Vou trabalhar de empregado de mesa à "comparsa" que gerem os pais de Bàrbara em Ontinyent. Chego e sou muito bem recebido pela famíla. Começo a trabalhar e a actividade é frenética: há mais de sessenta pessoas a que servir a comida. Enquanto comem tenho alguns minutos e sento-me, empunho um cigarro como estilete e começo a análise da situação:
Uma língua é uma identidade. Dizemo-lo tantas vezes. Socialmente, uma língua marca a fronteira entre "os que falamos assim" e "os que falam doutra maneira". Sem necessidade de abraçar o conceito de nação, é, ou deveria ser, fácil percatar-se de tudo isto. Mas costumamos vê-lo sempre de um ponto de vista nacional. E no entanto, eu sou galego, e falo catalão. Só sentindo-me parte do colectivo de catalano-falantes posso aprender e ajudar e, no entanto, não vou deixar de lado a minha identidade. Mas que identidade?
Façam a prova, se ainda não a fizeram. Apanhem uma aparelhagem qualquer e gravem-se a si próprios. Ouçam-se depois. A sensação é sempre, para a grande maioria das pessoas, muito desagradável. Quase nunca se diz, mas sempre é. Por questões puramente fisiológicas, ouvimo-nos a nós próprios com uma voz diferente a como nos ouvem os demais. E quando ouvimos a nossa verdadeira voz, a sensação é extranha, sabemos que somos nós, mas não podemos reconhecer-nos: não nos identificamos com nós próprios.
Vejo através da janela da minha casa e vejo obras por toda a parte. Ao lado do meu piso estão a construir uma escola privada que - sai hoje no jornal ? não tem licença municipal para ser construída, mas querem, mesmo assim, abrir no ano que vem para poder competir com o colégio público que abrirá daqui a dois anos a duas quadras daqui. O turismo, soube há pouco, não traz assim tanto dinheiro a Alacant como se pensa. Há povos, como Torrevella, Santa Pola ou Benidorm, em que directamente os turistas são residentes, quer dizer, compraram a sua casinha e não têm que pagar nada por aluguer de vivenda. Também abriram os seus negócios, com preços do estrangeiro, e a gente que antes vivia nesses locais não pode fazer as compras neles, porque não lhes dá o ordenado. Nem sequer pagam impostos, os turistas, e tem de ser o estado, quer dizer, nós, quem pague as infra-estruturas que eles precisam: estradas, caminhos, chafarizes, bueiros, recolhida de lixo, etc. No meu prédio mais do 70% dos pisos estão vazios durante o ano, e mesmo assim, da minha casa vejo um formigueiro de operários a construir vivendas, não hotéis nem estalagens. Quem vai comprá-los? Para todos esses operários, ou outros da sua classe ou poder aquisitivo, as possibilidades de melhora passam por comprá-los e alugá-los a turistas (caso ?optimista de mim- de terem já habitação própria). Entretanto, é de esperar que os turistas também queiram comprar, contando para isso com seu poder aquisitivo, maior quase sempre que o daqui. Em consequência, muito possivelmente subam os preços, e o operário terá que trabalhar mais para poder pagar e começar a ganhar algo com essa ?riqueza? que se lhe vende e a que chamam turismo. Para isso, terá que continuar a construir mais prédios, que o construtor acabará, por sua parte, por vender também, e a quem?
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