Lembro pouca coisa do sábado noite. Apenas começarmos a beber as duas garrafas de licor café que eu tinha levado, montar no autocarro de Montixelvo a Pego, sentado ao lado do Eduardo, e continuar a beber licor café. A partir daí é tudo névoa. Nalgum momento descemos do autocarro, eu e Eduardo continuamos a falar, dissemos as palavras mágicas, e lembro apenas que alguém me pegava na mão e dizia "vem, não te percas". Uma mão feminina, possivelmente mais de uma, que pegava na minha sem entrelaçar os dedos, apenas palma contra palma, e os dedos a abraçar o reverso quase sem se dobrarem. Lembro bem a sensação. Talvez fosse a Andrea, talvez a Maria, talvez a Mercé (que encontrei -lembro agora- quando eu estava perdido), ou talvez todas elas. Lembro, no entanto, ter lembrado isso mesmo no dia a seguir, e ter pensado que todas essas mãos eram uma e única, e que o realmente importante era que essa mão não era a minha, a que, adormecida ao volante do meu carro, começava a apanhar os restos da minha vida e a alçá-los
O esquecimento é uma utopia. O único possível é passar por cima.
(Depois da conversa de sábado à noite com o Eduardo em que alcaçámos a pronunciar as palavras mágicas)
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Da Tabacaria, de Álvaro de Campos. Desculpem que não escreva mais, mas não saberia expressá-lo melhor.