Ela

Às vezes surpreendo-me a mim próprio com as entranhas em posição sexual, tomando e vertendo sangue noutro corpo, como um parasita qualquer de sentimentos. Eis-me aqui, por exemplo, com o pênis a sair-me da barriga, banhado em sangue que nem sei se me pertence, à procura de outra metade. Eu à procura da ela outrem, que se extende para além do espelho dos meus óculos. Nesta ocasião tenteando como um cego, na certeza de haver alguém do outro lado do fio.
-Há alguém aí? - Ninguém responde.
Prova de não achar-me perante o meu eco.
Prova de não achar-me perante o meu oco.
Prova de não achar-me perante o meu ego.

Tempo

Alacant, 5 de Dezembro de 2003. Afinal chegou o Outono.

Que triste tempo quando falava no tempo. Dou uma olhada atrás e só vejo segundos vazios, à procura de um algo nas palavras.

Tudo dá voltas

Tudo dá voltas. Arredor deste mundo que é a minha vida. Tudo dá voltas. Apenas eu não volto, apesar de todas as viagens. A realidade é uma máquina de lavar. Os meus sonhos com Ela um remoinho de mar interior. Tudo dá voltas. A realidade é o enjoo profundo de um poço que dá voltas como tudo. Um poço no deserto. Às vezes até mergulho nas águas para tirar em limpo o tempo de ter estado dentro. Porque tudo dá voltas, o enjoo é a forma mais diáfana de ser-se equilibrado. A realidade é uma ventoinha. O meu sono com Ela um remoinho de dois corpos trançados. Tudo dá voltas, sim. Mas sou eu que não volto. Estou em crise porque a linha recta está em crise. O paraíso perdido é uma doença para a alma. O pecado original é ser-se emigrado de si próprio. (Volta também o tópico da Terra.) A realidade é uma betoneira. O meu acordar com Ela um paraíso em terra firme. Um paraíso para a alma. E eu sou a alma. E Ela é a alma. E tudo é a alma. E tudo dá voltas.

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