Reintegracionismo e sociedade

Por que às vezes soa tam pouco natural a vossa forma de falar?

Porque é menos freqüente. Também é certo que para muitos galego-falantes tampouco soava, nem soa, mui natural o galego Ilg-Rag mas a sua presença social ajuda a naturalizá-lo.

Um paleofalante médio de mais de cinqüenta anos poderá sentir pouco natural:

  1. A pronúncia e a entoaçom dos neofalantes que, na sua passagem do castelhano para o galego, arrastam a pronúncia na que fôrom educados.
  2. A morfossintaxe, com o uso de formas castelhanizadas (estos, minho, quenes) ou umha colocaçom dos pronomes seguindo o modelo castelhano (eu o vim chegar)
  3. Léxico. Uso de certas palavras em lugar das dominantes socialmente e tomadas do castelhano: galego (por gallego), cadeira (silla), cartaz (cartel), natureza (naturaleza) ou lámpada (bombilla).

Um falante reintegracionista a respeito de um falante do galego Ilg-Rag destaca-se sobretudo polo ponto 3) já que nom se impõe os limites que coloca a estratégia autonomista nesta área. Qualquer castelhanismo desnecessário é substituído por umha palavra genuína do nosso sistema lingüístico: obrigado/a (gracias), portagem (peaje), candeeiro (Lámpara), Aniversário (cumpleaños) ou sexta-feira (viernes).

Entom a minha avó nom sabe falar galego?

Sabe, com certeza, e é depositária de muitas formas que nom chegárom até o seus filhos e filhas e, sobretudo, aos seus netos e netas. Neste sentido está a haver umha perda de riqueza e o reintegracionismo quer incidir aí.

Por razons sociais, a cada nova geraçom de galegos a qualidade da língua decresce. Entendemos por qualidade o seu caráter genuíno e nom misturado com o castelhano. Neste sentido, os nossos avós da idade média usavam um galego genuíno já que daquela o castelhano ainda nom penetrara com firmeza na sociedade galega.

A introduçom do galego no ensino, nos média ou na literatura feita na Galiza provocou que as gerações mais novas conhecessem formas que estavam em desuso e alguns deles que as utilizassem. Dá-se assim um paradoxo. As gerações mais velhas usam castelhanismos que as mais novas usam em menor medida mas, ao mesmo tempo as gerações mais novas desconhecem formas genuínas que se perdêrom na transmissom intergeneracional.

No terreno da pronúncia, por sua vez, à medida que a idade do falante aumenta, a qualidade da fonética melhora. Enfim, umha conversa com os nossos avós será sempre um enorme reforço do nosso registo de língua.

Queredes que o castelhano desapareça da Galiza?

O que preocupa a maioria dos reintegracionistas é o futuro do galego e nom o do castelhano. Seja como for, no ano 2100, quando a imensa maioria das pessoas que estamos a ler estes textos nom existamos mais, o castelhano muito provavelmente continuará a ocupar um lugar destacável na sociedade galega. O mesmo nom se pode afirmar da nossa língua.

A questom portanto seria como poder garantir que a sociedade galega poda desfrutar, na maior intensidade possível, da língua própria da Galiza. A soluçom podemos encontrá-la espelhando-nos em Porto Rico, Quebeque ou Flandres e passa por:

  1. Privilegiar umha versom extensa da nossa língua (Galiza, Portugal, Brasil…)
  2. Privilegiar a língua própria do ponto de vista legislativo como acontece com o castelhano em Porto Rico ou o francês no Quebeque.

Para uma digressom histórica das relaçons entre o espanhol e o inglês em Porto Rico veja-se The singularly strange story of English in Puerto Rico

O reintegracionismo destruiria a riqueza dialetal do galego?

Em todas as línguas do mundo, desde o momento em que existe um estándar de língua e este é implementado na administraçom, no ensino, nos média… a língua tende a unificar-se. Pode-se mesmo afirmar que umha mostra de que a língua está a funcionar como tal é a reduçom de variedades e a expansom das formas promovidas polo estándar.

Atualmente existem na Galiza várias formas para denominar a doninha, o vidoeiro ou o morango mas essa variabilidade nom torna a nossa língua melhor. Essa variabilidade até é pouco funcional em termos comunicativos entre pessoas de diferentes espaços geográficos. Em Portugal ou em Castela, onde as línguas nacionais estám bem assentes, o cidadao médio conhece apenas umha forma para estas realidades, aquela que emana das instituiçons.

O reintegracionismo divide e facilita a supremacia do castelhano

Umha divisom está formada por um dividendo e um divisor como em 8:2 = 4, onde 8 é o dividendo e 2 é o divisor. Isto levanta umha questom no caso galego, quem é o divisor? Se revisamos a história do galeguismo, assistimos a umha linha hegemónica em que o português era um referente de reintegraçom e que se traduziu num processo de descastelhanizaçom da língua reintroduzindo palavras e termos gramaticais que se perderam ou caíram em desuso.

Quando após a morte do ditador Franco aparece a hipótese de introduzir a língua na administraçom e no ensino, a pré-xunta encomenda a elaboraçom de umha norma. Era o ano 1980 e a comissom estará dirigida polo professor Carvalho Calero. Sobre a mesa havia duas propostas prévias, a elaborada pola ASPG e a elaborada polo Instituto da Língua Galega, cada umha delas com filosofias diferentes. Na comissom havia pessoas representativas de ambas as tendências.

Estas normas estavam chamadas a ser o quilómetro zero de umha estratégia luso-brasileira para a nossa língua. Infelizmente, no ano 1983, o decreto Filgueira Valverde num governo de Alianza Popular, promoveu umhas outras normas com um espírito diferente. Foram elaboradas polo Instituto da Língua Galega sobre a base do galego popular e a estrangeirizaçom do português. Som as conhecidas como Nomiga.

E até hoje.

Imagem que ilustra a lei de Berto


Lei de Berto:

“A medida que unha discusión online en galego sobre calquera tema avanza, a probabilidade de que se mencione o reintegracionismo/isolacionismo achégase a 1″

Quais som as diferenças entre reintegracionismo e lusismo?

Reintegracionismo e Lusismo som duas denominaçons dadas na Galiza ao mesmo movimento social.

Alguns detratores do movimento utilizam “lusista” de maneira depreciativa e preconceituosa, sugerindo que queremos negar a galeguidade e virar portugueses, o que de nengumha maneira se corresponde com a realidade.

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Se o reintegracionismo for aplicado, que acontecerá no ensino?

Contra o que muita gente pensa, o reintegracionismo está longe de ser umha utopia difícil de aplicar. De facto, tem-se implementado noutros países, como a Flandres ou a Moldávia, sem grandes sobressaltos.

No caso da Galiza, o reintegracionismo nom pretende impor-se sobre as outras posturas ou filosofias sobre a língua. Dito de outro modo: a normalizaçom das teses reintegracionistas nom teria porque implicar a derrota das isolacionistas. Basta refletir um bocado sobre o assunto para dar-se conta disto. A língua é património de todas as pessoas que a usam e seria ilógico que umha maneira de entendê-la pretendesse destruir a outra. Infelizmente, é o que acontece na atualidade e cremos que isso está a debilitar enormemente as forças do galego.

No ensino, o mais lógico seria que, ao lado do galego que atualmente é ensinado, as pessoas pudessem conhecer outras variantes da nossa língua no mundo, quer através da própria cadeira de galego, quer através de outra que entendesse o galego e o português de maneira inclusiva. Desta maneira, as pessoas poderiam escolher livremente aquela opçom que achassem mais conveniente para si mesmas ou para a própria língua, em liberdade e sem excluir as outras opçons.

A curto prazo, achamos mui positiva a difusom generalizada do “português língua estrangeira” no ensino secundário, apesar de nom ter em conta o galego. Esta opçom poderá nom só ser benéfica para o reintegracionismo, mas em geral para todas as pessoas que defendem o galego – com independência da ortografia em que escreverem –, e para a sociedade galega no seu conjunto.

Paradoxalmente, um dos principais reptos do reintegracionismo na atualidade será superar o receio de muito professorado de galego. Estas pessoas devem ver no reintegracionismo umha oportunidade mui benéfica para as suas carreiras profissionais, e nunca um problema, pois verám como os horizontes da disciplina que ministram poderám alargar-se consideravemente.

Qual é a situaçom do ensino do português na Galiza?

O ensino do português na Galiza padece umha situaçom bastante precária, nomeadamente nas escolas secundárias.

Segundo dados fornecidos pola DPG (Docentes de Português na Galiza), há entre três mil e quatro mil estudantes de português na Galiza, incluindo as três universidades, as escolas oficiais de idiomas, o ensino primário e o ensino secundário públicos.

Os liceus do secundário som fulcrais para a difusom do ensino de português na Galiza.

Os alunos de mais de 25 estabelecimentos de ensino secundário estám a receber aulas de português, graças ao empreendorismo voluntário de alguns docentes de galego. Nom há, porém, docentes de português contratados como tais pela Junta da Galiza – ao contrário do que acontece com o francês e o alemám na própria Galiza, ou com o português em Castela e Leom e na Extremadura espanhola.

Estuda-se português nas escolas oficiais de idiomas da Corunha, Ferrol, Santiago de Compostela, Ourense, Vila-Garcia, Ponte Vedra, Vigo e Lugo. Nom é possível fazê-lo nas EOI de Viveiro, Ribadeu e Monforte, que sim oferecem outras línguas como italiano ou alemám. Tampouco há português nas secçons (Cangas do Morraço, Noia, etc.) das escolas mais importantes – com a exceçom de Tui.

Por conseguinte, nom há ensino do português para adultos em amplas zonas do país, como a Marinha Luguesa, Bergantinhos-Costa da Morte, Barbança, interior da província de Ponte Vedra, sul e oriente da Província de Lugo, e centro, oriente e sul da província de Ourense, incluindo a Raia Seca.

O português também é estudado nas três universidades galegas: na Universidade de Santiago de Compostela, existe o “Grau em Língua portuguesa e literaturas lusófonas”; na Universidade da Corunha, o “Grau em galego e português: estudos linguísticos e literários”; e na universidade de Vigo, o Grau de Línguas Estrangeiras da Faculdade de Traduçom.

Os Centros de Línguas Modernas das três universidades também disponibilizam cursos de português.

Outros âmbitos de difusom som as escolas primárias, os cursos para profissionais – organizados por sindicatos, empresas, centros de formaçom e outras entidades – e as atividades didáticas ocasionalmente organizadas por centros sociais.

O reintegracionismo sempre estivo vinculado a opçons independentistas radicais...

O reintegracionismo pode ser defendido seja qual for o ponto de vista ideológico de partida, porque promove umha política cultural e lingüística aberta para o galego, e a defesa de umha língua apenas tem umha paternidade: o povo que a usa.

Ora bem, nom se pode negar que a maioria das pessoas mais preocupadas polo futuro do idioma, as que mais refletem sobre ele, se encontram no nacionalismo, como em épocas passadas se encontrárom no provincialismo ou no galeguismo. O independentismo político foi um dos setores desse nacionalismo amplo que decidiu pôr em prática a ortografia reintegrada, e nesse sentido merece o aplauso do movimento normalizador. Mas o reintegracionismo é defendido por pessoas de todas as ideologias, havendo também, em sentido contrário, independentistas radicalmente contrários a ele.

Será a Shakira muito radical por falar galego?

O ‘povo’ jamais aceitaria o reintegracionismo...

O povo nunca foi consultado e portanto é um pouco arriscado dar umha resposta ou outra a esta afirmaçom tam repetida em círculos contrários ao reintegracionismo. O problema é que, além de nom ser consultado, o ‘povo’ tampouco dispom de informaçom suficiente sobre esta problemática. Se alguém considera que o povo nom está à altura deste debate, entom tem razom, o povo jamais aceitará o reintegracionismo. Mas nós nom pensamos que seja assim.

O povo galego é o suficiente maduro para entender que umha língua, para ter sentido no mundo, há de ser o mais útil possível. Por isso saberám compreender as posturas do reintegracionismo, independentemente de concordarem com elas ou nom.

Nom vos aclarades, quantos reintegracionismos há?

Todos os reintegracionistas queremos retomar o contacto com as outras variedades do galego no mundo, defendendo um modelo ortográfico comum. Aí assenta a coesom geral do nosso movimento.

Os nossos hábitos de escrita, porém, mostram alguma flexibilidade no grau de convergência com as outras variedades do português.

Teredes reparado que alguns reintegracionistas utilizam as terminaçons em -çom e outros o til de nasalidade -ção ou que alguns usam a morfologia verbal comum com o resto da lusofonia (eu fiz, eu posso) enquanto outros usam formas galegas (eu figem, eu podo).

Essa diversidade de usos é necessária em qualquer processo de mudança ortográfica, nomeadamente quando umha língua é minorada no seu próprio país. As soluçons que propomos devem ser testadas no uso, numha retroalimentaçom contínua entre os codificadores e a sociedade.

Mesmo em línguas, como o alemám, bem assentes nos estados em que som oficiais, iremos encontrar divergências de uso que nom ponhem em causa a unidade geral da língua. Assim, a Suíça e Liechtenstein utilizam “ss” em muitas palavras que os alemáns escrevem com ß : die Straße → die Strasse.

A vantagem do reintegracionismo é que essas diferenças nom som caprichosas nem caóticas, mas prendem-se com a necessidade de naturalizar a ortografia do português para os falares galegos.

Sabemos de onde parte e aonde deve chegar a ponte que vamos construir – só falta escolher o melhor lugar para erigir os pilares que a sustentam.

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