Illa Bufarda

Sabela Iglesias e Adriana Pérez Villanueva

Falamos com Sabela Iglesias e Adriana Pérez Villanueva, habitantes da particular Illa Bufarda. Elas são as cabeças pensantes e as mãos (e pés, e corpos…) executantes deste interessante projeto multidisciplinar mas que é, fundamentalmente, audiovisual.Boa tarde! Podeis definir o vosso projeto de forma mais ou menos breve? Quais foram as vossas motivações?
A Illa Bufarda é uma produtora criativa multidisciplinar que inclui diferentes aspectos: animação, fotografia, audiovisual, formação… Nasceu há já três anos, e nasceu de um reencontro de nós as duas depois de termos terminado os estudos. As duas estudamos Comunicação Audiovisual em Santiago de Compostela mas depois fizemos as nossas especializações fora; Adriana em Madrid onde me especializei em animação e Sabela em Barcelona, onde fiz estudos de fotografia porque, infortunadamente, acabamos a licenciatura com a sensação de que para estar realmente formadas faltava tudo por fazer, e isso é um esforço a maioress, pois essa formação não é gratuita…
Ao voltar a Santiago, as duas reencontramo-nos e decidimos fazer juntas este projeto.

E quais são então os objetivos dessa Ilha?
O primeiro objetivo e o fundamental é o autoemprego, é a nossa forma de sobrevivência, uma maneira não só de termos uma saída laboral digna como também de fazermos valer o nosso trabalho, de conseguirmos que as pessoas valorizem o trabalho que fazemos, mas também a possibilidade de trabalharmos com projetos que são realmente satisfatórios para nós.
Outro objetivo fundamental é o da coerência, o âmbito audiovisual tem uma importância fulcral pois é um dos principais criadores do imaginário social. Se não tivermos isso em conta, se não lhe dermos a importância que tem, podes fazer produtos que tenham uma postura continuísta com os valores tradicionais, convencionais que não são nos que nós acreditamos. Aliás, é uma maneira de afirmar o nosso compromisso com a cultura própria.
Pode dizer-se que um terceiro objetivo é tentar que se valorize mais o trabalho criativo, economicamente e ideologicamente. Muitas vezes é um produto intangível o que estás oferecendo, e isso faz com que as pessoas não entendam o tempo que tens que investir nele. Mas também se trata de estender a criatividade através da nossa faceta formativa, pois achamos que está completamente esquecida tanto na educação formal como na sociedade. E neste âmbito trabalhamos em diferentes lugares, diferentes instituições públicas como escolas, concelhos, bibliotecas… e também privadas como ONGs, associações…
Outro dos grandes objetivos é a formação, é um âmbito muito motivante mas em ocasiões insuficiente dado que às vezes o tempo que nos solicitam para os projetos de formação é pouco. Quanto mais tempo se investe os resultados são melhores mas também há que dizer que há algumas experiências realmente satisfatórias, por pôr só alguns exemplos, ficámos muito satisfeitas do ateliê de “A mulher e os espaços” no IES A Sangriña da Guarda; ou os realizados junto com Mónica de Nut no concelho de Carinho “Oficina de Vídeo-criação dum Musical”; ou outra que fizemos com pessoas com diversidade funcional.
Trabalhamos também muito na formação em questões de género, o audiovisual é um dos lugares privilegiados para tratar estes temas e, aliás, a perspetiva de género nos produtos que chegam ao grande público é realmente frustrante. Trabalhamos então para lutar contra estes estereótipos mas sempre nos deixa uma sensação de que ainda fica muito por fazer.

Aproveitando então esta vossa faceta formativa, e essa temática de género que tratais nela, gostávamos de vos colocar duas perguntas ao respeito: uma é sobre as formas em que achais que se pode melhorar a visão de género que mostra o audiovisual e outra, mais pessoal, é se tendes sentido algum trato especial pelo facto de serem mulheres no vosso desenvolvimento do trabalho.
Quanto ao primeiro tema, acreditamos em que a melhor forma de lutar contra os estereótipos de género (ou qualquer outro) é criar conteúdos alternativos porque quase não há. E quando há, muitas vezes são criados com uma perspetiva muito moralista e nota-se muito a intenção. Não há produtos que, sem falar diretamente de género, simplesmente mostrem comportamentos e personagens não estereotipadas.
Outra das formas é a criação de espetadores/as ativas. Tudo o que mostra a TV tem um porquê e há que aprender a olhá-lo com outros olhos. Há que ter a consciência de que é uma construção e de que essa construção é machista. Nós, na realidade, vemos muito pouco a TV e ao trabalhar em escolas com jovens precisamos ter essa referência, então vamos a ela e ficamos assustadas. Na nossa experiência nos ateliês sentimos que a nível de discurso parece que sim há uma consciência trabalhada, mas quando vais ao concreto, aos detalhes, percebes que esse trabalho é superficial.

Captura de ecrã de 2015-05-06 22:13:30Então, poderíeis recomendar algum produto alternativo nesse sentido?
Na produção dos meios de massa não sabemos de nada que realmente se possa recomendar. Mas sim se fazem muitas coisas às quais podemos ter acesso na Internet como algumas séries de rádio que podemos encontrar na web de radialistas como “Killaricocha, la maldición de la abundancia”, séries em linha como a argentina “Cualca”, ou os desenhos animados de “La banda del patio”… Mas não temos exemplos nos meios de massa.

E enquanto à segunda parte da pergunta, a influência de ser mulher no desenvolvimento do vosso trabalho?
Sempre há questões que vêm à tona por esse facto, sobretudo porque trabalhamos numa profissão técnica e há muitas pessoas que ficam estranhadas de nos ver com cabos, câmaras fotográficas, máquinas… mas também influi a juventude, são duas variantes que provocam estranheza.
Muitas vezes encontramos atitudes paternalistas, como ao fazerem-nos recomendações de como se devem fazer as coisas… Comparado com os nossos companheiros homens podemos sentir que não se questiona tanto o seu trabalho quanto o nosso.
Podemos comentar muitas anedotas, por exemplo, quando as pessoas fazem comentários sobre o nosso físico ou perguntam pelo chefe…
Mas que se pode esperar numa profissão em que um professor nos ensinou nas aulas da faculdade que, quando não soubéssemos como preencher um programa de conteúdo chegava com colocarmos “a bunda duma mulher”…

Passando já a outro aspecto da vossa realidade, como é a vossa relação com a língua e a identidade galega?
Nós usamos o galego no nosso trabalho de forma completamente natural, deu-se por suposto desde o princípio que seria a nossa língua veicular, não fez falta que o planificássemos.
Para nós não é uma limitação, antes pelo contrário, é um potencial porque te diferencias e as pessoas já sabem de que vais, e esse posicionamento no mundo já faz com que cheguem projetos dos que gostamos. É como uma seleção natural!
Mas também é uma luta constante. Às vezes, depende de com quem trabalhes, tens que os convencer de que usar o galego é algo positivo. E a verdade é que apetece não ter que justificar o injustificável…
Também vemos este tema como uma parte mais do nosso lugar no mundo, quando te posicionas num lugar já crias sendo consciente disso, já o que sai reflete o teu posicionamento. Visibilizas, mostras  o potencial da tua identidade, da variedade… Trata-se de ver na particularidade um valor positivo.

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E também trabalhais com outros países de língua portuguesa? Como é essa experiência?
Sim, trabalhamos em Portugal com toda naturalidade e facilidade. Demos um ateliê na raia, em Vilaverde, e a comunicação foi fluída e fácil. Com outros países lusófonos não trabalhamos mas não por falta de vontade, mas porque ainda não tivemos oportunidade. Estaríamos felizes!Captura de ecrã de 2015-05-06 22:14:39

Por último, quais são as vossas perspetivas de futuro?
Chegar a viver dignamente disto. A expetativa já não era tão boa como afinal está sendo a realidade, portanto esperamos seguir a trabalhar para viver em condições dignas com o nosso trabalho.

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