O bom companheiro Eugénio Outeiro, sempre atento, leu ontem o meu comentário sobre o meu artigo arredor do Urbano Lugrís, e hoje mesmo no meu correio tinha umha mensagem sua com um arquivo de word no que vinha o texto referido. Tomou o trabalho, que estou certo de que nom foi pouquinho, de copiar o texto e fazer com ele um arquivo. Muito obrigado, Eugénio. Fica claro que com companheiros assim, os caminhos da informática nem sempre som inescrutáveis e inexpugnáveis.
Pois como o prometido é dívida, cá vai o artigo, para quem o queira ler.
A Santa Paz do Pentágono
Urbano Lugris (Corunha 1908 (?) - Vigo 1973)
Mil veces máis nacionalista que os seus silenciosos detractores, Urbano Fingal sabe pintar cunha dureza que pode producir o calafrío. Como Chagall, pertence a aquela raza de pintores que abren vías para seguir imaxinando, ao mellor unha vida enteira, a estoria que empeza, se cadra, na esquina de calquer pintura aparentemente plana.
Xosé Luís Méndez Ferrín
(Faro del Lunes, 22 de outubro de 1984)
Lugrís, fillo de Lugrís Freire, o grande amigo de Eduardo Pondal, non era Urbano Lugrís somentes. Era, sobre todo, Ulises Fingal: Ulises, o navegador do mundo e do trasmundo, o grego de cando os gregos ainda non sucumbiran ao logos do puro razonar, se é que algunha vez Platón sucumbira; Fingal, o heroe gaélico que lle ordenaba coa sua rixidez cerúlea o camiño do Outro Mundo, os vieiros escusados dos Thuata Dé Danan, as xentes irlandesas de debaixo da terra, o misterio de Brigadoon que cada cen anos emerxe da néboa dun val de Escocia para vivir a normal vida dunha cidade. Non pretendo decir aquí miña verdade, porque podería ferir os gostos e as preferencias (ou os prexuicios ideolóxicos) de moitas boas persoas. Non pretendo decir que Urbano Lugrís / Ulises Fingal sexa o meu mellor pintor galego do século XX. Pero é así como penso e como gozo. Toda a súa xeneración -como a dos seus contemporáneos mexicanos- elexiu en Galicia un retábulo de feiras e romaxes, de vendedoras de pan e de peixeiras arquetípicas de redondas caras, de luz de paisaxes patrióticas e de mostración do pobo galego.
Jorge Castro. Janeiro 2002.
Por sorte para ele, Urbano Lugris nom assistiu ao afundamento do Prestige e à posterior maré negra, provocada pola contaminaçom da carga de fuelóleo que dito barco levava nos porons, e pola passividade, negligência e inépcia de umhas autoridades espanholas sempre mais preocupadas com a caça e a pesca (também de votos) do que com aquilo que vinher a acontecer na Galiza. Nom assistiu Urbano Lugris ao desastre do Prestige nem à crise nacional posterior, mas sim assistira a alguns dos diversos afundamentos e posteriores marés negras que sofreu a Galiza no último século. Viveria-os, mas desconhecemos a sua opiniom sobre eles.
Que pensaria ele? Como os viveria? Urbano Lugris, Ulises Fingal, o pintor do mar e, muito especialmente, dos fundos marinhos, o artista multifacetado, extravagante , autodidacta, que se movia entre a pintura, a música e a literatura. Que pensaria o velho marinheiro, retratado no seu quarto, da maré negra? Umha vida cheia de mapas, cartas de navegaçom, livros... para ver morrer o mar com um luto peganhento de cheiro a estrada e poluiçom. Os caracóis marinhos, as sereias, os peixes e as medusas que dançam nos seu quadros com o som de velhas melodias de taverna portuária, que seria delas?.
E as naus no fundo do mar, lendárias, que ele recria, como estarám agora, sob um manto tam negro como a consciência dos responsáveis, ainda hoje em liberdade sem acusaçom e sem dar conta do grave atentado terrorista cometido contra a nossa soberania, a nossa paisagem, contra o mar que, com umha paciência infinita (alguns poderiam dizer bíblica; nós diremos, mítica) leva milhares e milhares de anos a desenhar o perfil de umha terra tam grande como um mundo. Os barcos afundados de Urbano nom levavam o piche nos porons, mas velhas riquezas, algum tesouro, seguramente víveres e produtos diversos que cruzavam os oceanos pola acçom do homem, recalquemos que também da mulher, que ensanchava assim os seus horizontes. E ao mesmo tempo, convém nom esquecê-lo, estreitava outros mundos, outros horizontes, outras vidas. Mas nom falemos agora disso. Os barcos de Urbano Lugris eram barcos cheios de vida, ainda que estivessem no fundo do mar por centos de anos, eram barcos que lembravam viagens e aventuras, histórias de marinheiros e velhos naufrágios.
Nom poderíamos entender os mundos de Urbano sem conhecermos o mar. E ainda, nom conheceríamos o mar sem entendermos Urbano. O mar era mais, é mais, do que umha mao-cheia de água salgada que se encontra lá onde acaba a terra firme. Urbano Lugris, tam grandemente desconhecido entre nós por ser galego, foi um grande adiantado; em certo modo, um visionário, atrevamo-nos a dizê-lo, um profeta. Ele demonstrou por pura e urgente necessidade vital, nuns tempos obscuros, frios e cinzentos, nuns tempos de pedra, onde tudo era duro como a pedra, até os sonhos eram de pedra, ele demonstrou, dizemos, que um outro mundo era possível. E ele fijo esse outro mundo possível no mar. O mundo do mar é um outro mundo para Urbano. Um mundo melhor. Ele, com umha vida de naúfrago, deu no mar com um mundo melhor. Os seus quadros, os seus motivos, as suas imagens e os seus sonhos, som umha janela aberta, por onde nom só entra ar fresco (como no tópico); entra também a urgente chamada de atençom de quem sabe que é necessária nom só a beleza, mas a liberdade. Nom é a beleza o único que paga a pena neste nosso Urbano. Diz na sua obra, com clareza, com a clareza dos oceanos, que a liberdade, a Liberdade com maiúscula, e a liberdade com minúscula, é o necessário. Urbano sabia que o realmente transformador, o realmente radical, o realmente subversivo, nom era (nom é, ainda), pedir o impossível, mas construir aquilo que é necessário. É necessário viver. Viver fora dos muros de umha prisom, umha enorme prisom, dirigida, com mao de ferro, por quem nom permite nem o mais leve indício que aponte que as cousas podem ser diferentes.
Nom eram tempos que permitissem grandes aventuras. E Urbano Lugris pagou a sua aventura com umha vida que transcorreu entre a liberdade da sua obra e a dura vida diária. Vários fôrom os bares, os cafés que mostravam fachendosos nas suas paredes murais de Urbano Lugris. Alguns ainda se conservam (no Nova Galicia, em Compostela, no Fornos, Vechio, Drago, na Corunha...), outros ficam ocultos sob as novas paredes que trouxo a modernidade. Alguns, infelizmente, fôrom destruídos a mao-tente por empresários paifocos e ignorantes, que nom conseguírom compreender aquilo que havia nas suas paredes; nom conseguírom compreender que tinham nos seus locais a herança de um homem que pagava, com a sua arte, as comidas, os cafés e os vinhos que nom podia pagar com o dinheiro que nom tinha.
Nom admira. Urbano Lugris é, precisamente por ser galego, um desconhecido na Galiza. A potencialidade da sua obra é imensa, tam grande que nem centos de geraçons poderiam esgotá-la. É um enorme jazigo de liberdades, de sonhos, de utopias. Talvez a Galiza nom tenha jazigos de petróleo, esse combustível peganhento que move o mundo capitalista, e que transformado pode até apagar para sempre todas as cores da diversidade, mas sim tem enormes jazigos de cultura ainda por descobrir e por explorar. Urbano Lugris é um deles. Haverá quem pense que esse enorme recurso energético, a cultura, tam necessário, tam imprescindível, para umha naçom é muito menos importante do que ter grandes reservas de petróleo. Mas é umha opiniom errada.
O Pentágono, que nom pudo ser convertido em quadrilátero, mas que actua como tal, também nos bombardeia, diariamente, para evitar que podamos controlar, que podamos gerir, mesmo que podamos descobrir os nossos recursos energético-culturais. Dos seus destacamentos de operaçons especiais, chamados Hollywood, Walt Disney, CNN,... lança mortíferas bombas de cultura empobrecida, em forma de filmes, séries, programas de televisom, informaçom manipulada, modos de comportamento, formas de vida, marcas, modas, pseudocultura,... Nutre-se assim o imperialismo, o monstro. Nutrimo-lo nós, pensando, a força de que nos repitam mil vezes a mentira, que a cultura só pode ser trazida de fora, importada, porque nós nom conseguimos produzi-la, ou a que produzimos é de menor nível, de segunda categoria, de menor valor, prescindível. A dependência cultural, que nós sofremos através da imposiçom espanhola, é a maneira mais rápida de desaparecimento colectivo.
A Santa Paz de Pentágono, expressom com que Urbano Lugris finalizava umha carta a um amigo, está hoje mais presente do que nunca. Também nisto foi um profeta o nosso pintor. Nom viveu a guerra contra o Iraque de 2003, mas viveu outras guerras. Urbano Lugris é incompatível com o piche, mas também é incompatível com o massacre imperialista. Nestes dias de hoje, em que até pensar pode ser um delito, em que exercer a liberdade de expressom pode ser motivo de multa e mesmo de prisom, em que pode ser declarada ilegal a procura da liberdade, a obra de Urbano apresenta-se perante nós como o que é: umha chamada urgente para construir um outro mundo. Um mundo cheio de vida, de cor, longe do negro destino que o capitalismo nos tem preparado e que o Prestige nos adiantou. Os mares de Urbano, o seus mundos marinhos, continuam a ser tam necessários como respirar.
Igor Lugris
Cabanas Raras, Berzo, Galiza
Maio de 2003