O rei da Galiza Afonso II e o documento da Vilouchada

O rei da Galiza Afonso II e o documento da Vilouchada

15-12-2009

A finais do século VIII ou começos do seguinte, Galiza nom era um território despovoado nem, do ponto de vista social, desorganizado. Esta afirmaçom sustém-se, como dizemos, na análise dos documentos mais próximos ao tempo a que nos referimos. Nom passa dumha vintena o total dos textos referentes à Galiza que fôrom considerados, antes do seu submetimento a umha rigorosa análise crítica, anteriores ao final do reinado de Afonso II. Mas interessa-nos atender somente àqueles que superárom com claridade a prova da crítica. Deste jeito, nom se podem ter em conta, ainda que podam conter em ocasions núcleos de informaçom autêntica, o grupo dos documentos odoarianos, nem as doaçons de Afonso II às igrejas de Santiago e Lugo ou ao mosteiro de Samos. Eliminadas estas, dispomos em total de nove peças documentais, que, com a única excepçom da doaçom do rei Silo, som de origem privada e procedem, na sua maioria, dos tombos do mosteiro de Sobrado.

Estes nove documentos contenhem a informaçom escrita mais fiável e precisa de que podemos dispor para conhecer a realidade histórica de Galiza no momento em que tivo lugar a sua integraçom na monarquia ástur e constituem, pola sua antiguidade e a sua autenticidade reconhecida, um conjunto excepcional. Destaca entre eles, pola especial riqueza do seu conteúdo, o que recolhe a doaçom de Villa Ostulata feita, no ano 818, polo conde Aloito à basílica dedicada a Sam Vicente nesse mesmo lugar. Inclui umha narraçom acerca de como os bens doados vinhérom parar a maos do doador, o conde Aloito. A leitura dessa narraçom e de todo o texto puxa continuamente a observar, detrás dele, umha longa tradiçom histórica, visível da estrutura diplomática, perfeitamente conforme com as normas visigodas, até os nomes das testemunhas, quase todas elas romanas ou germánicas.

Atendamos, em primeiro lugar, ao espaço, às indicaçons de situaçom. Exponhem-se de jeito preciso e ordenado na primeira frase do texto, imediatamente antes da invocaçom. Som estas: in villa que ab antiquis vocitabatur Lentobre, et nunc vocitatur Ostulata, subtus castro Brione territorio Montanos iuxta rivulo Tamare. Ante todo, a definiçom do lugar: umha villa, um espaço que os homens ocupam, a célula básica de ordenaçom social do território. E, de seguido, o nome com o que se conhece; mas, neste ponto, a informaçom desdobra-se: oferece-se o nome actual, latino, Villa Ostulata, e o nome que ainda registra a memória, Lentobre. Este recordo é o indubitável testemunho de que Villa Ostulata nom é umha criaçom deste momento, senom um lugar que os homens ocupam, e com as mesmas ou parecidas características, desde há séculos. Nom de sempre, claro. A memória deste texto chega ainda mais longe. A seguinte indicaçom ?subtus castro Brione? conduze-nos até a pré-história, até a fórmula organizativa anterior, a que começou a desaparecer com a romanizaçom, mas cujos restos seguem ainda em pé e som um referente espacial que, mais tarde no próprio texto, volverá usar-se na delimitaçom precisa da villa. A villa nom conclui em si mesma. Ela e os seus habitantes estám enquadrados num território, o território de Montaos, que os agrupa junto a outros para praticar a sociabilidade ordenada; é dizer, para pagar impostos, para acudir à guerra, para reclamar a justiça.

A ordenaçom do espaço apresentou-se-nos articulada em dous chanços, em dous níveis essenciais: a villa e o território. Da villa, deve dizer-se, em primeiro lugar e como testemunho da sua condiçom de mais importante referente espacial, que a mencionam os nove documentos a que nos referimos e num total de vinte e umha ocasions. Neles fica bem claro que villa é o nome, polo momento exclusivo, com que se conhecem os assentamentos humanos. Mais adiante ocuparemos-nos da sua caracterizaçom precisa. Importa agora insistir em que as villae que se mencionam nos documentos da primeira metade do século IX nom som, polo menos na sua maioria, de criaçom recente, senom que, o mesmo que Villa Ostulata, tenhem detrás umha história que já é longa. Os cregos Froila, Pascasio e Leodulfo doárom à igreja dos santos Giam e Basilisa a Villa de Palatio polos seus ?termos antigos?. Os termos antigos, os limites que de antigo se conhecem, som trazidos a colaçom em duas ocasions à mantenta da villa próxima ao Mandeo que formou parte dos bens de Pompeiano. Dentro desses limites, os textos de Sobrado de tempos de Afonso II desvelam um assentamento, umha ocupaçom e umha organizaçom do espaço que som também velhos e que demonstram, em qualquer caso, que o cultivo de árvores fruteiras, as terras de cereal e o vinhedo som a base da produçom agrária; nom parece certamente que nada disto seja importado de Astúrias.

O primeiro chanço da organizaçom do espaço, o que tem que ver directamente com a produçom dos bens materiais, com a actividade agrária, com a terra e a sua exploraçom, é quando os documentos o descobrem, velho. Nom se pode dizer tampouco que o segundo chanço, o território, seja de criaçom recente. Ademais de no documento de Vilouchada, a identificaçom espacial em funçom de dous níveis organizativos descreve-se noutros três dos documentos que comentamos. Claudio Sánchez-Albornoz entende que, na época da monarquia ástur, tivo lugar umha adaptaçom dos marcos territoriais de tradiçom visigoda, obrigada, ante todo, pola própria reduçom espacial do novo reino; explicaria-se deste jeito a desapariçom das antigas províncias ?Galiza entre elas? regidas por um dux. O novo reino adoptou, transformando-os, os condados como base da ordenaçom do território e fijo surgir, a medida que incorporava novos espaços, umha rede de pequenos distritos aos quais as fontes dam nomes de commissos, comitatos ou mandationes. Mas nom há por que pensar, no caso da Galiza e polo menos com carácter geral, numha nova criaçom dos distritos administrativos; desaparecida a monarquia visigoda, desarticulou-se o que estava em pé da sua organizaçom central; mas pudérom seguir actuando, e o mais lógico é que sucedesse assim, os poderes locais. É o que reflexam, nas suas indicaçons espaciais, as mais antigas e fiáveis informaçons escritas de que podemos dispor. É esta substancial continuidade da organizaçom do território, tanto no que concerne à administraçom civil como eclesiástica, o que pugérom de manifesto os estudos que se ocupárom de explorá-la na Galiza alto-medieval. E, no que se refere à organizaçom eclesiástica, ninguém certamente sustivo que a sé de Íria seja o resultado do ré-povoamento organizador da monarquia asturiana.

Por riba da célula básica que é a villa, a organizaçom espacial responde à necessidade de enquadramento dos homens do ponto de vista político ou religioso. No primeiro nível, de conteúdo principalmente socioeconómico, os vínculos de relaçom dominantes som os que unem a donos e trabalhadores da terra, a servos e livres, a proprietários e nom-proprietários. No segundo, de conteúdo eminentemente sociopolítico, confluem poderes religiosos e laicos para estabelecer as linhas de relaçom entre os poderosos e súbditos, entre juízes e julgados, entre os fieis da ?plebe? e os seus pastores.

Volvamos à Vilouchada, a aldeia situada no território de Montaos. Esta última indicaçom territorial introduze-nos de cheio no corpo do texto, nas informaçons directas que contém sobre a estrutura social. Os seus direitos de propriedade em Villa Ostulata, os que por este documento lhe cede à basílica de Sam Vicente, chegárom ao conde Aloito ?um comes, um dos que se situam na parte alta desta sociedade hierarquica, um dos que mandam? precisamente em virtude da posiçom que ocupa na hierarquia social. Os filhos de Rikilano, por umha banda, e Vittina e os seus, pola outra, mantiveram um preito polos direitos de propriedade nesta villa e outras dos arredores. Os pequenos proprietários livres recorreram à assembleia judicial do seu território para liquidarem socializadamente as suas diferenças, os seus conflitos. O conde Aloito, auxiliado polos especialistas em direito, polos iudices, presidira essa assembleia judicial. O seu ditame, fundamentado nas declaraçons de testemunhas, é dizer, na prova testemunhal, que tampouco é um invento de agora mesmo, foi favorável aos filhos de Rikilano. Agradecidos, doárom-lhe logo o que possuiam em Villa Ostulata. Patrocínio, mercê? O texto nom di mais. Dixo avondo. Mostrou-nos esta sociedade hierarquica, integrada por campesinos e nobres; os cregos, abofé, também estám presentes: como receptores últimos da doaçom, como iudices, como testemunhas e, sobretodo, estám representados polo bispo de Íria, Quindulfo, que confirma, o último, todo o documento. Falta um grupo da sociedade da Galiza deste momento; faltam os servos. É difícil que apareçam nos textos. Nom tenhem por que aparecer neste. Eles nom actuam como testemunhas, nom regulam os seus conflitos na assembleia judicial. O documento da Vilouchada refere-se a assuntos próprios dos livres.

PALLARES MÉNDEZ, Mª del Pilar e Ermelindo PORTELA SILVA.2008. ?Galicia, na fronteira co Islam?. In: A Grande Historia de Galicia. ?Da Galicia Antiga à Galicia Feudal (séculos VIII-XI)?. Vol. 1. Mulleres, homes e paisaxes. pp. 49-55

Escrito ?s 16:40:55 nas castegorias: HISTÓRIA
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2 comentários

O Garcia do Outeiro

Muito é o que fica por fazer para desintoxicar a nossa história nacional, especialmente a medieval e entendo que esta postage vai encaminhada a essa tarefa colectiva que ainda resta por elaborar. O Reino de Asturies elucubrou-se na historiografia espanhola a partir da existência do principado polos historiadores espanhóis liberais do XIX. Hai um aúdio dumha palestra de Anselmo Lopes Carreira, que nom sei se conhecedes, do que gostei muito e que vos recomendo encarecidamente:

http://agal-gz.org/blogues/index.php/ofacho/2009/11/11/o-facho-a-desaparicom-do-reino-da-galiza-na-ho-espanhola-por-anselmo-lopez-carreira-2

Sem mais, recebede umha forte aperta irmandinha.

15-12-2009 @ 21:52
Comentário de: foucelhas [Membro]  
ordes

Assim é. De facto Maria do Pilar Pallares afunda na linha crítica de Lopes Carreira, que desmente o tópico da repovoaçom: a Galiza já estava povoada; mas sim que nom consegue escapar da nomenclatura da historiografia espanholista e fala de “Afonso II, da monarquia astur", quando simplesmente é “Afonso II, rei da Galiza com sé em Astúrias". Algo assim como se dentro de mil anos se denomina a Juan Carlos I rei de Madrid…

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