Quatro imagens autênticas e uma só revolta interior – Manifesto para o Dia da Toalha 2013, por Teresa Moure [4/4]

Quatro imagens autênticas e uma só revolta interior – Manifesto para o Dia da Toalha 2013, por Teresa Moure [4/4]

Na véspera do 25-M, quarta e última entrega do texto que, a modo de manifesto, escreveu para o DdoOLeR’13 a “madrinha” do evento. Amanhã, 25 de Maio, Dia do Orgulho Lusista e Reintegrata e Dia da Toalha, Teresa Moure ‘in person’ defendera-o publicamente, na praça pública (Largo de Massarelos) e a coberto (C.S. O Pichel).



Quarta imagem: A da toalha


teresatoalha


A foto mostra uma mulher. Essa mulher não tem casa natalícia que fotografar e pode luzir com orgulho que nasceu numa clínica veterinária, de onde procede a sua veemência animal. Ela de natural apenas têm o seu corpo. E estaria disposta a implantar-lhe uma válvula, um marca-passos ou uma prótese ortopédica se a existência lhe deparasse certas dores. Ela não seria natural se a situação exigisse uma dose de artificialidade. Ela, que considera a defensa da natureza a sua primeira causa, não teme o artifício porque julga que também os livros lidos, os filmes vistos, a música escutada, as experiências de contemplação de espetáculos ou outras artes mais performativas e mais íntimas que lhe tinham regalado, foram fazendo-a tanto como os seus braços ou os seus olhos. A câmara achega-se, recorta o quadro panorâmico e centra-se apenas um momento numa das personagens. Ela é por este momento uma mulher que se amostra, que se reconhece a si mesma, que pensa em si como alguém diferente das mudas das serpes − todas tão estreitas, apenas peles abandonadas no longo caminho de chegar a ser serpe −. Como acaba de premer no disparador da sua câmara que fixará esse instante dentro de cinco segundos, a sua mente estará concentrada em mirar para ninguém como se olhasse para alguém, mas, ainda que pareça colocada para ser contemplada, na realidade acaba de ver-se surpreendida. Essa mulher que a câmara retrata sou eu. Surpreendo-me porque nunca reconheço completamente a minha cara. Sempre quando me gravam ou me fotografam vejo os traços da minha mãe nisso que deve de ser o meu rosto. Vejo como o tempo, pouco a pouco, tenta tornar-me a minha mãe. E também vejo como eu lhe faço resistência, como teimo em ser outra, radicalmente distinta à que dite a genética: contrária ao “natural”.


A foto mostra uma mulher a quem pediram que se fotografasse para hoje. Pediram-lhe que deixasse de lado o pudor de ser retratada e ela mirou para a câmara. Mirou de frente, com rebeldia. Acabava de dar o salto de se incorporar numa luta não menor, a defesa duma norma ortográfica que a vinculava, de pronto, a tantos textos, a tantos povos, ao tempo que a distanciava dos poderes pequenos da cultura galega oficial. Essa mulher pôs a toalha sobre o ombro, como faz quem vai mergulhar-se num labor, e precisa ter as mãos livres. E retratou-se, tal como se sentia: despida diante da cultura oficial, em luta, como um animal disposto a saltar e defender-se. Assumia certos desconfortos, certas aprendizagens que não viriam regaladas e que a faziam mais vulnerável. Mas era puramente fortuito que a câmara mirasse hoje para ela. Porque havia muitas e muitos mais, com a toalha em riba, com a disposição de não deixar-se enganar por mentiras que as ilhassem da história, com o interesse de convocar na próxima edição da festa da toalha, mais uma amiga, mais um amigo, até sermos uma multidão de gentes insubmissas à grafia incutida na escola, ferozmente libertárias, turrando por abrir as portas e erguer bem alta a toalha. Ela sente o barulho da multidão de gentes insubmissas chegadas de toda a parte e berra: “Toalhas em alto!!”

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