“Há que fazer ver à gente que o reintegracionismo é umha via possível, que nom cambiaria a sua forma de falar, só o seu jeito de escrever”
PGL – Manuel Rial é paleo-falante e natural de Vimianço. Estudou jornalismo em Compostela e criou com quatro companheiros da faculdade a revista digital O Compás da Costa da Morte, revista cultural da zona.
És natural de Vimianço, como é o mundo de um neno galego falante do ponto de vista da língua? Podias manter-te no monolingüismo?
Desde neno sempre falei galego, e apenas galego. Até com a gente que me falava espanhol, pois comprendim que se viviam aqui nom teriam problema nengum em perceber. Hoje em dia continuo a ser monolinguista e falo galego com todo o mundo, responda no idioma que responder. E figem isto sempre de modo natural, sem nemgumha conviçom ou intençom, até que há um ano alguém me dixo que lhe parecia estranho que pudesse ter umha conversaçom onde umha pessoa fale um idioma e a outra, outro.
Até que cheguei à Secundária, nunca reparei na existência dum conflito lingüístico, porque em Vimianço nom existia. E continua sem existir. A maioria dos habitantes falam galego e mui poucas pessoas falam o espanhol. E como digo, caso alguém fale espanhol, poucas pessoas lhe respondem em espanhol. Antes ao contrário, som os castelhano-falantes que tentam responder em galego.
Quais eram os usos do galego na tua infáncia? E do espanhol?
Como já dixem, de neno rara vez falava o espanhol. Basicamente nas aulas de “lengua”, onde lia e escrevia na língua de Cervantes. Isso sim, nom tinha nengum problema para escrever e comunicar-me em espanhol, como muitos podem tentar fazer ver. Todo o contrário, já que igualmente vivia rodeado de castelhano: a TV, os livros, os comics, os jogos…
És criador duma revista cultural digital da Costa da Morte: O Compás da Costa da Morte. Levades um ano com ela, como foi este primeiro ano?
Foi genial. Juntamo-nos cinco companheiros da Faculdade de Ciências da Comunicaçom, que depois de finalizar a carreira decidimos realizar unha página web sobre a cultura da Costa da Morte. Foi no Dia das Letras Galegas de 2012 e nascia como umha agenda de lazer da zona, mas acabou por ter protagonismo a parte de revista cultural em que aproveitamos para nom perder em nengum momento a nossa profissom, e continuar a fazer reportagens, entrevistas… Apesar de que a revista nom dá para nos sustentar economicamente, a satisfaçom pessoal é enorme.
Estou aprendendo muito graças a ela, porque investigas, descobres lugares, pessoas… e o mais gratificante: fás que do outro lado da Rede alguém esteja descobrindo algo ao mesmo tempo o que tu lho mostras.
Chegaste a Compostela para a estudar. Como foi essa passagem com respeito à língua?
Na Faculdade de Jornalismo vivim umha grande evoluçom a respeito do idioma. Ao começar umha carreira, que ainda por cima se baseia na língua, reparei na quantidade de castelhanismos que utilizava sem jeito nengum. Por isso, nesse momento decidim limpar o idioma e ir abandonando progressivamente as palavras e expressons do espanhol (ainda continuo nisso!). Isso sim, que começara a mudar a língua nom quer dizer que renunciara aos traços dialetais da minha vila: o sesseio e mais a gheada. Aliás, reforcei-os por conviçom própria, porque nom queria falar um galego asséptico, e queria conservar a minha marca de identidade, as minhas raízes na fala.
As reaçons vinherom sobretudo do ámbito familiar que começavam a olhar dum modo estranho, para nom dizer “ghuhghado” (que olha que é complicado de dizer, com aspiraçom do xis incluído) e dizer “julghado”. Mas há umha palavra que ainda nom conseguim remediar: “ghalhegho”.
Que te motivou para dares um passo para a estratégia luso-brasileira? Foi fácil a transiçom?
Mais que fácil, a transiçom foi lenta. Hei de dizer que nom há muito tempo eu era anti-reintegracionista. Desde novo, quando comecei a ouvir que havia gente que “queria escrever o galego como o português” achava-o absurdo e ilógico, por serem dous idiomas distintos que nom tinham nada a ver, e ainda que num momento histórico foram o mesmo idioma já havia um distanciamento tam grande que era impossível voltar a tentar construir pontes. Mesmo, quando saíra a última normativa que incorporava as terminaçons -za, em lugar de -cia, ou dava por válidas as terminaçons -ble e -bel, pensava naquele momento que nom tinha nengum sentido fazer essa aproximaçom ao português indo em contra do que a maioria da gente falava na rua. Mas, agora, anos depois, vê-se que está totalmente assimilado, e hoje em dia ninguém acha estranho estranho ouvir “diferença” e assume-o já como próprio. A gente acostuma-se às normativas por mui chocantes que lhe pareçam ao princípio.
O momento em que mudei realmente de parecer foi quando há um ano comecei a estudar português na Escola Oficial de Idiomas. Interessei-me por ela porque me parecia um erro gravíssimo que nom se ensinara nas escolas um idioma irmám do galego com o que teríamos as portas abertas a milhons de falantes em todo o mundo, um idioma que ademais, por história, era “da família”. (Já daquela começava o germolo reintegracionista).
Ademais, comecei a ver que os reintegracionistas nom eram “bichos raros” e, umha amiga impulsou-me a dar o passo final.
Na tua opiniom, por onde deve caminhar a estratégia luso-brasileira para avançar na sua sociabilizaçom?
Para começar, fazer ver à gente que o reintegracionismo é umha via possível, que nom cambiaria a sua forma de falar, só o seu jeito de escrever.
E também deixar de que pareça que o reintegracionismo só se move em circuitos fechados, e que há gente mui variada e de distintas profissons, condiçons sociais e académicas que apoiam a causa.
Creio também que na parte mais prática, teria-se muito andado se a normativa oficial dera três pequenos passos: cambiar o ñ por nh, o ll por lh e escrever o -m final. Só com estas três chaves o reintegracionismo veria-se doutra maneira. É impossível introduzir umha nova norma ortográfica de golpe. Assim, deste jeito as pessoas abririam os olhos e começariam a pensar…
Que visom tinhas da AGAL, que te motivou a te associares e que esperas da associaçom?
Conhecim a AGAL através dumha amiga associada, que me explicou em que consistia. O que mais me botava para atrás era pensar que o reintegracionismo queria trasladar a normativa exata do português lisboeta ao galego. Mas vim que existiam alternativas, que nom era tudo preto ou branco, nem boi ou vaca. Quero dizer, que existia umha alternativa que recolhia o idioma galego com as suas características próprias, sem ser a cópia exata do padrom português. Porque nisso continuo a estar em contra.
O que quero é que a gente comece a reparar na cada vez pior qualidade do galego, invadida por castelhanismos que aceitam na Real Academia, enquanto que os termos próprios som deslocados porque a gente acaba por nom utilizá-los. O que quero é que ademais os galegos escrevam o seu idioma na grafia que lhe pertence por história, e que nom tenhamos medo em abandonar a ortografia espanhola. Porque como diz o presidente da Real Academia queria voltar à normativa anterior mesmo porque criaria muitas complicaçons aos nenos estudarem duas ortografias distintas na escola. Dando por feito que existe umha língua superior e outra inferior… que tem que copiar à superior.
Espero da AGAL que continue a dar passos na visibilizaçom social do reintegracionismo, e para isso penso que é vital mostrar o potencial da cultura lusófona. Que a gente nom olhe apenas para a fronteira do Cebreiro e olhe para a de Tui. Que a gente nova repare por que compreendeu tam bem as letras da Cabritinha e o Ai se eu te pego (por que nom!?)
Como gostarias que fosse a “fotografia lingüística” da Galiza em 2020?
Estacionamento dumha escola de Vigo. Cinco da tarde. “¿Cómo te fue el día, Antón?” “Mui bem, hoje aprendim a somar mil milhons de cifras!”
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Conhecendo Manuel
Um sítio web: ocompas.com
Um invento: Internet
Uma música: Luar na Lubre, em geral. Som um grande seareiro
Um livro: Todos os dias, de Alberto Ramos.
Um facto histórico: A pré-história
Um prato na mesa: Umha sobremesa.
Um desporto: Caminhada
Um filme: A língua das borboletas, porque ficou gravada da infância.
Uma maravilha: A Costa da Morte.
Além de galega: Nascim na Suíça, mas melhor fico aqui…
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Entrevista publicada originalmente no PGL na sexta, 27 de dezembro de 2013
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