Cinema

Diana Toucedo

OS COMEÇOS

Dedico-me à cinematografia desde há quase doze anos, quando fui para Barcelona estudar o grau de cinema na ESCAC (Escola superior de cine e audiovisuais de Catalunha).
Especializei-me em montagem, mas desde há um par de anos também comecei a dirigir. As minhas peças enquadram-se no terreno do documentário, mas nunca perco de vista as estruturas e a linguagem da ficção. Atualmente acabei de terminar a montagem da minha segunda longa-metragem, Trinta Lumes, um documentário filmado no Courel, mas também tenho outros projetos abertos, sempre ando enrolada em várias coisas à vez.

Quais foram as motivações para fazeres carreira audiovisual?
A verdade é que foi uma decisão complexa. Quando vivia na Galiza estava a estudar engenharia de telecomunicações e as matérias de que mais gostava eram aquelas que se vinculavam com o mundo audiovisual; é claro que no curso todas tinham um prisma muito matemático e físico, mas por acaso dei comum curso de livre eleição lecionado por Suso Novas sobre cinema, apaixonei-me tanto que a pouco e pouco senti que aquele era o meu caminho.

Como foi o teu processo e trajetória?
Pois a partir daí muito natural. Entrei para a ESCAC e soube desde o primeiro dia que do que mais gostava era da montagem. Aos poucos senti atração pelo documentário, dado que, como montadora, normalmente tens de construir o filme no estúdio de montagem, quer dizer, só em casos excepcionais tens um roteiro do qual começar. Os documentalistas costumam gravar muitíssimas horas e nem sempre têm o trabalho final definido, porque quando são confrontados com a realidade os seus planos e previsões sofrem alterações durante o decorrer do trabalho, por quanto que chegam ao estúdio de montagem com inúmeras ideias e possibilidades. A tua responsabilidade aí é dar-lhes uma ajuda na hora de darem forma e encontrar entre as imagens as ideias mais puras e genuínas que consigam estruturar o seu filme, portanto a tua sensibilidade e criatividade são fundamentais.
Quando terminei a universidade o género do documentário em Barcelona estava num momento em alça, vários cineastas com carreiras mais ou menos consolidadas estavam a desenvolver os seus projetos na cidade e por isso tive a oportunidade de trabalhar com Isaki Lacuesta, por exemplo; e contribuiu para me dar uma visão do trabalho e de paixão pela profissão que ainda hoje continuo a explorar. Ao mesmo tempo tive a oportunidade de trabalhar em projetos como “Chico y Rita” (2010), o filme de animação dirigido por Fernando Trueba e Javier Mariscal, ou Bugarach (2014) de Nanouk Films, um projeto documental com participação europeia. E desde há quatro anos também me dedico à docência. Dou aulas em várias universidades (iDEC-PF, UAB e na ESCAC-UB) ministrando diversos seminários vinculados com a montagem documental e com as escritas em primeira pessoa, assim como com a monitorização de projetos finais.

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En todas as mans (teaser) from Diana Toucedo on Vimeo.

E em especial como começou a tua vinculação com Trespés?
Conhecia os membros de Trespés desde havia algum tempo e queria desenvolver um projeto documental sobre os montes vizinhais em “man común”,  terras comunais. Chamaram-me por se tinha vontade em ajudar a realizá-lo mas quando me estavam a explicar a temática apercebi-me que não fazia a mínima ideia da realidade das vizinhanças do nosso país. Pareceu-me um projeto necessário e urgente, como galegas devíamos conhecer aquilo que sendo tão próximo era tão desconhecido, e assim comecei há quatro anos esta aventura. O documentário “En todas as mans” foi terminado no ano passado e desde então Trespés tem-se ocupado da distribuição para poder chegar a mostrá-lo no maior número de lugares possíveis.

E como surgiram e se desenvolveram os projetos de “En todas as mans” e “Trinta lumes”?
“En todas as mans”, como bem acabo de dizer, pode-se considerar um projeto de encomenda, mas ao longo da produção fui-o tornando muito pessoal. Conseguimos achegar-nos a mais de quinze comunidades de montes por toda a Galiza e parte de Portugal trás uma intensa pesquisa.
No fim ficamos com oito, mas a nossa surpresa foi ver que ao longo do território havia muitos projetos interessantes e inovadores que poderiam ter estado no documentário, mas uma hora e meia de metragem não dá para muito embora assim pareça.  Assim “En todas as mans” é uma olhada à realidade do nosso território e os seus habitantes que com corações afoitos e firmes lutam por manterem um património que tem mais de dois mil anos de antiguidade e que desejam preservar para os nossos sucessores.
“Trinta lumes” porém é um projeto pessoal co-produzido com Lagoas Films. Este projeto nasce de uma necessidade pessoal. Iniciado muito antes que “En todas as mans”, sentia-me longe da Galiza. Levava já muitos anos a morar em Barcelona e queria voltar para a minha fazendo o que eu mais desejava, um filme. Justo uma das minhas melhores amigas estava a trabalhar na escola Uxío Nononeyra de Seoane do Courel, era uma zona desconhecida para mim mas que desejava visitar. Quando cheguei ali apaixonei-me logo e nasceu “Trinta Lumes”.
No Courel chamam com o substantivo “lume” as famílias, as casas habitadas de uma aldeia.
Além disso só havia trinta crianças naquela altura portanto fica à vista a baixa demografia também no título. Assim, desde as crianças e os lumes comecei a trabalhar neste projeto que busca indagar o que estamos a perder nesse espaço mas também do que está a ser herdado através destas crianças. Procuro fazer um retrato que ainda que focalizado no Courel seja um bom espelho das mudanças que estamos a viver como sociedade. O Courel a mim  leva-me para momentos passados da minha vida, a formas de fazer, a valores, a pessoas vitais conectadas com o seu entorno natural e, portanto, é também um lugar de futuro que nos pode ajudar a compreender o quê nos identifica e o quê nos conforma como seres espirituais .

O PRESENTE

Quais são os projetos mais recentes?
Os projetos mais recentes com os quais me estou a envolver têm muita música. Montei a longa-metragem documental “Belén” da realizadora venezuelana Adriana Villa. Baseada em Belén Palacios, uma mulher afro-venezuelana que foi declara património pela sua tradição musical, tocava um formoso e simples instrumento chamado Quitiplá que a levou a tocar por quase meio mundo. Mas também estou a preparar um novo projeto sobre o chelista arménio Félix Simonian, assim como estou com a ideia de desenvolver um documentário que levo vários anos querendo fazer sobre o meu pai, continuação de uma curta chamada “Imaxes segredas” (2013) sobre a vida em alta mar.
E falando de música, há uns anos gravei uma pequena peça na aldeia de Zobra, na Serra do Candán, chamada “Por qué non cantades todas” (2014). Este pequeno projeto originou-se após a relação com Samuel Dobarro, presidente por aquela altura da comunidade de montes de Zobra, na rodagem de “En todas as mans”. Samuel era membro do grupo de cantadeiras que há em Zobra e queriam ter alguma peça audiovisual que guardasse as suas experiências. Foi maravilhoso juntar dez mulheres nas suas cozinhas, mais a Samuel e a Pepe, o acordeonista, e começar a falar em como aprenderam a tocar, a tradição musical de Zobra, a vida da sua juventude… Senti-me abrindo um grande álbum familiar e descobrindo mil histórias ocultas e quase esquecidas. Os habitantes de Zobra deram-me a oportunidade de ver a vitalidade de uma aldeia rural que nunca antes sentira e pude viajar com eles a tempos passados quando toda a vida era orquestrada com alegres e sarcásticas melodias.

Onde achas que estão as principais dificuldades ou entraves na tua labor?
Desde o ponto de vista mais pragmático as maiores dificuldades com as que nos encontramos quase todas as pessoas cineastas é com o financiamento. O estado espanhol apoia insuficientemente a cultura, nomeadamente, o cinema, e por conseguinte a indústria é quase inexistente, mais ainda trás estes duríssimos anos. Galiza estava a ser um foco central no apoio ao cinema através da Agadic e assim foi conseguido o nome da nossa cinematografia atual no panorama internacional, mas a linha não  parece nem ser sequer continuístaa embora o logros conseguidos, e é um pouco entristecedor. Contudo não só no âmbito público temos estas dificuldades senão que no privado os horizontes também não são alicientes.
Desde o ponto de vista criativo um dos maiores reptos da profissão é a conexão com o projeto em que estás a trabalhar. A conexão emocional própria mas também a conexão com a pessoa realizadora.
Normalmente quando a pessoa que realiza o filme chega ao estúdio de montagem, chega com muito peso às costas, anos de trabalho, dificuldades de produção… e sabem que nesses meses que têm pela frente junto a ti nascerá ou será materializado todo o esforço, assim que todos os ânimos, sensibilidades, o ego… estão à flor da pele. Gerir isto e conectar-te com a essência do projeto nem sempre é fácil, porém quanod se logra é mágico. Sentes que o projeto tem vida própria e vai-te pedindo coisas, uam estrutura que não tinhas pensado, uma viragem na proposta formal que jamais farias sendo coerente com a peça, uma voz em off ou uma música… Estes momentos são os que mais costumamos desfrutar mas também os que são verdadeiros quebra-cabeças. Às vezes não consegues narrar alguma coisa ou articular visualmente o que quer ser transmitido e passas dias a fio a pensar durante 24h como consegui-lo…

O FUTURO

E quais são as perspectivas de futuro, os objetivos a médio/curto prazo?
As perspectivas de futuro estão sempre em evolução, pela situação externa, mas também por aquilo que tu desejas ao longo do caminho. Atualmente gostava de ir trabalhar fora do estado espanhol e conhecer outras sensibilidaes e outras linguagens… Por vezes diz-se que um cria o seu futuro ao tempo que faz o seu presente, assim que talvez algum dos leitores possa entrever quais os meus próximos passos.

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E OS ARREDORES (Periferias)

Achas que na tua atividade há um especial vínculo com a identidade galega?
É uma pergunta complexa. A identidade sempre me parece alguma coisa de muito abstrato que tem a ver tanto com as tuas raízes mas também com o teu caminho de vida e com o teu presente. Agora posso dizer que levo quase tanto tempo a viver na Catalunha quanto na Galiza e daí que a mistura seja complexa.
En “Trinta Lumes”  tento elaborar a minha ideia de identidade e entaõ poderia dizer que sim, que mantenho um certo vínculo que estaria mais próximo à forma de ver e entender o mundo.

Trabalhas habitualmente, ou trabalhaste alguma vez, ou gostavas de trabalhar sobre ou noutros  países de língua portuguesa?
Já trabalhei com anterioridade mas gostava de seguir a trabalhar no futuro, a língua une-nos.

Enquanto ao género, tens percebido alguma peculiaridade no teu trabalho pelo facto de seres mulher?
Salientaria a sensibilidade, talvez por isso a maior parte dos grandes cineastas da história do cinema tinham uma montadora:  Barbara McLean montadora de John Ford ou Elia Kazan, Cécile Decugis montadora de Eric Rohmer ou Jean-Luc Godard, Thelma Schoonmaker com Martin Scorsese, Sally Menke com Quentin Tarantino ou Danièle Huillet com Jean-Marie Straub. Provavelmente como mulheres temos um jeito de trabalhar que acrescenta uma mais-valia de sensibilidade e conexão com o que fazemos, não conseguimos evitá-lo e diria mais, deveríamos potenciá-lo.

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