Há um par de anos, Anjo, um colega do liceu que não via desde aquela, chegou-se a mim e disse-me: Tio, que vontade tinha de te ver, porque tenho pensado muito em ti (bom, disse o mesmo mas em castelhano). Acontecia que se lembrara de mim porque gostava da actitude que eu tinha no liceu por falar galego. Tinha-se lembrado muito de mim porque, ainda que eu era o único do centro, continuava a falar assim, como a mim me 'molava', e apesar de que todo o mundo dizia que eu era 'gilipollas' (Anjo dixit, a sério). Pelos vistos admirava-me por isso, e eu não sabia se rir ou chorar.
Vem tudo isto a conto da misteriosa enquisa feita pelo misterioso Haklar Casares (de nome sueco e conhecido apelido galego), e as conlusões a que chega, misteriosamente parecidas com as do Dr. Karamba. É realmente triste pensar que fosse necessário um estúdio com "métodos revolucionários" para chegar ao que já sabíamos. Não nego que com certeza os que fizeram o inquérito "estão a favor do galego", mas vale a pena pararmos a ver quanto.
Na notícia que se nos dá em Vieiros, fonte nada suspeita -acho- de esconder coisas neste tipo de temas, diz-se-nos que um dos impulsores do estudo, Manuel González (esse radical) advirte da perigosa situação de identidade entre galego-falante e nacionalista. Nada teria contra o que diz, se não fosse que não assinalou nada sobre o perigoso de assimilar galego-falante a "pailão", e que já se tem acusado o nacionalismo de querer monopolizar a defesa do galego. E é que essa parece ser, segundo a minha leitura, a única referência de todo o engraçado estúdio no que diz respeitos aos CULPADOS.
Os nacionalistas são os únicos. O que chegamos a saber pela notícia não deixa de ser, afinal de contas, que a causa da perda de falantes é, por um lado, a existência de preconceitos, e por outro, toda uma série de problemas estruturais inevitáveis. Afinal, o que nos diz a notícia (pelo menos a mim, como falante médio) é que a coisa está mal, que ninguém tem culpa e todos temos culpa, e sobretudo os nacionalistas. E não podiam, já que estavam, falar das causas dos preconceitos? Não digo no livro, mas na sua apresentação, que é o que transcende. É que o estudo parece muito interessante, mas é que não podíamos saber alguma coisa sem comprá-lo, já que a publicação a pagamos todos?
Não, melhor ficarmos a saber o mesmo. Melhor que ninguém saiba das culpabilidades por ausência. Melhor que ninguém pergunte se o governo galego não poderia fazer algo, se não é a sua obriga. Melhor. Melhor que as pessoas fiquem a saber que existem preconceitos, olhando por cima do hombro os seus vizinhos, seguros, uns e outros, de não serem eles os portadores de semelhante peste. Muito melhor, sim senhor, que os que falemos galego continuemos a ser vistos como pessoas de fortes convicções, admirados pela nossa perseverância, e inevitavelmente icompreendidos, e inevitavelmente assinalados como "gilipollas" pelas mesmas pessoas que dizem admirar-nos. Muito melhor, claro que sim. Para eles. Para os anjinhos. Esses que não aparecem na notícia.