26-10-2012

  20:23:18, por Corral   , 2892 palavras  
Categorias: Novas, Ensaio

CANTA O MERLO: Para uma melhor compreensão da crise do capitalismo

por Manuel Brotas
http://resistir.info/

A dinâmica intrínseca da acumulação capitalista conduz a grandes e recorrentes perturbações e interrupções do crescimento. A crise actual é essencialmente uma crise de sobreacumulação de capital. A razão mais profunda é a tendência para a baixa da taxa geral de lucro. Marx considerou esta a lei mais importante da economia política.

Simplifico, esquematizo, para ir à essência da questão [1] .

Qualquer sociedade, para sobreviver e desenvolver-se, necessita de garantir a produção de uma certa quantidade de bens e serviços. Essa produção ? e mais geralmente o funcionamento do organismo social ? exige que as forças de trabalho disponíveis se distribuam mais ou menos em certas proporções, que vão evoluindo, pelos diversos ramos de actividade económica. No socialismo, essa distribuição é, no fundamental, feita conscientemente, decidida de modo planificado, com o objectivo de satisfazer da melhor maneira possível as necessidades e aspirações da população. No capitalismo, a distribuição é, no fundamental, o resultado espontâneo das decisões independentes das empresas, com o objectivo de obter o maior lucro possível para os seus donos. A lei que, no capitalismo, assegura e regula a necessária distribuição do trabalho social (e dos recursos materiais) pelas várias actividades é a lei do valor.

O trabalhador não é uma bateria, que fornece no máximo tanta energia como aquela com que foi carregada. Em geral, um homem é capaz de trabalhar durante mais tempo do que o tempo que necessita para assegurar a sua sobrevivência. Essa diferença, desde que se tornou historicamente possível, é a origem de todos os sobreprodutos sociais que, quando apropriados privadamente por um grupo humano em detrimento de outros, constituem as sociedades de classe. Em particular, no capitalismo, a diferença entre o valor criado pelo esforço dos trabalhadores e o valor que recebem nos salários de que vivem chama-se mais-valia e é a fonte dos lucros dos capitalistas. A lei que o descreve é a lei da mais-valia.

A concorrência entre os capitalistas das várias esferas de actividade tende, sempre de modo muito turbulento, a uniformizar as rentabilidades entre elas. Quando a taxa de lucro sobe (desce) num ramo, os investimentos aumentam (diminuem), a respectiva oferta de produtos cresce mais (menos) rápido que a procura, os preços diminuem (aumentam) e volta a baixar (subir) a taxa de lucro. Nunca há equilíbrio. Nunca se consegue um nivelamento perfeito entre os vários ramos. Mas as taxas de lucro aproximam-se e oscilam em torno de um nível que permite falar numa taxa geral de lucro, para o conjunto da sociedade.

É através desta competição entre os vários capitais que a mais-valia arrancada aos trabalhadores da produção se reparte pelos capitalistas das várias áreas (incluindo o comércio e a banca), de modo a proporcionar taxas de lucro semelhantes aos novos investimentos em cada uma delas. Não é verdade que o sistema financeiro, ou mesmo os investimentos especulativos, proporcionem em geral taxas de lucro superiores. Isso pode suceder com vários capitais individuais por exemplo durante uma bolha especulativa, mas as bolhas desincham ou rebentam. Durante uma escalada especulativa, activos financeiros podem valorizar-se artificialmente com o disparar da procura e as mudanças de umas mãos para outras ? nesse caso, o que umas possam vir a ganhar com a compra perderam as outras com a venda e o presumível lucro não é mais do que uma transferência de umas para outras. Mas basta que, por algum motivo, como quando a desconfiança se insinua, os actuais proprietários queiram massivamente vender os activos para realizar os pretensos lucros, que logo precipitam a queda dos preços e evidenciam que se tratava tudo, afinal, de ganhos fictícios de capital fictício. Em média, se tomarmos um período suficientemente prolongado, pode mostrar-se que as rentabilidades não são maiores nestes sectores. Doutro modo, com a enorme mobilidade de capitais e facilidade de investir especulativamente, nem se perceberia por que os empresários não abandonariam os seus ramos e desatariam todos a investir na bolsa e noutras especulações.

Mas atenção. A competição capitalista tende a igualizar a taxa de lucro entre os vários ramos, mas a desigualizar a taxa de lucro dentro de cada um. Na produção e venda das mesmas mercadorias ou serviços, grandes capitais, tecnologicamente mais avançados, têm taxas de lucro maiores que pequenos capitais, tecnologicamente mais atrasados. É o movimento destes grandes capitais, mais avançados, que têm a capacidade de incrementar rápida e significativamente a oferta, que homogeneíza aproximadamente as taxas nos vários sectores.

O declínio da taxa geral de lucro

A taxa de lucro é a relação entre o que o capitalista ganha e aquilo que investiu. Tendo percebido que o lucro dos capitalistas não é senão uma forma transformada da mais-valia extorquida aos trabalhadores da produção, Marx mostrou que a taxa geral de lucro era dada pela relação entre a mais-valia globalmente produzida e o capital globalmente investido na produção, que se divide entre o que compra força de trabalho (capital variável) e o que compra equipamentos, matérias-primas, materiais auxiliares (capital constante). Desta forma, a taxa geral de lucro fica formulada em termos de valor [2] .

O desejo de extraírem o máximo benefício da exploração dos seus trabalhadores, leva os capitalistas a procurarem aumentar a produtividade do trabalho com a utilização de melhores equipamentos. A necessidade de defenderem e incrementarem a sua quota de mercado na concorrência com os outros capitalistas, obriga-os a procurar baixar os custos de produção, especialmente através da substituição de trabalhadores por máquinas. Aumenta a maquinaria (e a matéria prima processada) em relação ao número de trabalhadores. Mas com isso tende a diminuir a mais-valia obtida ? que provém exactamente da parte não paga do trabalho dos operários ? relativamente ao capital empregue. Ou seja, a taxa geral de lucro tende a diminuir. Marx considerou a lei do declínio tendencial da taxa geral de lucro como a mais importante da economia política [3] .

O lucro é o objectivo da produção capitalista. Sem lucro, não há produção capitalista. Esse é, aliás, dito de forma simples, o grande erro, ou a grande insuficiência, dos keynesianos, quando explicam a crise com a quebra da procura. Identificando correctamente que as mercadorias não se vendem se não houver interessados com capacidade de adquiri-las, esquecem, além disso e mais profundamente, que, para usar a sua linguagem, a procura só é efectiva se for lucrativa, isto é, se proporcionar lucros ao capitalista que as produziu.

Compreende-se, por conseguinte, a necessidade imperiosa do capitalismo em contrariar o declínio da taxa de lucro. Só o pode fazer aumentando a produção de mais-valia para o mesmo capital ou reduzindo o capital para a mesma produção de mais-valia. Todas as formas concretas de contrariar o declínio se reduzem às maneiras como se asseguram estas condições.

Contratendências

Uma maneira é intensificar a exploração, aumentar a mais-valia extorquida aos trabalhadores, aumentar a parte não paga em relação à parte paga do trabalho (ou seja, aumentar a taxa de mais-valia ). Pode-se mostrar facilmente que, embora isso contribua para enfraquecer e possa deter o declínio da taxa de lucro, esta tendência acaba sempre por se impor. Porque, sendo a mais-valia necessariamente inferior ao valor novo criado (de que é uma parte) e sendo o capital investido necessariamente superior à sua parte constante, a taxa de lucro há-de ser sempre menor que a relação entre o novo valor criado (o trabalho vivo) e a parte constante do capital investido (o trabalho morto); mas é exactamente esta relação que, como se viu atrás, a produção e a competição capitalista obrigam a diminuir, com o aumento da maquinaria por trabalhador e a substituição de trabalhadores por máquinas (o trabalho vivo por trabalho morto) [4] .

Outra maneira de procurar deter o declínio é aumentar a rotação do capital, que permite reduzir o capital destacado inicialmente para assegurar o pagamento da força de trabalho, das matérias-primas e dos materiais auxiliares ao longo da produção. Por exemplo, em igual período de tempo, com duas rotações em vez de uma, a mesma mais-valia é produzida com metade do capital variável, com menor investimento. Mas é evidente que esta aceleração da rotação do capital tem limites bem estreitos e, por conseguinte, a tendência para o declínio acaba sempre por triunfar.

Outra maneira ainda é a desvalorização do capital constante (mais geralmente, a depreciação do capital constante). O aumento da produtividade, com a mecanização, diminui a quantidade de trabalho necessária para produzir as mercadorias (o seu valor). Mas então o aumento dos meios de produção pode eventualmente ser mais do que compensado pela diminuição do seu valor, o que aumenta a taxa de lucro. Pode-se no entanto mostrar, o que não se fará aqui, que se não houver no longo prazo um enviesamento significativo do crescimento da produtividade entre o sector que produz os meios de produção e o sector que produz os meios de vida dos trabalhadores ? o que tem sido comprovado estatisticamente e é compreensível, visto que o estímulo desse crescimento, a pressão para os lucros e a competição entre os capitalistas, não é dissemelhante nos dois sectores ?, então diminuem os custos com capital variável e aumentam os custos com capital fixo (máquinas, equipamentos, instalações) por unidade de produto e a taxa de lucro desce.

A queda da taxa geral de lucro não é progressiva. Manifesta-se, com imensas irregularidades, sob a forma de uma tendência, que é contrariada de várias formas, que pode até durante certo tempo ser invertida, mas que vence no final.

Numa análise mais fina, o empresário capitalista está interessado em conseguir um lucro maior do que obteria se pusesse o dinheiro a render juros, de contrário não faz o investimento (Marx chamou a essa diferença o lucro da empresa ). A diminuição das taxas de juro pode permitir, então, até para uma taxa geral de lucro declinante, a conservação do lucro das empresas não financeiras (a diferença que Marx falava). Mas não para sempre, porque aquela diminuição está limitada pelo zero. A taxa de lucro das empresas tem que acabar por diminuir.

Com a queda da taxa de lucro, grandes massas de capitais ficam desocupados, adormecidos, simplesmente a capitalizar juros, o que fornece desde logo uma enorme base para os investimentos especulativos. Muitos outros, sem rentabilidades suficientemente atractivas no investimento produtivo, tentam as aventuras especulativas. Mas já vimos que, ao longo do tempo, em média, não se saem melhor. E compreendemos que os seus lucros, quando são reais, representam um punção ainda mais intensa da mais-valia produzida no sector produtivo, que aliás prejudica o reinvestimento e a produção de nova mais-valia. A especulação financeira não inverte, não detém, nem sequer enfraquece o declínio da taxa geral de lucro. Isto é, não contraria esse declínio. Se faz alguma coisa, é agravá-lo. Pode aproveitar a capitalistas individuais, mas prejudica o conjunto do sistema. Não é desta forma que o capitalismo procura, e menos ainda consegue, deter a taxa geral de lucro. Fá-lo fundamentalmente pela intensificação da exploração do trabalho e pela desvalorização do capital (que é uma forma da sua destruição). Em última instância, só a crise, com a sua aniquilação massiva de capitais e o reforço brutal da exploração, restaura a rentabilidade suficiente para que o capitalismo possa funcionar e prosseguir. A eliminação de capitais mais fracos e menos lucrativos aumenta a concentração e centralização nos mais fortes.

A concentração monopolista do capital não eliminou a competição capitalista. Muito pelo contrário, intensificou-a, exacerbou-a, dando-lhe uma expressão agravada à escala mundial. As contradições imperialistas por mercados, mão-de-obra barata, recursos naturais, esferas de investimento, domínio geo-estratégico, engendram o militarismo e a guerra. Mas nem as despesas militares, ainda que colossais, adquirem uma dimensão suficiente no PIB das sociedades contemporâneas para tirá-las da depressão económica, nem as guerras se fazem propriamente para acabar com as depressões [5] (estas é que acirram as contradições e podem originar guerras horrorosas). Quem tem o papel de destruir capital, de revigorar a taxa de lucro e retomar o crescimento é a crise, com o seu efeito simultaneamente devastador (para os trabalhadores) e saneador (para o capitalismo).

A sobreacumulação de capital

A massa de lucros no conjunto da sociedade é dada pelo produto do capital social pela taxa média de lucro. Por um lado, parte daqueles lucros são reinvestidos, aumentam o capital total (chama-se a isto acumulação de capital) e, dessa forma, contribuem para aumentar ainda mais a massa de lucros. Por outro lado, a taxa de lucro declinante contribui para diminuir essa massa de lucros. Os dois factores opõem-se, mas, durante certo tempo, o primeiro prevalece, embora cada vez menos, à medida que a taxa de lucro declina, porque, quando a rentabilidade diminui, os investimentos diminuem também. Se a taxa de lucro continua a cair, chega-se a um ponto em que os lucros adicionais resultantes da acumulação (desacelerada) de capital já não compensam as reduções resultantes da menor taxa de lucro. O capital total pode aumentar mas não origina mais lucro. Se alguns novos capitais dão lucros, muitos outros dos antigos passam a dar prejuízos, porque a soma de todos os lucros daí em diante reduz-se. É o ponto da sobreacumulação de capital. É nesta altura que se desencadeiam as grandes depressões económicas, como a que estamos a viver (e que importa não confundir com as oscilações típicas do ciclo de negócios capitalista, reconhecíveis por exemplo nas variações da utilização da capacidade instalada e que originam perturbações mais frequentes mas muito menos devastadoras do crescimento económico). É a irrupção violenta de uma gigantesca e demorada crise, com o seu enorme cortejo de falências, de quebra acentuada e prolongada dos rendimentos e do investimento, com o aumento vertiginoso e persistente do desemprego e da pobreza. A sobreacumulação de capital exprime-se, desde logo, numa enorme sobreprodução de mercadorias, que se amontoam, invendáveis, a par de massas necessitadas, e mesmo esfomeadas, lançadas na miséria pelo desemprego, pela destruição dos seus trabalhos, pelos despedimentos, pelos salários em atraso, pelas reduções dos ordenados e das reformas, pelo reforço da precariedade, pelo corte de subsídios e apoios sociais, pelo desmantelamento e encarecimento de serviços públicos, pelo aumento da desprotecção social. É a crise de sobreprodução ou, dito com mais profundidade, a crise de sobreacumulação de capital, originada pelo declínio da taxa geral de lucro.

A presente crise tem, no entanto, características inéditas. A necessidade do capitalismo retomar a acumulação colide com a saturação e o declínio próximo da sua principal fonte energética (pico petrolífero), cuja oferta, devido a constrangimentos físicos, deixou de poder acompanhar a procura (o que é disfarçado pela quebra desta durante a crise). Colide também com a progressiva escassez de outras matérias-primas naturais, cuja produção é insuficiente para as necessidades do crescimento. Pode-se observar, com pertinência, que a crise actual é uma crise de sobreprodução ensarilhada com uma crise de subprodução.

O capitalismo não oferece o socialismo

A crise é profunda, demorada (nunca menos de uma década a contar do início) e deixará muitas sequelas. Mas não é eterna e passará. Provavelmente com grandes mudanças na organização económica, social e institucional da sociedade. Não necessariamente num sentido favorável aos trabalhadores. A impossibilidade de continuar como dantes fornece a consciência aguda da necessidade e da premência das grandes mudanças.

Quando as contradições de classe se desenvolvem e agudizam podem reunir-se, no chavão bem intencionado de tantos camaradas, ?as condições objectivas e subjectivas? da revolução. Melhor diria o Lénine: chegar o momento em que os de cima já não podem manter a dominação (condições objectivas) e os de baixo já não querem aceitar a dominação (condições subjectivas). Uma coisa, no entanto, é certa. A alternativa é o socialismo, mas este não resultará espontaneamente do capitalismo (por exemplo, da descida mecânica, ainda que muito irregular, da taxa geral de lucro). Só a intervenção organizada e consciente dos trabalhadores e das massas populares pode transformar as possibilidades em aberto na realidade por que lutam os comunistas e a que aspiram os povos.
Notas de rodapé:

[1] Texto publicado no Avante!, órgão oficial do PCP, a 11 de Outubro de 2012. A limitação do espaço levou a simplificações. Nomeadamente, não se atende à diferença entre taxa geral de lucro, resultado do nivelamento, e taxa média de lucro. Nem se desenvolveu a articulação do declínio da lucratividade e da sobreacumulação com os problemas da realização da mais-valia.

[2] A sua tradução para o sistema de preços, como é observada empiricamente, não é imediata, mas basta aqui dizer que está estreitamente ligada e evolui da mesma maneira (é o chamado problema da transformação, dos valores em preços e da mais-valia em lucro).

[3] Nos Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie, Caderno VII. Esta lei complementa e desenvolve, requerendo-as, a lei do valor e a lei da mais-valia, acima mencionadas, insuficientes por si só para demonstrar que o capitalismo não tem solução (a grande tese do Capital ).

[4] Uma conta elementar pode ajudar a compreender. Taxa lucro = mv / K = mv / ( c + v ), com K capital investido, mv mais-valia, c capital constante, v capital variável. Dado que mv < l , com l valor novo criado, e c < K , então Taxa lucro < l / c . Como a competição capitalista obriga esta fracção a diminuir, a mesma tendência acaba por impor-se à taxa de lucro, qualquer que seja a taxa de mais-valia.

[5] As guerras podem estimular a produção e o emprego, nomeadamente à custa de gigantescos défices orçamentais, mas o aumento da lucratividade é geralmente conjuntural. É pertinente recordar que a recuperação dos Estados Unidos da grande depressão económica do começo da década de 30 começou nove anos antes da sua entrada na guerra mundial.

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  20:04:04, por Corral   , 660 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: Saiamos do euro para ceivar das amaralhas da miséria às classes trabalhadoras.

"Saiamos do euro para conduzir verdadeiras políticas de esquerda"
por Jacques Nikonoff [*]

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Os países que quiserem acabar com a hiper-austeridade e efectuar verdadeiras políticas de esquerda não têm outra opção senão mobilizar os cidadãos para sair do euro.

1. A zona euro não foi e nunca será uma "zona monetária óptima".

Cinco critérios sobre os quais concordam os economistas são necessários. Nenhum deles foi reunido na criação do euro e nem dez anos depois: acordo político (ampla convergência sobre as prioridades da política macroeconómica); estruturas económicas suficientemente próximas; diversificação da produção; mobilidade geográfica dos factores de produção; orçamento central importante e mecanismos de redistribuição.

2. O euro não cumpriu nenhuma das promessas feitas pelos seus defensores e nem as cumprirá mais no futuro.

Inflação e taxa de câmbio euro/dólar instável. O euro "forte" divide a Alemanha (que nele tem interesse) e os outros países (que procuram fazê-lo baixar). Não o conseguindo, eles esmagam os salários e o emprego, deslocalizam, transformam o euro em cilindro compressor da protecção social para serem "competitivos". Uma política monetária única é aplicada a situação nacionais diferentes. As taxas de juro vão do simples ao quíntuplo conforme os países. "Couraça" de papelão, o euro atrai a especulação pois está empenhado numa corrida desenfreada pela atracção de capitais. A união monetária devia desembocar na união política; na realidade verificou-se o inverso, por toda a parte as forças nacionalistas, xenófobas, racistas, de extrema-direita avançam na União Europeia (UE).

3. O euro confirma todas as taras que haviam sido denunciadas por aqueles que haviam defendido o "não" de esquerda à moeda única aquando do referendo sobre o tratado de Maastricht em 1992.

O euro não tinha uma vocação monetária, ele era um pretexto para forçar os Estados e constrangê-los a empenharem-se numa via federalista. Ele devia ser a peça central da "ditadura" dos mercados financeiros e da instauração de uma ordem monetária neoliberal. Com o Banco Central Europeu (BCE) escapando a todo controle democrático, o euro foi concebido como vector da aceleração da circulação do capital ao serviço exclusivo dos interesses das classe dirigentes.

As más "soluções".

Alguns querem um novo tratado para que, nomeadamente, o BCE compre directamente obrigações dos Estado. Isto não é crível, pelo menos num prazo breve. Pois para mudar os tratados é preciso obter o acordo dos vinte e sete. Como acreditar que estes países, dirigidos pela direita ou pela "esquerda" social-liberal, se transmutem brutalmente para conduzir uma política de esquerda à escala europeia quando conduzem políticas muito à direita nos seus respectivos países?

Não deixar a batalha pela saída do euro nas mãos da extrema-direita e dos gaullistas de direita.

A esquerda deve combater claramente e frontalmente a UE que faz parte dos pilares da ordem neoliberal mundial, da mesma forma como combate a NATO, o Banco Mundial, o FMI, a OMC e a OCDE. A saída do euro é uma reivindicação de esquerda que permite sair da ordem monetária neoliberal e repolitizar a política monetária. Ela é a sequência lógica dos combates de 1992 e 2005.

Se bem que a saída do euro seja a condição necessária para políticas de esquerda, ela não é suficiente.

Será preciso:

Anunciar o incumprimento de pagamentos e reestruturar a dívida.
Desvalorizar.
Financiar uma parte da dívida política pela política monetária.
Nacionalizar os bancos e as companhias de seguros.
Desmantelar os mercados financeiros especulativos, fechar os mercados obrigacionistas, organizar o enfraquecimento da bolsa.
Controlar os câmbios e os movimentos de capitais.
Lançar uma nova polícia económica fundada sobre o direito oponível ao emprego, medidas proteccionistas no quadro universalista da Carta de Havana, uma mutação ecológica do modo de produção.
Actuar para uma moeda comum.
Desobedecer à UE.

Um país que aplicasse este programa suscitaria o entusiasmo e um poderoso efeito de treino.

[*] Porta-voz do Movimento Político de Educação Popular (MPEP) e ex-presidente do Attac. Antigo adido financeiro em Nova York. Autor de "Sortons de l'euro, vite !", ed. Mille-et-une-nuits (princípio de Março 2011), ISBN 978-2-7555-0601-3.

O original encontra-se em reveilcommuniste.over-blog.fr/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

25-10-2012

  17:23:06, por Corral   , 264 palavras  
Categorias: Dezires

CANTA O MERLO: As medidas de Rajoy: O rei celebra-as enquanto o povo se suicida polas mesmas-À hora do brinde um homem aforcáva-se antes de ser desalojado

As medidas de Rajoy: O rei celebra-as enquanto o povo se suicida polas mesmas.
À hora do brinde um homem aforcáva-se antes de ser desalojado

Por: Agências- Público.es- Aporrea.org

O rei aproveitou a sua viagem a Bombai para apoiar publicamente as políticas de austeridade que está a impulsionar o executivo de Mariano Rajoy em Espanha. Rodeado de grandes empresários espanhóis e indianos reunidos na capital da India, Juan Carlos manifestou que as "sérias medidas de política económica já começárom a dar os seus frutos melhorando a produtividade e competitividade", assim como a tendência das exportaçons de bens e serviços, que este ano terám um "superavit significativo".

Um dos frutos é o suicídio dos pobres.

Enquanto o rei celebrava o brinde o cadáver de um homem de 53 anos foi achado hoje num pátio interior de um imóvel de Granada umha hora antes de que fosse desalojado da sua vivenda, pola que formalizara umha hipoteca em 2007 de 240.000 euros, segundo fontes da Polícia Nacional.

Estas fontes informárom que a Polícia foi alertada sobre as 9 de horas desta manhá do achado do falecido, aforcado. Umha hora depois, as dotaçons policiais que já estavam no lugar dos feitos encontraram-se com agentes da Unidade de Prevençom e Reacçom (UPR), também do Corpo Nacional de Polícia, que se deslocaram ao domicílio do falecido para executar umha ordem de desafiuzamento (desalojo).

A Polícia Nacional, comprovou que a pessoa que se suicidou era a mesma à que iam a desalojar esta manhá da sua habitaçom em cumprimento de umha ordem judicial.

O rei nem se deu conta. Aproveitava de perguntar por alguns elefantes...

24-10-2012

  20:30:55, por Corral   , 14956 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: Predadores financeiros contra o trabalho, a indústria e a democracia? A crise da dívida soberana na Europa em perspectiva histórica

por Michael Hudson [*]

http://resistir.info/

O euro invalidado desde o início, financeira e fiscalmente
Sob as presentes condições, o colapso da Eurozona é inevitável
O encargo das poupanças é o problema, porque é sinónimo de encargo de dívida
Como a inflação do preço de activos leva à deflação da dívida
Atar as mãos do governo privando-o de um banco central para criar dinheiro
Por que os ganhos de produtividade dos últimos 50 anos não nos tornaram todos ricos?
Os banqueiros são os novos planeadores centrais ? e o seu plano é pela austeridade
Um recomeço: Pensar acerca do impensável
Um realinhamento político europeu?
O desafio neoliberal
Capitalismo financeiro versus capitalismo industrial
A tradição de banca central da Europa comparada com a da banca mercantil anglo-americana

Falta à Eurozona um banco central para fazer o que se supõe que faça a maior parte dos bancos centrais: financiar défices do governo. Para tornar as coisas pior, o Acordo de Lisboa limita estes défices a 3% ? demasiado pouco para retirar economias da depressão compensando a deflação da dívida do sector privado.

Mesmo se os bancos centrais pudessem monetizar níveis mais altos de gastos deficitários, há boas razões não para subsidiar sistemas fiscais injustos e cortes fiscais sobre o imobiliário e inesperados ?almoços grátis? financeiros que os economistas clássicos instavam a que fosse a base fiscal. Sob uma política fiscal clássica, a Europa não teria tido uma bolha do preço da terra em primeiro plano. A renda económica do "almoço grátis" ter-se-ia tornado a base fiscal, não capitalizada em empréstimos bancários a serem pagos como juros. Os orçamentos governamentais teriam sido financiados de um modo que manteria baixos os preços da propriedade.

Mas os lobistas bancários impediram a Eurozona de criar um verdadeiro banco central para financiar os défices dos orçamentos públicos. Eles também viraram do avesso a política fiscal clássica ao desonerar fiscalmente o imobiliário e as finanças enquanto colocavam o fardo sobre o trabalho, os lucros corporativos e os consumidores através do imposto sobre as transacções (IVA). Estas políticas gémeas, financeiras e fiscais, fortaleceram os sectores errados e tornaram a actual crise de dívida soberana inevitável, transformando-a numa crise económica e política geral.

Tendo criado esta crise, os interesses rentistas procuram agora utilizá-la como uma oportunidade para desmantelar os gastos sociais (social welfare spending), romper o poder dos sindicatos de trabalhadores e transferir as suas perdas para o sector público. A privatização dos lucros e a "socialização" das perdas ameaçam mergulhar a Eurozona na austeridade e contracção económica ? a menos que a má dívida e os maus empréstimos sejam parcialmente reduzidos ou totalmente cancelados.

Dívidas que não podem ser pagas, não o serão. A questão é se o seu não pagamento assumirá a forma de reduções parciais (writedowns) para o nível em que possam ser pagos ou se a Europa será sujeita a uma onda de execuções, privatizações e cortes na despesa pública em infraestruturas e programas sociais. Na discussão de alternativas, pode ser uma ajuda recordar que o Milagre Económico da Alemanha teve por base a Reforma Monetária Aliada de 1947, a qual foi um cancelamento de dívida de extremo alcance. Um cancelamento de dívida semelhante é necessário para permitir à Europa que recomece com uma posição limpa (Clean Slate, Schuldenstreichung) e um sistema financeiro e fiscal mais sadio. Esta necessidade tornou-se agora urgente.

Tal reforma financeira precisa ser acompanhada por uma reforma fiscal para arrecadar renda da terra, renda de recursos naturais e restabelecer os monopólios da infraestrutura básica no sector público ao invés de deixá-los como um ganho inesperado ou "gratuito" a ser capitalizado numa nova onda de empréstimos bancários.

Quero começar por dizer quão chocado fiquei uns poucos anos atrás ao descobrir que os alemães estão a receber propaganda de uma história travestida quanto à hiper-inflação de Weimar na década de 1920. Quando estudei ? e depois ensinei ? teoria económica na década de 1960, o problema era entendido claramente. Os estudantes aprendiam como a Alemanha estava sobrecarregada com reparações da I Guerra Mundial muito além da sua capacidade de pagar. Já em 1919, John Maynard Keynes, em Economic Consequences of the Peace, advertia que estabelecer estas reparações em níveis tão altos provocaria um colapso dos pagamentos internacionais. Durante a década de 1920 ele definiu os limites de quanta dívida externa ou outras "transferências de capital" podiam ser pagas ao estrangeiro.

Seguido por alguns economistas como Harold Moulton e Allyn Young nos Estados Unidos, a análise "estrutural" da balança de pagamentos elaborada por Keynes foi ensinada a uma geração de estudantes e analistas de crédito. Tornou-se conhecimento corrente que o que governos podem tributar em moeda nacional não estava necessariamente disponível para ser pago em divisas estrangeiras. A Alemanha só podia pagar dólares ou ouro exportando mais ? ou pela venda de propriedade, ou tomando de empréstimo divisas fortes. O que levou ao colapso sua taxa de câmbio e inflacionou os seus preços foi a tentiva desesperada de pagar dívida externa, não imprimindo dinheiro para gastos internos. Percebo que os alemães estejam traumatizados pela inflação. Mas, ao invés de serem arrastados pelas emoções, agora é tempo de darem um passo atrás e reconhecerem as razões reais que provocaram o trauma.

Keynes e os seus colegas não conseguiram os convencer governos a rejeitar os argumentos de Jacques Rueff em França, Bertil Ohlin nos Estados Unidos e outros economistas orientados para os credores que afirmavam não haver limites para a quantidade de dinheiro que podia ser extorquido simplesmente através da imposição de austeridade financeira e fiscal. As suas visões tacanhas receberam um apoio poderoso dos interesses dos credores, apoiados por uma diplomacia americana nacionalista. A sua lógica de vingança não constituiu um guia responsável para a política. Mas isto sobreviveu em pouco emotivos mas igualmente frios, na forma calculada de programas de austeridade racionalizados pelo Fundo Monetário Internacional, impostos à América Latina e outros devedores do Terceiro Mundo desde a década de 1960.

O que é notável é que a consciência do lado empiricamente válido do debate alemão das reparações alemãs da década de 1920 desapareceu da discussão de hoje. Os perdedores naquele debate ? os advogados da austeridade ? inundaram os media populares, os governos e mesmo as universidades com aquilo a que os psicólogos chamam uma memória implantada: uma condição na qual o paciente é convencido de que sofreu um trauma que parece real, mas que na realidade não existe. Ao povo alemão foi dada uma falsa memória da sua traumática hiper-inflação. O fingimento é que esta resultou do financiamento pelo Reichsbank da despesa doméstica. A verdadeira explicação deve ser encontrada no colapso das divisas externas ? ao tentar pagar dívidas externas muito para além da sua capacidade.

Toda a hiper-inflação na história foi provocada pelo serviço da dívida externa que provocou o colapso da taxa de câmbio. O problema quase sempre resultou de tensões na divisa externa geradas em tempo da guerra, não na despesa doméstica. A dinâmica da hiper-inflação investigada em clássicos como The Reichsbank and Economic Germany (1931), de Salomon Flink, foi confirmada por estudos da inflação chilena e de outras inflações do Terceiro Mundo. Primeiro a taxa de câmbio afunda quando as economias pagam gastos militares externos durante a guerra e depois ? no caso da Alemanha ? com as reparações depois de a guerra terminar. Estes pagamentos levam à queda da taxa de câmbio, aumentando o preço em moeda doméstica das importações com preços em divisas fortes Esta ascensão de preços para bens importados cria um preço protector para os preços internos fazerem o mesmo. Mais dinheiro doméstico é necessário para financiar a actividade económica com um nível de preço mais elevado. Esta experiência alemã proporciona o exemplo clássico.

Em 1919 os Aliados impuseram à Alemanha elevadas reparações impagáveis ? em grande parte para pagar as dívidas Inter-Aliadas de armas que o governo dos EUA insistia em cobrar da Grã-Bretanha e da França por fornecimento de armas antes de os Estados Unidos entrarem na guerra. Tais dívidas tradicionalmente eram dadas como esquecidas entre os aliados depois de alcançada a vitória. Mas o governo dos EUA recusou-se a fazer isso, de modo que os clientes do tempo da guerra viraram-se para a Alemanha a fim de pagá-las.

A sua responsabilidade era ilimitada à luz do Tratado de Versalhes. Para começar, a Alemanha foi despojada das suas reservas de carvão, siderurgias e outros activos valiosos. Isto deixava pouca alternativa para o Reichsbank criar marcos alemães para lançar nos mercados de divisas a fim de obter divisas externas para pagar as reparações. Isto fez elevar o preço das importações e, portanto, o nível de preços interno. Era preciso mais dinheiro para transaccionar compras e vendas com um nível de preços mais alto. Assim, a linha causal foi da balança de pagamentos e depreciação da moeda para o aumento dos preços das importações. Bens importados caros fizeram também elevar os preços internos. Foi isto que criou a necessidade de uma oferta monetária mais alta, não foi o dinheiro doméstico que forçou preços mais altos. [1]

O marco alemão foi estabilizado e as reparações da Alemanha foram pagas tomando empréstimos no exterior, não pela tributação do rendimento interno. As suas cidades tomavam empréstimos em dólares em Nova York e o Reichsbank convertia-nos em moeda nacional (cujo gasto não causava inflação nos preços domésticos). O Reichsbank pagava estes dólares aos Aliados ? estes faziam-nos circular e pagavam ao governo dos EUA pelas suas dívidas de armas numa circulação triangular.

A Reserva Federal inundou Wall Street com bastante crédito a fim de manter as taxas de juro baixas o suficiente para encorajar a concessão de empréstimos externos a obter taxas de juro mais altas no exterior. Isto parecia fazer o sistema funcionar ? pelo financiamento de serviço da dívida com novos empréstimos. Os economistas chamam a isto esquema Ponzi (Schneeballsystem). Aquilo que promete ser o "milagre do juro composto" não pode perdurar muito sem auto-destruição. As baixas taxas dos EUA que tornavam os empréstimo ao estrangeiro lucrativos alimentaram uma bolha interna do mercado imobiliário e de títulos que em 1929 entrou em crash.

Pode parecer estranho para um americano como eu ser convidado para vir à Alemanha falar-vos acerca da vossa própria história. Mas isto é o que acontece quando os lobistas da banca exploram habilmente um trauma colectivo para despojarem um país do conhecimento da sua história e substituí-la com um travestido da realidade. Esta distorção da história é uma pré condição para propagar a ideologia orientada para o credor, advogada pela Comissão da UE, pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta "troika", capturada e enjaulada pela ideologia neoliberal, está a utilizar uma visão histórica falsa para mergulhar a Europa na austeridade e pobreza desnecessárias.

A decisão mais imediata foi fazer à Grécia o que o Tratado de Versalhes fez à Alemanha: impor o serviço da dívida externa muito para além da sua capacidade de pagar. Politicamente, isto exige a suspenção da democracia e a aceitação da possibilidade de a Grécia deslizar outra vez para a ditadura militar, pela insistência de que às populações não seja uma oportunidade de aprovação do compromisso do governo em pagar. O verdadeiro golpe de estado é culminado pela substituição de governos eleitos na Grécia e na Itália por "tecnocratas", o termo europeu para aquilo a que nós americanos chamamos lobistas de bancos de investimentos ou seus serventes (factotums).

Quando temos ideologia económica errada promovida ano após ano como uma ladainha, há sempre um interesse especial a actuar. Hoje, o mais poderoso interesse especial é o sector financeiro. Ele procura extrair ganhos mesmo ao custo de impor a austeridade e a bancarrota final a economias nacionais inteiras. O lobing pró credor ganhou suficiente subsídio e poder para despojar do curriculum académico a história do pensamento económico, ao ponto de suprimir a memória de debates monetários que remontam a dois séculos. A insistência monetarista actual sustentando que dívidas externas podem ser pagas sem limites está, por exemplo, enraizada na lógica Bulionista de David Ricardo apresentada na década de 1820. Ela foi controvertida pelos anti-Bulionistas, contudo universidades ainda ensinam pontos cegos da Escola de Chicago de Milton Friedman, e bancos centrais por todo o mundo impõem seus erros de omissão e comissão.

Esta censura da história intelectual passada não é ciência, nem tem base empírica. É ideologia que reflecte o auto-interesse selvagem dos credores. Mas a sua racionalização nas restrições da Eurozona contra bancos centrais financiarem despesa pública é utilizada para lavar o cérebro de economistas profissionais e colocar os banqueiros centrais submissos aos banqueiros de investimento. Há mesmo uma ideologia de que orçamentos governamentais deveriam ser equilibrados em vez de proporcionarem à economia dinheiro e poder de compra para crescer. A conclusão política revela a motivação porque este erro tem sido popularizado com tanto êxito: Se bancos centrais não proporcionarem dinheiro à economia (na forma de dinheiro-dívida que ninguém realmente espera que seja pago ao logo do tempo, ao contrário do crédito bancário comercial), então isto deixa os bancos do sector privado como a única fonte de moeda e crédito ? e cobrança de juros. O seu objectivo é manterem para si próprios o monopólio da criação de moeda que governos poderiam fazer muito bem por si próprios nos seus próprios teclados de computador.

Os bancos demonstraram ser irresponsáveis ao financiar a forma característica de inflação dos preços do mundo de hoje: uma bolha financeira alimentada pelo crédito em condições mais fáceis e mais folgadas para a compra de imobiliário, acções e obrigações, para comprar empresas inteiras. Dificilmente se poderia esperar que governos alimentassem a inflação de preços de activos. O seu interesse é tributar os "almoços grátis" inesperados proporcionados pela ascensão do valor da terra e dos recursos naturais, e providenciar serviços básicos de infraestrutura a preços subsidiados ou gratuitos, assim como oferecem estradas sem encargos de acesso ou portagem. Os bancos procuraram fazer com que os devedores hipotecários e os atacantes (raiders) de empresas pudessem pagar os seus juros através de reduções de impostos, deixando mais renda da terra e rendimento corporativo "liberto" para ser pago a banqueiros e possuidores de títulos em vez do colector de impostos.

O resultado é elevar preços de duas formas. A primeira delas, "renda é para pagar juros", e assim o fluxo de caixa corporativo no mundo de hoje das compras alavancadas por dívida (debt-leveraged buyouts), compras por fundos de risco (hedge funds takeovers), fusões e aquisições. Tudo o que o colector de impostos renuncia fica ?livre? para ser capitalizado em empréstimos bancários, elevando o preço dos activos. Isto eleva preços da habitação, das fábricas e outros meios de produção. As economias polarizam-se entre credores no topo de uma pirâmide cada vez mais íngreme e devedores na base a afundarem na servidão da dívida (debt peonage). A classe média desaparece.

Os cortes fiscais sobre a renda da terra, os recursos naturais e os escalões com mais altos rendimentos forçam governos a transferir o fardo fiscal para o trabalho, a indústria e os consumidores. Isto eleva o ponto de equilíbrio entre o custo de viver e o de empregar trabalho. Isto põe fora dos mercados mundiais economias tributadas regressivamente e com preços infestados pela dívida.. O efeito deve ser a contracção económica ? a menos que todo o mundo adira a esta corrida para o fundo.

O mito de que a hiper-inflação da Alemanha na década de 1920 foi provocado pelo Reichsbank a utilizar a impressora de papel-moeda para financiar o défice do orçamento público alemão sobreviveu para justificar o Tratado de Lisboa a impedir o Banco Central Europeu de criar moeda para emprestar a governos. Os bancos levaram uma geração inteira a plantar esta história falsa para forçar governos a tomarem empréstimos em condições comerciais, com juros, presumivelmente livres de risco. O BCE foi sequestrado para servir a banca comercial, não o interesse público. Os bancos querem forçar os governos a contraírem empréstimos comercialmente, a juros, presumivelmente em condições livres de risco. O objectivo é monopolizar a criação de dinheiro que governos puderiam criar simplesmente a teclar nos seus próprios computadores.

Já no século XVIII, economistas britânicos tais como Sir James Steuart, Rev. Josiah Tucker e mesmo David Hume reconheceram que moeda adicional e despesa normal (desde que o desemprego existisse) ajudavam mais a aumentar a produção do que os preços. O corolário é que a deflação monetária em condições de desemprego tende a restringir a produção mais do que as importações ? sem falar na transferência da propriedade dos credores via execuções. Assim, a moeda é muito mais do que um "véu". Ela é dívida, não meramente um conjunto de "guichets". A austeridade desencoraja novo investimento de capital, levando a mais profunda dependência de importações, piorando a balança de pagamentos bem como o défice orçamental.

Ao privar a economia dos fundos para aumentar o emprego e a produção ? enquanto apoia bancos que passaram a geração passada a inflacionar preços imobiliários e a bolha financeira ? a política do BCE promoveu a inflação de preços de activos para a habitação, o custo de vida e portanto os custos do emprego. Isto dificilmente constitui uma recomendação para o deixar com o poder do planeamento central que ele procura para impor austeridade para extorquir pagamentos de dívida pela sua anterior política de crédito irresponsável.

Alguma coisa tem de ceder. Se as dívidas não forem reduzidas ? e, de facto, canceladas ? então as economias terão de utilizar o seu excedente para pagar aos credores do passado e seus herdeiros, em vez de o investir no crescimento económico e na elevação dos padrões de vida. O plano financeiro é desmantelar gastos sociais e o investimento em infraestruturas governamentais, privatizando isto ? a crédito, embutindo os pesados encargos do serviço de dívida nos preços dos serviços públicos até agora proporcionados a taxas subsidiadas ou gratuitamente, pagos por uma combinação de tributação progressiva do rendimento e da riqueza e pela criação de dinheiro novo pelo governo. O efeito será aumentar estrutura nacional de preços, enquanto torna se tornam credores e privatizadores ricos mesmo quando a economia geral se afunda.

Um golpe de estado (coup d'état) político e ideológico está a substituir a democracia pela oligarquia financeira, transferindo poder do governo para bancos e possuidores de títulos. A nova política não é para os governos tributarem a riqueza, mas sim para tomarem dela empréstimos ? a juros, os quais devem ser pagos por ainda mais tributação sobre o trabalho, os consumidores e a indústria. Prosseguir neste caminho contrariaria o Iluminismo da Europa e os últimos três séculos de economia. Chamam a isto economia clássica ? e mesmo "economia do mercado livre" ? mas é um travestismo impor esta política em nome dos santos patronos da economia política clássica. Os fisiocratas, Adam Smith, John Stuart Mill, Wilhelm Roscher, Friedrich List e reformadores da Era Progressista instavam exactamente ao caminho oposto daquele que está agora a ser tomado, e na verdade aquele que o mundo parecia estar a seguir até a I Guerra Mundial e durante umas poucas décadas após a II Guerra Mundial.

O euro foi invalidado desde o início, financeira e fiscalmente

A União Europeia foi criada em grande medida como um projecto para pôr fim à guerra, mas o modo como a Eurozona foi moldada abriu uma forma inesperada de campanha militar e de busca de tributos: uma conquista empreendida por banqueiros e seus grandes clientes rentistas a fim de criar uma oligarquia financeira dominando através de "tecnocratas" instalados mais como procônsules usados para servir o Império Romano. A actuarem sob a directiva primária de que todas as dívidas devem ser pagas, quer se queira quer não, esta classe administrativa está desejosa de mergulhar as economias em austeridade e depressão para criar a oportunidade de quebrar o poder dos sindicatos de trabalhadores e reverter os gastos sociais na condição de force majeure. Ao reverter os últimos dois séculos de Iluminismo Europeu, os interesses financeiros estão a lutar para reverter as reformas da Era Progressista de um século atrás e a democracia social que se seguiu à II Guerra Mundial.

A Europa está a ser empurrada para a depressão, mas não se trata de uma recessão cíclica dos negócios ou um resultado de fenómenos naturais. Ela não é economicamente necessária e certamente não resulta de o trabalho estar a ser pago em demasia ? excepto na medida em que é pago mais para cobrir os seus pagamentos aos bancos. A crise de dívida soberana está a ser utilizada como uma oportunidade para forçar a privatização em liquidações e desmantelar o poder de governos para regulamentarem e tributarem a riqueza. Défices orçamentais estão a ser utilizados não para ressuscitar o emprego, em estilo keynesiano, mas para salvar bancos e possuidores de títulos de terem de assumir perdas.

A primeira dimensão do problema da Eurozona é financeira. Lobistas da banca invalidaram (crippled) o euro desde o seu nascimento. Ao contrário da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, falta à Eurozona um banco central para fazer o que supõe que façam bancos centrais: criar dinheiro para financiar défices governamentais. O dinheiro e o crédito necessários para alimentar a economia estão a ser criados por bancos comerciais, a juros. Aqui simplesmente não está a ideia de um banco central continental europeu a emprestar directamente a governos.

Eis porque George Soros recentemente descreveu o próprio euro como uma bolha ? uma reacção positiva à crença de que ele funcionaria foi seguida por uma súbita percepção da sua deficiência estrutural. "A principal fonte de perturbação", explicou ele, "é que os estados membros do euro capitularam diante do Banco Central Europeu nos seus direitos de criar moeda fiduciária (fiat money) [2] Impedido de emprestar a governos, o BCE na sua forma actual estava destinado a falhar no momento em que governos precisassem resgatar economias da deflação da dívida.

O euro foi criado sem um organismo capaz de monetizar despesa pública independentemente de bancos comerciais. Mas os bancos não perderam demasiado [tempo] para retomar os empréstimos. Desregulamentação, supervisão laxista e rematada prática fraudulenta tornaram-se tão comuns, especialmente a que vinha de bancos estado-unidenses e britânicos e seus correspondentes, que a confiança foi rompida. Sem fé, o crédito desaparece, porque a palavra crédito significa, literalmente, "eu acredito [que serei reembolsado]". Os banqueiros, correctamente, receiam estender crédito a outros bancos.

Isto é o resultado final do facto de o plano de negócio do sistema bancário não ter sido para financiar nova formação de capital para criar fluxos futuros de rendimento a partir da economia real, mas sim encontrar activos e fluxos de rendimento para servirem como colateral de novos empréstimos. Quando bancos competem para emprestar contra o imobiliário (o qual representa uns 80 por cento dos novos empréstimos bancários nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha), para o controle corporativo ou para acções e obrigações, o efeito é carregar estes activos e seus fluxos de rendimento com mais dívida, sugando capital para longe do investimento produtivo para pagar juros e amortização aos bancos. Isto é predatório, mas basicamente um plano de negócio preguiçoso.

Ao invés de financiar défice público, a banca comercial incha os preços ? preços de activos. Os bancos emprestam principalmente contra activos que extraem rendas, a começar pelo imobiliário, petróleo e gás, indústria mineira e extracção de renda de monopólio ? precisamente a renda de "almoços grátis" que os economistas clássicos instavam a que fosse a base fiscal. As terras ancestrais já não pertencem à nobreza hereditária, elas foram democratizadas, mas com o endividamento dos novos proprietários (a crédito). Reconhecendo que as quantias libertas pelo fisco ficam "livres" para pagar aos bancos sob a forma de juros, a banca apoiou a política de não tributação das terras, dos combustíveis e dos minerais.

A dimensão fiscal é a segunda carga de profundidade na má estruturação económica da Europa. Um preço de propriedade acaba por ser em grande medida o quanto um banco emprestará. Como os bancos procuram emprestar tanto quanto os mutuários puderem, eles aliviam as condições, emprestando uma proporção crescente do preço de compra dos imóveis ou de outras propriedades. Isto eleva os preços dos activos ? o resultado da alavancagem de maior dívida, realmente não de maior rendimento ou de mais produção. Assim mais tomadores de crédito compram propriedades simplesmente à espera de fazer uma mais-valia com o preço do activo ("capital"). Eis porque banqueiros comerciais gostam da inflação no preço dos activos. Ela amplia o mercado para a sua criação de crédito.

Ao considerar o juro como fiscalmente dedutível, como se fosse uma despesa necessária do negócio (e mesmo sobre o imobiliário residencial ocupado pelo proprietário na maior parte dos países de língua inglesa), a tendência pró divida de hoje, o código fiscal pró banco, subsidia uma proporção crescente da economia a ser excedente pago como juros aos banqueiros. Isto provoca uma perda não só para o colector fiscal como também para a economia como um todo. Novos compradores de casas ou de propriedade comercial, por exemplo, concorrem com outros compradores potenciais para verem quem comprometerá o maior rendimento após impostos a fim de obter um empréstimo bancário. O resultado é que embora os governos não alimentem bolhas imobiliárias e financeiras através de empréstimos ou da criação de dinheiro pelo banco central, eles ajudam a inflacionar preços de activos ao garantir que os empréstimos hipotecários e as rendas não tributadas paguem hipotecas mais elevadas.

Para tornar as coisas pior, os governos devem completar a perda da receita fiscal sobre a propriedade pela tributação de salários e lucros, ou pelas vendas via Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Estes impostos aumentam o custo de vida e de fazer negócio na economia, pela elevação do preço de oferta do trabalho e do capital tangível e pela elevação dos preços de venda no montante do imposto de consumo. Assim, o que inflaciona preços de activos é o favoritismo fiscal para a alavancagem de dívida, não a criação de dinheiro pelo banco central.

Isto significa que se as economias tiverem de ser mais competitivas, elas precisam de minimizar o grau em que os preços da habitação, educação e serviços de utilidade pública são alavancados por dívida e portanto forjar encargos de juros dentro dos seus preços. Ao longo de mais de dois séculos, economistas instaram a tributar rendimento "não ganho" que não tivesse contrapartida em custos reais de produção ("renda económica") e a manter monopólios naturais no domínio público ou pelo menos a regular os seus preços para os manter alinhados com os custos de produção tecnologicamente necessários.

Explicar esta lógica era que o tratava a economia política clássica do livre mercado ? e que não está mais a ser ensinada nos curricula académicos de hoje dirigidos pelo travestismo financeirizado da ideologia do "mercado livre" actual. O primeiro acto dos Chicago Boys no Chile depois de a junta militar de Pinochet tomar o poder em 1973, por exemplo, foi encerrar todos os departamentos de teoria económica do país, excepto na Universidade Católica onde monetaristas da Escola de Chicago dominavam. O ensino da teoria económica tornou-se um exercício de censura e lavagem cerebral, não um esforço científico ou empírico. A economia do Chile tornou-se "livre" para ser saqueada no resto da década de 1970, com quase todos os fundos de pensões sendo esvaziados quando companhias iam à falência pelo lucro.

Os romancistas franceses Honoré de Balzac (Le Père Goriot) e Émile Zola (L'Argent) entenderam a dimensão disfuncional da procura de riqueza melhor do que os manuais de teoria económica de hoje. E a maior parte das pessoas de hoje intuitivamente sentem que a banca e a alta finança se tornou predatória. Bill Blac (da UMKC) descreveu o "controle de fraude" como uma combinação de contabilidade tortuosa, compra de políticos, calúnia de quem quer que revele a fraude e apoio a economistas de "livre mercado" para assegurar ao público de que Wall Street regular-se-á a si própria sem qualquer necessidade de supervisão regulamentar. Mas isto não era politicamente correcto dizer até que George Ackerlof ganhou o Prémio Nobel da Economia de 2001 em grande medida pelo seu artigo de 1993 com Paul Romer sobre "Saqueio: O submundo económico da bancarrota pelo lucro" ("Looting: The Economic Underworld of Bankruptcy for Profit"). A sua tese era cristalina: "A bancarrota pelo lucro ocorrerá se má contabilidade, regulação laxista ou penalidades baixas por abuso derem aos proprietários um incentivo para obterem mais do que as suas firmas valem e então incumprirem as suas obrigações devedoras. A bancarrota pela obtenção de lucro ocorre mais habitualmente quando um governo garante obrigações de dívida de uma firma".

Os manuais de teoria económica tratam isto como uma anomalia ? como se não devesse existir e, portanto, possa ser ignorada como uma falha acidental no sistema, não a sua intenção, foco e na verdade a sua própria essência. Nenhum manual explica como foram feitas as fortunas mais recentes através da apropriação (grabbing) das poupanças de outras pessoas ? poupanças de fundos de pensões e especialmente aquelas de instituições financeiras rivais. Mas a corrupção da Arthur Andersen pela Enron revelou-se sintomática das Cinco Grandes (Big Five) firmas de contabilidade, seguida pelas agências de notação financeira (rating) quando todas deram notações de crédito AAA para aquilo que se revelou serem hipotecas subprime tóxicas. Os textos de teoria económica nem mesmo explicam (ou defendem a ideia) de que o modo de ficar rico é tomar dinheiro emprestado para comprar uma propriedade que está a subir de preço ? e porquê a inflação de preços de activos alavancados pela dívida devem necessariamente entrar em colapso numa onda de falências.

O plano de negócios do sector financeiro é impor por toda a Europa o que o Banco Central Europeu e seus parceiros das "troikas" estão a fazer à Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha. Eles dizem: "Dêem-nos vossos portos e vossa terra, os vossos sítios turísticos e vossos sistemas de águas e esgotos. Vamos colocar portagens nestas privatizações para arrecadar rendas". Os compradores vão voltar-se e utilizar as receitas para pagarem aos seus banqueiros ? enquanto os governos que recebem o pagamento da venda destas propriedades dão uma volta e pagam aos possuidores de títulos de obrigações, incluindo os banqueiros que possuem estes títulos como reservas.

Actuando por conta destes banqueiros e possuidores de obrigações, os apparatchiks do banco central dizem, com efeito: "Desculpem o nosso conselho anterior para desregulamentar mercados financeiros e desonerar fiscalmente a riqueza não terem resultado melhor. Mas vocês devem assumir a responsabilidade pelas consequências das suas decisões políticas".

Em tempos passados esta espécie de tomada de activos impondo um tributo rentista exigia um exército para impô-la. O que torna a situação de hoje tão notável é que isto é alcançado sem necessidade de intervenção militar ? na medida em que as populações permanecem passivas e acreditam que o mundo funciona do modo como os bancos descrevem. A sua promessa é que a "Austeridade irá torná-lo rico", como se a auto-privação o tornasse sagrado. O corolário é que para se tornar rico ? ou mesmo para manter a economia a funcionar ? os bancos têm de ser salvos de assumirem uma perda. E a inferência não declarada é que os governos devem absorver a perda e passá-la aos "contribuintes".

A realidade é que as perdas são inevitáveis quando dívidas apodrecem e conduzem uma parte vasta da economia à situação líquida negativa (dívida em excesso face aos activos). Isto é inerente à matemática do juro composto e o resultado do constante afrouxamento dos padrões de empréstimo para elevar o grau de alavancagem da dívida. Desactivar a opinião popular da percepção deste facto faz parte da "armamentização" (weaponization) da teoria económica, transformando-a numa combinação de distracção, diversão e completo logro.

As coisas ficam ainda piores pelo lobing do sector financeiro para desonerar fiscalmente o sector das finanças, dos seguros e do imobiliário, bem como desonerar os ganhos por mais-valias em preços de activos ("capital") e os escalões mais altos de rendimento. Tomando tudo em conjunto, estas políticas dirigiram o crédito bancário para financiar uma bolha imobiliária e do mercado de acções, não para a criação de novo capital industrial, infraestruturas ou outras actividades produtivas.

Posso entender a relutância alemã em financiar défices orçamentais de governos tais como o da Grécia que são incapazes ou não desejosos de tributar a riqueza e cujos privilegiados (insiders) controlam a despesa pública e os contratos. Isto meramente subsidiaria a evasão fiscal e a política fiscal errada com o crédito do BCE ? proporcionado em última análise pelos contribuintes europeus. O problema profundo ? o qual pouco tem sido discutido ? é que a política fiscal da Eurozona é o oposto do que economistas clássicos definiram como mercados livres ? mercados livres de rendimento não ganho, a começar pelo valor da terra oriundo do que é proporcionado pela natureza e cada vez mais valorizado pelos gastos em infraestruturas públicas (ex.: em serviços de transportes, águas e esgotos) e o nível geral de prosperidade. A renda económica é independente do próprio investimento ou dos custos do proprietário da terra, da habitação ou da mina. O que torna isto um almoço grátis é que, por definição, ele não tem contrapartida nos desembolsos do próprio beneficiário ? excepto para financiar a compra de um privilégio ou activo com extracção de renda.

Ao invés da tributação progressiva da terra, dos recursos naturais e do "rendimento não ganho" (renda económica), o sistema fiscal subsidia a criação de dívida e promove a inflação do preço de activos ao favorecer ganhos de preços por dívida alavancada e tornar os pagamentos de juros isentos de tributos. Isto significa que a reforma fiscal é necessária para avançar com a reforma financeira. O problema com a Grécia não é meramente a sua evasão fiscal generalizada pela camada mais rica da economia, a qual normalmente pagaria a maior parte dos impostos (como por muito tempo foi o caso nos principais países industriais). Governos estão a tributar as fontes erradas de rendimento: salários e lucros, em vez de renda.

Sob as presentes condições, o colapso da Eurozona é inevitável

O colapso económico da Eurozona não é acidental. Os lobistas bancários que capturaram a política financeira e fiscal do continente plantaram as raízes dos problemas da dívida da Grécia, Irlanda, Espanha, Itália e Portugal no momento da criação do euro,

1. ao não permitir à União Europeia criar um banco central adequado para monetarizar défices governamentais. Isto obriga governos a tomarem empréstimos de bancos a juros para criar um crédito que os bancos centrais públicos poderiam fazer muito facilmente nos seus próprios teclados de computador. Os credores utilizam a necessidade do governo para rolar (roll over) a dívida pública como uma alavanca para impor austeridade, eufemizada como "confiança". Ao invés de estimular confiança, a subida das taxas de juro e as crises políticas estimulam fugas de capitais e corridas bancárias (ex.: Grécia e Espanha). 2.

2. ao forçar governos a minimizarem estes défices para apenas 3% do PIB ? demasiado baixo para estimular a recuperação face à deflação da dívida de hoje.

3. ao promover uma mudança fiscal anti-progressisva afastando-a do imobiliário e das finanças (e em geral dos escalões mais altos de rendimento) para salários e lucros. Isto eleva o custo de vida e de fazer negócio ? enquanto impostos mais baixo sobre a propriedade deixam mais renda a ser capitalizada em empréstimos bancários. 4.

4. ao desonerar fiscalmente ganhos de capital e considerar pagamentos de juros como fiscalmente dedutíveis. Isto encoraja a alavancagem de dívida para fazer aumentar os preços da habitação e outros activos. Desviar poupanças para a especulação torna as economias rentistas menos competitivas, e também menos justas. 5.

5. ao afrouxar regulamentações bancárias para permitir que empréstimos bancários improdutivos inchem preços de activos ao invés de financiar novos meios de produção. Uma corrida para a base comutou o centro financeiro para Londres, onde a desregulamentação levou a uma competição plena de irresponsabilidade (ex: a derrocada do Icesave), enquanto nos Estados Unidos a fraude financeira foi efectivamente descriminalizada. 6.

6. ao salvar bancos e possuidores de títulos quando chegou o momento de finalmente os governos criarem nova dívida em resposta à crise financeira. Ao invés de aumentar a despesa social ou reduzir a dívida e empréstimos podres, os governos (por pressão do BCE) assumiram as dívidas podres nos balanços públicos, deixando o encargo da dívida no lugar. Isto exacerba a deflação da dívida, contraindo ainda mais as economias, reembolsando os 1% a custas do empobrecimento dos 99%. Isto coloca o sector financeiro não só contra o trabalho como também contra a economia produtiva em geral.

As instituições financeiras tornaram-se mais extractivas do que produtivas, não só directamente como credores e administradores do dinheiro mas também como lobistas por regras fiscais que subsidiam dívida ao invés do investimento directo. Uma vez iniciado, o encargo da dívida cresce exponencialmente até um ponto em que contrai a capacidade da economia para pagar e investir produtivamente, provocando incumprimentos e execuções. A resposta política dos bancos é insistir em que os governos substituam empréstimos podres do sector privado por dívida pública.

Isto significa criar dinheiro só para beneficiar os bancos e outros credores, não para ajudar a economia produtiva não financeira. Quase sem que os eleitores percebam, o papel tradicional do governo foi invertido para servir credores, não a economia "real". Em princípio (pelo menos tal como é entendido popularmente), supõe-se que bancos centrais gastem para promover crescimento económico e pleno emprego, não para ganhar retornos financeiros carregando economias com dívida. Mas desde 2008 a Reserva Federal dos EUA quis inchar outra vez a bolha financeira, não estimular a economia "real". Aos governos da UE, tendo as suas mãos monetárias amarradas enquanto os bancos comerciais inchavam os preços dos activos muito para além da capacidade dos devedores pagarem, é-lhes agora dito para assumir dívidas podres nos suas contas (ex.: Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha) e extorquir bastante receita fiscal adicional a fim de pagar juros aos felizes possuidores de títulos que obtiveram "dinheiro por lixo" ("cash for trash"). A ficção que opera aqui é que austeridade pode extorquir mais dinheiro, ao invés de piorar o défice. O ultraje moral é que os 99% devem ser tributados para fazer os 1% íntegros ? na sua fatia de riqueza, a qual duplicou durante a bolha financeira, como se esta estivesse construída dentro da estrutura moral da própria natureza! Isto é ultrajante.

A magnitude impagavelmente elevada das dívidas não é acidental e não pode ser sanada meramente por reformas marginais sem cancelamento do encargo da dívida. Não é possível preservar a actual estrutura financeira e deixar o encargo da dívida no seu lugar. Isto significa que os salvamentos bancários são em vão ? excepto para permitir aos especuladores existentes, depositantes e investidores apanharem o seu dinheiro e fugirem. Em contraste com a história contada como cobertura política de que salvá-los "restaurará a confiança", banqueiros estão a utilizar subsídios do banco central para abandonarem o navio económico. Analistas financeiros refinados sabem que no fim o encargo da dívida deve tornar-se incobrável. Esta é a realidade que os bancos desejam expurgar do curriculum académico e, ainda mais importante, da consciência pública ? porque mostra que em última análise os salvamentos serão vãos.

A ilusão de restaurar a estabilidade pode ser sustentada só pela criação de nova dívida governamental e salvamentos para alimentar o crescimento exponencial do encargo da dívida. O BCE está a proporcionar bastante liquidez a bancos para emprestarem a governos devedores o suficiente para mantê-los a pagar seus detentores de títulos e salvar banqueiros. Isto cria uma câmara de eco financeira. Bancos financiam governos, os quais financiam os bancos. A Reserva Federal dos EUA abriu o caminho ao inundar os mercados de dinheiro com liquidez de modo a que banqueiros pudessem emprestar a devedores hipotecários o suficiente para pagarem suas dívidas vencidas, mesmo para a propriedade em situação líquida negativa (com hipotecas que excedem o preço de mercado).

O objectivo é manter viva a ilusão de que dívidas podem ser pagas ao ajudar a economia a "tomar emprestada a sua saída da dívida". Enquanto isso, a deflação da dívida impede a economia de "ganhar a sua saída da dívida". Em economias infestadas de austeridade, a concessão de empréstimo dificilmente pode ser produtiva, porque há pouco motivo para investir quando as vendas caem, as lojas de retalho fecham e mais devedores entram em incumprimento.

Portanto parece absurdo pensar que propagandistas da banca possam progredir muito com a sua afirmação de que o sistema financeiro entrará em colapso a menos que governos os salvem. O que eles realmente querem é simplesmente salvar seus accionistas e possuidores de títulos de perderem os ganhos descomunais que obtiveram ao longo da última década. Cenários assustadores são pintados acerca de como liquidar reservas bancárias porá em perigo poupanças de depositantes, porque poupanças de uma parte são a dívida da outra afinal de contas. Assim, os 1% devem ser salvos como se isto fosse para o bem dos 99% ? as proverbiais viúvas e órfãos e, especialmente, aposentados e seus fundos de pensões, todos os quais são conceptualizados como a viverem de depósitos investidos em títulos bancários e fundos de risco (hedge funds).

O que é preciso reconhecer é que mesmo se os governos financiarem mais gastos deficitários a este ponto, é difícil ver como isto pode ascender a uma magnitude suficiente para compensar o impacto da deflação da dívida ? isto é, os juros e amortizações para arcar com dívidas do passado, cujos pagamentos deixam menos rendimento disponível para gastar em bens e serviços.

O encargo das poupanças é o problema, porque é sinónimo de encargo de dívida

É tempo de perguntar se é desejável que as economias poupem, pelo menos que poupem de acordo com as linhas actuais ? mesmo poupar para aposentadoria. O problema é que poupanças tendem a concentrar riqueza no topo da pirâmide económica e fazem isto parasitariamente quando são emprestadas para se tornarem dívidas de outras partes. Reestruturar o sistema financeiro é especialmente importante para financiar pensões e a Segurança Social, para reorganizá-los mais de acordo com as linhas do sistema alemão do pagamento imediato (pay-as-you-go) a invés daquele financeirizado por fazer dinheiro através do empréstimo e especulação como nos Estados Unidos.

O problema com o nosso sistema actual é que quase todas as poupanças financeiras de hoje são emprestadas, ao invés de tomarem a forma de novo investimento directo para aumentar os meios de produção ou elevar padrões de vida. A maior parte do investimento corporativo é feito com ganhos retidos. Empréstimos bancários afectam o sector corporativo principalmente pela alimentação de aquisições ( takeovers) e aquisições alavancadas ( leveraged buyouts) de companhias já existentes ? e maduras para o despojamento de activos.

Este não é o quadro feliz pintado pelos manuais de teoria económica, com bancos a emprestarem poupanças para fábricas com chaminés e fumo a delas saírem e trabalhadores a andarem com as suas marmitas do almoço, presumivelmente para receberem os cheques de pagamento. Tais diagramas enganosos (pelo menos nos manuais americanos) são destinados a lavar o cérebro de estudantes levando-os a acreditar que as finanças desempenham um inerente papel simbiótico com a indústria e a economia em geral, ao invés de ser uma intrusão externa ? algo que se assemelha mais ao relacionamento entre gafanhotos e quinta agrícola do que a um sistema mutuamente benéfico. Quando devedores pagam aos seus banqueiros, eles têm menos para gastar na economia real da produção e do consumo. E quando banqueiros fazem os empréstimos que extraem este rendimento, o crédito não é o que as pessoas pouparam, mas sim o que os banqueiros criaram nos seus próprios teclados. "Empréstimos criam depósitos", não ao contrário. E a vasta maioria destes empréstimos são para comprar activos já existentes: para transferir a propriedade de imóveis, acções e títulos com crédito, elevando os seus preços no processo ? enquanto deflacionam a "economia real". Eis porque a inflação de preços de activos encontra o seu complemento natural na deflação da dívida da economia em geral.

O que os manuais deveriam explicar é que sob o sistema financeiro de hoje, quanto mais uma economia poupa, mais ela deve. Isto não seria um problema se as poupanças fossem emprestadas produtivamente, de maneira que permitissem ao tomador do empréstimo ganhar o rendimento para reembolsar a dívida com o seu juro. Mas o plano de negócios do sistema bancário é convencer os tomadores de empréstimos de que podem pagar dívidas pela compra de activos cujo preço está a ser elevado pelo aumento exponencial do crédito bancário. A ideia é emprestar mais contra todo o activo e fluxo de rendimento, exigindo entradas mais pequenas e amortização mais lenta do saldo em dívida. O truque é convencer tomadores de empréstimos que estão a ficar mais ricos na medida em que os preços das casas, acções e títulos estão a subir mais depressa do que a dívida está a aumentar.

Esta ascensão de preços de activos aumenta o rácio da propriedade em relação ao nível salarial do trabalho. E quando os preços afundam, as dívidas permanecem intactas. Isto é o que a ortodoxia económica e seus manuais deixam de fora da história. Mas é o modelo paradigmático das bolhas financeiras.

O que é necessário ? depois de deixar a bolha actual explodir e com isso liquidar o encargo das dívidas podres ? é impedir a recorrência da Economia da Bolha, através da reestruturação do sistema financeiro de acordo com linhas mais produtivas. Mas os bancos estão a combater com unhas e dentes contra uma tal reestruturação, porque ela significa rejeitar a época Thatcher-Reagan do neoliberalismo da Escola de Chicago patrocinado pelos bancos a expensas da economia como um todo.

De modo mais imediato, este entendimento da dinâmica da dívida sugere uma necessidade de os governos proporcionarem uma "opção pública" para a poupança bem como para a criação de dinheiro, cartões de crédito e outra infraestrutura financeira que na verdade é necessária para a economia quotidiana funcionar eficientemente. O objectivo deveria ser promover a formação de capital tangível e minimizar o custo de vida e de fazer negócio, não o crédito improdutivo baseado na inflação do preços de activos e em bolhas imobiliárias financeirizadas, assim como em bolhas do mercado do mercado de acções.

As políticas da Quantitative Easing rebaixaram as taxas de juro para apenas 1% nos Estados Unidos e Grã-Bretanha. Isto levou planos de pensão e companhias de seguros a procurarem desesperadamente taxas de retorno mais elevadas ? e eles assim o fizeram através de jogos arriscados em derivativos. Tipicamente estes têm perdido dinheiro, não dando os ganhos esperados, pois vivaços de Wall Street impingiram seus clientes com maus swaps de taxas de juro e outros negócios com mau resultado. A desculpa habitual é que "Ninguém podia ter antecipado estes problemas. Ninguém podia ter previsto o crash". Mas grandes porções dos fundos de pensões e sector dos seguros foram deixados com situação líquida negativa ? enquanto os seus administradores pagaram a si próprios enormes bónus e os seus accionistas receberam enormes dividendos durante a corrida.

Como a inflação do preço de activos leva à deflação da dívida

As dívidas devem ser pagas com rendimentos ganhos algures. E como o volume da dívida aumenta, os pagamentos de juros e outros encargos desvia rendimento pessoal e corporativo afastando-o do gasto em bens e serviços. (Estes pagamentos também reduzem receitas fiscais, porque foi definido os juros serem uma despesa fiscalmente dedutível). Os mercados contraem-se, o investimento e o emprego desaceleram e os devedores têm menos capacidade para pagar o seu serviço da dívida (ou os impostos). A deflação da dívida acontece, juntamente com um esmagamento fiscal ? e isto é considerado uma crise.

O que é exactamente esta crise? Da perspectiva privilegiada dos credores de riqueza no topo da pirâmide económica, o problema é simplesmente de como os 1% mais ricos da população ? os quais duplicaram sua fatia de riqueza ao longo da última geração ? podem evitar ter de abandonar os seus ganhos notáveis. Estes ganhos foram obtidos devido ao endividamento dos 99% da base e recebendo a fatia do leão dos ganhos de preços de activos alavancados por dívida. Para evitar a recessão aparentemente normal destes ganhos, os governos e a população como um todo deve suportar a perda. Famílias devem perder, negócios devem ir abaixo, governos locais e nacional podem entrar em colapso e sociedades devem sofrer níveis salariais mais baixos, de modo a que bancos e outros credores não percam nem um cêntimo.

O narcisismo da riqueza induz os credores a pretenderem que a fluorescência da Bolha da Economia era normal, não uma distorção. Os ricos e as suas instituições financeiras querem duplicar outra vez a sua fatia do rendimento e da propriedade, e depois continuar a aumentar mesmo até ao ponto em que o resto da sociedade esteja mergulhada na miséria, o trabalho emigre, as taxas de natalidade caiam e a economia morra.

Este é o resultado do "crescimento" do sistema financeiro a aumentar preços de activos pela alavancagem da dívida. Isto não é realmente novidade no mundo. Isaías [NT 1] descreveu credores e latifundiários que obtinham casa a casa e terreno a terreno até que já não havia espaço restante para o povo na terra.

Atar as mãos do governo privando-o de um banco central para criar dinheiro

A Era Progressista anterior à I Guerra Mundial, e mesmo a democracia económica após a II Guerra, imaginavam uma economia mista público/privada na qual os governos proporcionariam infraestrutura básica numa base subsidiada e regulava mercados para orientar poupanças e dinheiro fresco ou criação de crédito de acordo com linhas produtivas. Mas o Artigo 123 do Tratado de Lisboa assinala este papel a bancos comerciais ? incluindo o de financiar défices orçamentais do governo, ao impedir bancos centrais de emprestarem a governos.

Este constrangimento impede governos de monetizarem o gasto necessário para puxarem as economias de hoje para fora da depressão pós 2008. Ele impõe uma mudança da criação pública de dinheiro para a do crédito da banca comercial ? e como foi observado acima, este crédito bancário assume a forma de irresponsavelmente inchar preços de activos e fazer soçobrar o crédito. Nesta nova abordagem "neoliberal", o papel do governo não é fornecer a economia com dinheiro, mas deixa isto aos bancos ? e então actuar como fiadores (guarantors) da dívida mesmo quando os bancos emprestam mais do que os seus devedores são capazes de pagar.

Os lobistas da banca defendem estas algemas monetárias com a afirmação obscena e historicamente falsa de que o financiamento público é inerentemente inflacionário, mesmo hiper-inflacionário. A implicação é que bancos comerciais são mais responsáveis do que bancos centrais e que a sua criação de crédito nos seus próprios teclados é menos inflacionista do que quando os governos fazem isto para despesas sociais ou investimento em infraestruturas. Porém os bancos comerciais alimentaram a mais rápida e maior inflação de preços de activos na história! Ao afrouxarem os termos do crédito hipotecário e mesmo obtendo garantias públicas para empréstimos irresponsáveis ? e nos Estados Unidos, fazem lobing para descriminalizar a fraude financeira ou pelo menos para desregulamentá-la e para insistir na nomeação de responsáveis legais que se recusam a processá-los ? obrigaram compradores de casa a pagar mais por habitação alavancada por dívida e os investidores a pagarem mais por activos que vão desde edifícios de escritórios até acções e títulos, elevando dessa forma o preço de aquisição de um rendimento para a aposentação ou, para fundos de pensões, de pagar uma pensão.

O objectivo deste jogo financeiro é transferir o excedente económico para as mãos de uma neo-oligarquia emergente composta por banqueiros, possuidores de títulos e outros credores. A sua estratégia é emprestar contra o imobiliário e activos corporativos e fluxos de rendimento, enquanto fazem lobing para fazer com que os códigos fiscais sirvam interesses rentistas ao favorecer a extracção de renda ao invés de investimento novo. A especulação com ganhos nos preços dos activos obtém preferência fiscal em relação ao financiamento produtivo. Os tomadores dos empréstimos são capazes de reembolsar o seu empréstimo com juros principalmente pela contracção de mais empréstimos contra o imobiliário, acções ou títulos cujo preço está a ser inflacionado pela criação de crédito da banca comercial.

Enquanto isso, a economia como um todo perde quando o produto e o emprego afundam ? enquanto sobem os preços para o consumidor de bens e serviços. Esta é a fase pós crash do ciclo da dívida. Assim, exactamente como eles receberam o rendimento que foi transmutado em pagamentos de juros sobre empréstimos bancários durante a fase de ascensão, eles arrestam propriedade durante a fase de declínio. A crise decorrente também se torna uma oportunidade para credores talharem activos públicos, em programas de privatização ditados pelo FMI, Banco Mundial e burocracias da UE a actuarem por conta dos credores globais.

Sob tais condições o grande problema é saber como a economia pode evitar a contracção, se o serviço da dívida está a retirar mais receita do que o défice do sector público está a proporcionar para o sector privado. Mas nenhum governo calcula esta escolha (tradeoff) entre a retirada de rendimento da produção e dos mercados de consumo em comparação com o défice fiscal necessário para restaurar o poder de compra geral que está a ser drenado. Os interesses financeiros consideram qualquer tentativa de análise a sugerir que o seu comportamento é extractivo ao invés de produtivo como um ataque potencial e mesmo uma "guerra de classe". Lobistas bancários preferem popularizar o mito de que as economias podem ficar ricas com o aumento dos preços do imobiliário, das acções e dos títulos a crédito mais rápido do que o crescimento da dívida ? como se pagar juros não contraísse o mercado para bens e serviços e, portanto, o emprego.

A falha em tratar esta dinâmica da dívida ? a tendência do crédito bancário para inchar preços de activos e dos juros para drenarem poder de compra da economia ? é a razão principal porque investidores globais, bem como os gregos e outros eleitores perderam a fé na Eurozona. Ela foi sequestrada por planeadores centrais retirados do sector financeiro. Eles têm-se mostrado incompetentes no melhor dos casos e, no pior, deliberadamente enganosos quando impedem bancos centrais de criarem dinheiro para emprestarem a governos ? ao atribuírem as culpas da hiper-inflação alemã à impressão de dinheiro pelo Reichsbank para gastos internos ao invés da sua tentativa de pagar dívidas com divisas estrangeiras ao exterior.

Levar a divisa ao colapso pela tentativa de pagar credores estrangeiros é o que países do Terceiro Mundo foram obrigados a fazer durante muitas década sob a tutela do FMI. Isto é o destino que confronta a Grécia se não houver anulação da dívida e o país reverter ao dracma. Isto tornaria dívidas em euros ou outra moeda estrangeira mais caros para pagar em moeda interna, elevando preços de importação proporcionalmente ? pouco importando o ritmo da criação de moeda interna ou os défices do governo.

Porquê os ganhos de produtividade dos últimos 50 anos não nos tornaram todos ricos?

A austeridade de hoje não é o resultado de tecnologia, rendimentos decrescentes ou esgotamento de recursos. O que impede ganhos de produtividade de serem traduzidos em padrões de vida ascendentes é o sector financeiro anexar dívida aos activos e fluxos de rendimento da economia a uma taxa em expansão exponencial. Isto desvia a renda da terra, a renda de recursos, lucros industriais, rendimento pessoal disponível e receita fiscal para um fluxo de juros a pagar a banqueiros e portadores de títulos ? cujos empréstimos elevam preços de activos, de modo que comprar uma casa, por exemplo, exige afundar ainda mais em dívida.

O plano de negócios dos banqueiros é criar crédito até ao ponto em que todas as receitas disponíveis "livres" estejam comprometidas no pagamento de juros. O objectivo não é ajudar economias a crescerem ou financiar nova formação de capital. Isso é incidental para o objectivo de capitalizar renda, lucro e rendimento pessoal disponível para dentro de empréstimos bancários. O problema é que isto é destrutivo para a economia como um todo e, portanto, para a própria viabilidade do sistema bancário. Sugar financeiramente do excedente leva a arrestos de propriedades, incluindo privatizações de empresas públicas e infraestruturas a crédito, permitindo aos seus compradores evitar pagarem impostos, graças à dedutibilidade fiscal de pagamentos de juros observada acima. A partir de então, aos serviços gratuitos ou subsidiados devem ser impostas portagens para extracção de rendas.

Nunca desde a Idade Média e a colonização do Novo Mundo, da África e da Ásia o mundo assistiu a uma guerra económica tão agressiva. O plano concebido em 2011 para a Grécia tornar-se uma pagadora de tributos confronta os eleitores com uma condição para permanecer como parte da Eurozona que ninguém esperava há uma década atrás: substituir a democracia por uma oligarquia rentista administrada por tecnocratas financeiros. O governo é para servir banqueiros e possuidores de títulos pela actuação como seu colector de dívida.

A conquista de hoje, portanto, é financeira e não militar. E o que é tão notável é que está a ser travada na arena ideológica, como se fosse tudo para o bem! A ilusão de que ela abre caminho para melhor crescimento envolve o expurgo da memória da teoria económica clássica. Rentistas reconhecem que a maior defesa contra o seu ataque é restaurar a distinção clássica entre rendimento ganho e rendimento não ganho, e entre crédito produtivo e improdutivo. Estas são as ferramentas analíticas mais eficazes para guiar a reforma fiscal e financeira e a economia equilibrada entre público/privado imaginada na Era Progressista a fim de conter os interesses especiais e suas garras privatizadoras.

Os banqueiros são os novos planeadores centrais ? e o seu plano é a austeridade

Quando a Grécia, Itália e Espanha aderiram à Eurozona, muitos eleitores esperavam que além do objectivo óbvio de acabar com muitos séculos de guerra, o projecto europeu criaria uma economia mais justa pelo saneamento da corrupção política local e travagem da evasão fiscal notoriamente generalizada por parte dos ricos. Tenho ouvido italianos a dizerem que um controle mais activo da UE deveria tê-los salvo de Berlusconi, ao passo que em Espanha os bascos esperavam que o pan-europeísmo tornaria as suas tensões regionais com o governo nacional uma coisa do passado.

Tal optimismo não era justificado, porque a constituição da UE não proporciona limpeza da corrupção ou cobrança eficiente de impostos ? nem mesmo um código fiscal uniforme. Mesmo assim, poucos eleitores anteciparam que neoliberais sequestrariam a governação da UE para proteger banqueiros de perdas, a expensas públicas com um aprofundamento da austeridade sendo a "solução" para uma década de empréstimos irresponsáveis dos bancos.

Porque é que os eleitores deveriam aprovar uma União Europeia assim estruturada? Se ela não pode limpar corrupção local e promover rendimento justo e tributação sobre a propriedade, e se não pode criar um banco central ajudar a retirar economias da depressão, então qual é o seu apelo? O que é que uma Europa unida tem para oferecer aos consumidores ou aos negócios se ela sujeita o continente à austeridade financeira e fiscal até países inteiros tais como a Irlanda?

A Grécia e outros países da "orla Sul" não estão a rejeitar a sua identidade europeia como tal. Estão a rejeitar a austeridade. A Eurozona está em perigo de romper porque se tornou um meio de banqueiros fazerem planeamento central, ou pelo menos por sua conta. Neoliberais acusam o planeamento governamental de ser ineficiente, mas o planeamento central por banqueiros ameaça resolver a crise actual pela imposição da depressão. Isto é o que a Eurozona acabou por significar quando os 1% no topo da pirâmide económica procuram aumentar o seu poder sobre uma força de trabalho, indústria e governos cada vez mais endividados.

Parece inevitável que a Europa continental acabe por alterar a política do seu banco central para monetizar défices orçamentais de acordo com as linhas que a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a Coreia e outras economias industriais têm estado a praticar. Mas mesmo assim, não é desejável imprimir dinheiro simplesmente para financiar défices orçamentais que decorrem da não tributação da terra, de monopólios, das finanças e outros actividades extractivas de renda. Também é insensato criar bastante dinheiro para emprestar ao público para pagar o encargo de uma dívida insolvente pela contracção de mais empréstimo.

Um modelo a ser evitado é a política do Reserva Federal dos EUA de levar as hipotecas lixo dos bancos para dentro do seu balanço ? sem reduzir as dívidas dos proprietários de casas em situação líquida negativa. Quando o financiamento de salvação do governo excede o valor líquido das reservas da banca, então o governo tornou-se efectivamente o seu proprietário. Os accionistas são eliminados, o que dá ao governo uma oportunidade para possuir e operar o sistema financeiro como uma opção pública.

Um recomeço: Pensar acerca do impensável

A austeridade financeira pode ser evitada através do corte da sua raiz principal: dívidas que foram criados pela (1) não tributação do "almoço grátis" da renda económica da terra, recursos minerais e monopólios para capitalizá-la em empréstimos bancários; e (2) não tributação da riqueza herdada, dos escalões mais altos de rendimento e dos ganhos de capital. A "libertação" do rendimento rentista da tributação permitiu aos bancos capitalizá-la em empréstimos maiores para aumentar preços da propriedade, ao passo que cortes fiscais levaram a défices do governo tão grandes quanto uma guerra costumava provocar. Os défices orçamentais resultantes são utilizados como uma oportunidade para credores exigirem a privatização da infraestrutura pública.

Recuperar confiança fiscal sobre a terra e outros activos que proporcionam renda ? e recuperar infraestrutura básica para o domínio público ou, pelo menos, regular seus preços para alinhá-los com os custos de produção tecnologicamente necessários ? é tornado problemático pelo facto de que a sua renda já ter sido comprometida pelos bancos como serviço da dívida. Assim, a política de livre mercado de hoje implica incumprimentos, reduções de dívida e mais profunda insolvência da banca. O raio de esperança é que esta situação abre o caminho para fazer do sistema financeiro um serviço de utilidade pública tal como originalmente pretendido!

Os benefícios que a Alemanha recebeu da sua Reforma Monetária de 1947 proporcionam uma lição objectiva. Permitir à Alemanha começar livre de dívida permitiu à sua indústria começar sem encargos financeiros, acelerando a sua recuperação económica ? e servir de baluarte contra o comunismo. Foi fácil para os Aliados anular dívidas alemãs em 1947 porque eram devidas principalmente a antigos nazis. É mais difícil cancelar dívidas devidas aos que hoje têm direitos adquiridos (vested interests), especialmente a fundos de pensões e poupanças populares. Eis como o profundo alavancamento de dívida se tornou entrelaçado com a economia da produção-e-consumo para tornar um Recomeço (Clean Slate) mais politicamente radical hoje do que um século atrás.

Todos os países emergiram da II Guerra Mundial com relativamente pouca dívida do sector privado. Porém cada recuperação desde aquele tempo começou de um nível mais elevado de dívida. Isto tem actuado como um travão, fazendo cada nova recuperação mais fraca do que a anterior ? como a tentar conduzir um carro com o travão cada vez mais pressionado e mais rente ao chão.

O que torna o cancelamento de dívida politicamente problemático é que ele implica cancelar poupanças num lado do balanço. A dívida de uma parte é a poupança de outra. Mais especificamente, as dívidas dos 99% são as poupanças dos 1% ? e apesar dos enfeites democráticos de hoje, os 1% controlam o governo. Bancos e outros credores agora estão muito mais fortemente posicionados para se oporem a reduções das suas pretensões (claims) sobre a economia não financeira. E eles estão desejosos de impor a depressão na Europa a fim de colectá-las plenamente. Mas em última análise devem perder quando economias caem na depressão. Isto é que é tão auto-destrutivo na sua posição. Reservas bancárias são liquidadas quando o fardo da dívida cede e as dívidas ficam por pagar.

Isto não precisa ser uma tragédia para a sociedade como um todo. Alguém deve arcar com a perda e é preferível para o sector financeiro renunciar aos seus enormes ganhos recentes do que para a economia parar de labutar. As economias podem recuperar quando os bancos reabrirem sob administração pública nos seus mesmo gabinetes físicos, ao passo que o governo deixa os depositantes assegurados com um mínimo de fundos operacionais.

Assim como o seu Milagre Económico começou com um cancelamento de dívida, um Euro viável começaria melhor com um Recomeço (Clean Slate) semelhante para ressuscitar hoje a economia. Tal como em 1947, o governo poderia reembolsar depositantes para fundos operacionais básicos. Ao tornar a sua economia livre de dívida como foi o caso após a II Guerra Mundial, a Europa pode tornar a criar o boom de setenta anos atrás. O papel de um Recomeço, afinal de contas, é restaurar a normalidade do status quo ante. Ela não distorce tanto pois revertem recentes distorções financeiras. Sob este aspecto é mais conservadora do que radical.

Um Recomeço tem o efeito positivo de eliminar a explosiva alavancagem de dívida que conduziu governos europeus, negócios, imobiliário e famílias ao seu buraco actual. "Desalavancagem" ? pagar à vista uma dívida a partir do rendimento actual ? teria um efeito semelhante à poupança keynesiana na forma de "entesouramento". Impediria o rendimento de ser gasto na produção actual, exacerbando com isso a deflação da dívida e a depressão. Uma redução organizada de dívidas é menos destruidor do que não cancelá-las. Apesar dos uivos do sector financeiro de que liquidá-las é desestabilizar (um eufemismo para fazê-los assumir uma perda numa sistema financeiro que foi mal estruturado desde o princípio), a realidade é que deixar estas dívidas na contabilidade é ainda mais desestabilizador ? porque o encargo da dívida simplesmente não pode ser pago. Tentar hoje manter dívidas do sector público e privado na contabilidade provocará perdas ainda mais drásticas e polarização económica entre credores e devedores.

Um realinhamento político europeu?

Bancos repetem a afirmação censórea de Margaret Thatcher de que "Não há alternativa" ao seu plano de negócios de anexar dívida ao todo o excedente económico. O objectivo ? conclusão lógica da inexorável matemática do juro composto ? é para que todo fluxo de caixa corporativo, renda imobiliária além dos custos de equilíbrio e rendimento pessoal disponível além da subsistência básica seja pago como juros. Quando estas dívidas se acumulam para além da capacidade de serem pagas, a "troika" do BCE, UE e FMI insistem em que o trabalho deve reduzir o seu consumo e abandonar direitos e privilégios que conquistou ao longo do século passado. Os consumidores devem ser tributados mais pesadamente e os gastos públicos devem ser reduzidos para extorquir mais excedente fiscal para pagar aos banqueiros e possuidores de títulos. Em suma, a Europa deve ser sujeita à mesma espécie de austeridade que arruinou devedores latino-americanos e outros devedores do Terceiro Mundo durante tantas décadas perdidas.

Esta criação de privilégios rentistas de tipo feudal reverteria muitos séculos de reforma. É uma versão financeira do apresamento militar que tomava a terra e impunha tributos há um milénio atrás.

Há uma alternativa, naturalmente, a Europa não precisa empobrecer-se. Ela pode criar um banco central real e uma "opção pública" na banca. Pode renovar os séculos de reformas de mercado livre para tributar terra e direitos do subsolo, monopólios naturais e privilégios especiais ou retorná-los para o domínio público pela desprivatização ao invés de deixar esta extracção de renda "gratuita" ser capitalizada em empréstimos bancários. A Europa colocou um sistema tributário financeiro em vigor e absorveu mesmo pensões e poupanças populares neste sistema.

A guerra financeira está a afundar a Europa sem que a maior parte das populações perceba mesmo que está a ser travada contra ela e também contra a indústria. Acima de tudo, os interesses financeiros procuram desqualificar os governos, os quais são o único poder com força suficiente para tributar e impor o seu poder via regulamentação pública e um banco central com uma opção pública para proporcionar serviços monetários básicos.

Para resistir a este ataque, os partidos políticos da Europa precisam reviver o caminho ao longo do qual a maior parte viajava antes da I Guerra Mundial. Isto exige a reintrodução da história da teoria económica clássica no curriculum académico para contrapor-se à censura que a ideologia neoliberal impôs à educação e discussão política nos media populares.

Uma estratégia neoliberal paralela foi transformada em religião seguindo linhas não económicas de modo a impedi-la de desempenhar o papel político que teve em séculos passados, desde os Escolásticos do século XIII e à denúncia da usura de Martinho Lutero até ao socialismo cristão, encíclicas papais e naturalmente a Teologia da Libertação. Adam Smith era professor de Filosofia Moral e ao longo de grande parte do século XIX as universidades continuaram a ensinar o pensamento económico como ramo da filosofia moral. A chave comum para esta longa tradição era ligar valores éticos à ciência económica pela teoria do valor e do preço: a ideia de que pessoas ganhariam rendimento ao providenciarem um serviço produtivo para a sociedade, não simplesmente tomando-o ou pela usura, a extracção de renda ou outro rendimento injusto.

O desafio neoliberal

Ao rejeitarem esta teoria do valor e do preço, os advogados rentistas distorcem o foco histórico da religião. Negar que qualquer rendimento é não merecido (unearned) ou que renda económica e juros são pagamentos de transferência ? definidos como rendimento não baseados em qualquer custo necessário de produção ? os neoliberais substituem a filosofia moral clássica por uma caricatura de ciência favorável aos rentistas. A Contabilidade Nacional do Rendimento e do Produto de hoje omite ganhos de "capital" da inflação do preço dos activos, mas isto representa a maior parte da acumulação de riqueza da Bolha Económica. (A minha recente colecção de ensaios, The Bubble and Beyond, revê o modo como a teoria económica foi transformada num conjunto de tautologias). Mais gravemente, a falha em perceber que o volume total de dívidas não pode ser pago ? e na verdade colocar isto no próprio centro da lógica económica ? é como negar o aquecimento global [NT 2] .

O termo "neoliberalismo" rapta a ideia liberal clássica de mercados livres que pretendia erguer defesas contra o privilégio especial e o rendimento não merecido. Para os economistas clássicos um mercado livre significa aquele livre de rendimentos não merecidos, definidos como renda da terra, renda de recursos naturais, renda de monopólio e renda extraída do privilégio. Os neoliberais invertem esta ideia. Tal como utilizado por eles, um mercado livre é aquele livre de impostos ou regulamentações de tais rendimentos rentistas, dando a tais receitas (e ganhos de capital) favoritismo fiscal em relação aos salários e aos lucros. As finanças são portanto livres para operarem sem peias quando governos são tratados como o inimigo, não como protectores da prosperidade comum.

Ao libertarem mercados da regulamentação e tributação pública ? isto é, pelo desmantelamento de sistemas de verificações e limitações (checks and balances) contra a exploração e almoços grátis ? o neoliberalismo torna-se uma doutrina de planeamento central. O efeito é substituir o poder público para proteger o público por um poder oligárquico para oprimi-lo, desqualificando a autoridade pública para regular e tributar as finanças e seus clientes dedicados à extracção de renda. Chamar a isto "liberdade", "livre escolha" ou "mercados livre" é um exercício de duplo pensamento Orwelliano.

Quanto a isto, o neoliberalismo é uma doutrina de poder e autocracia, uma preparação da teoria económica para a guerra financeira de hoje contra a economia como um todo. O seu programa fiscal é não tributar bancos e companhias de seguros, imóveis e monopólios. O resultado é uma guerra financeira não só contra o trabalho como também ? na verdade, acima de tudo ? contra a indústria e o governo, porque é ali que está o dinheiro. Ao ganhar o poder para endividar economias a velocidade crescente, o sector bancário e financeiro está a sugar recursos desviando-os para longe da economia real. O seu plano de negócio não é empregar trabalho e expandir produção, mas transferir tanto quanto possível do fluxo de receitas existente para as suas próprias mãos, capitalizando-o em pagamentos de juros.

Tal como a democracia romana organizava a votação por "centúrias" classificadas por riqueza da terra, do mesmo modo nos Estados Unidos de hoje os votos são simplesmente comprados por dólares, vindos principalmente do sector financeiro. O resultado deve ser polarização económica rumo a uma oligarquia rentista. Tal como a classe credora de Roma reduziu o Império a uma Idade Média de subsistência e comércio por troca (barter), as dinâmicas financeiras de hoje estão a globalizar a polarização entre credores e devedores, impondo austeridade em nome de mercados livres. Tal como em Roma, a etapa final do neoliberalismo ameaça tornar-se servidão da dívida (debt peonage).

Capitalismo financeiro versus capitalismo industrial

Esta não é a luta prevista entre capitalismo e socialismo. Ela está a verificar-se dentro do próprio capitalismo ? entre a indústria e a finança. O capital financeiro conquistou o capital industrial. Se bem que a social-democracia tenha ultrapassado a familiar guerra de classe entre patrões e trabalhadores, ela não foi capaz de enfrentar o golpe de estado financeiro contra a indústria e igualmente o trabalho. Bens de capital utilizados para finalidades produtivas no lado do activo do balanço constituem o objectivo do capital financeiro ao conceder empréstimos sobre o lado do passivo. O capital tangível tem um custo (em última análise redutível àquele do trabalho) e é limitado na oferta. A criação de crédito bancário portador de juros ("dívida de outras pessoas") é potencialmente ilimitada. Ele tornou-se portanto o almoço gratuito paradigmático.

O que é limitada é a capacidade de pagar e é aqui que o capitalismo industrial se rende às exigências do capital financeiro. Administradores financeiros tomaram o comando da indústria para sangrá-la, não para financiar a sua expansão. Firmas industriais foram financeirizadas, transformadas em veículos para pagar juros e dividendos ou simplesmente para gastar seus ganhos em compras das próprias acções ou para comprar outras firmas ao invés de empreender novo investimento de capital. Há empresas que estão mesmo a contrair empréstimos para distribuí-los como dividendos para criar aumentos rápidos nos preços das acções ? para que os seus administradores embolsem as suas opções em acções. Este comportamento levou advogados industriais a chamarem os bancos de gafanhotos (Heuschrecke) que devoram o excedente ao invés de actuarem como abelhas para financiar a formação de capital tangível.

O caminho de menor resistência para defender a indústria e elevar padrões de vida é renovar o programa social democrático da Era Progressista de transformar a banca numa utilidade pública para proporcionar serviços financeiros básicos tais como contas correntes e transacções com cartão de crédito ao seu custo ou gratuitamente, tais como estradas e outros serviços públicos, de modo a minimizar o preço de viver e fazer negócios.

O princípio básico que deveria guiar a política pública é muito antigo: reconhecer que qualquer encargo de dívida tende a crescer até se tornar impagavelmente alto. Para além da matemática exponencial do juro composto está a actual criação de crédito (dívida) "livre" que provém dos Estados Unidos desde que a ligação do dólar ao ouro foi cortada em 1971. A expansão resultante de dívida tende a aproximar-se do ponto em que ela absorve a renda da propriedade, o fluxo de caixa corporativo e o rendimento pessoal disponível ? bem como uma proporção crescente da receita do governo.

O capitalismo industrial imaginava um fluxo circular entre produtores e consumidores. Este era o conceito original das contas de rendimento nacional criadas por François Quesnay e os Fisiocratas. A versão de hoje trata as finanças, os seguros e o imobiliário (FIRE) como a produzirem um "serviço" e portanto como sendo parte deste fluxo circular, não como uma transferência extractiva de rendimento da mesma para uma classe rentista autónoma e cada vez mais predatória. O rendimento nacional é desviado para pagar serviço de dívida, provocando a contracção do consumo e da produção pois bancos e instituições financeiras agora desempenham o papel que os senhores da terra exerciam em tempos feudais e pós feudais.

A resolução para as exigências de hoje dos credores deve assumir a forma ou da bancarrota e arresto ou de uma redução da dívida. Mais de um quarto do imobiliário dos EUA está agora em situação líquida negativa, pendente de confisco ou ainda pior ? um longo combate por parte dos devedores hipotecários para atingirem o ponto de equilíbrio do valor líquido zero. Isto é o culminar da democratização da propriedade a crédito. Não se trata de liberdade económica mas sim de servidão da dívida ? tendo de passar uma vida inteira a tentar liquidar dívidas numa situação que impõe aos devedores afundarem cada vez mais num buraco financeiro.

A necessidade de reduções de dívida serem generalizadas, estendendo-se a todas as dívidas pessoais ? e portanto reestruturando o sistema bancário ? atemoriza muita gente quanto ao apoio de uma alternativa estrutural tão profunda. Mas é muito mais fácil na prática começar de novo com um Recomeço (Clean Slate), como fez a Alemanha em 1947, do que reajustar um sistema que foi concebido de forma tão torcida. Uma revisão da história mostra que tais cancelamentos de dívida foram prática normal desde 2500 AC até ao tempo de Jesus. Governantes no início da civilização e da empresa comercial no antigo Oriente Próximo proclamaram Recomeços para restaurar o status quo ante, uma cidadania livre de dívidas (cevada) pessoais. (Dívidas em "prata" comercial foram deixadas em vigor). Decretos andurarum e proclamações reais afins são encontradas ao longo de um período de aproximadamente três mil anos e foram o modelo para o Ano do Jubileu Bíblico (deror) . Ao invés de desestabilizar as economias, esta prática preservou a propriedade generalizada, preços estáveis e liberdade em relação à escravização por dívida.

O neoliberalismo nega que a resolução do encargo instável de uma dívida deva vir de "fora" do mercado financeiro. A política da UE está a transformar "o mercado" num colete de força pela comutação de dívidas do sector privado para o balanço do governo enquanto impede governos de imprimirem dinheiro para financiar o resultante défice orçamental. Isto inverte a direcção dos últimos três séculos de reforma económica e política. É uma revolução política ? ainda que talvez a mais invisível e encoberta tomada de controle (takeover) da história. Os bancos agora são capazes de criar um volume ilimitado de crédito, cada vez mais livre de impostos, e mesmo de receber salvamentos públicos destinados a permitir-lhes que retomem a concessão de empréstimos à economia não financeira. Isso é o equivalente a dar aos invasores terra em troca de nada e submeter o sistema fiscal aos conquistadores ? sem um combate real ou o simples entendimento do que está a ser entregue.

A guerra do sector financeiro contra a sociedade como um todo levou a uma dívida pública tão profunda quanto o fazia a guerra militar em tempos passados. A táctica rentista é obrigar governos a tomarem emprestado aos ricos a juros em vez de de tributá-los, enquanto endividam populações, imobiliário e indústria impondo-lhes tributo na forma de juros e comissões. Para coroar tudo isso, a banca exige subsídios e salvamentos de modo a que não sofra quando dívidas e poupanças se expandirem para além da capacidade de pagar e tiverem portanto de ser liquidadas. O truque do sector financeiro é manter a economia refém, ameaçando cessar a circulação de pagamentos se não obtiverem o que querem.

Ao atacar a regulamentação e protecção do governo como se conduzisse ao "caminho da servidão" rumo ao planeamento centralizado, o sector financeiro tornou-se o grande expropriador. O seu objectivo é centralizar o planeamento na Wall Street, na City de Londres, em Frankfurt e em outros centros bancários, dirigindo economias nacionais inteiras para o caminho da servidão por dívida. Para alcançar a vitória, a alta finança precisa desqualificar o governo, o qual é o único poder capaz de regulamentar, tributar e restringir a sua expansão. A fim de desqualificar a democracia política, a finança compra o controle das campanhas eleitorais de modo a promover políticos que actuem como seus empregados. Ela também compra o controle da televisão, rádio e publicações dos mass media, e utiliza doações para comprar o controle do processo académico. Em conjunto, estes são os vários órgãos que representam o "cérebro" da sociedade. Hoje eles estão a ser transformados em zumbis.

A própria religião tem sido desviada, afastando-a do seu foco sobre a dívida e a usura que perdurou longo tempo. Poucos cristãos são ensinados de que no seu sermão inicial Jesus desenrolou o pergaminho de Isaías que proclamava o Ano Jubileu e disse que esta era a sua tarefa: proclamar o "Ano do Senhor" e anunciar um Recomeço (Clean Slate) liquidando dívidas judaicas, libertando escravizados por dívida e recuperando terras para os seus proprietários originais de antes do arresto. E a edição em língua inglesa dos escritos de Martinho Lutero é cuidadosa em excluir o seu importante panfleto que denunciava Caco , o monstro da dívida portadora de juros em auto-expansão exponencial. Os evangélicos na América são especialmente maníacos em defender direitos financeiros sobre a propriedade, como se estes direitos fossem a própria propriedade e não a sua antítese.

Os neoliberais afirmam proteger a liberdade individual, especialmente face a governos opressivos, mas não face a credores ou rentistas. Economistas clássicos perceberam que era necessário um governo forte para controlar os direitos adquiridos. O seu objectivo não era desmantelar o governo e sim utilizar o seu poder regulatório e tributário no interesse público para minimizar rendimento não merecido e "almoços grátis" ? e minimizar o custo de viver e fazer negócios na economia. Ao apelar à "eutanásia do rentista" através da política pública, Keynes e a sua geração reconheceram que se governos fossem impedidos de controlar e tributar as Finanças, Seguros e Imobiliário (Finance, Insurance and Real Estate, FIRE), a economia passaria para o controle dos planeadores financeiros.

Não existe uma coisa tal como um mercado livre "automático". Toda economia com êxito tem sido uma economia mista, com sectores público e privado tendo cada um o seu diferente papel. A privatização da moeda, do crédito e de outros serviços de infraestrutura básica pode ser apenas uma fase transitória da história, não a tendência irreversível que neoliberais aplaudem e que levou à presente crise de poder rentista não controlado num vácuo político.

A tradição de banca central da Europa comparada com a da banca mercantil anglo-americana

Em contraste com o Banco da Inglaterra criado para emprestar dinheiro ao seu governo, o que fazia mais tipicamente em tempo de guerra, a tradição continental europeia tem sido para que bancos centrais emprestem a bancos comerciais, os quais por sua vez mantêm grande parte das suas reservas em títulos do governo. Assim, efectivamente, bancos comerciais monetizam indirectamente défices do governo. Bancos e compradores de títulos supostamente actuam como árbitros responsáveis, emprestando em termos economicamente viáveis que impedem inflação e gastos irresponsáveis do governo. A Constituição Alemã (Artigo 109 [2] ) declara a intenção de promover estabilidade de preços, do emprego, da balança de pagamentos e do crescimento económico.

Esta tradição está enraizada numa época em que a maior parte do empréstimo bancário era para o comércio e a indústria e, portanto, pelo menos nominalmente produtiva. A Europa prosperou enquanto o seu encargo da dívida era suficientemente baixo para ser suportado. Desde a II Guerra Mundial, contudo ? e especialmente ao longo da última geração ? o tsunami de crédito criado pelos bancos dos EUA e Grã-Bretanha esmagou a tradição bancária da Europa. Bancos financiaram uma bolha imobiliária (com a feliz excepção da Alemanha) e empenharam-se em esotéricos jogos de computador. A consequência é a tradição bancária da Europa continental que funcionava tão bem quando enraizada na expansão industrial deu lugar a uma prática mercantil anglo-americana, fazendo ganhos simplesmente a cavalgar a onda da inflação de preços de activos ? uma alavancagem de dívida auto-alimentada, tramada por bancos para induzirem clientes a contrair empréstimos.

A discussão económica de hoje deveria centrar-se no que deveria ser a melhor política responsável numa situação em que o crédito irresponsável está centrado em bancos comerciais, não na despesa dos governos. A bolha de preços de activos anterior a 2008 não foi um resultado de bancos centrais emprestarem a governos. Ela foi um produto do favoritismo em relação ao sector FIRE, facilitado pelo sistema fiscal da Eurozona que se centra mais em vendas e impostos sobre o rendimento do que em impostos sobre a terra destinados a deixar menos rendimento rentista "livre" a ser capitalizado em empréstimos bancários para promover os preços da propriedade aos níveis da Bolha.

Como deveriam os governos responder quando empréstimos temerários da banca colocam toda a economia em risco? Isto é o que tem acontecido, mais notoriamente nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Irlanda com seus empréstimos por hipotecas lixo ("subprime"), empréstimos de mentirosos (liars' loans) e fraude financeira absoluta promovida por uma recusa em fazer acusações criminais contra actividades descaradamente ilegais. Para colocar as coisas mais directamente, o controle do sector financeiro dos países de língua inglesa foi tomado por predadores "livres" para encherem os seus bolsos tão rapidamente quanto possível. Os actuais escândalos do MF Global e do Bank of America são simplesmente os mais notórios crimes financeiros não processados que hoje ocorrem ? e evidência de como a sua cobiça corrompeu o governo e os tribunais impedindo-os de actuar. Tal como criminosos comuns, os imperadores da alta finança não se importam com os danos feitos através das suas incursões.

O problema que hoje enfrenta a Eurozona é decidir simplesmente o que deveria acontecer à Espanha agora que a sua bolha imobiliária entrou em colapso, deixando seus bancos imprudentes com situação líquida negativa. Eles estão a tentar manter a economia refém, como se esta corrosiva criação de dívida financeira de alguma maneira pudesse ? e devesse ? ser ressuscitada, como se fosse normal ? um status quo ante, não um caminho errado. Que quantia deveria a Europa permitir que bancos caídos em situação líquida negativa sobrecarregassem governos nacionais e "contribuintes" com as suas perdas por empréstimos irresponsáveis?

Nos maus tempos de hoje os governos são chamados a criar dívida pública para dar a bancos comerciais cujas reservas foram perdidas devido a maus empréstimos ? o mau comportamento financeiro de que há muito eles acusavam de ser a inclinação dos governos! Deveriam governos da Eurozona capitular perante banqueiros e assumir a sua dívida imobiliária podre e os títulos de governos insolventes num balanço público pan-europeu. Isto seria uma "oligarquização" (eu hesito em dizer socialização) da dívida pública ? uma transferência de riqueza da classe que tem estado a saquear a economia.

Este problema não foi previsto na criação do euro. Nem foi antecipado que governos precisariam incidir em défices orçamentais a fim de puxar a Europa para fora da depressão. Tal gasto é necessariamente financiado por dívida pública. Ironicamente, apesar da temeridade dos seus sistemas de banca comercial, os bancos centrais nos países de língua inglesa são capazes de monetizar dívida pública tão livremente quanto os bancos comerciais podem criar crédito nos seus próprios teclados. Esta capacidade de criação de moeda salva os governos de serem mantidos reféns por credores como uma alavanca para forçar políticas fiscais pró rentistas, privatização e desregulamentação. De modo que o caminho de saída do pântano criado pela prática da banca comercial anglo-saxónica é mostrado pela prática anglo-saxónica no que concerne à banca central.

Precisamente porque a tradição da Europa continental é banca mais industrial e produtiva ela limitou o BCE a proporcionar crédito apenas a bancos comerciais para reabastecer o crédito bancário em crises de liquidez. Ela impediu-o de emprestar a governos para monetizarem seus défices orçamentais. Este papel limitado deixa o BCE incapaz de enfrentar a crise de insolvência de hoje. Uma economia infestada de dívida não pode "brotar" o seu caminho de saída da dívida. E ela certamente não pode adoptar um programa de Quantitative Easing no estilo dos EUA. A ideia é que taxas de juro mais baixas permitirão que os enormes encargos de dívida seja cumpridos mais facilmente ? estimulando novos tomadores de empréstimos a comprar os direitos de antigos devedores. Mas esta solução procura meramente ressuscitar a bolha, ao re-inchar preços de activos a um nível que possa salvar os bancos ? com a economia como um todo a incidir cada vez mais profundamente na dívida.

Isto significa que os negócios não podem tomar emprestado ? especialmente as pequenas e médias empresas responsáveis pela maior parte do novo emprego nas economias dos EUA e europeias ao longo das últimas décadas. Assim, o sistema financeiro atingiu um término. Não só a maior parte do encargo de dívida precisa ser desfeito como o sistema bancário e financeiro (incluindo planos de pensões financeirizados) e sistemas fiscais precisam ser reestruturados de modo a impedir um retorno da Bolha Económica.

O encargo da dívida pesa tão fortemente sobre uma economia como a sobre-tributação. A única solução prática é um Recomeço (Clean Slate) e isso não é algo que o BCE tenha autoridade para proclamar. Só um organismo governamental (ou, no contexto europeu, vários governos a actuarem em conjunto) pode fazer isto ? sob condições de crise tal como a que estamos hoje a experimentar. E se deixar de mover-se com precaução de acordo com estas linhas, as dívidas afundarão de qualquer modo, porque dívidas que não podem ser pagas não o serão. Trata-se de simples contabilidade.

Porque é que esta espécie de reestruturação não está no centro da discussão financeira de hoje ? como se fosse impensável? Não pensar acerca de alternativas significa ficar sentado enquanto a Europa se torna uma zona económica morta.
02/Agosto/2012
Notas
[1] Descrevo as reparações e o emaranhado da dívida de armas Inter-Aliado em Super Imperialism (nova ed. 2003), assim como a distinção entre o "problema orçamental" interno e o internacional.
[2] George Soros, Remarks at the Festival of Economics, Trento Italy, June 2, 2012
NT
[1] Isaías: Profeta bíblico do século VIII a.C.
[2] A analogia é péssima pois a teoria do aquecimento global é altamente contestável. Ver Acerca da impostura global

Do mesmo autor:
A economia da bolha e a deflação da dívida , 24/Set/2012

[*] Da Universidade de Missouri ? Kansas City & do Levy Institute, EUA, autor de The Bubble and Beyond, ISLET, Dresden, 2012, 481 p., ISBN 13:978-3-9814842-0-5

O original encontra-se em michael-hudson.com/2012/08/financial-predators-v-labor-industry-and-democracy/ .
Palestra na Sankt Georgen University, Frankfurt, 22/Junho/2012. Tradução de JF, revisão de JM.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

14-10-2012

  23:45:38, por Corral   , 2892 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: Para uma melhor compreensão da crise do capitalismo

por Manuel Brotas
http://resistir.info/

A dinâmica intrínseca da acumulação capitalista conduz a grandes e recorrentes perturbações e interrupções do crescimento. A crise actual é essencialmente uma crise de sobreacumulação de capital. A razão mais profunda é a tendência para a baixa da taxa geral de lucro. Marx considerou esta a lei mais importante da economia política.

Simplifico, esquematizo, para ir à essência da questão [1] .

Qualquer sociedade, para sobreviver e desenvolver-se, necessita de garantir a produção de uma certa quantidade de bens e serviços. Essa produção ? e mais geralmente o funcionamento do organismo social ? exige que as forças de trabalho disponíveis se distribuam mais ou menos em certas proporções, que vão evoluindo, pelos diversos ramos de actividade económica. No socialismo, essa distribuição é, no fundamental, feita conscientemente, decidida de modo planificado, com o objectivo de satisfazer da melhor maneira possível as necessidades e aspirações da população. No capitalismo, a distribuição é, no fundamental, o resultado espontâneo das decisões independentes das empresas, com o objectivo de obter o maior lucro possível para os seus donos. A lei que, no capitalismo, assegura e regula a necessária distribuição do trabalho social (e dos recursos materiais) pelas várias actividades é a lei do valor.

O trabalhador não é uma bateria, que fornece no máximo tanta energia como aquela com que foi carregada. Em geral, um homem é capaz de trabalhar durante mais tempo do que o tempo que necessita para assegurar a sua sobrevivência. Essa diferença, desde que se tornou historicamente possível, é a origem de todos os sobreprodutos sociais que, quando apropriados privadamente por um grupo humano em detrimento de outros, constituem as sociedades de classe. Em particular, no capitalismo, a diferença entre o valor criado pelo esforço dos trabalhadores e o valor que recebem nos salários de que vivem chama-se mais-valia e é a fonte dos lucros dos capitalistas. A lei que o descreve é a lei da mais-valia.

A concorrência entre os capitalistas das várias esferas de actividade tende, sempre de modo muito turbulento, a uniformizar as rentabilidades entre elas. Quando a taxa de lucro sobe (desce) num ramo, os investimentos aumentam (diminuem), a respectiva oferta de produtos cresce mais (menos) rápido que a procura, os preços diminuem (aumentam) e volta a baixar (subir) a taxa de lucro. Nunca há equilíbrio. Nunca se consegue um nivelamento perfeito entre os vários ramos. Mas as taxas de lucro aproximam-se e oscilam em torno de um nível que permite falar numa taxa geral de lucro, para o conjunto da sociedade.

É através desta competição entre os vários capitais que a mais-valia arrancada aos trabalhadores da produção se reparte pelos capitalistas das várias áreas (incluindo o comércio e a banca), de modo a proporcionar taxas de lucro semelhantes aos novos investimentos em cada uma delas. Não é verdade que o sistema financeiro, ou mesmo os investimentos especulativos, proporcionem em geral taxas de lucro superiores. Isso pode suceder com vários capitais individuais por exemplo durante uma bolha especulativa, mas as bolhas desincham ou rebentam. Durante uma escalada especulativa, activos financeiros podem valorizar-se artificialmente com o disparar da procura e as mudanças de umas mãos para outras ? nesse caso, o que umas possam vir a ganhar com a compra perderam as outras com a venda e o presumível lucro não é mais do que uma transferência de umas para outras. Mas basta que, por algum motivo, como quando a desconfiança se insinua, os actuais proprietários queiram massivamente vender os activos para realizar os pretensos lucros, que logo precipitam a queda dos preços e evidenciam que se tratava tudo, afinal, de ganhos fictícios de capital fictício. Em média, se tomarmos um período suficientemente prolongado, pode mostrar-se que as rentabilidades não são maiores nestes sectores. Doutro modo, com a enorme mobilidade de capitais e facilidade de investir especulativamente, nem se perceberia por que os empresários não abandonariam os seus ramos e desatariam todos a investir na bolsa e noutras especulações.

Mas atenção. A competição capitalista tende a igualizar a taxa de lucro entre os vários ramos, mas a desigualizar a taxa de lucro dentro de cada um. Na produção e venda das mesmas mercadorias ou serviços, grandes capitais, tecnologicamente mais avançados, têm taxas de lucro maiores que pequenos capitais, tecnologicamente mais atrasados. É o movimento destes grandes capitais, mais avançados, que têm a capacidade de incrementar rápida e significativamente a oferta, que homogeneíza aproximadamente as taxas nos vários sectores.

O declínio da taxa geral de lucro

A taxa de lucro é a relação entre o que o capitalista ganha e aquilo que investiu. Tendo percebido que o lucro dos capitalistas não é senão uma forma transformada da mais-valia extorquida aos trabalhadores da produção, Marx mostrou que a taxa geral de lucro era dada pela relação entre a mais-valia globalmente produzida e o capital globalmente investido na produção, que se divide entre o que compra força de trabalho (capital variável) e o que compra equipamentos, matérias-primas, materiais auxiliares (capital constante). Desta forma, a taxa geral de lucro fica formulada em termos de valor [2] .

O desejo de extraírem o máximo benefício da exploração dos seus trabalhadores, leva os capitalistas a procurarem aumentar a produtividade do trabalho com a utilização de melhores equipamentos. A necessidade de defenderem e incrementarem a sua quota de mercado na concorrência com os outros capitalistas, obriga-os a procurar baixar os custos de produção, especialmente através da substituição de trabalhadores por máquinas. Aumenta a maquinaria (e a matéria prima processada) em relação ao número de trabalhadores. Mas com isso tende a diminuir a mais-valia obtida ? que provém exactamente da parte não paga do trabalho dos operários ? relativamente ao capital empregue. Ou seja, a taxa geral de lucro tende a diminuir. Marx considerou a lei do declínio tendencial da taxa geral de lucro como a mais importante da economia política [3] .

O lucro é o objectivo da produção capitalista. Sem lucro, não há produção capitalista. Esse é, aliás, dito de forma simples, o grande erro, ou a grande insuficiência, dos keynesianos, quando explicam a crise com a quebra da procura. Identificando correctamente que as mercadorias não se vendem se não houver interessados com capacidade de adquiri-las, esquecem, além disso e mais profundamente, que, para usar a sua linguagem, a procura só é efectiva se for lucrativa, isto é, se proporcionar lucros ao capitalista que as produziu.

Compreende-se, por conseguinte, a necessidade imperiosa do capitalismo em contrariar o declínio da taxa de lucro. Só o pode fazer aumentando a produção de mais-valia para o mesmo capital ou reduzindo o capital para a mesma produção de mais-valia. Todas as formas concretas de contrariar o declínio se reduzem às maneiras como se asseguram estas condições.

Contratendências

Uma maneira é intensificar a exploração, aumentar a mais-valia extorquida aos trabalhadores, aumentar a parte não paga em relação à parte paga do trabalho (ou seja, aumentar a taxa de mais-valia ). Pode-se mostrar facilmente que, embora isso contribua para enfraquecer e possa deter o declínio da taxa de lucro, esta tendência acaba sempre por se impor. Porque, sendo a mais-valia necessariamente inferior ao valor novo criado (de que é uma parte) e sendo o capital investido necessariamente superior à sua parte constante, a taxa de lucro há-de ser sempre menor que a relação entre o novo valor criado (o trabalho vivo) e a parte constante do capital investido (o trabalho morto); mas é exactamente esta relação que, como se viu atrás, a produção e a competição capitalista obrigam a diminuir, com o aumento da maquinaria por trabalhador e a substituição de trabalhadores por máquinas (o trabalho vivo por trabalho morto) [4] .

Outra maneira de procurar deter o declínio é aumentar a rotação do capital, que permite reduzir o capital destacado inicialmente para assegurar o pagamento da força de trabalho, das matérias-primas e dos materiais auxiliares ao longo da produção. Por exemplo, em igual período de tempo, com duas rotações em vez de uma, a mesma mais-valia é produzida com metade do capital variável, com menor investimento. Mas é evidente que esta aceleração da rotação do capital tem limites bem estreitos e, por conseguinte, a tendência para o declínio acaba sempre por triunfar.

Outra maneira ainda é a desvalorização do capital constante (mais geralmente, a depreciação do capital constante). O aumento da produtividade, com a mecanização, diminui a quantidade de trabalho necessária para produzir as mercadorias (o seu valor). Mas então o aumento dos meios de produção pode eventualmente ser mais do que compensado pela diminuição do seu valor, o que aumenta a taxa de lucro. Pode-se no entanto mostrar, o que não se fará aqui, que se não houver no longo prazo um enviesamento significativo do crescimento da produtividade entre o sector que produz os meios de produção e o sector que produz os meios de vida dos trabalhadores ? o que tem sido comprovado estatisticamente e é compreensível, visto que o estímulo desse crescimento, a pressão para os lucros e a competição entre os capitalistas, não é dissemelhante nos dois sectores ?, então diminuem os custos com capital variável e aumentam os custos com capital fixo (máquinas, equipamentos, instalações) por unidade de produto e a taxa de lucro desce.

A queda da taxa geral de lucro não é progressiva. Manifesta-se, com imensas irregularidades, sob a forma de uma tendência, que é contrariada de várias formas, que pode até durante certo tempo ser invertida, mas que vence no final.

Numa análise mais fina, o empresário capitalista está interessado em conseguir um lucro maior do que obteria se pusesse o dinheiro a render juros, de contrário não faz o investimento (Marx chamou a essa diferença o lucro da empresa ). A diminuição das taxas de juro pode permitir, então, até para uma taxa geral de lucro declinante, a conservação do lucro das empresas não financeiras (a diferença que Marx falava). Mas não para sempre, porque aquela diminuição está limitada pelo zero. A taxa de lucro das empresas tem que acabar por diminuir.

Com a queda da taxa de lucro, grandes massas de capitais ficam desocupados, adormecidos, simplesmente a capitalizar juros, o que fornece desde logo uma enorme base para os investimentos especulativos. Muitos outros, sem rentabilidades suficientemente atractivas no investimento produtivo, tentam as aventuras especulativas. Mas já vimos que, ao longo do tempo, em média, não se saem melhor. E compreendemos que os seus lucros, quando são reais, representam um punção ainda mais intensa da mais-valia produzida no sector produtivo, que aliás prejudica o reinvestimento e a produção de nova mais-valia. A especulação financeira não inverte, não detém, nem sequer enfraquece o declínio da taxa geral de lucro. Isto é, não contraria esse declínio. Se faz alguma coisa, é agravá-lo. Pode aproveitar a capitalistas individuais, mas prejudica o conjunto do sistema. Não é desta forma que o capitalismo procura, e menos ainda consegue, deter a taxa geral de lucro. Fá-lo fundamentalmente pela intensificação da exploração do trabalho e pela desvalorização do capital (que é uma forma da sua destruição). Em última instância, só a crise, com a sua aniquilação massiva de capitais e o reforço brutal da exploração, restaura a rentabilidade suficiente para que o capitalismo possa funcionar e prosseguir. A eliminação de capitais mais fracos e menos lucrativos aumenta a concentração e centralização nos mais fortes.

A concentração monopolista do capital não eliminou a competição capitalista. Muito pelo contrário, intensificou-a, exacerbou-a, dando-lhe uma expressão agravada à escala mundial. As contradições imperialistas por mercados, mão-de-obra barata, recursos naturais, esferas de investimento, domínio geo-estratégico, engendram o militarismo e a guerra. Mas nem as despesas militares, ainda que colossais, adquirem uma dimensão suficiente no PIB das sociedades contemporâneas para tirá-las da depressão económica, nem as guerras se fazem propriamente para acabar com as depressões [5] (estas é que acirram as contradições e podem originar guerras horrorosas). Quem tem o papel de destruir capital, de revigorar a taxa de lucro e retomar o crescimento é a crise, com o seu efeito simultaneamente devastador (para os trabalhadores) e saneador (para o capitalismo).

A sobreacumulação de capital

A massa de lucros no conjunto da sociedade é dada pelo produto do capital social pela taxa média de lucro. Por um lado, parte daqueles lucros são reinvestidos, aumentam o capital total (chama-se a isto acumulação de capital) e, dessa forma, contribuem para aumentar ainda mais a massa de lucros. Por outro lado, a taxa de lucro declinante contribui para diminuir essa massa de lucros. Os dois factores opõem-se, mas, durante certo tempo, o primeiro prevalece, embora cada vez menos, à medida que a taxa de lucro declina, porque, quando a rentabilidade diminui, os investimentos diminuem também. Se a taxa de lucro continua a cair, chega-se a um ponto em que os lucros adicionais resultantes da acumulação (desacelerada) de capital já não compensam as reduções resultantes da menor taxa de lucro. O capital total pode aumentar mas não origina mais lucro. Se alguns novos capitais dão lucros, muitos outros dos antigos passam a dar prejuízos, porque a soma de todos os lucros daí em diante reduz-se. É o ponto da sobreacumulação de capital. É nesta altura que se desencadeiam as grandes depressões económicas, como a que estamos a viver (e que importa não confundir com as oscilações típicas do ciclo de negócios capitalista, reconhecíveis por exemplo nas variações da utilização da capacidade instalada e que originam perturbações mais frequentes mas muito menos devastadoras do crescimento económico). É a irrupção violenta de uma gigantesca e demorada crise, com o seu enorme cortejo de falências, de quebra acentuada e prolongada dos rendimentos e do investimento, com o aumento vertiginoso e persistente do desemprego e da pobreza. A sobreacumulação de capital exprime-se, desde logo, numa enorme sobreprodução de mercadorias, que se amontoam, invendáveis, a par de massas necessitadas, e mesmo esfomeadas, lançadas na miséria pelo desemprego, pela destruição dos seus trabalhos, pelos despedimentos, pelos salários em atraso, pelas reduções dos ordenados e das reformas, pelo reforço da precariedade, pelo corte de subsídios e apoios sociais, pelo desmantelamento e encarecimento de serviços públicos, pelo aumento da desprotecção social. É a crise de sobreprodução ou, dito com mais profundidade, a crise de sobreacumulação de capital, originada pelo declínio da taxa geral de lucro.

A presente crise tem, no entanto, características inéditas. A necessidade do capitalismo retomar a acumulação colide com a saturação e o declínio próximo da sua principal fonte energética (pico petrolífero), cuja oferta, devido a constrangimentos físicos, deixou de poder acompanhar a procura (o que é disfarçado pela quebra desta durante a crise). Colide também com a progressiva escassez de outras matérias-primas naturais, cuja produção é insuficiente para as necessidades do crescimento. Pode-se observar, com pertinência, que a crise actual é uma crise de sobreprodução ensarilhada com uma crise de subprodução.

O capitalismo não oferece o socialismo

A crise é profunda, demorada (nunca menos de uma década a contar do início) e deixará muitas sequelas. Mas não é eterna e passará. Provavelmente com grandes mudanças na organização económica, social e institucional da sociedade. Não necessariamente num sentido favorável aos trabalhadores. A impossibilidade de continuar como dantes fornece a consciência aguda da necessidade e da premência das grandes mudanças.

Quando as contradições de classe se desenvolvem e agudizam podem reunir-se, no chavão bem intencionado de tantos camaradas, ?as condições objectivas e subjectivas? da revolução. Melhor diria o Lénine: chegar o momento em que os de cima já não podem manter a dominação (condições objectivas) e os de baixo já não querem aceitar a dominação (condições subjectivas). Uma coisa, no entanto, é certa. A alternativa é o socialismo, mas este não resultará espontaneamente do capitalismo (por exemplo, da descida mecânica, ainda que muito irregular, da taxa geral de lucro). Só a intervenção organizada e consciente dos trabalhadores e das massas populares pode transformar as possibilidades em aberto na realidade por que lutam os comunistas e a que aspiram os povos.
Notas de rodapé:

[1] Texto publicado no Avante!, órgão oficial do PCP, a 11 de Outubro de 2012. A limitação do espaço levou a simplificações. Nomeadamente, não se atende à diferença entre taxa geral de lucro, resultado do nivelamento, e taxa média de lucro. Nem se desenvolveu a articulação do declínio da lucratividade e da sobreacumulação com os problemas da realização da mais-valia.

[2] A sua tradução para o sistema de preços, como é observada empiricamente, não é imediata, mas basta aqui dizer que está estreitamente ligada e evolui da mesma maneira (é o chamado problema da transformação, dos valores em preços e da mais-valia em lucro).

[3] Nos Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie, Caderno VII. Esta lei complementa e desenvolve, requerendo-as, a lei do valor e a lei da mais-valia, acima mencionadas, insuficientes por si só para demonstrar que o capitalismo não tem solução (a grande tese do Capital ).

[4] Uma conta elementar pode ajudar a compreender. Taxa lucro = mv / K = mv / ( c + v ), com K capital investido, mv mais-valia, c capital constante, v capital variável. Dado que mv < l , com l valor novo criado, e c < K , então Taxa lucro < l / c . Como a competição capitalista obriga esta fracção a diminuir, a mesma tendência acaba por impor-se à taxa de lucro, qualquer que seja a taxa de mais-valia.

[5] As guerras podem estimular a produção e o emprego, nomeadamente à custa de gigantescos défices orçamentais, mas o aumento da lucratividade é geralmente conjuntural. É pertinente recordar que a recuperação dos Estados Unidos da grande depressão económica do começo da década de 30 começou nove anos antes da sua entrada na guerra mundial.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

29-09-2012

  20:05:46, por Corral   , 290 palavras  
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CANTA O MERLO: Rajoy-Fame: Despedimentos no sector público

http://www.elboletin.com/index.php?noticia=61490&;name=nacional

Rajoy prepara umha reforma que permita os despedimentos colectivos no sector público

O Ministério de Emprego estaria a ultimar o regulamento que permitirá realizar despedimentos colectivos nos pessoais das Administraçons e empresas públicas.

Ainda que o Governo congelou por terceiro ano consecutivo as retribuiçons dos empregados públicos e manterá a zero a taxa de reposiçom do pessoal que se jubile, salvo nos serviços essenciais como Sanidade, Educaçom e Forças e Corpos de Segurança, estes recortes nom serám os únicos que acometerá a equipa de Mariano Rajoy, cujo objectivo é aprovar umha reforma que permita aplicar EREs ao pessoal laboral, segundo publica Liberdade Digital.

Os sindicatos temem que os novos recortes agochados no gasto de pessoal e que estes se materializem mediante despedimentos colectivos entre o pessoal laboral, tanto das Administraçons como os das empresas públicas. É dizer, mediante a reduçom de pessoais.

A reforma laboral já contempla a possibilidade de despedir empregado públicos, mas a sua plena aplicaçom está à espera de desenvolvimento regulamentar. O rascunho do projecto elaborou-se o passado Julho e é provável que nom tenha grandes modificaçons.

Este documento indica que as empresas públicas poderom aprovar um ERE alegando ?causas económicas?, do mesmo modo que qualquer outra companhia privada. Percebe-se que concorrem ?causas económicas? quando existam ?perdas actuais ou previstas?, ou bem umha ?diminuiçom persistente do seu nível de ingressos ordinários ou vendas?. Em todo o caso, esta-se a perceber que a diminuiçom é persistente? se durante três trimestres consecutivos o nível de ingressos ordinários ou vendas de cada trimestre é inferior ao registado no mesmo trimestre do ano anterior?.

Assim mesmo, as Administraçons Públicas (Governo, CCAA, Câmaras municipais, Segurança Social, organismos autónomos, Universidades e outras entidades públicas) podem despedir pessoal laboral alegando, igualmente, ?causas económicas?.

22-09-2012

  12:16:24, por Corral   , 592 palavras  
Categorias: Dezires

CANTA O MERLO: González e Aznar- Como se converter de advogado trabalhista ou de funcionário da Fazenda em oligarcas.

http://www.larepublica.es/
www.publico.es

Aznar e González: mais de 500.000 euros ao ano em salários e duas pensons de 80.000 euros brutos ao ano para sempre.

Nom lhes vai nada mal aos dous ex presidentes do Governo do Reino boubónico de Espanha. Um revejo aos emolumentos públicos de Felipe González e José María Aznar mostra como entre os dous conseguem ingressos superiores aos 500.000 euros ao ano, ainda que o político fascista ingressa ao menos 50% mais que o post-moderno.

José María Aznar foi fichado pola mineira Barrick Gold Corporation, a maior companhia do mundo na extracçom de ouro, com muita presença na América do Norte Latina onde controla umhas 25 minas. O amigo de Bush também está fichado por Endesa como assessor externo centrado concretamente em temas latino-americanos a razom de 200.000 euros anuais. O pruri-emprego nom remata nisto, porque ademais assessora em News Corporation, empresa do magnata Rupert Murdoch, A notável subida de salário que o polémico magnata dos médios Rupert Murdoch concedeu ao ex presidente do PP pola sua condiçom de conselheiro do império News Corporation, proprietário entre outros dos jornais The Wall Street Journal, The Times ou as cadeias CNBC e Fox News, situa as suas retribuiçons totais polos cargos que desempenha por enzima dos 300.00 euros brutos anuais.

À margem, o ex presidente conta com outras actividades profissionais, como conferências, assessorias, livros ou artigos que desenvolve habitualmente através de umha sociedade familiar, denominada Famaztella, acrónimo de Família Aznar-Botella, através da qual factura também os serviços para News Corporation. Essas actividades reportam-lhe ingressos adicionais nom conhecidos polo miúdo. Por exemplo, em 2010 Famaztella declarou um benefício de 225.000 euros e o ano anterior tinha ganhado quase o duplo.

Só pola sua condiçom de vogal do conselho do império mediático de ideologia conservadora, e trás a subida de salário de 7,6%, Aznar cobra uns 198.000 euros. Deles, 86.000 euros som em efectivo e 112.000 em acçons. À margem desta tarefa, o ex presidente é desde 2010 assessor externo da eléctrica Endesa, controlada pola italiana Enel. Ao nom exercer como conselheiro, a sua retribuiçom nom aparece nos dados oficiais que facilita Endesa ao organismo regulador do comprado. Publicaram-se cifras que situam esta compensaçom na contorna dos 200.000 euros. Como referência, a retribuiçom dos conselheiros nom executivos desta empresa foi em 2011 superior a 320.000 euros, exercício no que o actual ministro de Economia do Reino boubónico, Luís De Guindos, desempenhava essa funçom.

Estas retribuiçons privadas som compatíveis, ao menos por enquanto e do mesmo modo que em muitos países ocidentais, com umha pensom pública vitalícia como ex presidente do Governo. No reino boubónico de Espanha ascende a 80.000 euros brutos ao ano.

Pola sua banda, Felipe González, que ocupa um posto no conselho de outra das grandes eléctricas do país, Gás Natural Fenosa, recebe por esta funçom 126.000 euros brutos anuais sem dietas, já que os membros deste organismo nom as recebem, aos que se suma a pensom vitalícia como antigo chefe do Governo à que também tem direito. Ao todo, algo mais de 200.00 euros aos que teríamos que acrescentar ingressos pontuais polas actividades profissionais que desenvolve, também circunscritas ao mundo das conferências, os livros e as assessorias. É membro assessor de um dos grupos de pressom económica e política do mundo o do oligarca mexicano Carlos Slim.

As perguntas que nos devemos fazer som: Que entregárom estes dous sujeitos quando eram chefes de governo ao capitalismo internacional para converter-se em parte da sua oligarquia? A quanto ascende o saqueio (as privatizaçons) e as suas mais-valias dos bens públicos (Telefónica, Campsa, Endesa, Argentaria, Banesto, Galerias Prezados, etc...) que agora estám em maos da oligarquia à qual estes dous "chantas" hoje pertencem?

21-09-2012

  20:05:51, por Corral   , 210 palavras  
Categorias: Novas

CANTA O MERLO: Dous mil homens e mulheres espanhóis emigram ao mês do "paraíso capitalista" espanhol ao "inferno comunista" de Cuba

insurgente.org

Dos dados conhecidos do Padrom de espanhóis residentes no estrangeiro há umha cifra que merece umha reflexom, posto que há centos de jovens que estám a emigrar Gram-Bretanha ou Alemanha, mas o interessante é conhecer que quase 2.000 jovens que cada mês! emigra a Cuba.

Segundo os dados do Padrom de Espanhóis Residentes no Estrangeiro, desde 2009 emigraram case 350.000 espanhóis, e só no que vai de 2012 saíram do país 114.057, dos que 83.763 emigraram ao continente americano e 26.222 fizérom-no a países europeus.

Entre os que ficaram no continente europeu, por um tema de proximidade é a França a primeira opçom (8.273), seguida do Reino Unido (4.780), Alemanha (3.262) e Suíça (3.141).

Em tanto, Argentina (22.073) é o principal e Cuba mantém-se como a segunda opçom (13.890), deixando nos seguintes postos a Brasil (8.362), México (7.959) e Estados Unidos (7.134).

Os emigrantes som novos dentre 25 e 35 anos, com estudos já terminados ou mesmo profissionais com umha ampla capacidade laboral, com umha boa quilificaçom nos seus anteriores empregos, e sem cargas familiares.

A rede LinkedIn é umha das mais utilizadas tanto para mostrar-se como para estudar o presente de cada país no que respeita às possibilidades laborais que oferece, ademais do contacto directo com as embaixadas, através da web, que permite encontrar a informaçom sobre legislaçom, requisitos laborais ou mesmo as ofertas de trabalho.

14-09-2012

  01:18:54, por Corral   , 592 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: González e Aznar- Como se converter de advogado trabalhista ou de funcionário da Fazenda em oligarcas.

http://www.larepublica.es/
www.publico.es

Aznar e González: mais de 500.000 euros ao ano em salários e duas pensons de 80.000 euros brutos ao ano para sempre.

Nom lhes vai nada mal aos dous ex presidentes do Governo do Reino boubónico de Espanha. Um revejo aos emolumentos públicos de Felipe González e José María Aznar mostra como entre os dous conseguem ingressos superiores aos 500.000 euros ao ano, ainda que o político fascista ingressa ao menos 50% mais que o post-moderno.

José María Aznar foi fichado pela mineira Barrick Gold Corporation, a maior companhia do mundo na extracçom de ouro, com muita presença na América do Norte Latina onde controla umhas 25 minas. O amigo de Bush também está fichado por Endesa como assessor externo centrado concretamente em temas latino-americanos a razom de 200.000 euros anuais. O pruri-emprego nom remata nisto, porque ademais assessora em News Corporation, empresa do magnata Rupert Murdoch, A notável subida de salário que o polémico magnata dos médios Rupert Murdoch concedeu ao ex presidente do PP pola sua condiçom de conselheiro do império News Corporation, proprietário entre outros dos jornais The Wall Street Journal, The Times ou as cadeias CNBC e Fox News, situa as suas retribuiçons totais polos cargos que desempenha por enzima dos 300.00 euros brutos anuais.

À margem, o ex presidente conta com outras actividades profissionais, como conferências, assessorias, livros ou artigos que desenvolve habitualmente através de umha sociedade familiar, denominada Famaztella, acrónimo de Família Aznar-Botella, através da qual factura também os serviços para News Corporation. Essas actividades reportam-lhe ingressos adicionais nom conhecidos polo miúdo. Por exemplo, em 2010 Famaztella declarou um benefício de 225.000 euros e o ano anterior tinha ganhado quase o duplo.

Só pola sua condiçom de vogal do conselho do império mediático de ideologia conservadora, e trás a subida de salário de 7,6%, Aznar cobra uns 198.000 euros. Deles, 86.000 euros som em efectivo e 112.000 em acçons. À margem desta tarefa, o ex presidente é desde 2010 assessor externo da eléctrica Endesa, controlada pola italiana Enel. Ao nom exercer como conselheiro, a sua retribuiçom nom aparece nos dados oficiais que facilita Endesa ao organismo regulador do comprado. Publicaram-se cifras que situam esta compensaçom na contorna dos 200.000 euros. Como referência, a retribuiçom dos conselheiros nom executivos desta empresa foi em 2011 superior a 320.000 euros, exercício no que o actual ministro de Economia do Reino boubónico, Luís De Guindos, desempenhava essa funçom.

Estas retribuiçons privadas som compatíveis, ao menos por enquanto e do mesmo modo que em muitos países ocidentais, com umha pensom pública vitalícia como ex presidente do Governo. No reino boubónico de Espanha ascende a 80.000 euros brutos ao ano.

Pola sua banda, Felipe González, que ocupa um posto no conselho de outra das grandes eléctricas do país, Gás Natural Fenosa, recebe por esta funçom 126.000 euros brutos anuais sem dietas, já que os membros deste organismo nom as recebem, aos que se suma a pensom vitalícia como antigo chefe do Governo à que também tem direito. Ao todo, algo mais de 200.00 euros aos que teríamos que acrescentar ingressos pontuais polas actividades profissionais que desenvolve, também circunscritas ao mundo das conferências, os livros e as assessorias. É membro assessor de um dos grupos de pressom económica e política do mundo o do oligarca mexicano Carlos Slim.

As perguntas que nos devemos fazer som: Que entregárom estes dous sujeitos quando eram chefes de governo ao capitalismo internacional para converter-se em parte da sua oligarquia? A quanto ascende o saqueio (as privatizaçons) e as suas mais-valias dos bens públicos (Telefónica, Campsa, Endesa, Argentaria, Banesto, Galerias Prezados, etc...) que agora estám em maos da oligarquia à qual estes dous "chantas" hoje pertencem?

11-09-2012

  16:21:25, por Corral   , 3392 palavras  
Categorias: Ensaio

CANTA O MERLO: O genocidio do povo grego e o capitalismo anglo-sionista - Resultados da submissão à "troika"

Resultados da submissão à "troika"
Os salvamentos da Grécia e o desastre económico e social
por C. J. Polychroniou [*]

resistir.info

A economia grega tem estado a contrair-se durante os últimos cinco anos, em grande medida devido a uma contracção na procura interna que começou antes de irromper a crise de dívida soberana no fim de 2009. No fim deste ano, o PIB da Grécia ter-se-á contraído em mais de 20 por cento desde o início da crise. A economia interna cresceu a 4 por cento de 2003 a 2007, um desempenho económico especialmente bom até se perceber que o contribuidor mais importante para o crescimento do PIB grego foi o forte consumo privado, alimentado por uma alta no crescimento do crédito, consumo público em grande escala e investimentos nos Jogos Olímpicos de 2004 (Moschovis e Servera 2009).

Além disso, este crescimento "dinâmico" teve lugar contra um pano de fundo de assimetrias e patologias de grande escala na estrutura económica e da administração pública da Grécia: mau funcionamento de mercados internos, os quais, dentre outras coisas, mantiveram inflação próxima de dois pontos percentuais acima do resto da área euro; aumentos em salários nominais ultrapassando ganhos de produtividade; défices fiscais crescentes e rácios dívida-PIB incríveis; níveis espantosos de corrupção e desperdício; financiamento mínimo de I&D; e desenvolvimentos negativos nas receitas do imposto sobre rendimentos. Portanto, quando a crise global atingiu as costas da Europa, todas estas fraquezas estruturais da economia grega explodiram à superfície, provocando uma crise de imensas proporções (Polychroniou, 2011). Os mercados retaliaram pressionando os rendimentos dos títulos gregos a níveis estratosféricos, e a Grécia acabou por estar totalmente dependente da União Europeia (UE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para as suas necessidades de contracção de empréstimos. Mas isto foi apenas o princípio de uma crise que agora ameaça a própria sobrevivência do projecto euro. A crise da dívida grega logo propagou-se como um vírus à periferia externa da eurozona (Irlanda e Portugal), a seguir para as duas maiores economias do Sul (Espanha e Itália) e agora corridas bancárias foram acrescentadas às pressões crescentes sobre a eurozona.

A propagação da crise de dívida soberana, da Grécia para a Irlanda, Portugal, Espanha e Itália, é um reflexo da concepção enviesada do sistema euro (Papadimitriou e Wray 2012) e do lamentável fracasso por parte da actual liderença europeia em conter um aprofundamento da crise com medidas políticas rápidas, eficazes e corajosas. Neste contexto, a Grécia não deveria ser vista como um caso isolado mas sim como parte da crise da eurozona. Ao mesmo tempo, contudo, a Grécia é um "caso especial". Sua economia é pequena, mas com um espantoso conjunto de problemas únicos e persistentes, a maior parte dos quais estão relacionados directamente às peculiaridades do ambiente político interno e da cultura política geral. Exemplo: o país já estava a incorrer num rácio dívida-PIB acima dos 100 por cento já em 1992. E a evasão fiscal permanece um problema social descontrolado. A Esquadra de Crimes Financeiros muito recentemente informou que mais da metade dos estabelecimentos de negócios que operam em áreas de resorts turísticos não estavam a emitir recibos, enquanto em algumas das ilhas mais populares as taxas de evasão fiscal chegavam aos 100 por cento ( Athens News 2012).

OS SALVAMENTOS FORAM UMA MALDIÇÃO

Como o declínio do PIB grego deveria indicar, a situação económica na Grécia hoje é catastrófica. A economia está em queda livre e as consequências sociais são sentidas amplamente. A principal razão para esta terrível situação é que o país sofreu durante mais de dois anos sob um duro regime de austeridade imposto pela UE e o FMI. Os salvamentos demonstraram-se uma maldição. O país está literalmente sob ocupação económica e a mergulhar cada vez mais fundo no abismo, e há pouca razão para esperar uma viragem no futuro previsível.

A história da crise grega tem de começar com reacção a indesculpavelmente lenta da parte das autoridades da UE. Muitos meses preciosos foram desperdiçados antes de Bruxelas começar a entender que passos precisavam ser dados em favor de um estado membro da UE. Mas quando Bruxelas finalmente reagiu, a intenção foi infligir punição aos gregos "esbanjadores" (punição por terem cozinhado a contabilidade a fim de juntarem-se à eurozona e por esconderem o défice real das autoridades da UE) ao invés de ajudar um estado membro e resolver dificuldades que eram essencialmente um problema europeu. Em 2008, o défice fiscal da Grécia ocupava o primeiro lugar entre os 27 estados membros da UE (7,7 por cento do PI&amp;#66;&amp;#41; e sua dívida pública era a segunda mais elevada. E as autoridades estatísticas nacionais gregas eram realmente conhecidas por sua falta de independência e integridade. Assim, quando as autoridades gregas também reviram o rácio do défice para 2009 (de 3,7 do PIB para 12,7 por cento do PIB, ver Comissão Europeia 2010ª), a Alemanha e os chefes da UE estavam determinados a activar um plano que provocaria muito sofrimento à Grécia e assinalaria a outros estados membros da eurozona que destino os aguardava se fracassassem em por em ordem suas casas económicas e fiscais.

Em Maio de 2010, depois de ser completamente excluída dos mercados internacionais de crédito, a Grécia aceitou um pacote de salvamento maciço da UE e do FMI a fim de evitar um incumprimento. Isto não foi um acto de solidariedade da parte dos parceiros UE da Grécia e seus apoiantes financeiros. Estavam em causa bancos da Europa, os quais estavam super-expostos à dívida grega, bem como a estabilidade do euro. Mesmo assim, responsáveis da UE mostravam-se publicamente bastante confiantes em que o acordo de salvamento ajudaria a Grécia a colocar a sua economia outra vez nos trilhos num espaço de tempo relativamente curto e lhe permitiria retornar aos mercados internacionais de crédito no fim de 2011 ou princípio de 2012. Por mais perversos que agora possa parecer, o clima era ligeiramente eufórico. Na Grécia, o primeiro-ministro George Papandreu (que ainda se retrata como um salvador do país nos dias modernos) louvou a decisão como um "dia histórico" para a Grécia e igualmente para a Europa. Além disso, a maior parte dos economistas por todo o espectro ideológico não estava simplesmente céptica acerca do acordo de salvamento mas pensava realmente que as medidas que acompanhavam os fundos de resgate afundariam a economia grega numa recessão mais profunda. O acordo de salvamento cobrira três anos e totalizava 110 mil milhões de euros. Os parceiros da Grécia na eurozona proporcionariam ?80 mil milhões e o FMI ?30 mil milhões. O empréstimo do salvamento tinha uma taxa de juro usurária de 5 por cento. Quanto aos objectivos do plano de salvamento, eram vastos e ambiciosos, reflectindo claramente a urgência da situação, mas também altamente irrealistas e guiados por uma forte convicção na capacidade da agenda neoliberal de reformas estruturais para rapidamente para estimular rapidamente economias perturbadas para voltarem ao crescimento. Reduzir o défice (a 3 por cento do PIB em 2013), restaurar a sustentabilidade da dívida (a da Grécia atingiu aproximadamente 120 por cento em Maio de 2010), alcançar desvalorização interna com o objectivo de reduzir a procura interna, melhoria da competitividade, e aumento dos investimentos e das exportações foram identificados como os objectivos primários do plano. A estratégia de consolidação fiscal tendo em vista reduzir o défice e restaurar a sustentabilidade da dívida envolveu um pacote de medidas que equivaliam a 11 por cento do PIB do país. Com as correcções em vigor, a previsão afirmava que surgiria um excedente primário em 2012.

As medidas exigidas para realizar os objectivos acima foram simplesmente as políticas de ajustamento estrutural do FMI que foram impostas em muitos países latino-americanos, africanos e do antigo bloco comunista do Leste europeu ao longo dos últimos 35 anos; nomeadamente, cortando o orçamento, aparando o sector público, eliminando programas sociais e benefícios dos trabalhadores, liberalizando mercados de trabalho, elevando impostos, reformando o sistema de pensões, privatizações abrangentes e assim por diante. A desvalorização da divisa era impossível no caso da Grécia, uma vez que o euro é utilizado em toda a eurozona, de modo que a desvalorização interna (reduzindo o pagamento de salários e pensões) foi encarada como um substituto natural. Segundo a expectativa do FMI, a implementação do programa de ajustamento estrutural permitiria à economia recuperar alguma da sua competitividade perdida devido a altos custos de trabalho e, após um aumento lento, a dívida começaria a declinar após 2013.

No Memorando de Entendimento assinado pela Grécia e os credores da UE/FMI, esperava-se que o governo grego executasse as reformas exigidas com velocidade relâmpago e a "troika" ? a Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu (BCE), responsáveis oficiais pela supervisão do programa de ajustamento estrutural grego ? reveriam seu progresso numa base trimestral a fim de determinar quando a prestação seguinte dos fundos de resgate (os quais eram para ser utilizados exclusivamente para as obrigações de dívida do país) deveria ser libertada. Esta abordagem ao tratar das desgraças económicas de um país é típica do pensamento do FMI, o qual sempre encarou uma economia nacional como sendo um navio que pode mudar de rota quase instantaneamente ao comando do seu capitão. Quanto à cultura nacional, não havia razão para que não pudesse ser posta à parte como o motor de um carro e reparada muito rapidamente.

FMI CONTINUA O MESMO

A ideia de que o FMI mudou a sua filosofia e as tácticas que segue é asneirenta. Na verdade, apesar das muito repetidas afirmações de vários responsáveis de nível sénior no sentido de que a organização aprendeu com os seus erros passados e alterou o modo como aborda países que precisam de orientação económica e assistência, a mentalidade do FMI (e dos seus acólitos neoliberais por toda a parte) ainda está presa à era do regime de Pinochet no Chile, quando armas e torturas eram utilizam amplamente como meio de impor disciplina fiscal e uma utopia de "mercado livre" sobre uma nação pouco complacente. A abordagem do FMI fracassou por toda a parte onde foi tentada, fazendo neste processo uma zombaria da ciência económica e triturando ideais e valores democráticos. Desde a América Latina até a África nas décadas de 1970 e 1980, e desde a antiga União Soviética na década de 1990 até a periferia da Europa nos dias de hoje, o desdobramento do experimento neoliberal produziu uma distopia social, levando a taxas de crescimento mais baixas, fazendo recuar progressos sociais e aumentando desigualdades.

Como era de esperar, o acordo de salvamento de Maio de 2010 revelou-se um fiasco da UE/FMI e uma tragédia grega. O défice da Grécia contraiu-se, mas assim aconteceu com tudo o mais ? e em muito maiores proporções: emprego, receitas fiscais, investimento, procura do consumidor, serviços sociais e humanos. A dívida pública aumentou substancialmente, e assim aconteceu com todo índice de miséria económica e mal-estar social, incluindo a propagação de extremismo anti-imigrantes e ondas de suicídios relacionados com as agruras económicas. Mas os parceiros financeiros da Grécia não têm qualquer interesse nas consequências económicas e sociais da farsa de consolidação fiscal que perpetraram. Tudo o que lhes importava era chegar ao equilíbrio fiscal ? isto é, assegurar que os bancos continuariam a receber pagamentos pelos títulos da dívida grega que possuem.

O programa de ajustamento fiscal com base na austeridade começou a mostrar efeitos catastróficos em poucos meses. Negócios de pequena dimensão foram encerrados em níveis recorde e o desemprego começou a sua espiral ascendente. Em Maio de 2010, a taxa de desemprego estava em 12 por cento; em Maio de 2011 havia saltado para 16,6 por cento. As medidas de austeridade estavam a ter um grande efeito sobre receitas fiscais. Apesar de repetidos aumentos de impostos ? incluindo aumentos generalizados do imposto sobre venda, uma redução no rendimento não tributável e um imposto de emergência sobre a propriedade a todos os donos de casas ? as receitas do estado declinaram, com os fundos de pensões e da segurança social em especial a terem enormes quedas. Segundo a Autoridade Grega de Estatística, a receitas de 2011 foram mais baixas do que em 2009, "o ano", como alguns comentadores observaram com perspicácia, "da derrapagem fiscal absoluta" (Malkoutzis e Mouzakis, 2012).

A cobertura do salvamento feita pelos media e a crítica frequente propalada por responsáveis da UE e do FMI que supervisionam o programa de ajustamento fiscal combinaram-se para retratar as autoridades gregas como relutantes, não desejosas, em se comprometerem a reunir as condições do acordo de salvamento. Trata-se de uma distorção grosseira da verdade e um pretexto para esconder o fracasso brutal das medidas de austeridade. O governo grego cumpriu à letra o Programa de Ajustamento Económico (ver Comissão Europeia 2010b; 2010c; 2011). Milhares de milhões de euros foram reduzidos nas despesas primárias, grandes cortes foram efectuados em salários públicos, despesas operacionais de hospitais foram reduzidas em 50 por cento e o orçamento da educação ficou mais pequeno em várias centenas de milhões de euros. Mas como a recessão continuou a ficar cada vez mais profunda, e as receitas fiscais gregas continuaram a não chegar ao alvo, a pressão sobre o governo para instituir ainda mais medidas de austeridade aumentou. Isto é uma táctica empregada pela "troika" desde o princípio do acordo de salvamento e uma táctica que continua hoje, com o segundo plano de salvamento.

Dito isto, dificilmente se pode culpar as autoridades gregas pelo desastre que assolou a nação. A velha elite política conduziu o país para o abismo com suas políticas irresponsáveis e práticas corruptas e então (o governo Papandreu) aceitou quaisquer planos e decisões da UE e do FMI sugerisse para a Grécia como um facto consumado. Ela fracassou em avançar com algumas reformas necessárias mas implementou incondicionalmente as mais odiosas medidas de austeridade da história económica recente da Europa. Na verdade, ironia das ironias, é que à mesma elite política que levou a Grécia à bancarrota foi atribuído o papel de guiar o país para sair da crise. O acordo de salvamento de Maio de 2010 era para ser feito uma só vez. Mas, mesmo antes de a tinta estar seca, toda a gente (excepto os responsáveis da UE) podia ver que isto não ia ser suficiente para ajudar a Grécia a ultrapassar a sua crise, e certamente não suficiente para travar a propagação do contágio. Consequentemente, os rendimentos dos títulos gregos continuaram a subir para alturas cada vez maiores, congelando a Grécia fora dos mercados financeiros privados por um período de tempo indefinido, e os caçadores de títulos continuaram o seu safari por mais "PIIGs" fiscalmente selvagens.

Ao aproximar-se o fim dos primeiros dois anos do salvamento, ministros das Finanças da eurozona acabaram por aprovar um novo pacote de resgate para a Grécia no valor de ?130 mil milhões. Sem os novos fundos de salvamento, o país teria incumprido. Bastante curiosamente, as acções caíram quando foi feito o anúncio, pois os mercados foram rápidos para perceber mais uma vez que o negócio não ia resolver a crise grega. Por essa altura, a Grécia já havia feito a transição da crise para a catástrofe. A austeridade estava a esmagar a economia grega e a provocar uma desaceleração (slowdown) em toda a economia periférica da eurozona que estava a implementar medidas de austeridade profundas em meio a uma grande recessão. Mas dogma é dogma e, como tal, ele tem de ser reforçado sem considerar qualquer realidade empírica. Portanto, o segundo pacote de salvamento incluiu ainda mais cortes orçamentais generalizados, a redução do emprego público em 150 mil postos de trabalho no fim de 2015 e um projecto de privatização maciça ? essencialmente um ataque neoliberal completo aos bens públicos e a todas as empresas de propriedade pública da Grécia. "Um país à venda" é como muitos cidadãos gregos encararam os termos e condições incluídos no segundo acordo de salvamento. Isto em grande medida explica a subida fenomenal do grupo de esquerda marginal SYRIZA (que recebeu 4,6 por cento dos votos populares nas eleições nacionais de 2009) até tornar-se o segundo maior partido da Grécia (atraiu 26,89 por cento do voto popular nas eleições nacionais de Junho de 2012, perdendo para o partido conservador Nova Democracia por menos de 3 pontos percentuais), bem como a ascensão dos neonazis e outros partidos "nacionalistas de extrema-direita". À venda, dentre outros muito valiosos activos do estado, estão os portos de Pireu e Salónica; a telecom grega OTE; a lotaria nacional; propriedades imobiliárias; e o banco postal. Os apoiantes financeiros da Grécia esperam que os projectos de privatização arrecadem ?50 mil milhões em 2015, mas este cenário parece absurdo dado o estado da economia nacional, e ainda outra indicação de quão loucamente desligado da realidade grega estão os curandeiros da teoria económica neoliberal.

Durante os primeiros dois anos do primeiro acordo de salvamento, líderes da UE e do mesmo modo o governo grego também ridicularizaram quaisquer sugestões de reestruturação da insustentável dívida pública da Grécia, um movimento que deveria ter sido empreendido quase imediatamente após o estalar da crise. Em Maio de 2012, um acordo para reestruturação da dívida foi alcançado com a maior parte dos investidores privados, os quais, depois de a Alemanha e a UE terem utilizado algumas tácticas violentas, concordaram em trocar seus títulos do governo por novos títulos que valiam menos da metade dos anteriores. Os títulos do governo grego possuídos pelo BCE foram excluídos do "haircut". Como se verificou depois, isto foi mais um movimento por parte dos líderes da UE para comprar tempo, uma vez que o acordo de reestruturação ainda deixou a dívida da Grécia em níveis insustentáveis, ao passo que colocavam as emissões de novos títulos gregos sob a alçada da lei britânica (portanto o Parlamento grego não pode aprovar legislação recusando o seu pagamento).

De acordo com a maior parte dos cálculos, o "haircut" reduziu o rácio da dívida da Grécia para 132,4 por cento (embora o rácio da dívida real possa ser mais alto, pois ainda há alguma incerteza acerca da efectividade do acordo de troca). Isto significa que uma outra reestruturação de dívida é simplesmente uma obrigação se o país tiver um futuro financeiro para além de 2020, quando, de acordo com o FMI, espera-se que a dívida caia para 120 por cento (a qual seria a mesma do rácio dívida-PIB no princípio da crise) mas ainda pode acabar num nível tão elevado quanto 145 por cento. Sob tais circunstâncias, pode alguém acreditar que no futuro financeiro da Grécia há espaço para sequer o mais ligeiro optimismo?

Entretanto, e enquanto o país está tanto economicamente como socialmente no ponto de ruptura, a "troika" está a pedir ao governo grego que produza poupanças adicionais de ?12 mil milhões durante os próximos dois anos. A taxa de desemprego situa-se agora em mais de 22 por cento e poderia em breve atingir os 25 por cento. Mais de 25 mil gregos, sobretudo jovens e bem educados, já deixaram o país a fim de procurar trabalho na Alemanha. Se o desastre económico e social que a UE e o FMI tem estado a impor à Grécia durante os últimos dois anos e meio continuar mais tempo, a Grécia em breve será um país habitado primariamente por pessoas pouco educadas, trabalhadores de baixo rendimento, idosos e imigrantes. Isto é um destino que nenhum país merece, pouco importando os seus pecados financeiros e económicos ? e a vergonha será unicamente da Europa.
Referências
Athens News. 2012. "Record Rates of Tax Evasions on Islands." July 26.
European Commission. 2010a. Report on Greek Government Deficit and Debt Statistics . January.
???. 2010b. "The Economic Adjustment Programme for Greece: First Review?Summer 2010." European Economy, Occasional Papers, No. 68. Brussels: Directorate-General for Economic and Financial Affairs. August.
???. 2010c. "The Economic Adjustment Programme for Greece: Second Review?Autumn 2010." European Economy, Occasional Papers, No. 72. Brussels: Directorate-General for Economic and Financial Affairs. December.
???. 2011. "The Economic Adjustment Programme for Greece: Third Review?Winter 2011." European Economy, Occasional Papers, No. 77. Brussels: Directorate-General for Economic and Financial Affairs. February.
Malkoutzis, N., and Y. Mouzakis. 2012. "Greece, Spain, Portugal Stare into Abyss." Kathimerini (English edition), July 21.
Moschovis, G., and M. C. Servera. 2009. "External Imbalances of the Greek Economy: The Role of Fiscal and Structural Policies." ECFIN Country Focus 6, no. 6 (July 10).
Papadimitriou, D. B., and L. R. Wray. 2012. Euroland's Original Sin . Policy Note 2012/8. Annandale-on-Hudson, N.Y.: Levy Economics Institute of Bard College.
Polychroniou, C. J. 2011. "An Unblinking Glance at a National Catastrophe and the Potential Dissolution of the Eurozone: Greece's Debt Crisis in Context." Working Paper No. 688. Annandale-on-Hudson, N.Y.: Levy Economics Institute of Bard College.

Do mesmo autor:
A crise da dívida grega no seu contexto , 21/Jan/12
Crise do capitalismo , 12/Jan/12
Crise da eurozona 2.0 , 17/Abr/12
Será que uma depressão induzida pela austeridade descerá a cortina final sobre o drama grego? , 04/Jun/12

[*] Economista, investigador no Levy Economics Institute of Bard College.

O original encontra-se em http://www.levyinstitute.org/publications/?docid=1569

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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