Quando todos os pensamentos
estão exaustos,
adentro-me no bosque
e colho
um monte de prémios de pastor.
Como o pequeno riacho
faz o seu caminho
entre as fendas musgosas
também eu, em silêncio,
me torno claro e transparente.
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No fundo do vale, esconde-se uma beleza:
serena, sem igual, incomparavelmente doce.
Na sombra calma da moita de bambu,
parece que suspira pelo amante.
(Ryôkan)
À noite, no fundo das montanhas,
sento-me em zazen.
Os assuntos dos homens nunca chegam aqui:
tudo é tranquilo e vazio,
e o incenso já foi engolido pela noite sem fim.
O meu kesa tornou-se uma tela de orvalho.
Incapaz de dormir, saio a caminhar entre as árvores -
subitamente, por cima do pico mais alto, aparece a lua cheia.
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Na minha hermita, um volume dos Poemas da Montanha Fria -
é melhor do que qualquer sutra.
Copio os seus versos e penduro-os á volta
saboreando cada um, uma e outra vez.
(Ryôkan)
gostava de falar de corcoesto
cabana de bergantinhos
galiza
mas faltam-me palavras
para dizer
enchi
distrito aomin-suaman
ghana
quero falar de corcoesto
e chego definitivamente tarde
á floresta tropical
quantas palavras
já deitei na lixeira procurando o verso certo
quantas vezes busquei a informação precisa
para o verso preciso
que nunca chega
mas quero falar de corcoesto e enchi
debruço-me a esta janela que é um ecrã em branco
e deixo que as palavras digam
da ética do ganho por cima de qualquer coisa
o mundo à volta do lucro sem pensar na terra que vamos deixar aos filhos
os filhos e nós próprios a respirar arsénico ou cianeto
a facada à paisagem que nunca mais seremos
o ouro como metáfora do valor deslocado da realidade ao símbolo
a cegueira de uma promessa que são só palavras vazias de político medíocre
sinto-me intoxicado ao ver no ecrã da sala tanta mentira repetida uma e mil vezes
mentiras de ouro
mentiras de arsénico
mentiras de cianeto
então deito-me no sofá e fecho os olhos
e quero falar de enchi mas não sei que coisa seja corcoesto nem ghana
nem o cianeto nem o arsénico nem balsas
o ouro agarra-se-me aos dedos e não posso mover um músculo
o arsénico no cérebro faz que não respirem os neurónios
o cianeto envereda nos pulmões e mal respira o meu corpo
e logo a dor de cabeça os vómitos os desmaios
e acordo e fiz cocó sobre mim próprio
e acordo e fiz xixi sobre os meus versos
e acordo e fiz cagada sobre a paisagem de corcoesto
ghana cabana de bergantinhos enchi planeta galiza mundo
e então abro os olhos
e falo de corcoesto
e enchi
a mesma mina
a céu aberto
e coração fechado