II.1 O alfabeto e o uso das letras
II.1.1. O alfabeto e os dígrafos
O alfabeto galego-português consta de vinte e seis letras:
Letra | Nome | Fonema | Exemplo |
---|---|---|---|
a | á | /a/ | rato |
b | bê | /b/ | baixo |
c | cê | /k/ ( + a, o, u) /θ/ ou /s/ ( + e, i) | corpo cear |
d | dê | /d/ | dente |
e | é | /ε/ /e/ | pedra cedo |
f | efe | /f/ | farinha |
g | guê ou gê | /g/ ( + a, o, u) /ʃ/ ( + e, i) | gato genro |
h | agá | /Ø/ | haver |
i | i | /i/ | rir |
j | jota | /ʃ/ | jamais |
k | capa | /k/ | Kuwait |
l | ele | /l/ | livro |
m | eme | /m/ | molhar |
n | ene | /n/ | maneira |
o | ó | /ↄ/ /o/ | volta poço |
p | pê | /p/ | peixe |
q | quê | /k/ | quarto |
r | erre | /ɾ/ /r/ | cara rua |
s | esse | /s/ | senhora |
t | tê | /t/ | tanto |
u | u | /u/ | uva |
v | uvê / vê | /b/ | cantava |
w | dáblio | /w/ | darwinismo |
x | xis | /ʃ/ /ks/ ou /s/ | feixe nexo |
y | ípsilon | /i/ | rally |
z | zeta / zê | /θ/ ou /s/ | luzir |
Temos ainda o ç (cê cedilhado), variante contextual do c perante a, o e u quando soa /θ/ ou /s/: desgraça, Betanços, açúcar.
Também se usam comummente oito dígrafos, que surgem de combinar duas letras e que se correspondem com um único fonema:
Dígrafo | Nome | Fonema | Exemplo |
---|---|---|---|
ch | cê agá | /ʧ/ | chamar |
gu | guê u (ou gê u) | /g/ | guerra |
lh | ele agá | /ʎ/ | colher |
mh | eme agá | /ɳ/ | umha |
nh | ene agá | /ɲ/ | lenha |
qu | quê u | /k/ | queixo |
rr | erre duplo | /r/ | carro |
ss | esse duplo | /s/ | passo |
II.1.2. Uso do k (capa), do w (dáblio) e y (ípsilon) e combinatórias ou dígrafos excecionais (ll, tt...)
Empregam-se só nos seguintes casos:
a) Símbolos e siglas convencionais de uso internacional:
- K (potássio), k. (quilo), kw. (quilovátio)
- W (Oeste, volfrámio, vátio), W.C. (water-closet)
- yd. (jarda)
b) Nomes próprios estrangeiros e os seus derivados: Kafka (kafkiano), Darwin (darwinismo), Byron (byroniano)1)
c) Em poucas vozes sem adaptadar: hall, ketchup, kibutz, Kremlin, penalty, poker, rally, rugby, water-polo, watt2)
Ora bem, muitos estrangeirismos já se encontram adaptados ao nosso idioma:
- K
- capa (k), curdo, folclore, Cansas, etc.
- hóquei, quilo, quiosque, Nova Iorque, Pequim, Quénia, Tóquio, etc.
- W
- sanduíche, uísque, etc.
- vátio, Havai, Otava, Venceslau, etc.
- Y
- jóquei, pónei, jarda, etc.
- ianque, iate, iene, iodo, iogurte, Baiona, Hendaia, Himalaia, etc.
- LL
- Marselha, Melilha, Sevilha, Tordesilhas, Valhadolid3)
- Ñ e GN
- Avinhom / Avinhão, Bolonha, Espanha, Logronho, Sardenha, Sam / São Marinho4)
Nota: Ainda que menos usados no conjunto da Lusofonia, para estas letras também temos os nomes cá (K), (u)vê dobrado ou duplo (W), i-grego e ípsilo (variante de ípsilon usada mais espontaneamente (Y).
II.1.3. Uso de -m e -n finais e de alguns dígrafos (lh, nh, mh, qu, gu, ch, rr)
a) As palavras com nasal final escrevem-se com -m final, mas a maioria das agudas com pronúncia /‘oɳ/ ou /‘aɳ/ apresentam duas grafias: a usada na Galiza (-om, -ám) e a geral na língua portuguesa (-ão, -ã), com plurais -ons ou -ões e -ans ou -ães.
- amavam, clam / clã, cantam, estám / estão, iam, seriam, pam / pão
- contém, jovem, levem, ordem, refém, também
- bom, com, fôrom / foram, som / são, tradiçom / tradição
- álbum, boletim, comum, ruim, um
Os plurais destas palavras levam -ns ou, no caso das palavras acabadas em -am e -om(/ão), também, respetivamente, -ães e -ões: pans / pães; reféns; razons / razões, parabéns, comuns…
Porém, o -m final do singular conserva-se nos advérbios em -mente formados a partir de adjetivos findos em -m: comummente.
Porém, acabam em -n alguns vocábulos graves ou esdrúxulos de origem geralmente greco-latina, findos em -an5)), -en ou -on6):
- íman
- dólmen, éden, hífen, hímen, pólen, sémen, etc.
- cláxon, rádon, mícron, etc.
Alguns destes eruditismos apresentam na atualidade apenas a forma inovadora (regime, aborígene, clone) e outros a forma adaptada ao lado da culta: abdómen ou abdome, cánon ou cânone/cánone, hipérbato ou hipérbaton.
b) O dígrafo lh corresponde-se sempre com o fonema /ʎ/: aparelho, carvalho, concelho, filho, parelha
c) O dígrafo nh corresponde-se sempre com o fonema /ɲ/: amanhecer, senhor, vizinho, tinha
d) O dígrafo mh corresponde-se sempre com o fonema /ɳ/ e só se usam em7): umha(s), algumha(s), nengumha(s)
e) Como dígrafo, qu corresponde-se com o fonema /k/ (sem pronúncia do u que se segue) perante e, i: aqueduto, querer, questionar, questor, queijo, requisito
- Mas o q também pode constituir letra (em vez de dígrafo) perante <ue> (sequestro) e <ui> (quididade): veja-se II.1.8.
f) O dígrafo ch corresponde-se sempre com o fonema /ʧ/: chamar, chefe, encher, etc.
g) O dígrafo rr corresponde-se sempre com o fonema /r/: bezerro, cigarro, torre, etc.
II.1.4. Usos do h
a) No início de palavra o seu emprego obedece normalmente à etimologia (haver, há, hélice, história, hoje, hora, etc.). Por isso,
- levam h- (com os seus derivados): harmonia, harpa, harpia, haste, hendecassílabo, Helena, Heloísa, Henrique, etc.
- e dispensam o h- : achar, encher, erva8), ervilha, impo, inchar, irmandade, oco, ombro, órfao/órfão, osso, ovo, úmero, etc.
b) Como letra isolada, o -h- desaparece no interior da palavra9): aderir, aí, álcool, anídrido, baía, coabitar, coerente, coibir, exausto, inabilitar, proibir, reabilitar, etc.
c) No final de palavras interjetivas: oh!, eh!
II.1.5. Uso de g ( + e, i), j e x
a) Diante de e e i, o uso do g é o habitual: abranger, estrangeiro, geada, gelo, gelosia, gema, genro, gente, gesso, longe, mensagem10), monge, singelo, … cirurgia, fugir, girafa, linguagem, paraplegia, religioso, relógio, etc.
- Com j temos só:
- Em inicial de palavra: jeira, jejum (jejuar), Jerusalém, Jesus
- Em interior de palavra:
- acabadas em -jeito, -jeitar, -jeto, -jetar e deviradas: jeito, rejeitar, sujeitar (sujeito), injetar, injetável, projetar, projeto, projétil, trajeto, trajetória
- quatro vozes acabadas em -aje(m): laje11), pajem, traje, ultraje (ou aldraje)
- e outras duas mais: hoje, majestade
- Com x temos só (além dos casos que veremos no ponto c)): bexiga, coxim, lixívia, mexilhom/mexilhão, xeque, xílgaro, xis (x), México, Xerez, Ximeno
Nota: Para a ortografia das formas galegas do tema de pretérito dos verbos dizer, trazer, querer, pôr e fazer, que na Galiza se pronunciam di/ʃ/era, di/ʃ/emos…; trou/ʃ/era, trou/ʃ/emos…; qui/ʃ/era, qui/ʃ/emos…; pu/ʃ/era, pu/ʃ/emos…, e fi/ʃ/era, fi/ʃ/emos…, consultem-se os paradigmas dos verbos irregulares.
b) Diante de a, o, e u, o uso do j é o habitual: ajuda, arranjar, gorja, já, Janeiro, janela, jantar, jarda (medida), jardim, jazer, laranja…, anjo, Joana, joelho, jogo, joia, joldra, jornal, jovem, pejorativo, rajo, tijolo…, cônjuge, conjuntura, disjuntiva, jejuar, jejum, judo, jugo, jugular, juiz, Julho, Junho, jungir, etc.
- É a letra de uso mais corrente nas palavras acabadas em
- -aja, -ajo, -ajar: haja, hajas, hajamos, raja… gajo, rajo … avantajar, rajar, trajar, viajar, etc.
- -eja, -ejo, -ejar: veja, vejas, vejamos… seja, sejas, sejamos… esteja, estejas, estejamos… cerveja, igreja, inveja, peleja… animalejo, percevejo, mejo (ou mijo)… apedrejar, asselvejar, bracejar, desejar, formiguejar, latejar, mejar (ou mijar), etc.
- -ija, -ijo, -ijar: botija, cornija, torrija, sevandija… alijo (alijar), esconderijo, regozijo (regozijar), rijo (arrijar, enrijar)…
- -oja, -ojo, -ojar : loja (alojar), soja; antojo (antojar), bojo, despojo (despojar), estojo, fojo, nojo (anojar, enojar, enojo), tojo…
- -uja, -ujo, -ujar: babujar, coruja (corujar), aturujo (aturujar), caramujo, cujo (relativo), sujo (sujar), enferrujar, …
- Nestes casos o uso de x reduz-se a:
- graxa (engraxar), taxa (taxar), coaxar, relaxar; marraxo
- vexar
- lagartixa, lixa (lixar), rixa (rixar), lixo
- broxa, congoxa, coxa; coxo, roxo
- bruxa / bruxo (embruxar), buxo, cuxo (bezerro), debuxo (debuxar), luxo, luxar, puxar (empuxar, repuxar)
c) Porém, é muito mais habitual o uso de x em:
- A seguir a um ditongo: baixela, baixo (abaixo, etc.), caixa, deixar, eixo, faixa, feixe, freixo, frouxo, madeixa, peixe, queixa, queixo (da cara), reixa, rouxinol, seixo, teixo, teixugo, etc.
- Com ditongo +j temos muito poucas: aleijar, apreijar, beijo, carqueija, cereija12), feijom/feijão e ameija ou amêijoa (molusco), queijo (do leite)
- Palavras começadas por enx-: enxada, enxaguar, enxame, enxaqueca, enxárcia, enxebre, enxergar, enxerto, enxofre, enxotar, enxoval, enxugar, etc.
- Começadas por eng- ou enj- só temos: engendrar, engenho (engenheiro), enjoo
- Várias palavras adaptadas doutras línguas (que em castelhano costumam adaptar-se com ch): haxixe, xaile, xelim (mas jaqueta, jorro).
- Também se emprega esta letra diante de a, o, u, em: Alexandre, oxalá, Texas, xadrez, xaque, xarope, Quixote, esdrúxulo, luxúria, xurelo.
Nota: A letra x tem o mesmo valor fónico que nos pontos anteriores (/ʃ/) nos prefixos de procedência grega xeno- (xenofobia), xero- (xerocópia), xilo- (xilofone), assim como em luxar, elixir (substantivo) e Luxemburgo.
- Em vozes patrimoniais galegas alternam x / c13): axejar ou acejar, cóxegas ou cócegas, xenreira ou cenreira.
- As palavras provenientes doutras com ge, gi, passam a escrever-se com j quando esta letra vai diante de a, o, u:
- De fugir: fujo, fuja, fujas, mas foge, foges, fugiam
- De reger: rejo, rejas, reja
- De viagem: viajar
- De longe: lonjura
- Polo contrário, as provenientes de j e x permanecem diatne de qualquer vogal dos derivados: anjinho, laranjeira, trajar, ultrajoso, viajo, viajei, viajemos, etc. (de anjo, laranja, traje, ultraje, viajar); lixento, prolixidade, etc. (de lixo, prolixo).
Confrontem-se, por último:
- ameixa (fruta) – ameija (ou amêijoa, molusco)
- cuxo (vitelo, bezerro) – cujo (pronome relativo)
- lixeiro (encarregado do lixo) – ligeiro (pouco pesado)
- queixo (vértice mandibular) – queijo (produto do leite)
d) Emprega-se o x com valor de /ks/ ou /s/ em:
- ex-: exagerar, executar, exemplo, exercer, exercício, exército, exercitar, exigir, êxito
- -flexo: reflexo
- -fluxo: fluxo, influxo, refluxo
- -plexia e -plexo: apoplexia, complexo, perplexo
- e também em: anexo, anglo-saxónico, fixar, fixo (crucifixo, prefixo), oxigénio, paradoxo, prolixo, sexo, sexto, táxil.
- As palavras próximo, máximo e sintaxe, no entanto, so admitem a pronúnica /s/.
Face aos casos anteriores, a letra etimológica x foi substituída por s nos seguintes vocábulos de uso corrente:
- es- (is-): escavar, escoriar, escusar, esplanada, espoliar, espraiar, espremer, esquisito, estender14), estrangeiro, estranho, isento
- e também em: Calisto (calistino), justapor, misto (mistura), Sisto (sistino)
Finalmente, confrontem-se:
- espremer (apertar) – exprimir (expressar)
- esperto (astuto, inteligente) – experto (entendido, erudito)
II.1.6. Usos de b e v
A seguir, apresentam-se os casos em que o uso de b e v podem gerar mais dificuldades:
a) Utiliza-se b:
- No início de palavra em: bainha, baixela, baleiro, basco, baunilha, beira, beta, bexiga, Biscaia, boda, borboleta15)
- No interior de palavra:
- no segmento -bili-, que se converte em -vel quando final de palavra: automobilismo (mas automóvel), imobilizar (mas imóvel), mobília (mas móvel), possibilitar (mas possível), sensibilizar (mas sensível), amabilidade (mas amável)
- e também em: abóbada, rebentar, Ribeira, riba(s)
b) Utiliza-se v:
- Nas palavras acabadas em -vel: amável, crível, móvel (automóvel, imóvel, telemóvel), possível, provável, solúvel
- No morfema modo-temporal -va- dos verbos em -ar: andava, atuavam, cantávamos, levavas, provava
- Nos seguintes vocábulos (e derivados) com vr (e fevereiro): escalavrar, fevereiro16), lavrar, livrar, livre, livro, palavra
- Em certos verbos acabados em -var e na sua família léxica: cevar (cevo), conchavar, crivar (crivo), gravar, provar (prova), raivar (raiva), sovar (assovalhar), travar (mas temos com b réprobo e as começadas por probabil- e probat-: probabilidade, probabilismo, probatório, etc.)
- Em cinco verbos acabados em -ver, com o seus derivados: dever, ferver, haver, escrever e -screver (adscrever, descrever, etc.), sorver (absorver, sorvete)
Os acabados em -ver talvez sejam mais numerosos (cfr. atrever, chover, mover, precaver, solver, ver, viver, volver, junto com derivados e os anteriores) que os acabados em -ber (beber, caber, conceber, lamber, perceber, receber, saber e derivados), sendo todos bastante habituais.
- Nas seguintes vozes em que o v vai precedido das consoantes:
- d: advogado
- s: resvalar
- l (alv-): alva, alvanel, alvará, alvedrio, alvíssaras, alvoroçar, alvorotar. E, salvo albino, o resto das relacionadas com alva (alvarinho, alvo, alvor, alvorada, alvorejar, alvura, Vilalva, etc.).
- r: árvore, carvalho, carvom/carvão, erva, escarvar, estorvar, orvalho, torvelinho, turvo
No entanto, a maior parte das derivadas de árvore (salvo arvorado, arvorar, arvoredo) levam b (arbóreo, arborescente, arboriforme, arborizar, arbusto, etc.). Entre as derivadas de carvom/carvão levam v aquelas em que desapareceu o -n- intervocálico latino (carvoaria, carvoeira, carvoeiro, etc.) e b as que o preservam, mais abundantes (carbonáceo, carbonatar, carbonato, carbónico, carbonizar, carbono, carbonoso, etc.). As derivadas de erva ficam com v, salvo as começadas por herbi- e herbo- (excetua-se ervilha e ervoso), como já vimos: herbiforme, herbívoro, herbolário, herborista, herborizar, etc. E os derivados de turvo levam todos b: enturbar, perturbar, turbamulta, turbar, túrbido, etc.
- As seguintes com -v- intervocálico: avós, avondo, azeviche, azevinho, caravela, cascavel, cavalo e cavalgar (cavaleiro), cavalheiro, ceivar (ceive, ceivo), cevada, chisgaravis, cotovelo, côvado, covil, dívida17), dúvida, escaravelho, escova, escrivao/escrivão, fava, fivela, gravanço, goiva, governo, gravata, javali, lavoura, névoa, nuvem18), pevide, polvo, povo, rodovalho19), ruivo, saraiva, sovaco, tavao/tavão, tovo, trave, trevo, trovador, trovoada20), Córdova, Cristóvao/Cristóvão, Estêvao/Estêvão21), Havana, Vesúvio, Xavier
- As seguintes começadas por -v-: varanda, varrer, várzea (e Varja), vassoira, vaza, vermelha, verniz, vido/vidoeiro, viés, vime, virolho, vulto
- Confrontem-se:
- bago (de uva) – vago (vagabundo)
- benzer (consagrar) – vencer (ganhar)
- balor (mofo) – valor (valentia)
- móbil (motivo) - móvel (peça de mobília)
II.1.7. Usos de c/ç e z
a) ç + a, o, u / z + a, o, u:
- Precedido de consoante, o mais habitual é o uso de ç:
- l: alçar, calçar, dulçor
- n: aliança, balança, Betanços, crença, diferença, Florença, França, geringonça, Gonçalo, inçar, lança, Lançarote, onça, painço, pinça, pinçar, ranço, romanço, sentença
- r: Arçua, berço, camurça, corço, força, garça, março, orçamento, percalço, terço, verça
- Mas:
- anzol, bronze, chimpazé, cinzel, cinza, colza, Ginzo, várzea, zarzuela
- Verbos em -zir, -zer: benzer, cerzir, franzir, zurzir
- Sufixo -zinho: virgenzinha, bonzinho, arzinho
- Entre vogais:
- É mais habitual o ç no conjunto das palavras acabadas em:
- -aça, -aço, -açar: ameaça, caça, mulheraça, braço, espaço
- -eça, -eço, -eçar: cabeça, peça, preço, começar, endereçar, tropeçar
- -iça, -iço, -içar: cobiça, justiça, mestiço, noviço, vingadiço
- -oça, -oço, -oçar: carroça, moço, foçar
- -uça, -uço, -uçar: carapuça, aguçar
- -ouça, -ouço, -ouçar: bouça, calabouço, ouço (de ouvir), retouçar
- -çom/-ção: liçom/lição, traiçom/traição
- -çoar, -açal: abençoar, afeiçoar, aperfeiçoar, ervaçal, lamaçal, lodaçal
- Mas com z temos:
- o sufixo -eza 22): aspereza, beleza, delicadeza, nobreza
- o sufixo -izar 23): agonizar, dinamizar, fraternizar, realizar
- os sufixos -zoo, -zoico, -zoto, -zoário, -zoide, -zarrom/-zarrão, -zudo, -zunho: protozoo, antropozoico, azoto, fitozoário, trapezoide, canzarrom/canzarrão, pezudo, pezunho, etc.
- e outras palavras (poucas) terminadas como as anteriores: baliza, bazar, desprezo, Galiza, gozo, juízo, menosprezo, prazo, prezar, razom/razão, rezar, sazom / sazão, vaza
- Nos começos de palavra o uso das duas letras é mais habitual:
- aça-: açacalar, açafata, açafrám/açafrão, açaime/açaimo; açaimar, açambarcar
- aza-: azálea, azar
- aço-: aço, açor, açoteia, açoute
- azo-: azorrague, azoto
- açu-: açúcar, açucena, açular
- azu-: azul, azulejo, azurite
- Há casos difíceis de agrupar:
- com ç: alcaçuz (regoliz), alçada, baloiço, beiço, caçapo, façanha, maçá / maçã, moçárabe, peçonha, quiçá, tapeçar, tapeçaria, terçol24), Moçambique
- com z: amizade, bazófia, bizarro, bizarria, esquizofrenia, folgazám/folgazão, gazela, gazeta, gazua, horizonte, mazurca, nazi, nazismo, ozono, ziguezague, Amazonas, bizantino, Lázaro, Nazaré
- No início de palavra só se usa z25): Zacarias, zagal, Zambeze, zambro, zampar, zarabatana, zarzuela, zelandês, zoar, zodíaco, zoofilia, zoologia, zoupeiro, zumbar, Zurique
- As palavras com c + e, i levam ç + a, o, u nos seus derivados, e vice-versa:
- agradecer: agradeço, agradeça, agradeças, etc.
- doce: doçura, doçaria
- raça: racismo, racista
- caçar: cacei, cace, etc.
- Confrontem-se:
- aço (aceiro, forças) – azo (oportunidade)
- açougue (mercado) – azougue (mercúrio)
- açular (acirrar) – azular (tornar azul)
- guiço (pauzinho) – guizo (ajôujere)
- praça (lugar público) – praza (de prazer)
- raçom/ração (dose de comida) – razom/razão (juízo)
b) c + e, i / z + e, i:
- Perante e e i o mais habitual é o uso da letra c: aparecer, conhecer, embelecer; convencer, vencer, exercer, descer, torcer, ressarcir; ácido, bocejar, citar, dicionário, etc.
- Porém, levam ze:
- seis ou sete verbos acabados em -zer26): benzer (o m. q. bendizer), cozer, dizer, fazer, jazer, prazer, trazer (o m. q. traguer).
- os numerais, com base em dez e também o zero: zero, dezena, dezasseis, dezassete, dezembro, onze, doze (dúzia), treze, catorze, quinze (quinzena)
- E levam zi:
- os verbos acabados em -zir27): aduzir, cerzir, conduzir, deduzir, franzir, induzir, luzir, etc.
- Os derivados de luzir levam z28): luzente, luzidio, luzido, luzimento, etc.
- Os derivados em -ente dos verbos acabados em -duzir levam c: abducente, conducente, producente, etc.
- o morfema de diminutivo -zinho/-zinha e outras palavras terminadas igual (mas toucinho29)): avezinha, cozinha, mezinha, pauzinho, vizinho
- as palavras de índole religiosa acabadas em -azia, -ezia: clerezia, conezia, prelazia, primazia
- Levam também ze, zi, as seguintes vozes: aguazil, alazena, apózema, armazém, azedo, azeite, azémola, azeviche, azevinho, aziago, azinheira, benzeno, benzina, bezerro, bronze, buzina, chimpazé, cinzel, deslize, dezembro, dízimo, donzel/donzela, gazela, gazeta, lazeira, lazer30), mezena, renzilha, rodízio, topázio, tornozelo, trapézio, várzea, vazio (esvaziar), zéfiro, zelar e zelo, zimbório, zimbrar, zíngaro
- Levam z + e, i os derivados patrimoniais de palavras com z + a, o, u assim como os plurais ou termos procedentes de palavras acabadas em -z: cruzeiro (de cruz), agonize (de agonizar), cinzeiro (de cinza), gozei (de gozar), jazia (de jazer), veneziano (de Veneza), vozear (de voz); cruzes (de cruz), luzes (de luz), raízes (de raiz), vozes (de voz), etc.
- Porém, em derivados com os sufixos -issimo, -idade e -itar, o -z da forma primitiva transformar-se em -c-:
- -císsimo: capacíssimo, felicíssimo, velocíssimo, etc.
- -cidade: capacidade, felicidade, velocidade, etc.
- -citar/citado: capacitar, felicitado
- Confrontem-se:
- azeitar (untar com azeite) – aceitar (admitir)
- benzer (abençoar, consagrar) – vencer (ganhar)
- doze (numeral) – doce (do sabor de açúcar)
- enzima (fermento) – em cima (sobre)
- mazela (mácula) – macela (camomila)
- mezenas (mastros dos navios) – mecenas (protetor)
- zinco (metal) – cinco (numeral)
II.1.8. Uso do q
Como parte do dígrafo qu- já foi tratado em 3.e. Como letra vai sempre seguida de u (qu), pronunciando-se ambas (/kw/). Para marcar a pronúncia das duas letras diante de e e i, é opcional usarmos um sinal auxiliar chamado trema (qüe, qüi), como tem sido prática comum no Brasil até o Acordo de 90.
Utiliza-se nos seguintes casos:
- Nas palavras começadas por qua-, qüi-/-qui, quo- 31): quadrado, quadril, quadro, qual, qualidade, qualificar, qualquer, quando, quantidade, quanto, quarenta, Quaresma, quartel, quarto, quartzo, quase, quatro, qüinquagésimo / quinquagésimo, quociente, quórum, quota (quotizar)
- Todas as palavras começadas por
- aqu-: aquário, aquática, aquoso
- equa-: equacionar, equador, equanimidade
- eqüe-/eque-: eqüestre/equestre
- eqüi-/equi-: eqüidade/equidade
- equo-: equóreo
- esqua-: esquadra, esquadrinhar, esquálido
- sequ-: sequaz, seqüestro/sequestro
- As relacionadas com o verbo latino loqui (“falar”) e as acabadas em -quo (salvo conspícuo, inócuo e vácuo)32), -qüência/-quência e -qüente/-quente: loquaz (loquacidade), ventríloquo, iníquo, longínqua, propínquo, ubíqua, eloqüência/eloquência, eloqüente/eloquente, freqüência/frequência, freqüente/frequente, etc.
- E também: adequar, antiquar (antiquário), cinqüenta/cinquenta, liquar
II.1.9. Uso do dígrafo -ss-
a) Nas palavras simples:
- nos demonstrativos, possessivos e imperfeitos do subjuntivo, assim como no superlativo -íssimo e nalguns advérbios:
- esse, essa, esses, essas, isso
- nosso, nossa, nossos, nossas; vosso, vossa, vossos, vossas
- cantasse, colhesse, partisse, levássemos, tingissem, fosse, fôssemos…
- boníssimo, docíssimo, malíssimo
- assim, depressa
- em todas as palavras acabadas em -issura, -cessar, -cessom/-cessão, -cussom/-cussão, -fessar, -fissom/-fissão, -gressom/-gressão, -missom/-missão, -pressom/-pressão, -sessom/-sessão e nas suas famílias lexicais:
- cissura, comissura, fissura
- acesso, concessom/concessão, processar, processo
- discussom/discussão
- confessar, confissom/confissão, professor
- agressor, agressom/agressão, congresso
- admissível, compromisso, omissom/omissão, submisso
- depressom/depressão, expressar, impresso, opressora
- obsesso, possessivo, sessom/sessão
- nas começadas por ess-, foss- e pass- com os seus derivados:
- esse, essência, Essénios
- fossa, fóssil, fosso
- passar e passo, passional, passivo
- na maior parte das começadas por ass-, diss-, gloss-, mass-, mess-, miss-, e das acabadas em -glossa 33):
- assar, assassino, assembleia, assessorar, assim, assinar, assobio, assunto
- dissecar, disseminar
- glossário, glossologia
- massa, massacre, massagem
- messe, messias
- missa, míssil
- diglossia, isoglossa
- O uso de -ss- e -s- é quantitativamente similar nas palavras começadas por pess- / pes-, / poss- / pos-, press- / pres-, vass- / vas- e os femininos acabados em -essa / -esa, com os seus derivados:
- péssimo, pessoa / pesar e peso
- posse e possuir, possível / posar e pose, posicionar, positivo, posologia
- pressa (depressa), presságio, pressionar / presa (prisioneira ou captura)
- vassalo, vassoira / vasa, vaselina, vasilha, vaso
- abadessa, alcaidessa, condessa / baronesa, consulesa, duquesa, princesa
- É minoritário o -ss- nas palavras acabadas em -issa (-isse, -issal) e -cissom/-cissão34):
- abcissa, abissal, melissa, premissa, discissom/discissão, procissom / procissão
Cfr.: brisa, camisa, divisa, pesquisa, profetisa, Felisa, Heloísa, Luísa, etc.; circuncisom/circucisão, cisom/cisão, concisom/concisão, decisom/decisão, precisom/precisão, etc.
- Também se utiliza -ss- nos seguintes vocábulos, com os seus derivados: acossar, atravessar (travessa), avessas, bússola, cassa (venda), cassar (cassaçom/cassação), classe (clássico), codesso, colosso, cossaco, crasso, dossel e endossar, escasso, espesso, gesso, grossa, idiossincrasia, insosso, interesse, mossa (amossar), musselina, nassa, necessário, odisseia, osso, pintassilgo, plissar, potássio, promessa, remessa, ressarcir, ressesso, ressuscitar, sessenta, sossego, sussurro, tessitura, tosse e tossir, travessa, vicissitude, Prússia, Rússia, Ulisses
- Confrontem-se:
- acesso (de aceder) – aceso (de acender)
- cassar (tornar nulo) – casar (contrair matrimónio)
- messes (cereais) – meses (do ano)
- posse (que se possui) – pose (de posar)
- pressa (apressuramento) – presa (o que se apresou)
b) Nas palavras derivadas por acréscimo de prefixo e nas compostas:
- As palavras que começam por s-, ao pôr-lhes um prefixo acabado em vogal, escrevem-se com -ss-, e o mesmo acontece com as palavras compostas cujo primeiro elemento acaba em vogal e o segundo começa por s-:
- aerossol, altissonante, antessala, antisséptico, assaltar, assegurar, assentar, assimilar, assinalar, associar, autossugestionar, bissexto, contrassenso, contrassinal, cromossoma, dessangrar, dissentir, dissimular, entressolo, fotossíntese, hendecassílabo, homossexual, neossocialismo, octossépalo, pressentir, prosseguir, pseudossábio, ressaca, ressaltar, ressuscitar, sacrossanta, semissábio, sobressair, uníssono
- dezasseis, dezassete, girassol, madressilva, sanguessuga
- Quando entre o primeiro e o segundo elementos da palavra composta há um traço, o segundo leva um só s-: puro-sangue
II.1.10. ortografia dos grupos cultos
a) Grupos que costumam preservar-se.
É habitual que se conservem os grupos de consoantes cultos de entrada tardia no nosso idioma: abdicar, abjurar, abnegar, absentismo, obcecar, obstruir, obter, subliminal, subverter; ctenodonte; agnóstico, amígdala, dogma, gnomo; circunstancial, instruir, transferência, adolescente, discípulo, piscina; eclipse, hipnose; pterofágico, ptialina; etc.
Note-se como os seguintes grupos cultos se conservam quase sistematicamente:
- Começados por b (bl, bm, bs, bt):
- sublinhar, submergir
- submeter, subministrar
- obscuro35), subscrever, substancial, substantivo, substituir, substrato
- subtil
- Começados por d (dm, dq, ds, dv):
- admoestar
- adquirir36)
- adstringir
- advogado
- Começados por g (gn, gm): prognóstico, fragmento
- nc, ns:
- plancto
- demonstrar, transcendência, transluzir, transplantar, transtornar
- pn, ps:
- pneumático, pneumonia
- psicanálise, psicologia, bíceps, eclipse, elipse, hipnose
b) Grupos que costumam simplificar-se.
NOTA PRÉVIA: Neste ponto, tratando-se de um campo em que existem numerosos casos de duplicidades na escrita luso-brasileira, para a escolha de cada forma seguimos a Atualizaçom da Normativa Ortográfica da Comissom Lingüística da AGAL conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (Abril, 2010). Outras formas vigentes quer em Portugal quer no Brasil figuram em nota de rodapé, sendo o seu uso igualmente possível.
Por isso, na maioria dos casos desaparece o primeiro elemento dos grupos cultos formados por duas consoantes nasais, bem como também o primeiro c ou o primeiro p nos encontros etimológicos cc, cç e ct e pc, pç e pt quando estes se encontram no interior de palavra: acionar, açom/ação, aspeto; anticoncecional, adoçom/adoção, ótimo, suntuoso. Comecemos por estes:
No caso de cc (cç), ct, o primeiro c desaparece na maioria dos casos:
- acesso, acessório, acidente, equinócio
- açom/ação, construçom/construção, infeçom/infeção
- ártico, aspetual, atitude, atividade, ato, ator, atriz, atual, atualizar, conflito, contrato (documento legal), efetuar, exata, frutose, infetar, injetar, ocidente, olfato, objeto, oleoduto, prática, produto, projeto, respetiva, restrito
- caráter, caraterística, cato, infecionar, infecioso, infeto, iterícia, setor37)
- Há bastantes casos de incumprimento desta regra, mas em geral concentram-se em palavras menos comuns que as anteriores, quer com grupo culto precedido de i e u, quer com grupo culto precedido de a, e e o. Eis as mais habituais (com derivados):
- convicçom/convicção, convicto, dúctil, ficçom/ficção, fricçom/fricção, ictiologia, icto, micçom/micção, sucçom/sucção
- Tenha-se em conta que o c também desapareceu, por ter vocalizado, nas seguintes palavras e derivados:
- afeiçoar, confeitaria, defeito, efeito, eleito, interjeiçom/interjeição, leitura, liçom/lição, oitavo, perfeito, reitor, rejeitar, respeito, ressurreiçom/ressurreição, sujeito, teito42)
- doutor, doutrina, outubro, etc.
No caso de pc (pç) e pt, o primeiro p desaparece em numerosos casos:
- Perdem o p um grupo de vocábulos entre os que se encontram os acabados em -scriçom/-scrição, -scrito, os relacionados com sete e as vozes ditongo e tritongo, com os seus derivados:
- adscriçom/adscrição, inscriçom/inscrição
- descritiva
- setembro, sétimo
- ditongo, tritongo
- Também perdem o grupo as vozes com -cepc-, -cepç- e -cept-:
- aceçom/aceção, (anti)conceçom/(anti)conceção, contraceçom/contraceção, exceçom/exceção, interceçom/interceção, perceçom/perceção, receçom/receção
- anticoncecional, excecional
- anticoncetivo, contracetivo, concetáculo, exceto, excetuar, intercetar, percetível, recetáculo, recetiva, recetor, suscetível, suscetibilidade43)
- E nas seguintes palavras e derivadas: adotar, batizar, cativo, cetro, ótima
- Há mais casos de incumprimento desta regra entre os grupos etimológicos começados por p que entre os começados por c. Vejamos os mais comuns:
- Tenha-se em conta que o p também desapareceu, por se ter vocalizado, nas seguintes palavras e derivados: aceitar, Conceiçom/Conceição (nome próprio), conceito46), preceito, receita
Os grupos formados por várias nasais (mn, nm, nn) é comum simplificarem-se nas palavras mais habituais: aluna, coluna, ginástica, hino, comover, emudecer, imoral, imóvel, eneassílabo, inato, inovar, perene.
- Mas conservam estes grupos as palavras começadas por amn-, omn-, as relacionadas com o grego mnesis, indemnizar (e derivados) e o pronome pessoal connosco47):
- amnésia, amnistia, omnipotente, omnisciente, dismnésia, mnemotécnica
- indemnizar
- connosco
- O grupo mm, excluído no encabeçado destes grupos, só se mantém como resultado do acréscimo de -mente a um adjetivo acabado em -m: comummente, ruimmente
Outros casos (cd, gd, gn):
- anedota
- sinédoque
- Inácio, Madalena