10-07-2008

  12:55:23, por Lugris   , 714 palavras  
Categorias: Cousas por aí, Cousas por cá, Stop hipocrisia!

Eu tinha dez meninhos

Eu tinha dez meninhos

Santiago Alba Rico
Trad. Igor Lugris

Eu tinha dez meninhos,

Um nasceu em Tucumán, novo como o abrente. O papá FMI embalava-o entre os seus braços: ?o pam que agora che tiro dentro de cem anos será caviar?. Nom morrreu só de fame, nom, mas de vida pobre.
Nom tenho mais que nove.

Dos nove que ficavam, um nasceu em Tulkarem. Suicidou-se umha manhá na sua casa, contra um míssil israeliano, emquanto molhava num copo de água a ponta ressessa dum biscoito.
Nom tenho mais que oito.

Dos oito que ficavam, um nasceu no Senegal. Con trinta dentes e umha patera quijo invadir Gibraltar e para se afogar sem entraves abandonou entre as ondas o seu único joguete.
Nom tenho mais que sete.

Dos sete que ficavam, um nasceu no Afeganistám. Agachava-se baixo um farrapo e um cartom, mas Deus, que estava na Florida, viu-no, bramou e lhe guindou por cima um ácio de centelhas para bendecir aos seus reis.
Nom tenho mais que seis.

Dos seis que ficavam, um nasceu em Basora. Arrecendia a flores de urânio, bebia nectar de cravos, caidos desde o Olimpo, e lhe apodreceu a cara e se lhe derretiu um pulmom. Pediu permissom para se curar, mas denegou-lho, lá muito longe, o pai gringo.
Nom tenho mais que cinco.

Dos cinco que ficavam, um nasceu em Guatemala. O tio Nestlé tirou-lhe o leite, a cunhada Vivendi a água, o curmao Monsanto o milho, o avó Bayer as vacinas e o colega Enron a lámpada. Um canhom tirou-lhe a terra e um juiz a casa e depois chegou o governo e dixo: ?Tu o que tes é muito teatro?
Nom tenho mais que quatro.

Dos quatro que ficavam, um nasceu em Medelhim. Atulhado de cola, lambedor de escaparates, o gamín deambulava por um centro comercial; e como nom podia compar o seus sapatos, um grande senhor comerciante disparou-lhe entre os dentes e o pendurou do revês.
Nom tenho mais que três.

Dos tres que ficavam, um nasceu no Congo. Inservível para extrair coltan, por um dolar ao dia vigilado polos três exércitos, dobregou a cabeça e, porque assim lho exigiam os balanços da Companhia, o capataz o desintegrou.
Nom tenho mais que dous.

Dos dous que ficavam, um nasceu no Viet Nam. Nasceu com umha perna de pau e com pé esquerdo, e enquanto curtava umhas canas, pisou umha das minas que plantou onte o Tio Sam e que hoje se nega a tirar, e da sua perna de pau e do seu pé esquerdo nom quedou rasto nengum.
Nom tenho mais que um.

O último que ficava nasceu em Madrid (ou em Valência ou em Euskadi, nem sei). Este, que nom tinha fame nem frio nem sede nem enfermidades nem medo dum missil, tinha porém a cabeça desperta e a moral kantiana e protestou pola sorte dos seus noves irmaos.
Daquela chegou a polícia, atou-lhe as maos, bateu-lhe no lombo, encarcerou-no e condenou-no a jejum.
Já nom tenho nengum.

(Mas das minhas lágrimas, como das pedras de Deucaliom, nasceram milheiros de cuates, meninhos, gamines e garotos. Florência, mamá de Itália, acava de parir um milhom. E a mae Caracas e Lima e Manágua e Barcelona e Lisboa e Califórnia e a França e a Alemanha e a Interpátria toda, mamíferas de justiça e de razom, estám a dar a luz novas ninhadas para as escolas abertas da resistência total.)

A partir do já classico e popular conto infantil d'Os dez negrinhos, Santiago Alba Rico escreveu a sua versom intitulada "Diez niñitos", lá por Novembro de 2002, e que foi amplamente reproduzida por muitas e diversas e plurais webs.
Na passada semana, um bom amigo e companheiro, practicamente um camarada, enviou-ma por correio electrónico, e a mim seguiu-me a parece rtam útil, necessária e boa como entom, e nom me puidem resistir a intentar umha traduçom/umha versom.
Aguardo que gostedes dela.

E já sabedes o que digo sempre: cópia, fotocópia, distribue... Todo é de todos/as.

A imagem, é um desenho dumha meninha da Palestina, Sara Atrash, que tinha cinco anos na altura.

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