermelhas.
(Ikkyu Sojun)
]]>O amor sexual pode ser muito doloroso quando é fundo
e fazer-te esquecer a melhor poesia e prosa.
Porém estou a experimentar uma alegria natural desconhecida até agora:
o delicioso som do vento a acalmar os meus pensamentos.
(Ikkyu Sojun)
]]>A moita de bambu teve alguns brotos novos.
Este velho monge volta a sentir-se jovem.
A minha beleza só tem trinta e seis anos.
A brisa fresca atravessa os muros despedaçados.
(Ikkyu Sojun)
]]>Nem de dia nem de noite consigo esquecer-te
e afundo-me na nostalgia desta cama vazia e escura.
Sonho que nos damos as mãos e trocamos palavras de amor,
mas o sino da aurora arranca-me o coração, fazendo em cacos o meu sonho.
Mulheres, flores que floram e logo se esvaecem;
caras de flores, cheias de rubor, adoráveis como sonhos.
Quando as flores desabrocham, rebentam com força e paixão,
mas depois de caídas, já ninguém volta a falar nelas.
Mesmo se eu fosse um Deus ou Buda, ter-te-ia na mente.
Sento-me sob a lâmpada: um monge raquítico a entoar canções de amor.
A força do vento de outono quase me faz voar
e o meu coração engasgou-se com as nuvens grossas.
(Ikkyu Sojun)
]]>Durante mais de dez anos estive a pregar em casas do prazer.
Agora estou totalmente só no vale escuro da montanha.
Trinta mil grupos de nuvens moram entre mim e o lugar que amo
e só o som do vento melancólico a soprar no pinos chega ao meu ouvido.
(Ikkyu Sojun)
]]>A minha vida tem sido dedicada à devoção ao amor.
Não tenho remorsos de me ter emaranhado de pés a cabeça no fio vermelho,
nem vergonha de ter passado os meus dias como uma Nuvem Louca-
Mas não gosto mesmo nada deste longo, longo outono sem bom sexo!
(Ikkyu Sojun)
]]>Lembranças e fundos pensamentos de amor doem no meu peito.
Esqueci a poesia e a prosa, já não restam palavras.
Há um caminho à iluminação, mas o meu coração perdeu-o de vista.
Hoje ainda estou afogando no Samsara.
(Ikkyu Sojun)
]]>Quando partimos, isso rompeu o meu coração.
As suas faces com pó de arroz eram mais belas que as flores da primavera.
Agora a minha menina adorada está com outrem
a cantar a mesma canção de amor, mas com outra melodia.
(Ikkyu Sojun)
]]>É agradável dar uma olhadela a uma menina que toma banho-
Esfregaste a tua cara de flor e limpaste o teu lindo corpo
enquanto este velho monge se sentava na água quente,
sentindo-se mais abençoado que o próprio emperador da China.
(Ikkyu Sojun)
]]>Há muito tempo houve uma velha que sustentou um monge ermitão durante vinte anos, e encarregara uma menina de dezasseis para lhe levar as comidas. Um dia, a velha deu instruções à jovem de abraçar o monge e perguntar-lhe 'Como te sentes agora mesmo?'. A menina fez como lhe foi dito e a resposta do monge foi 'Sou uma velha árvore murcha numa falésia frígida no dia mais frio do inverno'. Quando a jovem voltou e repetiu as palavras do monge à velha, esta exclamou 'Tenho estado a alimentar este estúpido durante vinte anos!'. Depois expulsou o monge e pôs lume à ermita.
A velha senhora tinha um coração tão grande
que honrou o monge com uma menina com que fazer casal.
Esta noite, se houvesse uma beleza que me abraçasse,
a minha rama de velho salgueiro murcho atiraria um novo rebento!
(Ikkyu Sojun)
]]>Faces rosadas, cabelo embranquecido, cheia de compaixão e amor.
Perdido num jogo de amor, contemplo a sua beleza.
Os seus mil olhos de grande piedade veem tudo, e tudo é para ela redenção.
Esta deusa bem poderia ser a mulher de um pescador, ao pé do mar ou do rio, cantando a salvação.
(Ikkyu Sojun)
]]>Com uma jovem beleza, exercitando o jogo do amor fundo;
sentamo-nos no pavilhão, a menina do prazer e este monge Zen.
Extasiado pelos beijos e os abraços,
não me parece nada que vá arder no inferno.
(Ikkyu Sojun)
]]>Segue cegamente a regra do celibato e não passarás de um parvo;
rompe-a e só serás um humano.
O espírito do Zen manifesta-se de tantas maneiras como as areias do Ganges.
Todo o recém nascido é a consequência da união conjugal.
Por quantas eras têm estado a germinar e desaparecer rebentos secretos?
(Ikkyu Sojun)
]]>A flor de lótus
não é manchada pela lama;
esta gota de orvalho,
tal como é,
manifesta o verdadeiro corpo da verdade.
(Ikkyu Sojun)
]]>Um monge que adora sexo, objectarás!
Apaixonado e de sangue quente, totalmente excitado.
Mas lembra que a luxúria pode consumir toda paixão
tornando o metal comum em ouro puro.
Surgido da imundície do mundo, um santo puritano não está nem perto de um Buda.
Entra uma vez num bordel e a Grande Sabedoria vai explodir debaixo do teu nariz.
Manjusri devia ter deixado Ananda desfrutar numa casa de putas -
agora já nunca vai conhecer os praceres do elegante jogo do amor.
(Ikkyu Sojun)
]]>Koans artificiais e respostas intrincadas é tudo o que os monges têm,
e entregam-se uma e outra vez a políticos e patronos.
Bons amigos do Dharma, tão orgulhosos, deixem que vos diga:
qualquer menina de bordel com brocados doirados merece mais do que vocês.
(Ikkyu Sojun)
]]>Os discípulos de Linji Yixuan nunca entenderam a mensagem do Zen,
mas eu, o Asno Cego, conheço a verdade:
o jogo do amor pode fazer-te imortal.
A aragem outonal de uma só noite de amor
é melhor que cem mil anos de estéril meditação sedente...
(Ikkyu Sojun)
]]>Tem a boca original, mas não diz uma palavra.
Está rodeada por uma magnífica colina de pêlos.
Os seres viventes podem perder-se totalmente nela
mas também é o lugar de nascimento de todos os Budas dos dez mil mundos.
(Ikkyu Sojun)
]]>Vinte centímetros de força, é a minha coisa favorita.
Se estou sozinho à noite, abraço-a totalmente.
Há anos que não é tocada por uma mulher formosa.
Dentro das minhas cuecas existe um universo inteiro!
(Ikkyu Sojun)
]]>Exausto do prazer homossexual, abraço a minha mulher.
O caminho estreito do ascetismo não é para mim;
a minha mente corre na direção oposta.
É fácil ser superficial no Zen - só vou calar a boca
e continuar a jogar ao amor o resto do dia.
(Ikkyu Sojun)
]]>Uma linda noite de outono, fresca e brilhante;
por cima do eco da música e os tambores de uma aldeia distante
o simples tom limpo de uma Sakuhachi traz uma cheia de lágrimas -
e arranca-me de um fundo sonho melancólico.
(Ikkyu Sojun)
]]>Os sábios selvagens não sabem nada:
só mantêm a sua mente sempre focada na Via.
Na natureza não há budas de alto gabarito
e dez mil sutras resumem-se numa única música.
(Ikkyu Sojun)
]]>Um pássaro também canta sutras de salvação
enchendo a floresta de músicas maravilhosas:
as flores da árvore são como bodisattvas
à volta de um pequeno pássaro Buda.
(Ikkyu Sojun)
]]>Criei um pequeno pardal que amava profundamente. Um dia morreu subitamente e, atingido pela tristeza, decidi fazer um funeral ao meu pequeno companheiro, mesmo como se fosse um ser humano. Ao princípio chamei-o de Discípulo Pardal mas, mais ou menos quando morreu, decidi mudar-lhe o nome para Buda Pardal. Finalmente, dei-lhe o título budista póstumo de 'Honorável da Floresta'. Compus este poema em sua memória.
Um corpo de dezasseis pés de púrpura e dourado
jaz entre as árvores gémeas do Nirvana.
Agora libertado da falsidade, além da vida e da morte,
porém presente em mil montanhas, dez mil árvores, centos de primaveras.
(Ikkyu Sojun)
]]>Muitos braços, como Avalokiteshvara sacrificado a mim
e temperado com limão. Perante ele me inclino!
Este sabor a mar é simplesmente digno de deuses!
Sinto-o, Buda, mas este é mais um preceito que não posso seguir.
(Ikkyu Sojun)
]]>Olha, vê como alimento esta minha mente de fénix:
andorinhas, pardais, pombos, corvos, todos os pássaros são aqui bem-vindos.
Linji Yixuan plantou pinheiros, Ikkyu cultiva bambu -
as gerações vindouras vão elogiar-nos por termos feito realmente alguma coisa.
(Ikkyu Sojun)
]]>Cada vez que lhe digo
o que tenciono fazer a seguir,
Layton solenemente inquire:
Leonard, tens certeza
que estás a fazer o incorreto?
(Leonard Cohen)
]]>A riqueza de um poeta consiste em palavras e frases;
os dias e noites de um estudante são perfumados por livros.
Para mim os rebentos de ameixeira na moldura da janela são um prazer insuperável;
um estômago apertado pelo frio, mas ainda fascinado com a neve, a lua e o orvalho.
(Ikkyu Sojun)
]]>Tufões e cheias fazem sofrer toda a gente,
e esta noite não se vai dançar e cantar.
O Dharma flore e murcha, as idades chegam e vão-se:
tão certo mas tão triste - a lua põe-se por trás do Pavilhão do Oeste.
(Ikkyu Sojun)
]]>O caminho que percorro é duro, muito duro, e conheço cada passo.
Estas montanhas e rios devem ser como aquelas da China.
Depois de atravessar inumeráveis ligas e desbravar inumeráveis pergaminhos,
aprendi a saborear a poesia de Du Fu.
(Ikkyu Sojun)
]]>Se o teu zazen não trabalha o assunto da vida e a morte
a fama e a fortuna vão cativar-te por completo.
O ser humano tem uma conta mista que pagará com certeza:
às vezes um delicioso estufado de carne, às vezes um chá fraco de casca de citrino.
(Ikkyu Sojun)
]]>Uma e outra vez
tirando e tirando
desta mesma aldeia.
Se matares os camponeses de fome
como vais viver?
(Ikkyu Sojun)
]]>Os ladrões não roubam em casa dos pobres.
Os bens privados não beneficiam o povo.
A calamidade tem origem na acumulação de riqueza por uns poucos
que perdem a alma por dez mil moedas.
(Ikkyu Sojun)
]]>Livre e sem obstáculos durante trinta anos
Nuvem Louca pratica a sua própria escola Zen.
Centos de sabores condimentam a minha simples bucha:
esta farinha e este chá de raminhas fazem parte da Verdadeira Transmissão.
(Ikkyu Sojun)
]]>É muito mais divertido
acreditar em D_us.
Tens que experimentar alguma vez.
Tenta agora
e descobre se sim
ou não
D_us quer que tu
acredites nele.
(Leonard Cohen)
]]>Mais uma vez vou errando pela Montanha do Este, faminto.
Quando tens tanta fome, uma cunca de arroz vale um milhar de moedas de ouro.
Um digno antepassado deu a sua sabedoria em troca de umas nozes de litchi,
mas eu não posso refrear-me de cantar odes ao vento e à lua.
(Ikkyu Sojun)
]]>Adão comeu a maçã.
Eva comeu Adão.
A serpente comeu Eva.
Isto é o intestino escuro.
A serpente, entretanto
Dorme a comida no Paraíso -
Sorrindo ao ouvir a chamada
Lamuriante de Deus.
(Ted Hughes)
]]>O mundo que há perante os meus olhos está gasto e fraco como eu.
A terra é decrétipa, o céu de tormenta, toda a relva murcha.
Nem uma aragem primaveril sopra sequer a estas alturas,
apenas nuvens de tormenta a engolir o meu pequeno chapéu de juncos.
(Ikkyu Sojun)
]]>Ele não se deita, ele não se levanta.
Ele não pensa sobre as coisas.
Ele não sabe,
e se lhe perguntares vai dizer mu!
Mesmo que não perguntes
ele vai dar-te um mu!
Com perguntas ou sem elas,
ele não tem palavras a dizer.
Honorável Bodhidharma -
que devemos guardar nos corações?
(Ikkyu Sojun)
]]>(Ikkyu Sojun)
]]>Chegar em solidão,
partir em solidão,
as duas coisas são falsas.
Deixa-me mostrar-te
como não partir nem chegar.
De todas as coisas do mundo
nada mais há
de que congratular-se
que uma velha caveira
gasta pelo tempo.
(Ikkyu Sojun)
]]>(Ikkyu Sojun)
]]>(Ikkyu Sojun)
]]>Buda morreu mesmo quando a natureza voltava à vida.
Uma espada separa limpamente alma e corpo.
É difícil obter a budeidade que nem nasce nem morre.
Flores aparecem e desaparecem incesantemente na primavera.
(Ikkyu Sojun)
]]>Encaixado no chapéu cantando versos por trás de uma simples lanterna.
Um monge poeta simplesmente segue a natureza, sem um caminho marcado.
A chegada da primavera aquece a minha melancolia, mas a noite ainda é tão fria
que até congela os rebentos de ameixieira do meu papel de caligrafias.
(Ikkyu Sojun)
]]>Os últimos crisântemos do fim do outono esvaecem-se ao longo da sebe do este;
encaro as montanhas do sul, com os meus pensamentos demasiado longe.
Nada sei dos Três Essenciais ou os Três Mistérios do Zen.
Em lugar disso deleito-me na elegância dos versos de Yuang-ming.
(Ikkyu Sojun)
]]>Ondas do mar do tempo que nos leva,
sal da vida à mistura: nós os peixes
feitos de mar.
Mas pesam-nos moedas sobre os olhos
para pagar barqueiros.
Morremos nos vivos que nos seguram,
e nascemos dos mortos que nos levam.
Temos medo do mar que nos envolve
e somos nós;
movimento ondular que perpetua a vida.
No fundo,
as moedas enterram-se na areia
porque nada há a pagar.
Não há barqueiro.
Apenas mar.
Isso enterramos.
]]>Gosto mais quando ninguém vem.
Prefiro a companhia das folhas caídas e as espirais de flores.
Simplesmente um velho monge Zen, vivendo como devia:
ameixeira murcha a que brotam cem rebentos súbitos.
(Ikkyu Sojun)
]]>Um telhado de colmo sobre três quartos é melhor que sete grandes salas.
Nuvem Louca está aqui recluído, longe do mundo.
A noite faz-se funda e eu fico dentro, sozinho,
única luz a iluminar a longa noite de outono.
(Ikkyu Sojun)
]]>(Ikkyu Sojun)
]]>Quem precisa o Budismo dos mestres oxidados?
Eu passei três décadas só nas montanhas
e resolvi ali todos os meus koans,
vivendo o Zen com os pinos e o vento.
(Ikkyu Sojun)
]]>Nuvem Louca é um demónio na linhagem de Daitô
mas odeia as disputas do inferno.
O que há de bom em velhos koans e tradições esquecidas?
Não voltar a fazer uso das queixas, simplesmente
vou manter-me nos meus tesouros internos.
(Ikkyu Sojun)
]]>Estudar textos e meditar rigidamente podem fazer com que percas a tua Mente Original.
Mas o cantar solitário de um pescador pode ser um tesouro inestimável.
Chuva crepuscular no rio, a lua espia de dentro e de fora das nuvens;
elegante além das palavras, ele canta a sua música noite após noite.
(Ikkyu Sojun)
]]>Lenhadores e pescadores só sabem como usar as coisas.
O que fariam eles com cadeiras elegantes e plataformas de meditação?
Com chinelos de palha e uma bengala de bambu percorro três mil mundos
e moro junto à água, faço banquetes com vento, ano após ano.
(Ikkyu Sojun)
]]>(Ikkyu Sojun)
]]>Nuvem Louca fala da insuperável genialidade de Daitô
mas é abafado pelo ruído de carroças reais às portas do templo:
já ninguém ouve as histórias dos longos anos do Patriarca
com fome e sem abrigo sob a ponte de Gojô.
(Ikkyu Sojun)
]]>O trabalho manual de um mestre não pode ser medido,
mas na mesma os sacerdotes mexem as línguas a explicar 'A Via' e balbuciam sobre o 'Zen'.
Este velho monge nunca se importou com falsas piedades
e arruga o nariz com o cheiro escuro do incenso perante o Buda.
(Ikkyu Sojun)
]]>A Nuvem Louca levada por quem sabe que vento selvagem.
Nas montanhas durante o dia, na cidade durate a noite.
Grito katsu e manejo o bastão quando calha.
Nem Rinzai nem Tokusan fariam par comigo!
(Ikkyu Sojun)
]]>Dez dias neste templo e a minha mente cambaleia!
Entre as minhas pernas o fio vermelho estica e estica.
Se vieres outro dia e perguntares por mim,
procura antes numa banca de peixe, uma loja de saquê, ou num bordel.
(Ikkyu Sojun)
]]>Alegria e tristeza, amor e ódio, luz e sombra, calor e frio, goce e irritação, eu e o outro.
Desfrutar da beleza poética pode facilmente levar para o inferno.
Mas olha o que achamos espargido ao longo de todo o nosso Caminho:
rebentos de ameixeira e flores de pessegueiro!
(Ikkyu Sojun)
]]>Nos nossos dias os monges estudam duramente para dar a volta
a uma frase e ganharem fama como poetas de talento.
Não existe tal talento sob o chapéu de Nuvem Louca, mas ele serve o sabor da verdade
a cocer arroz num velho caldeirão que cambaleia.
(Ikkyu Sojun)
]]>Todos os dias, os sacerdotes examinam ao minuto o Dharma
e sem parar cantam sutras complicados.
Antes deviam aprender a ler as cartas de amor
que mandam o vento e a chuva, a neve e a lua.
(Ikkyu Sojun)
]]>A floresta e os campos, as pedras e as ervas - a minha verdadeira companhia.
Os caminhos selvagens da Nuvem Louca nunca vão mudar.
As pessoas acreditam que sou louco, mas não me importo.
Sendo um diabo nesta vida, não há razão para ter medo do além.
(Ikkyu Sojun)
]]>Uma Nuvem Louca, a esvoaçar no aberto fora,
varrida loucamente pelo ar, tão selvagem como lhe der.
Quem sabe onde irá esta nuvem? Onde será que vai parar o vento?
O sol levanta-se do mar de oriente e brilha sobre a terra.
(Ikkyu Sojun)
]]>Uma breve pausa entre
esta estrada aqui que vaza água
e aquele Caminho ali que nada vaza.
Se chover, é deixar que chova.
Se houver tormenta, que haja!
(Ikkyu Sojun)
]]>tensão nos pés que alastra
à respiração
respiração de aço
em corpo de veludo
totalmente acordado
o mar no estômago constrói as pontes
só
cinco minutos
só
depois o mundo
Sempre
a vertigem do salto
para o outro lado de um próprio.
Às vezes um monstro que atormenta.
Às vezes um espelho que te chama estúpido.
Sempre
o medo.
Saltá-lo é
fitá-lo nos olhos
e esperar que se esboroe.
Às vezes desaparece mesmo. Às vezes
persiste em perseguir-te.
Mas sempre
mede.
O medo.
depois é tudo mar contra uma rocha
alçada ao pé do umbigo
rangem as ramas quando o vento sopra
e oscila a árvore
mas despregamos pulmões
retesando a espinha
que indica o azimute do universo
e navegamos o intestino
sobre a barca das pernas
até voltarmos a porto inadvertidamente
nervos de formigueiro a percorrer as pernas
e uma força inconsciente a me arquear os braços
que respiro pra fora inadvertidamente
tudo longe daqui onde o silêncio
se faz por baixo do umbigo
aqui
é tudo
e o vento espana a palavra
em que se inscreve o mundo circundante
na solidez da veta mais escura
borboletava a dor
contida
da moleza do umbigo
essência de ar lateja ainda
no ventre do sino
contendo as vozes do metal fundido
ómega
om
sineta
e corpo saranam gachamin
no coração do medo
o vento foi fazendo-se narina e a barriga
comprimiu-se com o balanço para diante
do ponto de equilíbrio
o ar respirou-se no meu corpo
pregado ao zafu
como uma seta que caiu da lua
nada há nos dedos que peça ser cantado
e nem sequer o alento marca um ritmo
que ser seguido pelo marinheiro bêbado
fazer-se ao mar é um exercício tolo
mas eis-me aqui
atirado a nadar com um colete
que traga à superfície este poema
depois do temporal
dançou e moveu-me a toda a parte
mas sem ele a postura
tinha sido impossível
coser o corpo ao coração, a língua
às palavras e os ritmos
mascarar-se de espelho perante o espelho
ligar a luz do sol
e dar-se a volta
não espelhar-se em máscaras
percorrer as distâncias
-texto a contexto a texto-
sobre um fio de sangue
tecer com gumes a aranheira e
morder com força nas faíscas apanhadas
]]>Tento moldar o ar a minha volta,
esculpir o conceito do meu corpo
em vão.
Palheta no nariz.
Tremor do vento.
Barriga a dar as horas.
Café expresso.
]]>contei respirações
cumpri esses ciclos
e depois balancei-me levemente
procurando um centro
no movimento oscilante embalou-se o ego
e levantou-me de mim antes do tempo
passam respirações
ficam as dores
o vento aviva o fogo posto
no calcanhar que treme
o fole intensifica em força a pedra
que me transforma em vento
e ardendo o coração lateja
]]>iluminaram-se espaços esquecidos
e só havia pó a pairar no espaço aberto
do quarto em que deixáramos a rocha
dura do coração
feita agora em areia
que apanharemos juntos neste balde
para fazer um castelo em que vivermos
Há tempo que não passava por este blogue meu, e há tempo que não deixava nada por aqui colado. Não vou enganar ninguém: é provável que não volte por aqui também em bastante tempo. Mas chegou-me ao correio electrónico este vídeo que demonstra de forma tão clara o porquê de os galegos sermos todos negros, e não queria deixar de publicar para nos horrorizarmos todos e todas. Às vezes é necessário, nem que seja só para lembrar onde estamos.
]]>O manifesto parte de uma falácia que cai pelo seu próprio peso para qualquer pessoa que more ou tenha visitado algum dos territórios em questão: diz-se que o castelhano está em perigo. Porém, não é bem disso que quero falar. É que, para além dessa falácia inicial, o manifesto está cheio de muitas outras falsidades que têm a ver com a natureza do fenómeno linguístico, apesar de ter uma redacção cuidada que tenta dissimular essas carências, caindo muitas vezes numa total imprecisão. No fundo, também isto não espanta num colectivo (os autores e os assinantes do manifesto) que nunca viu perigar a sua própria língua, e portanto nunca teve de pensar nessa chave. Mas já que estas pessoas se dão ao luxo de intervir publicamente num assunto tão delicado como a política (e planificação!) linguística, não resisto a dar-lhe umas indicações básicas a este respeito, comentando o seu manifesto.
Full story » ]]>Feita nas passadas férias da Páscoa.
]]>As imitações é no que dão.
Encontrei o recortável por aí e não pude evitar fazer a minha versão.
]]>Esquecida entre outras fotos da minhas passadas férias de natal achei esta maravilha que, como se pode comprovar na própria imagem, é da autoria do meu sobrinho, Xohán Outeiro Barbosa. Não podia deixar de postá-la.
]]>...ou pinchamos a bola. E guardo-me o que pensava dizer sobre tirar a um rio uma mulher de moral distraída, porque ainda me obrigam a mim a fechar o blogue.
Seja como for, cá vai, via As tuas Balas, o desenho por que Yolanda queria denunciar Aduaneiros.
P.S.: E enquanto Aduaneiros não voltam a andar (e esperemos que voltem a fazê-lo), fica ISTO por cá para os que não podemos passar sem eles.
]]>(*) Um "meme" é um "gene cultural" que envolve algum conhecimento que passas a outros contemporâneos ou a teus descendentes. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma.
As escadas do amor têm um degrau partido: não se pode ascender sem dar um salto.
E passo a provocação a: Ângelo, Igor e Suso.
PS. Demorou, mas não tinha esquecido.
]]>Vi-o com estes olhinhos e tirei a foto com aquela camarinha. Um poema...
]]>Francisco de seu nome, Samaro de sua alcunha, o seu corpo moldou a complexão forte de todos os Samaros que depois viemos. Nunca soube donde lhe vinha o sobrenome, que suponho herdado. Agora a rede oferece-me apenas a hipótese de Santo Amaro, mas eu prefiro continuar a pensar que venha de mar, por meio de alguma engenharia linguística popular que desconheça.
Foi este o homem que me fez brinquedos na minha infância. Arcos que fossem, setas, espadas de madeira para aumentar os sonhos de Robin Hood ou de piratas que povoavam o meu imaginário. Brincava eu com a as minhas imagens adquiridas de filmes, e tudo aquilo ficava muito longe da realidade. Daí que as aventuras nas Caraíbas de Errol Flynn ou Kirk Douglas em nada me fizessem pensar daquela no meu avô, ele que sabia de mar mais que Flynn e Douglas juntos, e talvez até soubesse mais das Caraíbas, tanto como gostava dos seus mapas e atlas.
Quando, já no liceu, eu e alguns amigos levámos uma iniciativa para reciclar baterias, lembro ter assistido em silêncio às brigas dele com a minha mãe, que insistia em comprar novos tachos, em lugar de empregar os que o Samaro teimava em reciclar com novas pegas de madeira. Naquela altura, inconsciente, estava sem pensar do lado da minha mãe. Suponho que porque o meu avô não sabia que coisa fosse essa da reciclagem, se bem que sempre a tivesse feito, e apesar de que eu, sabendo a teoria, não chegasse nem aos calcanhares do exercício ecológico que era a vida do Samaro.
Falo do que eu lembro dele quando eu era criança e ainda depois, mas sei que este homem teve uma vida muito antes da minha chegada ao mundo. Qual fosse é que eu não sei. Apenas chego a conhecer fragmentos. Casou com a minha avó, isso é certeza. Também sei que assistiu alguma manifestação do 1º de Maio durante a II República, mas não pude saber muito mais, porque a minha avó o fez calar por medo. Trabalhou como ninguém pode imaginar, e no tempo livre simplesmente passeava com o seu cão, sem passar demasiado pela taberna, como sim fazia a maioria dos seus iguais. Lembro-o solitário, e suspeito que sempre tenha sido.
Sei também que ia procurar mexilhão longe, três ou quatro homens na mesma dorna, viagens de vários dias a velear, saindo da calmaria da ria para onde o Atlântico se enerva. Ele vem dessa época em que as indústrias de salga de peixe e de marisco começavam a agromar na Ria de Arousa, e homens, mulheres e crianças jogavam as suas vidas para alimentá-las. Da época, também, em que começou a haver movimentos operários, que suspeito Samaro tenha rondado, sem se implicar demasiado, como correspondia a uma pessoa discreta como ele.
Chegou-nos de uma época em que o "repente" era uma causa de morte, e de repente quis falar dele. E depois desta mínima lembrança que aqui deixo, resulta-me impossível imaginá-lo como seguramente esteja hoje, depois dos enfartes e a apoplexia: grudado ao sofá da casa dos meus pais na Ilha, dormitando perante um ecrã de TV de que só lhe interessaram, em toda a vida, as previsões climatéricas.
]]>Sou um informático ínfimo.
Sou um professor normalinho.
Era um poeta e já não sou.
É verdade que desfruto com o que faço. Mas há dias como hoje que me pergunto onde ficaram as aspirações passadas.
Isto tinha um nome que li há pouco. Síndroma de não-sei-quê: há tantas coisas interessantes para fazer que afinal resulta impossível centrar-se apenas numa.
Aprendi a sonhar da minha mãe. Ou talvez fosse simplesmente a sua presença feminina que fez com que não morresse essa aspiração natural que é imaginar-se melhor e querer sê-lo. Aprendi do meu pai a ser pau para toda a colher, uma pessoa útil, não negar-me, em geral, ao trabalho, e não desprezar esforços, por insignificantes que pareçam, enquanto forem necessários. Bem pensado, talvez simplesmente tenha aprendido as duas coisas dos dois, pai e mãe. E o resultado, suponho, só podia ser isto que sou: alguém disposto a fazer o preciso para o nascimento do sonho de a minha língua vir a ser a portuguesa.
Mas houve um tempo em que me sonhei sobretudo poeta. Escrevia por volta de dois poemas por dia, quando era novo. Depois comecei a deixar de parte a quantidade, mais preocupado pela qualidade. Aos 24 anos, acho que a sensibilidade poética virara modo de vida, graças em grande parte à intervenção da prática do budismo Zen. O poema devia ser sobretudo uma verdade, e passei a entender porque Antero podia pertencer à mesma geração que Eça. Líamos Cioran, Kierkegaard, Lautreamont, Pessoa, Saint-Exupéry somados à minhas anteriores leituras de Valente, que tanto me marcara.
Há pouco disse-me Ramom "tínhamos leituras duras, podíamos ter chegado a ser uma geração das boas". "Só faltava sermos mais de dois", retorqui irónico. E receio que os dois temos razão.
E sem ter morrido a esperança de vir um dia a ser poeta, eis que muitos que na altura considerava maus escritores(sempre, é claro, do meu ponto de vista de um poema precisar ser uma verdade) persistiram na escrita e na vontade de se fazerem públicos. Eu, no entanto, virei-me para as coisas úteis (as que eu considerei, é claro). Fiz-me linguista porque achei que eram precisos professores de língua portuguesa. Nos diversos movimentos em que estive, decidi empregar os meus parcos conhecimentos de composição estética para fazer aquilo que ninguém fazia: aprendi a desenhar coisinhas e fazer leiautes vários com o meu computador. A partir daí, acabei por entrar a fazer parte da equipa do PGL de mão do Valentim, em princípio para fazer imagens, mas logo acabei por aprender quatro noções de desenho web que me foram levando até criar estes blogues todos, e hoje até me ocupo também do Portal. Aqueles que persistiram continuam a ser poetas. Eu sou um responsável técnico.
E não me foi mal, é claro. Não me queixo. Mas às vezes é-me difícil reconhecer-me no passado e preciso vir a este blogue para lembrar os percursos. Desculpem se macei. Já deixo a lareta.
]]>Mais um bocado do mesmo. Encontrei estes desenhos há pouco, fazendo limpeza, e decidi ir colocando-os por aqui. Correspondem a uma época em que tencionava que a minha vida estivesse guiada totalmente pelo Budismo Zen. Estes desenhos eram qualquer coisa como pinturas Sumi-e. O processo criativo era simples: primeiro faz-se uma linha, depois outra, depois outra, até que se intui que está acabado. O importante era que o que se fizesse não se podia apagar, e havia que saber quando parar, além de muitas outras coisas, como o estado de consciência ou a postura corporal.
]]>É apenas um desenho que fiz há muito tempo. Encontrei um pincel na rua e decidi empregá-lo para algo. Mesmo sem ter nem a mínima noção de desenho.
]]>É claro que eu não voto, mas na mesma, sou pelo SIM.
]]>Sei lá, passou-me pela cabeça...
]]>E gostava de me equivocar com esta hipótese sobre os fogos postos. Mas ter a perspectiva de quem vê as coisas de longe, no meu caso de forma forçada, costuma dar certo. Precisamente quando chego de cada tantos meses de volta e constato que se está a edificar cada vez mais na costa, e na ilha em concreto, começa uma vaga de incêndios de uma nova tipologia. Ou estou eu muito errado ou as novas tipologias respondem a novos interesses, e é que, com efeito, agora o lume chega logo a zonas povoadas. Vendo isto, atrevo-me a afirmar, sem saber, que um terreno queimado é mais barato que um sem queimar. É, digamos, uma intuição. Claro que até dentro de 30 anos não se pode edificar nesses terrenos, segundo a lei. Mas também é verdade que o grande capital espanhol, esse que já não pode edificar na costa mediterrânica por falta de espaço, sabe fazer planos a longo prazo. Depois de tudo, por que será, senão, que ardem sobretudo as províncias de Ponte Vedra e a Corunha? Não será que são as mais turísticas?
]]>Resposta: Não necessariamente, mas costuma encontrá-la.
]]>Já me tenho sentido alguma vez assim.
]]>Não quero escrever. Só Deus sabe quanto me apetece fazê-lo. Eu, que verti neste meio tudo o que me veio à cabeça. Eu, que mostrei a impudícia dos meus pensamentos sem medo, que ouvi tantas vezes a pergunta "mas como podes escrever tudo isso na internet?". Que até falei sem falar quando tinha coisas minhas que esconder. Eu, agora, com a todas estas certezas a me bater o crânio por dentro, com tudo o que sei que sei, mas não posso dizer para que alguém não leia. Alguém que quero, para minha desgraça. Eu incapaz de escrever seguido, porque me treme o corpo todo. Eu a carregar a culpa que não me corresponde. Eu a calar. Desculpem.
]]>(Depois da conversa de sábado à noite com o Eduardo em que alcaçámos a pronunciar as palavras mágicas)
]]>(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Da Tabacaria, de Álvaro de Campos. Desculpem que não escreva mais, mas não saberia expressá-lo melhor.
]]>Não me publicaram este na Sítio, mas faz parte da mesma série que os poemas que lá estão publicados. Saiba, seu Óscar, que não tinha visto Saraband, mas estou à procura dela. Também fiquei mesmo com vontade de a ver.
]]>Mas onde está? Porque a deixei esquecida entre vírgulas e conjunções copulativas?
]]>(Foto tirada no Hospital do Íncio - Verão de 2005)
]]>Disse o que disse. Não estou exactamente arrependido, ainda que duvide dalgumas das afirmações que fiz em seu dia. Também disse que lhe tenho grande estima pessoal. Não mentia. E ler agora a última entrada do seu blogue clandestino traz-me lembranças de tempos que vivo recentes e talvez comecem já a não sê-lo. Aquela reunião do Conseho Nacional de Estudantes Independentistas (procuro na net algo que diga respeito à minha antiga organização e encontro só uma foto de uma pintada no antigo blogue da Sabela) aquela reunião -dizia- num bar qualquer da zona velha de compostela, todos à volta de duas mesas juntadas para a ocasião, inclinados para a frente para podermos ouvir o que dizia o companheiro ou a companheira, porque todos falávamos baixinho para não sermos ouvidos não se sabe por quem, tal era a sensação de clandestinidade em que vivíamos submersos (ou pelo menos eu, reconheço). Parecia uma reunião da máfia, ironizou Ugio, já daquela com os pés na terra, apesar de ser o mais novo dos que lá estávamos. E quando eu e ele (e mais alguém?) morríamos de risa com a ideia, e outros companheiros pediam ordem para continuar a reunião, guardando de novo a compostura disse Ugio de novo entre risas "Está bem, tem a palavra o companheiro Cara-cortada". E já não pude continuar a reunião sem morrer de risa.
Tinha uma retranca de espantar o nosso Ugio. Alegra-me comprovar no seu blogue que ainda a conserva. Diz: "Umha brincadeira que nom faz maldita a graça ao Eduardo, por certo, porque nunca sabe se falo a sério ou nom (...)". Essa retranca. A mim passa-me por aqui. E tenho mesmo vontade de voltar a desfrutar dela e com ele. Na rua, é claro.
]]>
CROW'S UNDERSONG
She cannot come all the way
She comes as far as water no further
She comes with the birth push
Into eyelashes into nipples the fingertips
She comes as far as blood and to the tips of hair
She comes to the fringe of voice
She stays
Even after life even among the bones
She comes singing she cannot manage an instrument
She comes too cold afraid of clothes
And too slow with eyes wincing frightened
When she looks into the wheels
She comes sluttish she cannot keep house
She can just keep clean
She cannot count she cannot last
She comes dumb she cannot manage words
She brings petals in their nectar fruits in their plush
She brings a cloak of feathers an animal rainbow
She brings her fabourite furs and these are her speeches
She has come amorous it is all she has come for
If there had been no hope she would not have come
And there would have been no crying in the city
(There would be no city)
Ted Hughes, Crow.
Quem quiser ler os poemas, que compre a revista e não se arrependerá, se mais não, pelas outras pessoas que colaboram: André Simões, Carlos Guardado, Filipa Ribeiro, Luís Filipe Cristóvão , Luís Lourenço, Sara Ferreira Costa (Portugal), Ana Beatriz Guerra , Andrea del Fuego, Crib Tanaka, Herbert Farias (Brasil), Carlos Quiroga, Xavier Queipo (Galiza), Golgona Anghel (Roménia) e Eduardo Pellejero (Argentina), e os contributos plásticos de André Venceslau, Daniel Leite, Daniel Silva, Manuel Guerra Pereira, Marco Aresta, Marina Félix, Rute Cruz e Vera Vítor.
Entretanto, colo como presente um poema que comecei no verão e só acabei agora. Não faz parte da série publicada na Sítio, mas sem dúvida tem a ver.
Full story » ]]>Puede pasar de todo, ¿verdad? Cualquier cosa. Puedes amar tanto a una persona, que tan sólo el miedo a perderla haga que lo jodas todo y acabes perdiéndola. Puedes despertarte al lado de alguien a quien hace unas horas ni siquiera habías imaginado conocer... ¡y mírate ahora! Es como si alguien te regalara uno de esos puzzles con piezas de un cuadro de Magritte, de la foto de unos ponnies o de las cataratas del Niágara. Se supone que ha de encajar. Pero no.
Monólogo de Andrew McCarthey (Don), ao início do mesmo filme.
]]>Monólogo de Lili Taylor (Ann) em Cosas que nunca te dije, de Isabel Coixet.
]]>- Bona nit, coret meu,t'estime amb locura (15.10.05)
- Carinyo crida a ma mare i q ens grabe embrujadas val?petons (23.10.05)
- hl amor he acbat ara i stef n m'ha cridat,me'n vaig a casa a dscnsar petons (26.10.05)
- aneu amb conte,a la nit quan arribes crida'm amor,petons (28.10.05)
- hl amor meu, com aneu, jo stic en zara en monica,xo n hi ha res d la meua talla!petons TE (28.10.05)
- Bon dia amoret,com esta el meu xic?has dormit be?passa-ho molt be a Porto avui molt petons (29.10.05)
- Bona nit amor,l'obra ha stat genial,he stat a l'escapa dspres i porte un pet com un cadirer!t'estime vn monto petons guapisim (30.10.05)
- Hl amor me'n vaig a la uni a parlar mab la de geo x un concurs ja et conte sta nit,arribare vora les 8.30 o 9,t'estime amb locura guapo besets (2.11.05)
- Ja vaig cap a casa amor meu (2.11.05)
- Hl amor jo acbe ara d trballar,n crec que vaja hui a cmprar,anire dema,aneu amb compte i avisa'm quan arribeu petons forts (4.11.05)
- t'estime amb locura amor meu,no podria estimar ningu mes q a tu passeu-ho molt be (05.11.05)
- bona nit amor,ja em gite,stic cansada i tinc fred,fa una humitat d l'ostia!t'estime molt coret,aneu amb comte dema petons (06.11.05)
- encara n haveu sortit d perpinya? (06.11.05)
- no pasa res xo dis-li a joan q sta me la guarde...aneu amb compte (06.11.05)
- hl amoret,he demanat una pizza dl pizza hut i x 1€+ em regalen 1d 5 formtges!xa quan arribes x si tens gana besets (06.11.05)
- hl amor anire al descans i berenem junts (07.11.05)
- me'n vaig amb lidia a x sa mare a la vsprada,pillare el meu cotxe,ens veiem a la nit petons TE (09.11.05)
- no anire a alemany vaig a ajudar a lidia a traslladar les coses a casa d yasnaya,ens veiem a la nit en casa TE(15.11.05)
- Ai dormilon...n et preocupes,si ja n stic al baret baixa'm la camisa al rstaurant,n la planxes,n cal petons (16.11.05)
- no et preoocupes,ja ho fare jo quan arribe petons (23.11.05)
- T'ESTIME MOLT (25.11.05)
- Ja pots vindre si vols petons (27.11.05)
- T'espere aci petons (29.11.05)
- Ja stic d cami stas a casa? petons (02.12.05)
- Vine quan vulgues,ara et conte besets(03.12.05)
- Ja vaig amor(04.12.05)
- stic a casa amor,vine-te'n quan acbes petons(07.12.05)
- Vine quan vulgues (08.12.05)
- Vine ja amor (11.12.05)
- Vaig a per tu amor (13.12.05)
- bon dia amor,recorda q avui es l'aniversari dl teu pare, la calefaccio a l'escola sta encesa,q tingues un bon dia amoret (15.12.05)
- Vine quan vulgues amor meu (17.12.05)
- tardare un poc,et molesta?guapo besets(19.12.05)
- felicitats amor meu! (25.12.05)
- bona nit amoret,vaig a gitar-me,em trobe mal,crec q m'estic refredant,dma et cride t'estime molt(26.12.05)
- carinyo supose q hauras arribat be, m'havies dit q em cridaries...m'he preocupat un poc,crida'm dma bona nit amor t'estime(03.01.06)
- tardare un poc pq anem a tallar ara el rosco,et cride en 20min (05.01.06)
- val,quan arribes a madrid me diu TE (07.01.06)
- Anire a les 9 a l'escapa,val?(09.01.05)
- Com estas?a la nit em quedare a casa d lidia,xo m'agradaria cridar-te,si n vols m'ho dius,ho entenc besets (10.01.06)
- speram al pis i baixe alli stic a casa de lidia (13.01.06)
- no passa res,tampoc tenies obligacio,xo gracies x dir-m'ho,stic ja sopant passa-ho be besets (13.01.06)
- pq no es tot tan facil com guanyar una partida d billar?besets dl restaurant domingo (14.01.06)
PS. Se algum dos usuários dos blogues agal-gz quiser um, que me avise, porque é necessário integrá-lo no script.
]]>Nem saberia dizer muito bem porque é que me vêm a cabeça estas imagens ao lembrar do livro de Michael Ende. Li há muito tempo, em criança, e agora recolho vagamente sensações e conceitos em abstracto. Algo de relógios, homens cinzentos e suponho que algum capítulo em que tudo acontecia devagar. Não saberia falar exactamente da história. Mas acontece que tentei concretizar em imagem o tédio de uma tarde inteira perante o computador e, quando estava para acabar o desenho, faltando apenas o fundo, veio-me à cabeça esse título, Momo, e soube que o fundo não podia ser senão cinzento.
Full story » ]]>Vale. Chegou. Suponho que com isto, já alguém que busque informação sobre os Ruxe-Ruxe num buscador qualquer chegará aqui antes que à outra entrada sobre os Ruxe-Ruxe.Vale. Porque já mudei de opinião. Os Ruxe-Ruxe são magníficos. Ouvi os seus discos e gostei. Mas sobretudo, penso, é que um grupo capaz de levantar tantas paixões, capazes por sua vez de fazer que uma simples entrada sem importância deste blogue sem importância e comezinho, atinja os 14 comentários, é que não pode ser mau.
Saúde, e por se acaso não chegou o de antes...
Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe, Ruxe-Ruxe,
Hóstiaaaaaaaaa! Hóstia! Ghoder! ghoder! ghoder!
Fiquem bem.
]]>P.S.: Sorte que a máquina esta não permite pôr a barriga. Ainda saí bem favorecido... :-)
]]>Full story » ]]>
Enfim, que amanhã se tiver tempo ainda comento um bocado mais a jogada, que tem que se lhe conte. Uma pouca vergonha...
]]>Em qualquer caso, tudo consistiria em colocar na boca do indivíduo político chamado Espanha estas palavras:
"Se eles a reclamam estão a a fazer uma imposição infame. Se a reclamamos nós, é porque somos um amável ponto de encontro."
A boca que se achega para beijar-nos quer mas é comer-nos... Nojento.
P.S.: Coloco como exemplo da unidade da nossa língua o tema do Eu-Návia. Nem que dizer tem que a unidade em geral da língua galego-portuguesa também entra no saco... Estamos, em qualquer caso, numa situação tão fraca que mesmo dentro do estado espanhol a nossa língua conhece duas normas oficais. Repito mais uma vez: NOJENTO.
]]>Cá estamos, Vítor, com as palavras vazias...
]]>Nunca acaba um de aprender, mesmo nas coisas mais simples...
]]>Tenho saudades de Bàrbara. O seu corpo miúdo entre os meus braços. Há coisa de um ano a ideia de viver só fazia-me uma certa graça. Agora não. É tudo silêncio no meu apartamento: menos o ruídos dos carros a passar mesmo pela janela. É tudo vácuo em cada um dos quartos, menos um magote de objectos que nada ou pouco me dizem. É tudo nada, menos aquilo que de quando em quando aparece perante mim para recordar-me que é mesmo nada. Se não fosse Bàrbara.
Ponho o CD dos Lax'N'Busto que ela me deu em Lisboa para gravar. É bom. É muito bom. Ironias ou não, simples curiosidade que agora lembro: há uma canção linda que se chama "Dolça és la sal", e cujo estribilho diz "Sara, tu ets el que m’envolta". Sara. Lembro-a. Pouco. De quando em quando. E sempre que ouvi esta canção com Bárbara, deu-me um sei-lá-o-quê de medo, porque eu cantava a tornada e perguntava-me que pensaria ela (Bàrbara) de que cantasse com esse entusiasmo. Na verdade, sempre o fiz porque a canção é dela, de Bàrbara, mas creio ter descoberto também esse arrepio de incomodidade de um segundo em sua cara.
Não sei se é pouco maduro querer apagar tudo o imediatamente anterior à relação. Há algo disto na nossa. Não muito, apenas pequenos tremores de pele quando alguém fala de tal ou qual pessoa, se vier ao caso. Às vezes um pouco mais. Como no verão. Cheguei a Compostela e mesmo ao sair do carro achei Sara. Tomámos um café e mais nada. Contei-lho a Bàrbara e pôs-se mesmo nervosa. Não disse nada, mas a sua voz tremia do outro lado do telefone. Levávamos apenas dois meses, e ela conhecia bem a minha relação anterior. É normal. Depois contou-me. É normal. Tudo passou. Eu também tenho essas reacções. De quando em quando fala de “el gallec”, o seu anterior namorado (também era galego, coisa engraçada), e não gosto, resulta-me incómodo. Ultimamente até tenho mais medo ainda. Está em Lisboa. Está longe. Vai conhecer pessoas, quem sabe se melhores para ela do que eu. Tenho medo de quando em quando. É normal. Passará.
]]>À parte isso, reparei de novo como eu adoro Lisboa. Normalmente, sempre me entra um sei-lá-o-quê quando leio ou ouço um reintegracionista falar de Lisboa. Tenho um certo medo aos tópicos, a dizer verdade, e Lisboa é dos grandes. Mas estive lá e vivi mais uns dias as ruas velhas, os prédios de inícios de século. Para um espanhol pode ser simplesmente a imagem de um país mais pobre do que o seu. Para mim não pode ser outra coisa que um cidade que conserva a sua história, que a vive. Não a história de grandes monumentos, mas a história do fervilhar de milhares de pessoas em cada um dos cantinhos, edificações, habitáculos. O residencial onde estivemos a dormir a Bàrbara e eu, por exemplo, conservava interfones de deus sabe quanto tempo: uma espécie de trombetinhas coladas à parede com, suponho, canalizações que subiam até cada um dos andares. Lá estava a vida de alguém que falou por eles há tempo para chamar os amigos para ir de excursão à Serra da Estrela ou Sintra; ou a namorada, cheio de nervos, para passear de mãos dadas num entardecer outonal liboeta; ou simplesmente o amigo da criança que queria jogar a bola no largo ao lado com o seu fato de calças curtas.
Os interfones. Reparei neles enquanto nos beijávamos e algo nos impedia encostar-nos à parede. Essa cena tórrida da última noite, em que tudo pede sexo, tão difícil verbalizar o adeus e a despedida. E essa antiguidade da cidade que se me resume agora na palavra cinzento (por não dizer outono, folhas a cair, pôr-do-sol, Lisboa...) deu luz além do corpo à tristeza dos dois corpos, quase dois corpos, um corpo ou apenas partes em fricção. E tudo era unidade, Lisboa e corpos. E algo ficou colado, e trouxe algo de Lisboa aqui no peito (o colar que a Bárbara me deu?) que me permite ainda respirar essa luz baça e sentir-me ainda, mesmo que seja pouquinho, em casa.
]]>Vem tudo isto a conto da misteriosa enquisa feita pelo misterioso Haklar Casares (de nome sueco e conhecido apelido galego), e as conlusões a que chega, misteriosamente parecidas com as do Dr. Karamba. É realmente triste pensar que fosse necessário um estúdio com "métodos revolucionários" para chegar ao que já sabíamos. Não nego que com certeza os que fizeram o inquérito "estão a favor do galego", mas vale a pena pararmos a ver quanto.
Na notícia que se nos dá em Vieiros, fonte nada suspeita -acho- de esconder coisas neste tipo de temas, diz-se-nos que um dos impulsores do estudo, Manuel González (esse radical) advirte da perigosa situação de identidade entre galego-falante e nacionalista. Nada teria contra o que diz, se não fosse que não assinalou nada sobre o perigoso de assimilar galego-falante a "pailão", e que já se tem acusado o nacionalismo de querer monopolizar a defesa do galego. E é que essa parece ser, segundo a minha leitura, a única referência de todo o engraçado estúdio no que diz respeitos aos CULPADOS.
Os nacionalistas são os únicos. O que chegamos a saber pela notícia não deixa de ser, afinal de contas, que a causa da perda de falantes é, por um lado, a existência de preconceitos, e por outro, toda uma série de problemas estruturais inevitáveis. Afinal, o que nos diz a notícia (pelo menos a mim, como falante médio) é que a coisa está mal, que ninguém tem culpa e todos temos culpa, e sobretudo os nacionalistas. E não podiam, já que estavam, falar das causas dos preconceitos? Não digo no livro, mas na sua apresentação, que é o que transcende. É que o estudo parece muito interessante, mas é que não podíamos saber alguma coisa sem comprá-lo, já que a publicação a pagamos todos?
Não, melhor ficarmos a saber o mesmo. Melhor que ninguém saiba das culpabilidades por ausência. Melhor que ninguém pergunte se o governo galego não poderia fazer algo, se não é a sua obriga. Melhor. Melhor que as pessoas fiquem a saber que existem preconceitos, olhando por cima do hombro os seus vizinhos, seguros, uns e outros, de não serem eles os portadores de semelhante peste. Muito melhor, sim senhor, que os que falemos galego continuemos a ser vistos como pessoas de fortes convicções, admirados pela nossa perseverância, e inevitavelmente icompreendidos, e inevitavelmente assinalados como "gilipollas" pelas mesmas pessoas que dizem admirar-nos. Muito melhor, claro que sim. Para eles. Para os anjinhos. Esses que não aparecem na notícia.
]]>És sols un joc
el meu lloc.
Lloc de paraules.
Façam a prova, se ainda não a fizeram. Apanhem uma aparelhagem qualquer e gravem-se a si próprios. Ouçam-se depois. A sensação é sempre, para a grande maioria das pessoas, muito desagradável. Quase nunca se diz, mas sempre é. Por questões puramente fisiológicas, ouvimo-nos a nós próprios com uma voz diferente a como nos ouvem os demais. E quando ouvimos a nossa verdadeira voz, a sensação é extranha, sabemos que somos nós, mas não podemos reconhecer-nos: não nos identificamos com nós próprios.
Full story » ]]>Supose que tindré molts errors, però no m'importa res. També supose que encara no podré dir massa, per que em manquen moltes paraules, però he de intentar-ho i això es el que faig ara
i ací.
Vull ficar-me en Veu Pròpia. No tenen ningú a Alacant. Es suposa que aquesta ciutat es "territori cremat", com ja he sentit mès d'una vegada. I això encara em dona mès ganes de paralar-ho i de fer alguna cosa, el que siga, per a defendre el català ací
i ara.
Ací
i ara.
Ací
i ara.
Chego a Alacant em Setembro, passo o mês aqui e ao retomar as aulas (já em Outubro), Bárbara está no grupo de segundo ano. Tento fazer aulas descontraídas, vou tomar umas imperiais com os alunos ao sair, procuro dar-me bem com eles, resultar o mais próximo possível. Tento dar uma certa sensação de indisciplina, o que me resulta bastante fácil, na verdade. A ideia é fazer aulas participativas, e para isso permito um certo desordem. Não demasiado, creio. Nesse clima, aliás, posso deixar mais ou menos à vista as minhas tendências políticas. Não que as diga directamente (bom, nalguma ocasião sim), mas sobretudo à hora de vestir os meus t-shirts reivindicativos, os únicos que tenho. Em mais de uma ocasião deixo ver a minha simpatia pela língua valenciana. Bárbara, pelos vistos, gosta disso. Boa coisa. Estou à vontade com ela e isso ajuda-me a dar aulas.
Full story » ]]>Com efeito: ontem fui a Terra Mítica, esse parque de atracações que há em Benidorm, a apenas trinta quilómetros de Alacant. Uma festa. O mais impressionante, à parte as atracções, foi a mensagem de texto que recebi estando lá: "Bloquéate el móvil que me has llamado dos veces y veo que te lo estás pasando en grande." Era uma mensagem de Bárbara, aluna minha, que me tinha telefonado para me convidar a ir a Valência este fim-de-semana. Flipou. Não sei por que me dá que amanhã me vai tocar aguentar uns quantos comentários simpáticos, durante concerto de Lluis Llach, ou na manife de 25 de Abril, ou talvez antes. Enfim... toca... e até vou gostar.
]]>- El último de la fila
- Carlos Núñez
- Matto Cóngrio
- Citânia
- La Bola de Cristal
- e para acabar de ghodê-la: The Smiths
Que podia fazer eu, senão ouvir acompanhado da minha canha/ do meu quitno de Alhambra? E é que, ainda por cima, o tipo ainda me pergunta por "um grupo que se chama Leixa-prém". Cago em tudo! Assim chego eu à casa, que não diferencio o gato da esfregona!
Enfim, amanhã cláustro (espera aí, creio que claustro não se acuntuava!) e a seguir carro e para a Galiza. Aí o vou!!!!!
]]>(E já agora, ontem tive sexo de baixa intensidade. Sim. Com Gus e com Marina, mas tive. Encerro parênteses).
]]>Medem emprega a metáfora da pelota para a política em Euskadi, e por isso coloca imagens do jogo entre entrevista e entrevista. A mim estas imagens fizeram-me pensar numa outra coisa.
Full story » ]]>Refrão
E regar as flores no deserto
E regar as flores com chuvas de insetos
Mas se você ver em seu filho
Uma face sua e retina
De sorte e união
Reina com o brilho do sol o que farias tu?
Se espatifaria ou viveria um espírito santo
Aos jornais eu deixo meu sangue como capital
E as familias um sinal
A corte eu deixo um sinal
Refrão
As ondas de vaidade inudaram os vilarejos
E minha casa se foi como fome e banquete
Então sentei sobre as ruínas
E as dores como o ferro a brasa e a pele ardiam
Como fogo dos novos tempos
Mas se você ver em seu filho
Uma face sua e retinas
De sorte e união
Reina com o brilho do sol, o que farias tu?
Se espatifaria ou viveria um espírito santo
Aos jornais eu deixo meu sangue como capital
E as familias um punhal, um sinal, um sinal
Aos jornais eu deixo meu sangue como capital
E as familias um punhal, um sinal
A corte eu deixo um sinal
Refrão
A O Rappa vai-se-lhes a bola muitíssmo. Mas que pedaço de tema, por favor, que pedaço de tema!
]]>Ao certo abriste-me a
Porta
Mas eu não queria entrar
Só queria uma miragem
Só queria naufragar
Faz tanto tempo
Tanto tempo
E eu não esqueci
E tu chegaste tão perto
Que te apertei no meu peito
Já não era uma miragem
Era a serio eras Tu
Era a serio eras Tu
Faz tanto tempo
Tanto tempo
E eu não esqueci
Tonto - Pedaço de tema de Xutos e Pontapés
]]>Disse Octavio Paz e eu confirmo. Há, com efeito, uma memória de mim numa memória. Há uma memória sua e eu durmo, durmo, durmo nela. Negro branco negro branco. Negro. Tudo como que quer voltar, porque ficar é impossível. Tudo se move avança para o seu fim o que quer que seja outro começo branco. Negro branco negro. Branco. E entre o ir e o voltar, há este latejo que confirma que eu não sou sem vontade. Este latejo negro. Este latejo branco que queima na memória que queima. Dormir negro branco negro. Ou melhor acordar no centro - branco negro branco - de todos os latejos. De TODOS os latejos -branco- E amar a vida...
]]>Eu não tô aqui pra sofrer,
vou sentir saudade pra quê,
quero ser feliz
Bye bye, tristeza, não precisa voltar (bis)
Já sei errar sozinha sem pedir conselhos,
se eu sofrer quem é que vai chorar por mim
Já sei olhar pra mim sem precisar de espelhos,
não me diga que não, e nem diga que sim(bis)
Eu não tô aqui pra sofrer,
vou sentir saudade pra quê,
quero ser feliz
Bye bye, tristeza, não precisa voltar (bis)
Bye, bye tristeza, magnífica música de Sandra de Sá
]]>Quebrar fronteiras.
Quebrar corações.
Quebrar cabeças.
Nada - e digo nada - se parece com isto.
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