no princípio é a ignorância um vácuo a fome de ser
depois a separação do tudo a consolidar a existência dalguma coisa a buscar outra
a seguir é o corpo-mente já separado da existência num espaço-tempo
a que logo nascem olhos ouvidos nariz língua pele e consciência
onde chega o contacto com o ser que ficou de fora e se reflecte na mente
que as classifica segundo goste ou não goste ou simplesmente ignore
e em consequência deseja interagir com elas
apega-se ou rejeita criando a mentira da duração no tempo
de um fragmento do tudo que foi trazido a ser sentido e portanto à impermanência
e o desejo frustrado dá lugar ao sofrimento que ofusca a consciência
e cria a ignorância um vácuo a fome de ser e portanto
a separação do ser em relação ao tudo que quer ser uno e busca
ser buscador aqui e agora criado pela própria busca
e tem consciência de si próprio porque tem sentidos e sabe
que os sentidos lhe dão notícia daquilo que busca
e às vezes gosta ou não gosta daquilo que lhe dizem
e quer ficar com isso ou fugir-lhe a pensar mesmo
que poderão manter-se porque quer que se mantenham
mas as coisas não respondem ao que quer e por isso
nasce a dor que lhe apaga a vista e volta de novo a não saber
que foi separado por uma existência não completa
que se buscava a si própria e nessa busca condicionou o ser-se
que originou a consciência sobre o próprio corpo aqui e agora
e aguça os sentidos ao ganhar a consciência dos sentidos
que claramente trazem uma impressão do mundo
e vê as sensações que se colam à impressão e apesar delas
mantém-se neutro sem lhe fugir nem agarrá-las
deixando apenas que durem a duração no tempo
sentindo a dor sabendo a dor e quem padece renascerá de novo
na própria existência iluminada do tempo unificado
Às vezes o medo ao fracasso. Às vezes
o medo ao sucesso.
Sempre
a vertigem do salto
para o outro lado de um próprio.
Às vezes um monstro que atormenta.
Às vezes um espelho que te chama estúpido.
Sempre
o medo.
Saltá-lo é
fitá-lo nos olhos
e esperar que se esboroe.
Às vezes desaparece mesmo. Às vezes
persiste em perseguir-te.
Mas sempre
mede.
O medo.
no início é tudo tenso nos nervos da madeira
depois é tudo mar contra uma rocha
alçada ao pé do umbigo
rangem as ramas quando o vento sopra
e oscila a árvore
mas despregamos pulmões
retesando a espinha
que indica o azimute do universo
e navegamos o intestino
sobre a barca das pernas
até voltarmos a porto inadvertidamente