Em lôtus, a união das pernas cria um ponto de intersecção por cima do sexo, e é justo aí que me costuma doer. Na verdade, nunca cheguei a pôr-me em lôtus -apenas meio-lôtus-, mas é precisamente nesse ponto, onde estão os tornozelos, que se me centra a dor quase sempre. Também hoje.
Ponto de intersecção: o presente. Ponto de intersecção: este lugar. Ponto de intersecção: a dor resume "aqui e agora". E há outras maneiras, sim.
Mas esta é tão válida como qualquer outra.
E lembro ainda as palavras de E. M. Cioran a dizer aquilo de que "Segundo o Budiscmo, para se libertar é preciso desfazer-se do duplo jugo do bem e do mal. Mas estamos demasiado retrassados espiritualmente para acreditar que o bem seja um impedimento. Assim, não nos libertamos". E fico feliz de saber que o meu caro Cioran errava. E é por isso que me volta o ânimo de reler e praticar. Tudo é maravilhosamente velho e contemporâneo hoje. Luz! Mais luz! Esta noite cruzarei as pernas.
"Gritei e nesse grito ardi.
Calei e marginado e mudo ardi.
Dos limites todos me largou.
Ao centro fui e no centro ardi."
Muhamad Jalalaldim Rumi.
Também eu estou a bem pouco de me tornar em chama. O meu coração é quase o centro do universo. E o centro do universo, é bem sabido, está deslocado de si próprio, sempre. Dai esta necessidade (destrudo, dizem que lhe chamam) para voltar de novo ao aqui e agora (buda dixit) e fugir do círculo das rencarnações (1) provocadas pela insã tirania do desejo. Apenas a minha torpeza pode tirar-me deste pensamento, e fazer-me voltar ao inferno de naraka, como chamam os japoneses. Mas que eu seja torpe não seria nada novo.
E é que poucas vezes, nos últimos tempos, tive um pensamento tão claro. E lembro, talvez por isso, um poema que escrevi há tempo, quando conservava a medida certa do caminho do centro. E reproduzo:
(1)- Dizque o tal círculo se chama samsara, em língua Pali. Curioso nome, não é? Porque o universo está dacordo nestes dias?
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