XURXO DO GALHEIRO: «FALAM DA PERDA DO CÓDICE CALISTINO, E NOM TENHEM OUVIDOS PARA OS PARQUES INFANTIS SEM SE OUVIR A NOSSA LÍNGUA»

01-08-11

«No primário a professora de galego punha um mapa onde se falava galego com nomes esquisitos como Moçambique ou Cabo Verde, Brasil ou Angola»

PGL - Xurxo do Galheiro é de Redondela, tentou no futebol mas acabou de professor, as suas filhas adoram a Galinha Pintadinha e a sua avoa transmitiu-lhe um Portugal mítico com as histórias do contrabando.

Dá a batalha nas Anpas para um ensino em galego e de qualidade e acha que um «ismo» nom implica outros «ismos». A língua é de qualquer um.

PGL: Xurxo duvida se será um bom sócio já que, como dizia Agostinho da Silva, nom é «ortodoxo, nem heterodoxo, mas contraditório». É possível ter certezas no campo da língua na Galiza?

Xurxo do Galheiro: É mesmo difícil, em termos de «língua» e em termos de «qualidade». Viver em galego às vezes é complexo, por várias razons, porque o galego está a ser marginado, restringido, coutado, assinalado e discriminado e, por outro lado, a comunidade lingüística que emprega o galego fai-no em piores condiçons. Por exemplo, se vou a um bar e pido um sumo de ananás, se quadra tenho que explicá-lo ou dizê-lo em espanhol.

No pessoal assumo-me umha pessoa contraditória, para os ortodoxos nom serei «dos seus», «conseqüente» e todas essas lérias. E nessas contradiçons tenho que ir navegando sem grandes percalços, porque prefiro «estar» a «ser»: se para estar, por exemplo na Anpa tenho de escrever um outro galego nom vou ter problemas de consciência, porque isso nom está em contradiçom cos meus objetivos principais.

PGL: Mesmo assim, afiliaste-te à AGAL. Que te empurrou ao fazer?

XdG: A sociedade galega nom tem grande tradiçom associativa, por isso todas as pessoas empenhadas no projeto coletivo galego devemos fazer esforços para «estar». Estar nas comissons de festas paroquiais, nas comunidades de montes, nas associaçons de vizinhos, nas anpas, etc. Porque ao longo do tempo fum aprendendo o princípio de que se nom estou eu, outro vai estar por mim, assi que eu assumo o associativismo com naturalidade.

Ao mesmo tempo, com a crise económica todos estamos a sofrer no nosso peto muitas restriçons, daquela, agora é quando me tenho que empenhar ainda mais nas cousas que me interessam. É evidente que nom se pode ter o mesmo protagonismo em todas as associaçons em que se é sócio, nem economicamente me dam os quartos para todas em que gostava de estar.

Entom, para mim a língua é umha questom importante e hoje a AGAL está a demonstrar que tem umha dinámica de trabalho (Portal Galego da Língua, ATRAVÉS|EDITORA, dicionário e-Estraviz...) e um tesom que nom encontro noutros coletivos, e que perante a esfurriqueira mental que nos sitia atua com passo firme e decidido, daquela, afiliar-me à AGAL é mais umha areeira num trabalho coletivo.

PGL: Que linhas das encetadas pola associaçom pensas que som mais eficazes?

XdG: Eu mais do que novos percursos falaria do esquecimento de velhas batalhas para as que nom tenho pachorra e que me fartam. Hoje o reintegracionismo está a ligar com as novas dinámicas sociais dos espaços urbanos e juvenis, e isso é mui importante.

O Portal Galego da Língua é, em si mesmo, umha linha de trabalho que é um bom exemplo dumha visom da língua complexa e moderna.

PGL: Por onde achas que deve transitar a estratégia reintegracionista? Como podes ecoar melhor o nosso projeto?

XdG: Nas colaboraçons abertas e, às vezes, contraditórias com outros coletivos, sair dos espaços de consenso e ir à procura dessas pessoas, em princípio, indiferentes à língua galega.

Eu, ao longo destes anos, fum conferindo como muitas pessoas iam para casa porque aos cinco minutos de começar um projeto se instalava um suposto «debate normativo» que nem arre nem xó. O movimento reintegracionista nom deveria ficar em velhas glórias, no espaço filológico e nas salvas de palmas asseguradas. E sei que hoje há muitas colaboraçons entre pessoas diferentes e que está a dar os seus bons fruitos.

Um outro erro estratégico que estamos a ultrapassar é pensar que um «ismo» implica muitos outros «ismos». Umha pessoa pode ser o que quiger no ámbito ideológico, dos gostos e das preferências e nom por isso deixar ou descobrir o galego e a aposta concreta do reintegracionismo. Quer dizer, assumir que a língua é de qualquer um, ponto.

PGL: Xurxo é natural de Vilar de Infesta, paróquia galego-falante de Redondela. A tua família e o teu ambiente coajudárom a que o galego fosse natural.

XdG: Nom somos mui conscientes do ambiente em que nos criamos até que nom se comparar com outros. Na casa dos meus pais e avós sempre houvo muita preocupaçom polas questons sociais e lingüísticas, às vezes isto custou algum que outro forte desgosto, problema ou incomprensom, mas nom me deixam de surpreender as histórias de diglossia e auto-ódio que alguns galegos protagonizam.

Ao mesmo tempo, hoje Vilar de Infesta, que se insere nesse conceito de «periurbano» ou «rururbano» de que eu tanto gosto, tem 2.000 habitantes e está a viver o mesmo processo de espanholizaçom que outros lugares da Galiza. A escola pública Porto Cabeiro, quando eu e a minha irmá íamos, todo estava em galego, tamém no centro cultural, na asociaçom de vizinhos, na comunidade de montes, porém, aqueles meus colegas falam-lhe hoje em espanhol aos filhos, o que dá para compreender o lento e profundo que som os processos de substituiçom lingüística e o difícil que é alterá-los.

Outra cousa que me desacouga é comprovar como todos os passos que dá a presença social do galego podem ser botados abaixo com umha facilidade abraiante, muitas vezes porque já nom estám as pessoas que tinham essa sensibilidade. Por exemplo, se há mudanças na associaçom de vizinhos ou nas comissons das festas, Vilar de Infesta converte-se em Villar de Infiesta e o galego desaparece «naturalmente» da vida social.

Hoje ficam cada vez menos espaços naturais para o galego e contra isso nom há políticas decididas, daquela a nossa força associativa é imprescindível.

PGL: Jogaste no Sárdoma e estudaste em Vigo em cujo ambiente estava naturalizado o castelhano. Como viveste esta experiência?

XdG: O meu pai é de Sárdoma e tamém era o presidente do glorioso Clube de Futebol, polo que nom tivem outro remédio que me pôr a chutar na bola, eu adorava chegar algum dia ao Celta, nom podo dizer que nom foi por falta de cunha...

Para mim era o natural, o meu espaço familiar em galego e quase todo o que me rodeava em espanhol. Os meus primos e tios som de Sárdoma e para eles o estraho era que alguém puidesse continuar a falar galego.

Duro foi ir para o instituto em Vigo, ao princípio sentia-me um bocado complexado mas o conto durou pouco porque os meus familiares explicavam-me o que significava essa situaçom de diglossia e tamém rapidamente encontrei professores e outros colegas interessantes que iam contra a corrente, daquela eu ajudava a galeguizar os espaços.

Outra cousa era que no contato direto às vezes fosse difícil engatar em galego, ainda por riba eu som dos de Vigho, assim que sempre tinha umha escusa quando nom engatava. Ora, de todos os meus colegas que falamos galego esse, o de engatar, era o momento onde era obrigatório desertar da tua língua. Quero pensar que hoje nom continua a ser assim.

Agora a sério, é triste ter que admitir como cidadám deste país, que o fortaleza ideológica foi o que me animou a mim e a outros muitos a nom abandonar o galego em espaços tam espanholizados como os urbanos, sabias que sempre che podia cair um «paleto» ou «aldeám», e isso nalgumhas idades é difícil de assumir. Por isso sempre me admirárom os neo-falantes, porque costumam sofrer a incompreensom dos paleofalantes e o do seu ambiente.

PGL: Xurxo foi premiado em 2005 na categoria de artigos jornalísticos normalizadores num texto onde afirmavas que havia que secundarizar discursos como «língua dos nossos antergos», «língua proletária do meu povo», «língua dos meus pais e avós», «língua da aldeia», «entre nós em galego». Achas que os movimentos vam nesse sentido?

XdG: Em geral, tenho a impressom de que estamos todos à procura dum discurso lingüístico de defesa do galego que seja universal, para todas as pessoas, umha espécie de alquimia que dê com a pedra filosofal. Eu penso que bem polo contrário deve haver muitos discursos e muitas mensagens diferentes para umha sociedade plural e diversa que ultrapasse esta dinámica pola qual o único discurso aceite é o discurso partidário.

Eu o que pretendim foi fazer um outro discurso, neste caso para os estrangeiros e o seu processo de integraçom na sociedade de acolhida, que até o de agora nom passa polo galego, ao contrário do que se passa por exemplo na Catalunha.

PGL: És professor de português no Centro de Línguas Modernas da Universidade de Santiago. Quais as motivaçons dos teus alunos e alunas para se inscreverem?

XdG: Bem, som professor de português e de galego para estrangeiros, polo que tenho públicos mui diferentes.

Nos cursos de galego som pessoas mui interessantes onde acabo por aprender eu mais que eles e, eu que já dei aulas de galego a galegos, prefiro este tipo de alunos que nom tenhem na cabecinha nom sei quantos centos de preconceitos sobre a sua língua!

No caso de português nom há um perfil concreto, penso que neste sentido seriam interessantes estudos sobre as motivaçons dos alunos e alunas que cursan português na Galiza, mas ao longo destes anos a regra geral é que os 50% dos alunos pensam que já sabem português falando um galego paupérrimo e o outro 50% pensam que o português é mais difícil que o chinês. Ultrapassado o período crítico, os 80% acabam por abraçar as grandes oportunidades que umha língua (a sua língua) extensa e útil lhes oferece através de bolsas, projetos, publicaçons, empregos, etc.

PGL: Como foi a tua descoberta de que a nossa língua excede o quadro marcado polo ensino institucional?

XdG: É quase um desporto universal dizer que os professores som maus, eu bem polo contrário, lembro-me de muitos professores que forom boníssimos e que me marcárom. No ensino primário a nossa professora de galego punha um mapa onde se falava galego e ali estavam nomes esquisitos como Moçambique ou Cabo Verde, Brasil ou Angola. E organizavam excursons a Valença de comboio... ainda me emociono ao lembrar essas viagens.

Mas a vinha vivência mítica com Portugal parte das histórias à luz do lume da minha avoa quando ia ao contrabando caminhando até Portugal e ao Redondela ficar perto de Portugal e os meus pais gostarem muito de ir até alá, conhecia todas as feiras e lugares, desde Melgaço até Vila Nova de Cerveira.

Mas ao nível puramente lingüístico a cousa é um pouco diferente, porque nos espaços de fronteira às vezes o convívio nom vai ligado ao conhecimento lingüístico, ainda mais quando o galego é praticamente invisível. Mea culpa, mas tivem que chegar à universidade e conviver com outras pessoas com inquietaçons similares para descobrir as potencialidades da minha língua.

PGL: Num artigo publicado em 2010 no PGL, advertias de umha oportunidade para a expansom do estudo do português. Está-se a aproveitar essa oportunidade?

XdG: É que os galegos fartamo-nos a desaproveitar oportunidades! Um galego ou galega ao longo do seu percurso escolar tinha que sair com bom nível de galego, tamém na sua versom internacional, espanhol e inglês. Pois nada, aqui todo é ir contra o galego e contra a implementaçom da língua portuguesa no sistema educativo galego.

Pois bem, sem quase oportunidades para estudar português, a língua portuguesa é a segunda língua de escolha, atrás do inglês, na Prova de Competência Línguística com a qual se acredita o nível B1 numha língua estrangeira, obrigatório para tirar um título com o plano Bolonha.

PGL: Xurxo é o pai de Aloia e Mencia. Recentemente está a haver projetos e vozes que pedem abrir projetos educativos de caráter privado e/ou cooperativo que tenham como senha de identidade o ensino em galego a imitaçom de iniciativas similares em Euskádi, Catalunha ou Bretanha. Pegarias nessas serviço?

XdG: O tema é complexo e difícil. Em primeiro lugar é a constataçom dumha impotência, se vives num espaço urbano é quase impossível que os teus filhos falem galego e eu e a minha companheira chegámos a essa conclusom, é triste, é resignar-se, mas é um facto a que nos devemos confrontar com espírito construtivo, porque o que está a fazer a administraçom pública galega neste país é um desleixo absoluto... Falam da perda do Códice Calistino, e nom tenhem ouvidos para os parques infantis sem se ouvir a nossa língua?

Em segundo lugar, outra opiniom geral é pensar que a escola soluciona todo, que som os docentes os que erradicam o galego das aulas, e pola minha experiência nom é assim. Os espaços escolares estám bastante galeguizados e o dos professores tornou-se numha lotaria, depende da sorte. Mas cumpre ter presente que o coletivo dos professores e professoras é dos que mais estám a fazer pola galeguizaçom das nossas crianças e seria injusto nom reconhecê-lo, como se demonstrou na luita contra o decreto de marginaçom do galego. Outra cousa é que a escola, como noutras questons, nom poida deter o processo social de substituiçom e ainda por riba esteja constantemente a ser posto em causa o seu trabalho.

O terceiro ponto somos os pais e maes. Eu tenho-o falado muito com a minha companheira e outros colegas, para mim, que aposto por um ensino público, galego e de qualidade é umha contradiçom insuperável a criaçom dum ensino privado, por muito que as razons sejam louváveis, porque com essa lógica tamém se justificariam escolas privadas por razons de religiom, sexo, raça, etc.

Obviamente compreendo que haja pais que se sintam impotentes, impotência que partilho, e que apostem por esses projetos.

Ora, que eu nom o faga nom quer dizer que fique de braços cruzados por um ensino público galego de qualidade e em galego. O meu trabalho vai estar na ANPA, em apoiar e criar espaços onde o galego seja o veículo para gozar dos filhos. E muito disto se está a fazer, desde os espaços culturais e sociais até associaçons como Agarimar.

Por último, muitas vezes fala-se do caso das ikastolas -ainda que seja pouco amigo da basquite, catalanite, etc.- e eu sempre digo que nom me veria levando as minhas filhas a umha ikastola e sim indo com elas à festa da escola pública basca que reúne cada ano milheiros de estudantes, docentes, pais e nais na defesa do que é de todos e que tanto custou conseguir

PGL: As tuas filhas estám a viver numha língua extensa e útil. De que forma?

XdG: É que nom sabes que extensa e útil! Ainda me lembro dum cartaz na praça do Obradoiro que dizia «Mais Galinha Pintadinha e menos Galinha Azul» e a minha filha mais velha a berrar ao reconhecer o desenho: «a Galinha Pintadinha, a Galinha Pintadinha».

Na Galiza o baby language é o espanhol, quase nom há pessoa que nom se achegue a umha criança e lhe fale espanhol, e depois ainda há quem che pergunta como as nenas e nenos galego-falantes começam a falar espanhol nos espaços urbanos!

Repara, como a TVG deixou morrer o irreverente porco bravo javarim, que tanto êxito tinha aquém e além Minho -que foi feito da Xaba-Xira?- mesmo no canal Clan da TVE há vários desenhos animados que podemos ver na versom portuguesa, Ruca anda pola casa ao lado do «Abram alas para o Noddy», e a Galinha Pintadinha é já um clássico.

Com internet as possibilidades som infinitas, desde ouvir a música do ZigZag a acompanhar as aventuras do Pocoyó. Mas é que na Galiza quase todas as pessoas já se derom conta de que o galego tem onde apanhar bom peixe. Projetos musicais como o Servando, «Para bailar e cantar» ou «Na ponta do pé», que em Portugal saiu co nome de «Pezinhos de lã» seriam impensáveis noutros espaços lingüísticos ou culturais.

Em conclusom, temos razons para viver em galego e temos motivos para exportar o que aqui se fai.

Escrito ?s 14:12:27 nas castegorias: Formaçom
por maesepais   , 2673 palavras, 565 views     Chuza!

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