Penso agora que o caso era não pensar e dou tudo por bom. Porque foi para bem, afinal de contas. Foi assim, e eu reconstruo, ou tento:
Chego a Alacant em Setembro, passo o mês aqui e ao retomar as aulas (já em Outubro), Bárbara está no grupo de segundo ano. Tento fazer aulas descontraídas, vou tomar umas imperiais com os alunos ao sair, procuro dar-me bem com eles, resultar o mais próximo possível. Tento dar uma certa sensação de indisciplina, o que me resulta bastante fácil, na verdade. A ideia é fazer aulas participativas, e para isso permito um certo desordem. Não demasiado, creio. Nesse clima, aliás, posso deixar mais ou menos à vista as minhas tendências políticas. Não que as diga directamente (bom, nalguma ocasião sim), mas sobretudo à hora de vestir os meus t-shirts reivindicativos, os únicos que tenho. Em mais de uma ocasião deixo ver a minha simpatia pela língua valenciana. Bárbara, pelos vistos, gosta disso. Boa coisa. Estou à vontade com ela e isso ajuda-me a dar aulas.
Follow up:
Mas muitos dos alunos vão desaparecendo ao poucos das aulas, especialmente no grupo de segundo. Os que ficam põem interesse, no entanto. Tenho as minhas crises existenciais, pela falta da Galiza e de Sara, que pioram quando chego às aulas e vejo pouca gente: tenho a sensação de que o meu "bom rolho" teve más consequências. Bárbara não falta nunca, no entanto, e há algum dia em que estamos sós e simplesmente vamos tomar algo. Fala-me das suas amigas, da família, dos estudos, e a verdade é que não dou muito pelo que me conta. Muita informação, e eu quero confraternizar, mas nem tanto. Vejo-a e revejo-a. Gosto dela, a verdade, mas o meu coração está noutro lugar e noutro corpo, e não dá para imaginar-me nada, nem para ter sequer a ideia de que talvez pudesse passar algo entre nós. Aliás é aluna e também não me interessa muito ligar-me a este lugar, querendo como quero voltar à Galiza. Porém, gostaria de sair algum dia com alguém que não fosse Gus e Marina. Questão de saber-me um bocado livre. Tento, portanto, fazer-me amigo dela e abro-me muito, ainda mais, e acabo por contar-lhe absolutamente tudo. Falo-lhe de Sara, da minha família, da Galiza, de língua (falei muito de língua). Descubro que ela fala catalão normalmente, mas quase nunca em Alacant. Definitivamente, esta mulher cai-me bem, e é mesmo linda.
Vou para a Galiza, volto da Galiza. Estou com Sara, mas não estou com ela. Aqui, na Galiza e onde seja, estamos mas não estamos. Reconheço que esta situação me vicia, é uma montanha russa de sensações. Sara é complexa, mas vou decobrindo aos poucos que é uma sonhadora, igualzinha que eu, no fundo. E, a verdade, acredito (ainda acredito) que é uma pessoa especialmente... pessoa. Como mais pessoa que os demais. Sinto que o é, portanto é, e claro que estou consciente que há problemas, mas não sinto os problemas, apenas as suas consequências, que por isso doem, doem, doem. Creio que derrubando um par de muros poderíamos ser felizes (sim, sim, felizes). Também lho digo a Bárbara, em conversas a que não dou importância, mas que reparo agora que me fizeram muito bem. É simpática esta rapariga. Escutou-me quando lhe conto que Sara decidiu deixá-lo, e quê bem dissimula, porque realmente parece senti-lo. Sente-o por mim, apesar de que eu não o sinta, porque sei que o olá e o rencontro foram também antes do rencontro e eu tão contente. E sinto-me com forças e com vontade de fazer coisas por aqui, conhecer mais gente, e ? tenho de dizê-lo ? deixar de depender sexualmente de uma viagem de mil quilómetros, que depois chego como chego e não digo mais, que agora resulta que o meu pai anda a ler este diário...
O caso é que desde que o eu Sara o deixamos, eis que Bárbara põe mais interesse em falar comigo. Eu encantado: abro horizontes, posso falar com mais gente, há possibilidades de relacionar-me com quem ainda nem conheço. Enfim, que como sempre, não dou por nada, e isso que está bem claro. O caso é que cada vez vamos mais tomar os copos depois das aulas, e sempre ficamos sozinhos. Estou mesmo bem com ela. Nas despedidas é que aparece qualquer coisa como um campo magnético e tenho de refrear-me para não beijá-la ou qualquer coisa. É assim, é a situação, digo-me que não, basicamente porque é aluna, e esqueço-a totalmente depois que se vai. E pronto. Não quero nada. Não tenho nenhuma intenção, ou isso penso (melhor ainda: isso não penso, porque simplesmente esqueço o tema).
Importante chekpoint: férias da Páscoa. Vou para a Galiza. Estou com a Sara. Mais uma vez, estamos mas não estamos. Não estou a falar de compromiso nenhum, o que digo já o expliquei numa outra entrada deste diário. Por primeira vez sinto a necessidade, não apenas razonada, de estar com alguém aqui. E ? engraçado ? ao segundo dia de chegar, Bárbara vem e convida-me a ir a Valência para a manife de 25 de Abril. Já tinha vontade de ir, mas agora é que decido definitivamente que vou, porque foi ver Bárbara no gabinete e reparar que é ela com quem posso e gosto de estar. Sem pensá-lo, digo-lhe imediatamente que sim e ela fica surpreendida, mas não mais do que eu, embora dissimule e muito bem como sempre. De facto, duvido ? é a minha natureza ? sobre as possibilidades reais de que alguma coisa aconteça. Falo com Marina e ela vê-o claro. Eu a verdade é que bastante, mas prefiro esperar a Valência para saber.
Chega o dia de subir a Valência. Primeiro, no entanto, tenho de ir a Ontinyet a apanhá-la para irmos depois de comboio. É o seu pai que nos leva a Xàtiva, e isso faz-me pensar que ela não tem intenção de ter nada comigo: por alguma razão penso que uma rapariga de 21 anos como ela teria vergonha de apresentar-lhe ao pai alguém com quem quer engatar, coisa que não aconteceria com um professor, antes ao contrário. Minusvalorei a sua madurez, de que tanto gosto. Chegámos a Valência, a casa de Xola (a sua amiga) e as olhadas e certos comentários que faço por ignorar demonstram-me que não só há possibilidades, mas que o peixe está vendido e que simplesmente não se baralha qualquer outra opção. Fazem por ignorar o tema das camas, mas eu bem vejo que, pelos que somos e pelas camas que há, toca-me dormir acompanhado. Alegra-me a perspectiva, mas começam as dúvidas de se é ou não é ético ter algo com uma aluna, por mais que os dois sejamos adultos. Em qualquer caso, sei que não é até à noite que terei que tomar uma decisão a esse respeito, e também não lhe dou demasiadas voltas. Na manife acho Eduardo, a quem lhe tinha dito que eu não queria nada com Bárbara (mentiroso, mentiroso...), vamos os três tomar uma café e ele diz-me que que rapariga tão simpática. Falando, como sempre, eu e Eduardo acabamos por falar das aulas. Bárbara faz por fugir do tema e gosto disso: ela diz claramente que as aulas são as aulas, e que não quer falar delas fora da escola, que nesse momento simplesmente está comigo. Faz por fugir também da palavra amigo ao se referir a mim e eu bem reparo. E pronto, já tudo estava claro. A questão já era só esperar o momento. Chegou a noite, fomos ao concerto, fizemos botellón à entrada e já estava claro que o momento estava a chegar. O primeiro beijo foi, creio lembrar, quando Lluis Llach cantava Que tinguem sort . Coisa bonita. Depois eu tive de ir mijar (pouco romântico mas inveitável) e perdi-a. Ela buscou-me, e eu busquei-a. Telefonamo-nos, mas não há maneira de ouvir o telefone, porque já estão tocando Obrint Pas e é muita festa. Mas sempre nos achamos. Com tanquilidade, mais beijos e muito tá-se bem. Eduardinho que me sorri e diz e repite que ?de puta madre, tio, tu desfruta e passa-o bem? e eu que vou a isso e nisso estou ainda agora.
E assim é que vamos. Bárbara veio dormir comigo todos os dias da semana. Até chegar o fim-de-semana, que tinha que ir trabalhar a Ontinyent. Por isso não escrevi antes, nem falta que tinha. E bom, creio que já disse tudo.