Quatro imagens autênticas e uma só revolta interior – Manifesto para o Dia da Toalha 2013, por Teresa Moure [3/4]

Quatro imagens autênticas e uma só revolta interior – Manifesto para o Dia da Toalha 2013, por Teresa Moure [3/4]

Terceira e penúltima entrega do texto escrito pola Teresa Moure para o DdoOLeR’13 (texto que, lembramos, ela própria defenderá publicamente, nos compostelanos Largo de Massarelos e C.S. O Pichel, depois de amanhã, sábado). A quarta e última entrega, amanhã, sexta-feira, véspera do 25 de Maio.




Terceira imagem: a lição de Clara Campoamor


sufragistas


O primeiro de outubro de 1931 as mulheres do estado espanhol obtinham, logo dum quente debate parlamentar, a possibilidade de participarem nas eleições. O voto feminino era um logro histórico: o reconhecimento da sua condição de pessoas de pleno direito. Surpreende pensar que foi há tão pouco tempo. Tenho ainda uma avó que nasceu antes dessa data e que viveu por tanto num mundo onde a sua opinião não contava nem na pura teoria. A sua mãe, a minha bisavó, fez-se adulta e pariu filhas e filhos antes de lhe permitirem votar.


Os livros de história frequentemente passam por alto este data. Ou mencionam que o debate sobre o voto enfrentou duas mulheres. Uma delas, Clara Campoamor, defendeu que era de “lei natural” o feito de as mulheres votarem. A outra, Victoria Kent, afirmou estar disposta a defender essa postura se todas fossem estudantes ou obreiras, mas que, nas condições em que se achavam as mulheres para essa altura, temia que os confessores votassem a través delas. Enquanto se focaliza a atenção nessa peleja entre duas mulheres, enquanto se simplifica o que não foi fácil de decidir, a crônica perde de vista a postura da esmagadora maioria masculina na câmara. Ali havia homens como Nóvoa Santos, com rua dedicada em tantas cidades galegas, que se perguntavam se realmente as mulheres estariam capacitadas para votar. Nem Campoamor nem Kent duvidavam dessa capacidade, ainda que as suas posturas fossem distintas. Victoria Kent não era “a má”, nem, com efeito, tão maus deveram de ser a maioria dos homens do parlamento, pois que a iniciativa foi finalmente aprovada. Porém, não nos alegremos demasiado. O voto ficava restringido para as mulheres maiores de vinte e três anos solteiras e viúvas porque os senhores deputados não aturavam a ideia de que uma mulher casada pudesse votar “contra” o seu homem. Não foi até 1978 propriamente que as mulheres do estado espanhol − e entre elas as galegas − chegaram à maioria de idade, ao possuírem o direito verdadeiro e total ao voto, a poderem votar quando e por quem lhes parecesse. Todo foi mui lento. Ainda nos setenta as nossas mães sabiam que não lhes estava permitido abandonarem a casa matrimonial ou dirigirem um negócio, viajarem ao estrangeiro ou terem unha conta num banco sem a vênia dum homem que as tutelasse.


Todo foi devagar. E assim, mui lentamente, vamos instalando-nos no tempo em que as portas se abrem. No meio, tantos insultos e desqualificações por ser mulher − tão faladora, tão ligeira, tão melindrosa, tão marimacho, tão atrevida −. No meio, os corpos de tantas mulheres assassinadas. No meio, ficam os rostos de tantas mulheres capturadas numa vida que não queriam viver, mulheres prostituídas, mulheres encadeadas numa decisão tomada de antigo, mulheres na procura de que alguém aprecie a sua abnegação quando decidem dar todo por outros, sem que os outros o pedissem. Ao fundo do túnel, uma luz: essa imagem da mulher que com a sua filha em braços, se achega à urna para votar.


Num movimento tão masculinizado como o reintegracionista, não posso por menos de lembrar este episódio das lutas de gênero para matinar sobre o alcance ético de certas escolhas. Clara Campoamor votou em pura ética. Sabendo que provavelmente o voto feminino a tiraria do seu posto de poder, conseguido sobre muitas renúncias, não duvidou. Essa coerência torna-a particularmente icônica. Ainda que eu não condenaria Victoria Kent, a utilitarista, as minhas simpatias estão com Clara Campoamor, com a sua resistência. Quando acreditarmos em algo, isso tem valor, mesmo se nos pode colocar numa situação pior da que tínhamos ao começo. Num mundo onde as figuras políticas perderam credibilidade precisamente por procurarem os seus próprios interesses, mudáveis, em troca de verdades que aspirarem a um bocadinho de permanência, não sujeitas à sua posição no tabuleiro de xadrez, cumpre atender à perspectiva ética.


O reintegracionismo não é só uma postura filológica. Já notarão que eu não acredito muito nas ciências, sempre praticadas ao abeiro de obscuros interesses. O reintegracionismo é também uma postura moral: a de comportar-se conforme às próprias convicções, ainda que nos deitem nas margens do sistema… Ou, talvez, por e precisamente para isso.


Num livro que vê a luz nestes dias, Carlos Taibo e Arturo de Nieves fazem um inquérito a algumas pessoas representativas da cultura galega contemporânea. Para surpresa de quem ler, a maioria das respostas mostra-se favoráveis à ideia de galego e português serem uma mesma língua, igual que às dificuldades de normalizarmos o galego sob a hostilidade institucional. A causa reintegracionista, como o voto feminino, está fora de questão. As Victorias Kent do galego temem quiçá perder o que conseguiram com esforço: só fica puxar um pouco, como em todos os partos…

This article has 4 comments

  1. O reintegracionismo não nos deita nas margens do sistema, precissamente.

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