Uma língua é uma identidade. Dizemo-lo tantas vezes. Socialmente, uma língua marca a fronteira entre "os que falamos assim" e "os que falam doutra maneira". Sem necessidade de abraçar o conceito de nação, é, ou deveria ser, fácil percatar-se de tudo isto. Mas costumamos vê-lo sempre de um ponto de vista nacional. E no entanto, eu sou galego, e falo catalão. Só sentindo-me parte do colectivo de catalano-falantes posso aprender e ajudar e, no entanto, não vou deixar de lado a minha identidade. Mas que identidade?
Façam a prova, se ainda não a fizeram. Apanhem uma aparelhagem qualquer e gravem-se a si próprios. Ouçam-se depois. A sensação é sempre, para a grande maioria das pessoas, muito desagradável. Quase nunca se diz, mas sempre é. Por questões puramente fisiológicas, ouvimo-nos a nós próprios com uma voz diferente a como nos ouvem os demais. E quando ouvimos a nossa verdadeira voz, a sensação é extranha, sabemos que somos nós, mas não podemos reconhecer-nos: não nos identificamos com nós próprios.
Follow up:
A nossa voz, a forma como falamos, é a parte mais importante da nossa identidade. Somos muitos os que nos disfarçamos no entrudo, ou os que fazemos caretas diante do espelho, mas poucos os que imitam voces ou sotaques. Porque a língua é uma identidade (política) que se respira. Está em jogo o nosso ritmo respiratório, para além das melodias que possamos estar acostumados/as a produzir, em forma de prosódia, entoação, etc. A identidade está em jogo dentro dos nossos peitos, e é identidade pura, individual e ao mesmo tempo colectiva (as línguas existem), sem necessidade de grandes razonamentos políticos e filosóficos: talvez não me identifique com uma bandeira, mas identifico-me com a minha próprias voz.
Por isso aprender uma língua é sempre aprender a ser outro em certa medida. Por isso os conflitos linguísticos, sempre políticos, são sempre conflitos identitários. Ainda que não se articule nenhum movimento nacionalista à sua volta. Afinal de contas, o que está em jogo, em comunidades de falantes como a valenciana ou a galega, é se eu me identifico com o meu vizinho e, portanto, não tenho medo em falar como ele. Não se trata apenas de palavras, mas da própria voz, repito. E aí tem muito, muito que revisar o nacionalismo galego. E tanto e tantos isolacionistas que perdem a gorja e a paciência a dizer que os lusistas vendemos a nossa identidade por grafar como grafamos, deviam revisar as suas amígdalas para ver se estão mesmo puras. É claro que também muitos reintegracionistas deviam/devíamos fazer o mesmo.
Corolário:
E fica assim demonstrado como aprender língua é mesmo importante para a simples convivência. E fica assim definido o nacionalismo espanhol, porque o ensino de línguas estrageiras no Estado é mais do que deficiente. Porque o ensino de línguas do estado, que não sejam a espanhola, é também deficiente. E por que será?