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      O DINHEIRO ESTÁ-SE TORNANDO OBSOLETO?

      O DINHEIRO ESTÁ-SE TORNANDO OBSOLETO?

      20-05-13

      GRUPO DE ESTUDOS 10 DE MAIO DE 2013

      O DINHEIRO ESTÁ-SE TORNANDO OBSOLETO? Anselm Jappe

      A mídia e as instâncias oficiais querem nos deixar já preparados: muito em breve, uma nova crise financeira mundial vai se desencadear, e ela será pior do que a de 2008. Fala-se abertamente de ?catástrofes? e de ?desastres?. Mas o que vai acontecer depois? Como serão nossas vidas depois de um desabamento dos bancos e das finanças públicas em larga escala? A Argentina já passou por isso em 2002. Ao preço de um empobrecimento em massa, a economia desse país pôde em seguida subir de novo a rampa: mas, nesse caso, tratava-se apenas de um país. Atualmente, todas as finanças européias e norte-americanas correm o risco de naufragar, e a possibilidade da vinda de um salvador está fora de questão.

      Em que momento o crash da bolsa não mais será uma novidade da qual tomamos conhecimento pela mídia e passará a ser um acontecimento que perceberemos ao sair na rua? Resposta: quando o dinheiro perder sua função habitual. Seja o dinheiro se tornando raro (deflação), seja ele circulando em quantidades enormes, mas desvalorizadas (inflação). Nos dois casos, a circulação das mercadorias e dos serviços ficará cada vez mais lenta até parar completamente: os seus possuidores não encontrarão quem possa pagar em dinheiro, em dinheiro que tenha ?valor? e que permita, por sua vez, comprar outras mercadorias e serviços. Eles vão, então, guardá-las para si. Teremos lojas cheias, mas sem clientes, fábricas em perfeito estado, prontas para funcionar, mas sem ninguém nela trabalhando, escolas aonde os professores não mais vão, porque eles ficaram meses sem salário. Teremos de nos dar conta de uma verdade tão evidente quanto não a víamos: não existe nenhuma crise na própria produção. A produtividade em todos os setores aumenta continuamente. As superfícies cultiváveis da terra poderiam alimentar toda a população do globo, e as fábricas e indústrias produzem até muito mais do que é necessário, desejável e sustentável. As misérias do mundo não se devem, como na Idade Média, a catástrofes naturais, mas a uma espécie de sortilégio que separa os homens de seus produtos.

      O que não funciona mais é a ?interface? que se coloca entre os homens e o que eles produzem: o dinheiro. Na modernidade, o dinheiro se tornou a ?mediação universal? (Marx). A crise nos coloca diante do paradoxo fundador da sociedade capitalista: a produção de bens e de serviços nela não é mais um objetivo, mas somente um meio. O único objetivo é a multiplicação do dinheiro, é investir um real para dele fazer dois. E quando esse mecanismo entra em pane, é toda a produção ?real? que sofre e que pode até mesmo se ver totalmente bloqueada. Assim, como Tântalo do mito grego, nós nos encontramos diante das riquezas que, no momento em que queremos pegá-las, retiram-se: já que não podemos pagar. Essa renúncia forçada sempre foi o apanágio do pobre. Mas agora ? o que constitui uma situação inédita ? toda a sociedade, ou quase, está passível de passar por isso. A última palavra do mercado é, então, deixar morrer de fome no meio das comidas amontoadas por toda parte e que apodrecem, sem que ninguém possa botar a mão.

      Entretanto, os detratores do capitalismo financeiro nos garantem que o mercado financeiro, o crédito, e as bolsas não passam de excrescências em um corpo são. Uma vez a bolha estourada, haverá turbulências e falências, mas, no fim das contas, tudo não passará de uma sangria salutar depois da qual poderemos recomeçar com uma economia real mais sólida. Verdade? Hoje, quase tudo que obtemos é por meio de um pagamento. Pelo menos essa maioria da população que vive na cidade não poderia alimentar a si mesma, (nem se aquecer), nem gozar da iluminação, nem se cuidar, nem se deslocar. Nem mesmo durante três dias. Se o supermercado, a companhia de energia elétrica, o posto de gasolina e o hospital só aceitam dinheiro do ?bom? (por exemplo, uma moeda estrangeira forte, e não cédulas impressas pelo próprio banco nacional e completamente desvalorizadas), e se já não há tanto assim, estamos chegando muito rápido à desolação. Se somos bastante numerosos, e estamos prontos para a ?insurreição?, nós ainda podemos tomar de assalto um supermercado, ou fazer ligações elétricas diretamente nos postes de eletricidade. Mas quando o supermercado não estiver mais abastecido e a central de energia elétrica parar por não poder pagar seus trabalhadores e fornecedores, o que fazer? Poderíamos organizar trocas, formas de solidariedade novas, trocas diretas: será até uma bela ocasião para renovar o ?laço social?. Mas quem é que pode acreditar que chegaremos em muito pouco tempo, e em larga escala, ao meio do caos e das pilhagens? Iremos ao campo, dizem alguns, para se apropriar diretamente dos recursos mais básicos. É pena que a União Européia tenha pagado durante décadas aos camponeses para cortarem suas árvores, arrancar suas vinhas e matar seu gado? Depois do desabamento dos países do Leste, milhões de pessoas sobreviveram graças a parentes que viviam no campo e às pequenas hortas. Quem poderá dizer o mesmo na França e na Alemanha?

      Não se pode ter certeza de que chegaremos a esses extremos. Mas até um desabamento parcial do sistema financeiro nos colocará diante das conseqüências pelo fato de que nós somos consignatários, estamos mão e punho ligados ao dinheiro, confiando-lhe a tarefa exclusiva de garantir o funcionamento da sociedade. O dinheiro existe desde o alvorecer da história, asseguram-nos: mas nas sociedades pré-capitalistas, ele não jogava mais do que um papel marginal. Foi apenas nas últimas décadas que nós chegamos ao ponto em que quase cada manifestação da vida passa pelo dinheiro e em que o dinheiro se infiltrou nos mais recônditos recantos da existência individual e coletiva. Sem o dinheiro que faz as coisas circularem, somos como um corpo sem sangue.

      Mas o dinheiro ?apenas? é real quando ele é a expressão de um trabalho verdadeiramente executado e do valor no qual o trabalho se representa. O resto do dinheiro não passa de uma ficção que se baseia unicamente na confiança mútua dos atores ? uma confiança que pode se evaporar, como se vê atualmente. Estamos assistindo a um fenômeno não previsto pela ciência econômica: não assistimos à crise de uma moeda, e da economia que ela representa, em proveito de uma outra mais forte. O euro, o dólar, o iene, estão todos em crise, e os raros países ainda com nota AAA pelas agências de rating[1]não poderão por conta própria salvar a economia mundial. Nenhuma das receitas econômicas propostas funciona, em lugar nenhum. O mercado livre funciona tão mal quanto o Estado, a austeridade tão mal quanto o aquecimento da economia, o keynesianismo tão mal quanto o monetarismo. O problema se situa em um problema mais profundo. Estamos assistindo a uma desvalorização do dinheiro enquanto tal, à perda de seu papel, portanto, estamos assistindo a sua obsolescência. Mas não por uma decisão consciente de uma humanidade finalmente exausta daquilo que já Sófocles chamava ?a mais funesta das invenções dos homens?, mas por um processo não controlado, caótico e extremamente perigoso. É como se tirássemos a cadeira de rodas de alguém depois de lhe ter durante muito tempo privado do uso natural das pernas. O dinheiro é nosso fetiche: um deus que nós mesmos criamos, mas do qual cremos depender e em favor do qual estamos prontos a tudo sacrificar para apaziguar suas cóleras.

      O que fazer? Vendedores de receitas alternativas não faltam: economia social e solidária, sistema de troca local, moedas seladas[2], ajuda mútua cidadã? Isso poderia, no melhor dos casos, até funcionar em pequenos nichos, enquanto o restante do entorno ainda funciona. Uma coisa, porém, é certa: não basta ?se indignar? diante dos ?excessos? do mercado financeiro ou da ?avidez? dos banqueiros. Mesmo isto sendo algo bem real, não é a causa, mas a conseqüência do resfôlego da dinâmica capitalista. A substituição do trabalho vivo ? única fonte de valor que, sob forma de dinheiro, é a finalidade da produção capitalista ? pela tecnologia ? que não cria valor ? quase fez esvair-se a fonte de produção de valor. O capitalismo, ao desenvolver, sob a pressão da concorrência, as tecnologias, serrou, ao longo desse processo, o galho sobre o qual se mantinha sentado. Esse processo, que faz parte de sua lógica de base desde o início, superou a soleira crítica nas últimas décadas. A não-rentabilidade do emprego de capital não pôde ser mascarada senão com recursos cada vez mais massivos ao crédito, que é um consumo antecipado dos ganhos esperados para o futuro. Agora, até mesmo esse prolongamento artificial da vida do capital parece ter esgotado todos seus recursos.

      Pode-se, assim, colocar-se a necessidade ? mas também constatar a possibilidade, a chance ? de sair do sistema baseado no valor e no trabalho abstrato, no dinheiro e na mercadoria, no capital e no salário. Mas esse salto no desconhecido dá medo, mesmo para aqueles que nunca deixam de fustigar os crimes dos ?capitalistas?. No momento, o que prevalece é, antes de tudo, a caça ao vilão especulador. Mesmo que não se possa fazer outra coisa senão compartilhar dessa indignação diante dos lucros dos bancos, é imperativo dizer que ela está muito abaixo de uma crítica do capitalismo enquanto sistema. Não surpreende que Obama e Georges Soros digam que a compreendem. A verdade é bem mais trágica: se os bancos afundarem, se eles falirem em cadeia, se eles pararem de colocar dinheiro nos caixas eletrônicos, corremos o risco de afundar com eles, porque há muito tempo nos foi retirada a possibilidade de viver de outro modo que não seja gastando dinheiro. Será muito bom reaprender ? mas quem sabe a que ?preço? isso vai acontecer!
      Ninguém pode dizer honestamente que sabe como organizar a vida das dezenas de milhões de pessoas quando o dinheiro tiver perdido sua função. Vai ser bom pelo menos admitir o problema. Talvez seja necessário se preparar para o ?pós-dinheiro?, bem como para o pós-petróleo.

      [1] Agências de classificação de risco.
      [2] Trata-se de uma moeda que, à imagem dos bens de consumo (comida, vestimenta, casa) perde seu valor com o passar do tempo. Essa noção, fundada por Silvio Gesell na passagem do século XIX para o XX, baseia-se na idéia que quem possui a moeda tem uma vantagem sobre quem possui o bem, pois quem tem o bem precisa se desfazer dele para que não pereça de algum modo, monetariamente ou fisicamente. Já o detentor da moeda pode adiar sua compra

      Escrito ?s 13:11:43 nas castegorias: opinióm
      por SCMadiaLeva   , 1742 palavras, 1163 views     Chuza!

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